Lei da vaquejada no Ceará é inconstitucional: vitória do meio ambiente diante da tradição cultural?

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Analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal que através da ADI nº 4983 julgou inconstitucional a Lei Cearense nº Lei 15.299/2013 disciplinando a Vaquejada como manifestação artística e cultural e o esforço parlamentar para legalizar tal prática esportiva.

                                 

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo precípuo analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal que, através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4983, julgou inconstitucional a Lei Cearense nº Lei 15.299 de 15 de janeiro de 2013 que disciplina a Vaquejada como manifestação artística e cultural e o esforço parlamentar para legalizar a prática esportiva. 

Palavras-chave: Vaquejada; ADI nº4983; Meio ambiente; Lei 15.299/2015;

                  

                                           


RESUME

The present work aims to pre-decide on a decision of the Federal Supreme Court on the Direct Action of Unconstitutionality No. 4983 deemed unconstitutional the Ceará Law nº 15.299 of January 15, 2013 Which discipline the Boi race as an artistic and cultural  manifestation And the parliamentary effort to legalize the practice of sport .

Key words :. Ox Run; Artistic and cultural manifestation; ADI nº 4983; Environment; Law 15.299 / 2015

A vaquejada, como esporte e manifestação cultural, existe desde a década de 40, sendo praticada em quase todo interior do nordeste e teria surgido da necessidade de reunir o gado que era criado solto na época dos coronéis, conforme Bezerra (2007, on line).

Na verdade, tudo começou aqui pelo Nordeste com o Ciclo dos Currais. É onde entram as apartações. Os campos de criar não eram cercados. O gado, criado em vastos campos abertos, distanciava-se em busca de alimentação mais abundante nos fundos dos pastos. Para juntar gado disperso pelas serras, caatingas e tabuleiros, foi que surgiu a apartação.

  Os coroneis escolhiam determinada fazenda e reuniam no dia marcado numerosos fazendeiros e vaqueiros devidamente trajados partindo para o campo, levados pelo fazendeiro anfitrião, divididos em grupos espalhados em todas as direções à procura do gado.

O gado encontrado era cercado em lugar mais ou menos aberto, comumente sombreado por algumas árvores, para proteger-se do sol, e nesse caso o grupo de vaqueiros se dividia. Ao final da tarde após o gado ser pego retornavam a fazenda.

Se o vaqueiro que corria mais próximo do boi não conseguia pega-lo pela “bassoura”, o mesmo que rabo ou cauda do animal, e derrubá-lo, os companheiros diziam que o boi tinha sido botado no mato!

Por volta de 1940, os vaqueiros de várias partes do Nordeste começaram a tornar público suas habilidades na Corrida do Mourão.

Os coronéis e os senhores de engenho passaram a organizar torneios de vaquejadas, onde os participantes eram os vaqueiros, e os patrões faziam apostas entre si, mas ainda não existiam premiações para os campeões. Os coronéis davam apenas um "agrado" para os vaqueiros que venciam.

A festa se tornou uma boa diversão para os patrões, seus filhos e suas mulheres.

Ao longo do tempo, as vaquejadas foram se popularizando, se tornando competições, com calendário e regras definidas se transformando em verdadeiras "indústrias" milionárias.

Hoje, há dezenas de parques de vaquejada no Nordeste. Vaqueiros de todas as partes se reúnem para as disputas, pela glória e pelos prêmios, cada vez mais atrativos.

Com o objetivo de fomentar e regulamentar a prática da vaquejada no Estado do Ceará o Governo do Estado editou a Lei 15.299 de 15 de janeiro de 2013 senão vejamos:

Art. 1º. Fica regulamentada a vaquejada como atividade desportiva e cultural no Estado do Ceará.

 Art. 2º. Para efeitos desta Lei, considera-se vaquejada todo evento de natureza competitiva, no qual uma dupla de vaqueiro a cavalo persegue animal bovino, objetivando dominá-lo.

 § 1º Os competidores são julgados na competição pela destreza e perícia, denominados vaqueiros ou peões de vaquejada, no dominar animal.

 § 2º A competição dever ser realizada em espaço físico apropriado, com dimensões e formato que propiciem segurança aos vaqueiros, animais e ao público em geral.

 § 3º A pista onde ocorre a competição deve, obrigatoriamente, permanecer isolada por alambrado, não farpado, contendo placas de aviso e sinalização informando os locais apropriados para acomodação do público.

 Art. 3º. A vaquejada poderá ser organizada nas modalidades amadora e profissional, mediante inscrição dos vaqueiros em torneio patrocinado por entidade pública ou privada.

 Art. 4º. Fica obrigado aos organizadores da vaquejada adotar medidas de proteção à saúde e à integridade física do público, dos vaqueiros e dos animais.

 § 1º O transporte, o trato, o manejo e a montaria do animal utilizado na vaquejada devem ser feitos de forma adequada para não prejudicar a saúde do mesmo.

§ 2º Na vaquejada profissional, fica obrigatória a presença de uma equipe de paramédicos de plantão no local durante a realização das provas.

§ 3º O vaqueiro que, por motivo injustificado, se exceder no trato com o animal, ferindo-o ou maltratando-o de forma intencional, deverá ser excluído da prova.

 Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 Art. 6º. Revogam-se as disposições em contrário.

A Procuradoria Geral da República através da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4983 contestou na integralidade a validade da Lei alegando que uma atividade que era uma necessidade antiga de fazendeiros da região de reunir o gado quando as fazendas não eram cercadas não mais existe, passando de inicialmente tratada como de produção agrícola a uma pratica esportiva e vendida como espetáculo movimentando mais de 14 milhões por ano.

Segundo a Procuradoria, novas praticas de tortura aos animais passaram a ser adotadas após a profissionalização da vaquejada como o enclausuramento dos animais antes de serem lançados à pista, momento em que são açoitados e instigados para que entrem agitados na arena quando da abertura do portão.

Tais práticas, segundo a Procuradoria Geral da República constituem crueldade e acarretam danos aos animais contrariando o artigo 225 parágrafo 1º, inciso VII, da Constituição Federal conforme descrito abaixo.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Regulamento)  

.  

O Estado do Ceará arguiu que a Lei é Constitucional por ser tratar de patrimônio cultural do povo nordestino e invocou o artigo 215 da Constituição Federal para embasar a legalidade desta, senão vejamos:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. 

Nos votos dos Ministros venceu a tese que ocorre crueldade intrínseca aplicada aos animais na vaquejada.

O ministro relator Marco Aurélio, utilizou laudos técnicos anexados ao processo para afirmar que tanto os bois como os cavalos envolvidos nos eventos sofrem lesões, de acordo com os laudos.

Ainda para Melo, o sentido da expressão “crueldade” constante no inciso VII do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal, alcança a tortura e os maus-tratos infringidos aos bois durante a prática da vaquejada, revelando-se “intolerável a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada”.

Já ministro Edson Fachin, divergiu do relator e votou pela improcedência da ação. Para ele, a vaquejada consiste em manifestação cultural, o que foi reconhecido pela própria Procuradoria Geral da República na petição inicial.

Outro ministro favorável à vaquejada Dias Toffoli, entendeu que a norma não atenta contra nenhum dispositivo da Constituição Federal. Alegando que a “vaquejada é uma atividade esportiva e festiva, que pertence à cultura do povo, portanto há de ser preservada”, disse. Segundo o ministro, na vaquejada há técnica, regramento e treinamento diferenciados, o que torna a atuação exclusiva de vaqueiros profissionais.

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No entanto a tese vencedora foi do relator que reconheceu o conflito de normas entre os artigos 215 e 225 da Constituição e opinou pela defesa ao meio ambiente.

No dia 30 de novembro deste ano foi publicada a Lei 13.364/2016 que eleva a vaquejada e outras modalidades a condição de manifestação cultural e de patrimônio cultural imaterial senão vejamos.

Art. 1o  Esta Lei eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.

Art. 2o  O Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, passam a ser considerados manifestações da cultura nacional.

A referida Lei pode ser considerada um marco porque não reverte a decisão do Supremo Tribunal mais complementaria a proposta de emenda a Constituição nº50/2016 de autoria do Senador permitindo a prática do esporte através a aprovação de tal emenda conforme o seguinte conteúdo.

 Art. 1º. O art. 225 da Constituição passa a vigorar acrescido do seguinte § 7º.

“Art. 225. .................................................................................

...................................................................................................

§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as manifestações culturais previstas no § 1º do art. 215 e registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, desde que regulamentadas em lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.” (NR)

Tal alteração excluiria práticas como a vaquejada e o rodeio desde que baseadas nas Leis especificas, conforme ocorreu com a recente Lei já mencionada promulgada no dia 30 de novembro

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No caso em tela, sem dúvidas temos um conflito de direitos coletivos entre a cultura e as tradições nordestinas através da vaquejada e do outro a proteção ao meio ambiente através da preservação dos animais utilizados para a prática do esporte.

Assim como no rodeio os amantes da vaquejada alegam que existe toda uma estrutura em volta dos eventos que geram milhares de empregos e que os cuidados com os animais existem de maneira sitemática com acompanhamento veterinário, boas acomodações, alimentação e transporte adequados e inclusive protetores nos locais sensiveis a lesões dos animais. 

No entanto, restou demonstrado pelos documentos trazidos pela referida Ação de Inconstitucionalidade que as práticas utilizadas para aperfeiçoamento do esporte, causam extremo sofrimento aos animais envolvidos, com choques elétricos, chifres de bois cerrados e confinamentos, o que não pode mais se permitir em tempos onde se nota devastação ambiental, extermínio e tortura animal sem precedentes.

A bancada parlamentar da Vaquejada se movimenta na Câmara e Senado para a edição de Leis que regulamentem a Vaquejada no território nacional num caminho contrário a jurisprudência pátria caminha que ia no sentido da restrição do esporte

Mesmo que ainda não se manifestando sobre os rodeios e outras atvidades, que em tese também impõem sofrimento aos animais, os ministros do Supremo Tribunal Federal já impediram a rinha de galos, com similar ponderação de direitos, escolhendo a norma mais favorável ao meio ambiente, com a visão que esse meio ambiente garantirá condições equilibradas para uma vida mais saudável e segura para os cidadãos de hoje e de amanhã.

Numa mitigação a esses princípios dispostos acima a bancada parlamentar dos amantes da vaquejada se apoia na suposta

geração de empregos e na difusão da cultura e tradição para a legalização definitiva da vaquejada. 

REFERENCIAS

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Portal de Noticias. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326838

Acesso em 06 de Out.2016.

BRASIL.      Supremo    Tribunal    Federal.   Portal   de     Noticias.     Disponível em

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=317895

Acesso em 07 de out.2016.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Portal de Noticias. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=242811

Acesso em 07 de out.2016               

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Consulta de Jurisprudência. Disponível em. http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4983relator.pdf.

Acesso em 07 de out.2016.

CEARÁ. Assembléia Legislativa. Consulta de Legislação. Disponível em.  http://www.al.ce.gov.br/legislativo/legislacao5/leis2013/15299.htm

Acesso em 07 out.2016.

BEZERRA, José Fernandes.  No mundo do vaqueiro.  Disponível em: http://www.barcelona.educ.ufrn.br/mundo.htm  

Acesso em: 06 out. 2016.

BRASIL, Presidência da República. Consulta de Legislação.  Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/L13364.htm

Acesso em: 06 dez. 2016

BRASIL, Senado Federal. Consulta de Legislação.  Disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127262

Acesso em: 06 dez. 2016


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Sobre o autor
Marcelo Alves Batista dos Santos

Coordenador Operacional da Secretária Municipal de Segurança de Juazeiro do Norte-CE de 2018 a 2020. Pós Graduado em Direito Público e Pós Graduado em Direito Trabalhista e Previdenciário pela Faculdade Paraíso do Ceará-FAP. Tutor do Curso de Aspectos Jurídicos da Abordagem Policia do Ministério da Justiça em 2019.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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