Considerações sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil do Estado

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11/12/2016 às 18:28
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O presente texto busca explicar quais são os fundamentos jurídicos que justificam a obrigação que tem o Estado de reparar os danos que seus agente, nessa qualidade, causam, sob a ótica dos principios constitucionais da solidariedade e da igualdade

Resumo: O tema escolhido para esta monografia está relacionado com os campos do Direito Constitucional, administrativo e também com reflexos na seara do Direito Civil e do Direito do Consumidor, especificamente da responsabilidade civil do Estado. Como é sabido, a responsabilidade civil do Estado, nos dias de hoje, é bem mais abrangente do que a responsabilidade civil entre os particulares, pois nesta o dever de indenizar só surge quando há a pratica de um ato ilícito por parte de um dos participantes da relação jurídica, vale dizer, contrário ao Direito; por seu turno a responsabilidade estatal pode surgia até mesmo da pratica de um ato licito. O objetivo dessa pesquisa consiste em entender quais são as justificativas jurídicas para fundamentar a responsabilização civil dos entes estatais, na modalidade extracontratual, delimitando qual seja aquela que melhor se enquadra na sistemática adotada pela Constituição Federal, á luz dos princípios da isonomia e da solidariedade, este último estampado o Atr. 3º, inciso I da nossa Lei Maior, relacionando, desta forma a natureza jurídica da obrigação estatal a tais princípios constitucionais. Como o tema é amplo, partiu-se do procedimento analítico, através do método dialético para análise dos dispositivos da Constituição Federal, do Código Civil, da legislação de Direito Administrativo que trata do tema, e de alguns dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, incluindo o estudo de obras de doutrinadores brasileiros, jurisprudência e artigos de publicações especializadas, para chegar às conclusões cabíveis ao tema.

Palavras-chave: Responsabilidade civil do Estado, obrigação de indenizar, natureza jurídica, princípio da solidariedade.

Sumário: 1. Introdução. 2 História da responsabilidade civil do Estado. 2.1 Teoria da irresponsabilidade do Estado. 2.2 Teorias subjetivas. 2.2.1 Teoria da culpa civilista. 2.2.2 Teoria da culpa administrativa. 2.2.3 Teoria da culpa anônima. 2.2.4 Teoria da culpa presumida. 2.2.5 Teoria da falta administrativa. 2.3 Teorias Objetivístas. 2.3.1 Teoria do risco administrativo. 2.3.2 Teoria do risco integral. 2.3.3 Teoria do risco social. 3 Responsabilidade civil do Estado no Brasil – Evolução histórica . 3.1 Período imperial. 3.2Periodo republicano, até a Constituição de 1988. 3.3 A responsabilidade civil do Estado na Constituição de 1988. 4 Possíveis justificativas para a responsabilização civil do Estado. 4.1 Diferença entre responsabilidade contratual e extracontratual (civil) do Estado. 4.2 Responsabilidade civil do Estado como sanção. 4.3 Responsabilidade civil do Estado como reparação. 4.4 Responsabilidade civil do Estado como decorrência dos princípios da solidariedade e da isonomia. 5 Caracterização da Responsabilidade Civil do Estado. 5.1 Pressupostos ao direito à reparação. 5.1.1 A efetividade do dano. 5.1.2 O nexo causal. 5.1.3 Causas que excluem a responsabilidade civil do Estado. 5.1.3.1 A culpa de terceiros. 5.1.3.2 A culpa exclusiva da vítima. Considerações finais. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

O Estado tal como conhecemos, surgiu como uma comunhão de esforços entre indivíduos com o objetivo de atingirem determinados fins em comum. É que no princípio reinava a lei do mais forte, esta anarquia trazia uma enorme insegurança, seja pela possibilidade do mais forte subjugar os mais fracos, seja pela possibilidade de os mais fracos, unidos, imporem a arbitrariedade a um grupo menor de mais fortes.

Além disso, o ser humano tem necessidades que individualmente não consegue suprir, veja, a título de exemplo, o caso de pessoas que precisam se locomover entre duas cidades bem distantes, que no caminho são separadas por um rio muito largo, é inconcebível que um único trabalhador consiga construir uma longa estrada entras aquelas cidades e construir uma enorme ponte sobre o rio citado, por tanto a necessidade da comunhão de tais esforços não esteve relacionado apenas à segurança dos componentes de determinado grupo.

Assim, pode-se dizer que, para além de simplesmente necessidade de segurança, os indivíduos que formaram os primeiros estados o fizeram porque notaram que só com o esforço comum conseguiriam suprir várias outras necessidades coletivas, enfim, pode-se afirmar que o Estado surgiu para prestar serviços (aqui a palavra serviço é utilizada em seu significado mais abrangente atingindo inclusive a mediação de conflitos, o que hoje é feito, com preponderância, pelos órgãos do poder judiciário).

Essa junção de esforços foi chamada pelos teóricos antigos de ‘’ o contrato social ‘’ surgindo por este meio o Estado, um instrumento de pacificação social, de busca pala justiça e de realização de outros objetivos que o indivíduo sozinho não seria capaz de realizar, dessa lógica se pode afirmar que o Estado surge como instrumento destinado a concretizar as necessidades dos indivíduos que o criaram.

Acontece que, na realização de seus objetivos, o ente estatal, não rara as vezes, acaba, digamos, exigindo de determinado cidadão, uma ‘’contribuição’’ maior do que a exigida dos demais ou até mesmo lhe causando um enorme e injusto mal, rompendo desta forma o equilíbrio prestigiado em nosso ordenamento jurídico, por exemplo, pelos princípios da solidariedade e da isonomia.

Este desequilíbrio será tratado neste trabalho como sinônimo de dano, seja patrimonial ou moral, dano este que deve ser desproporcional ao suportado pelo restante da coletividade, pois a vida em sociedade impõe a todos uma gama de limitações, que, neste caso, deve ser encarado como um mal necessário para a efetivação de um bem maior, vez que ao criarem uma organização social complexa como um Estado os Homens estão abrindo mão de parcela de sua liberdade.

Isso acontece, por exemplo, quando se submete ao poder de polícia do Estado e até mesmo, quando paga tributo, dentre inúmeras outras limitações (teoria do risco social, que será melhor trabalhada mais à frente quando se tratar das várias teorias que tentaram explicar a responsabilidade civil do Estado)

É exatamente com a ocorrência desse dano que surge para o particular o direito, frente ao Estado, de se ver indenizado, na proporção do mau sofrido, ou seja, surge a responsabilidade civil do Estado. Eis aí o objeto desse estudo: a responsabilidade do Estado.

Não obstante ser a responsabilidade extracontratual o objeto mais abrangente dessa monografia, o objetivo central dela será delimitar o fundamento legais e constitucionais que embasa o dever de indenizar, como é sabido, quando se fala em indenização existe vários argumentos, que sustentam sua validade, por exemplo: no campo civil é o surgimento de um dano causado por ato ilícito, por tanto tem natureza reparatória, apesar de haver discursos que sustentam que seria sancionatória.

Entendemos que a primeira teoria (reparatória) é a que melhor se encaixa no nosso ordenamento, na ceara civilista, esclareça-se. De forma que apesar de consideramos que a responsabilidade civil do Estado também tem um cunho reparatório, esse trabalho tentará demonstrar que não é só isso, isto é, para além da reparação, quando se trata de responsabilidade do Estado, os fundamentos são outros.

Por ser bastante esclarecedor, transcreve-se aqui os principais artigos que trata do tem da responsabilidade civil entre os particulares, todos do código civil.

Art. 927. aquele que, por ato ilícito (art.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

(...)

Art. 944 a indenização mede-se pela extensão do dano

Já de início cabe adiantar que em nosso atual ordenamento jurídico, esta responsabilidade civil é, em regra, objetiva, conforme se percebe na leitura do § 6º do art. 37 da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Município obedecerá aos princípios da legalidade, da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Dispositivo semelhante é encontrado no atual código civil, senão vejamos:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por partes destes, dolo ou culpa.

Como ficou claro, surgindo o dano, e este estando relacionado com a atividade estatal (nexo causal), e desde que não haja nenhuma das causas de exclusão de responsabilidade, é de rigor o reconhecimento do dever de indenizar, aliás é de se anotar que o Supremo Tribunal Federal entende que não é necessário, para caracterizar o dever de indenizar por parte do Estado, que o dano seja suportado por um usuário direto do serviço público, basta que o dano seja causado em virtude da prestação daquele serviço. Por todos, transcreve-se a ementa de um dos julgas da suprema corte nesse sentido.

“CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO DESPROVIDO. I – A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço, segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal. II – A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do serviço público, é condição suficiente para estabelecer a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado. III – Recurso extraordinário desprovido.

(RE 591874 / MS – MATO GROSSO DO SUL – julgamento: 26/08/2009)

Comparando os dois dispositivos legais acima citados, nota-se que o texto constitucional foi mais abrangente do que a norma civilista, uma vez que estende a reponsabilidade às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Contudo, nem sempre foi assim, sendo que historicamente, no que diz respeito à responsabilidade civil do Estado a doutrina especializada registra posicionamentos que vão desde a irresponsabilidade absoluta até a teoria do risco integral, de forma que a primeira reinou na época do Estado absolutista e a segunda não é muito adotada hodiernamente, a pesar de a doutrina apresentar vários exemplos de sua incidência, inclusive no ordenamento jurídico brasileiro atual, como é o caso de donos causados por acidentes com material de origem nuclear que seja explorados diretamente pelo Estado o por meio de autorização deste.

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Esta monográfica tem como objetivo identificar qual a justificativa jurídica e teórica que fundamenta a obrigação do Estado de indenizar pelos danos decorrentes de sua atuação, vale dizer, tentará responder à seguinte pergunta: porque o Estado se ver obrigado a indenizar? Apontando subsequentemente sua natureza jurídica dentre as seguintes: sanção, reparação ou cumprimento do dever de isonomia e solidariedade entre os membros da sociedade, tal objetivo será perseguido usando como guia os princípios constitucionais correlatos ao tema.


2. HISTÓRIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Antes de se iniciar um breve relato sobre as principais teorias que, ao longo do tempo, regeram a responsabilidade civil do Estado, faz-se necessário pontuar que existem duas diferentes formas de o Estado ser responsabilizado por sua atuação, uma delas é a responsabilidade civil extracontratual, que é o objeto desse estudo; a outra é a responsabilidade contratual, onde reina o regime jurídico administrativo, com todas as suas implicâncias.

Não é por outra razão que a consagrada administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tratando sobre o tema, assim si manifesta em sua obra ‘’direito administrativo’’:

A referência a responsabilidade extracontratual é necessária para restringir o tema tratado nesse capitulo a esta modalidade de responsabilidade civil, ficando excluída a responsabilidade contratual, que se rege por princípio, analisados no capitulo referentes a contratos administrativos. (DI PIETRO, 2013, Pg. 715)

Feita a necessária diferenciação, passa-se à análise histórica do tema ora delimitado, primeiramente trata-se-á da evolução histórica de uma forma geral, para só então buscar os caminhos percorridos pelo instituto dentro do direito pátrio e tão somente a partir da Constituição imperial de 1824, uma vez que antes disso o direito que aqui vigorava eram as ordenações portuguesas, temas por demais abrangentes para a natureza do presente estudo.

2.1 Teoria da irresponsabilidade do estado

Quando do surgimento do Estado moderno, não havia a noção de Estado de direito, de forma que os atos estatais não se submetiam a nenhum tipo de controle, exceto do próprio soberano que era quem delimitava todas as regras, sendo ao mesmo tempo julgador, acusador e executor, uma figura quase divina que, segundo o dogma da época, nunca errava e que por isso mesmo jamais poderia ser responsabilizado por qualquer de seus atos, por mais prejudiciais que fossem aos súditos.

Tratando do tema, Matheus carvalho, em seu ‘’ manual de direito Administrativo’’, assevera:

Em primeiro momento o dirigente era que determinava o que era certo ou errado. A premissa de que ‘’ o rei nunca errava ( the king can do not wrong) embasa a primeira fase da responsabilidade civil do Estado que é justamente a fase da irresponsabilidade. As monarquias absolutistas se fundavam numa ideia de soberania, enquanto autoridade, sem abris possibilidade ao súdito de contestação. O Estado não respondia por seus atos, era o sujeito irresponsável. Já que o monarca ditava as leis, o Estado não admitia falhas. Erro o que se costumava chamar de personificação divina do chefe de Estado. No brasil, não tivemos fase da irresponsabilidade. Ainda nessa fase, alguns países já admitiam a responsabilização do Estado, se alguma lei especifica a definisse. (CARVALHO, 2016, Pg.322)

No mesmo sentido nos noticia Di Pietro:

A teoria da irresponsabilidade foi adotada na época dos Estados absolutos e repousava fundamentalmente na idéia da soberania: o Estado dispõe de autoridade incontestável perante o súdito; ele exerce a tutela do direito, não podendo, por isso, agir contra ele; daí os princípios de que o rei não pode errar ( The King can do no wrong; lê roi ne peut mal faire ) e o de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei” (quod principi placuit habet legis vigorem). Qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania. Esta teoria logo começou a ser combatida, por sua evidente injustiça; se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações. (DI PEITRO, 2013, Pg. 717)

Portanto, longe de uma ideia de Estado de direito, tal como o conhecemos, os estados absolutistas foram marcados pela total irresponsabilidade quanto aos seus atos, tudo isso baseado no mito de um soberano como figura divina, que nunca errava, situação esta que não teve uma mudança tão repentina, pelo contrário percorreu um longo caminho passou por varia fases com suas respectivas teorias justificadoras, fases e teorias estas que se passa a delimitar nos próximos itens.

2.2 Teorias civilistas

As teorias civilistas representaram uma evolução no tema responsabilidade civil do Estado, pois passou-se da ideia de total irresponsabilidade para a possibilidade de aceitar a responsabilização estatal, ainda que condicionada ao requisito da culpa de quem causasse o dano, portanto dependia de elementos subjetivos.

2.2.1 Teoria da culpa civilista

O nome dessa teoria se deve ao fato de que a responsabilização do Estado buscava seu fundamento nas regras do direito privado, mais precisamente em direto civil. Era baseado na ideia de culpa. Essa teoria, segundo os doutrinadores, peca pelo fato de ser muito difícil ao particular provar a culpa do agente estatal.

Portanto, na prática, essa teoria se aproximava muito da primeira, posto que, muito dificilmente um particular conseguiria responsabilizar o Estado, devido a já cita dificuldade de comprovar a culpa de seus agentes.

Ainda sobre o império da teoria da culpa civilista, dificultando ainda mais a possibilidade de se responsabilizar o Estado, existia uma divisão em dois grandes grupos dos atos praticados pelo Estado, quais sejam: os atos de império e os atos de gestão, somente nesses últimos era que se admitia a responsabilidade estatal.

Para melhor entender como essa divisão repercutia no dever de indenizar vale aqui fazer uma breve analise das diferenças entre atos de império e atos de gestão.

Para os efeitos dessa distinção, os atos de império seriam aqueles praticados pela administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular de forma que este não tinha a opção de aceitar ou não o ato; por sua vez os atos de gestão eram aqueles que o Estado praticava em pé de igualdade com o particular, essa divisão, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, surgiu como forma de abrandar a teoria da irresponsabilidade do monarca por prejuízo causados a terceiros.

Caio Mario da Silva Pereira, em suas instituições de direito civil, assim se manifesta sobro a teoria que dividia os atos do Estado em atos de império e ato de gestão:

Esta distinção foi um grande passo, pois que importou em abrir brechas na cidadela do princípio da irresponsabilidade. Seguindo a linha de evolução neste sentido do reconhecimento do dever de reparação, a doutrina foi pouco a pouco marchando para a meta da afirmação da responsabilidade civil do Estado. Abolindo a distinção entre os atos iure imperii e atos iure gestionis, sustentou pura e simplesmente a obrigação a obrigatoriedade da reparação pelos danos causados aos particulares. (PEREIRA, 2012, Pg 562.)

2.2.2 Teoria da culpa administrativa

Como se sabe, pela teoria da imputação, quando o agente público pratica determinado ato tal ato deve ser atribuído ao Estado e não ao seu agente, essa teoria estar em perfeita sintonia com a teoria da culpa administrativa, ou seja, não há que se questionar se o agente do Estado agiu com culpa ou dolo, porque o ato não é considerado seu, mas do Estado representado por ele.

(...) com o surgimento desta teoria, a responsabilidade estatal deixa de ser indireta (teoria da culpa civilística), passando a ser direta. Agora, basta que o particular demonstre o dano, o comportamento do funcionário e o nexo de casualidade, entre ambos, posto que o agente é considerado instrumento do Estado, agindo por conta e em razão deste. Com isto, resta evidente a influência da teoria organicista, pela qual o ato do funcionário passou a ser compreendido como ato da administração (RIBEIRO, 2003, Pg. 24).

É nestes exatos termos que Ana Cecilia Rosário Ribeiro discorre sobre o tema. Em verdade trata-se de uma doutrina intermediaria entre a responsabilidade civil com culpa e a tese objetiva do risco administrativo, aqui já não existe mais a necessidade de se provar o dolo ou culpa do agente prestador do serviço.

2.2.3 Teoria da culpa anônima

Aqui não era a ação do agente que importava na hora de determinar a culpa e sim saber se o serviço foi mal prestado e se em decorrência disso houve o dano-daí o nome culpa anônima-acontece que as mesmas dificuldade para se provar que o agente agiu com culpa, como acontecia na teoria civilista, eram aqui encontradas, só que agora o particular tinha a obrigação de provar que o serviço foi mal prestado, ora, apesar de não exigir a culpa do agente estatal ao realizar um serviço, essa teoria apenas desloca o ônus o particular lesado, pois provar que o serviço foi mal prestado é certamente quase tão oneroso quanto provar que houve culpa em sua má prestação.

Porém é de si reconhecer que com isso surgiu uma preocupação maior por parte do Estado em prestar serviços com um grau maior de qualidade, fragilizando assim a cortina de ferro da total irresponsabilidade, o que pode ser considerado um avanço no que se refere ao tema responsabilidade civil do Estado.

2.2.4 Teoria da culpa presumida

Presumia a culpa do Estado, porém admita prova em contrário por parte deste. É também conhecida como falsa teoria objetiva, exatamente por presumir a culpa do Estado e ao mesmo tempo deixa a esta possibilidade de este provar em contrario, o que mais uma vez deixa o particular em desvantagem, pois este é claramente hipossuficiente em relação ao Estado prestador do serviço, que possui muitos meios á sua disposição para utilizar em uma eventual ação para se eximir da culpa que viesse a lhe ser imputada.

2.2.5 Teoria da falta administrativa

Na verdade, trata-se de teoria que visa responsabilizar o Estado por uma omissão ilegal, isto é, pela não prestação de um serviço quando tinha por obrigação fazê-lo. Portanto uma teoria que não abarcaria todos os donos injustos sofridos pelos administrados, visto que deixa de fora os atos comissivos.

Matheus Carvalho em seu manual de direito administrativo esclarece que a doutrina e a jurisprudência dominantes reconhecem que, em caso de omissão, aplica-se a teoria da responsabilidade subjetiva, desta forma, deve-se comprovar que ouve dolo no caso de não prestação de um serviço.

Muito pertinente essas considerações, pois se se admitir que o Estado responda por qualquer omissão, seria na verdade a aplicação da teoria do risco integral, que apesar de não estar totalmente proscrita do ordenamento pátrio, só é vista entre nós em raras exceções, como será visto mais adiante.

Em verdade o que a doutrina e a jurisprudência brasileiras vem admitindo é a responsabilização por omissão dolosa, invocando-se para tanta o princípio da reserva do possível. O raciocínio é o seguinte: se o Estado já não prestou determinado serviço por insuficiência financeira, por exemplo, não faz sentido responsabilizá-lo, de forma que penalizar alguém por não ter feito aquilo que de fato não poderia ter feito, foge a qualquer instinto de justiça.

Contudo até mesmo por omissão, há determinados casos em que a jurisprudência vem admitindo responsabilização objetiva do Estado. Umas das hipóteses especificas em que os tribunais superiores vem admitindo a responsabilidade civil do Estado de forma objetiva por omissão é aquilo que se convencionou chamar de teoria do risco criado ou risco suscitado. De forma bem sucinta, esta teoria imputa responsabilidade civil ao Estado quando este cria situações de risco que levam à ocorrência de um dano.

Matheus Carvalho nos traz como exemplo ilustrativo situação de fuga de determinado detento que, logo depois de superar os muros do presidio em que se encontrava, assalta a casa ao lado do estabelecimento prisional, gerando grandes prejuízos à família que ali reside, para este autor, em seu exemplo, o Estado criou a situação de risco de risco quando construiu um presidio em uma região residencial e não cuidou da segurança necessária.

Nesse sentido tem-se o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal, realizado em 2008. Trava-se de caso em que presidiário, após sucessivas fugas da prisão acabou cometendo um roubo seguido de morte, entendendo a suprema corte que no caso em analise, pela omissão a responsabilidade do Estado se configura objetiva, nos termos da artigo 37, § 6º , da Constituição do Brasil.

AGRAVO REGIMENTA NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTATO. ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. LATROCÍNIO COMETIDO POR FORAGIDO. NEXO DE CAUSALIDADE CONFICURADO. PRECEDENTE. 1. A negligencia estatal na vigilância do criminoso, a inércia das autoridades policiais diante da terceira fuga e o curto espaço de tempo que se seguiu antes do crime são suficientes para caracterizar o nexo de causalidade. 2 . Ato omissivo do Estado que enseja a responsabilidade objetiva nos termos do disposto no artigo 37, § 6º, da constituição do Brasil. Agravo regimental a que se nega provimento.

(RE 573795 AgR / RS ­­- RIO GRANDE DO SUL. Julgamento : 24/06/2008)

A doutrina mais moderna diz que, todas as vezes que o Estado detém alguém ou alguma coisa sob sua custódia, está-se diante de uma situação de risco diferenciado quanto à pessoa. Isso inclui detento que foge e causa dano logo após a fuga, porque, neste caso, há a extensão da custódia. O risco criado, que também denominamos risco suscitado, gera responsabilidade objetiva do Estado, pelos danos causados ao custodiado e pelo custodiado.

2.3 Teorias Objetivístas

2.3.1 Teoria do risco administrativo

São também conhecidas como teorias publicistas, seu embrião se encontra no direito administrativo francês, encabeçadas pelas decisões do antigo conselho de Estado, que era órgão que julgava os conflitos de interesse envolvendo os particulares o Estado, tendo em vista que aquela nação europeia adota o sistema da dupla jurisdição ou se preferir o famoso contencioso administrativo em que as causas envolvendo o Estado são julgadas por órgão independente do judiciário fazendo, inclusive suas decisões, coisa julgada mateira, portanto não podendo mais ser discutidas no âmbito judicial . Discorrendo sobre o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos noticia:

O primeiro passo no sentido da elaboração de teorias de responsabilidade civil do Estado segundo princípios de direito público foi dado pela jurisprudência francesa, com o famoso caso blanco, ocorrido em 1873. (DI PIETRO, 2013, Pg. 718)

O foco passou do agente prestador para o serviço prestado, sem dúvida mais alinhado com o sentimento de solidariedade, na soma de esforços de uma sociedade para atingir um bem comum, na medida em que possibilita ao lesado ser ressarcido, não em face de uma conduta doloso ou culposa de um agente do Estado, mas ,isso sim, de ser ressarcido pelo puro fato de tem sofrido um desfalque ou um dano, em virtude da prestação de um serviço público, maior em seu patrimônio ou integridade física, do que seus concidadãos.

Em termos práticos, imagine-se o caso hipotético em que o Estado está construindo uma linha de metrô, que certamente beneficiará todos os moradores das regiões situadas próximas à obra, porem, por erro técnico, acaba causando o desabamento de algumas casas mais próximas às escavações, nesses casos embora se possa dizer que os moradores daquelas casas danificadas vão se beneficiar das obras do metrô quando prontas, estes devem ser indenizados independentemente da existência de dolo ou culpa que possa ter acarretado tal erro técnico, pois sofreram danos bem maior do que aqueles suportados pelos outros cidadãos que serão beneficiados pela dita obra.

2.3.2 Teoria do risco integral

Segundo Galiano, esta teoria prega a coletivização dos prejuízos, fazendo surgir a obrigação de indenizar o dano em razão da simples ocorrência do ato lesivo, sem se perquirir a falta do serviço ou da culpa do agente.

Tomando por base as lições do renomado autor acima citado, não é necessário que se adote a teoria do risco integral para se chagar á coletivização da responsabilidade dos prejuízos, a pesar de esta o fazer de forma absoluta, pois a teoria do risco administrativo, desde de que adotada em sua modalidade objetiva, também coletiviza os prejuízos decorrentes da prestação do serviço público.

Adotar a teoria do risco integral, seria a consolidação de situação em que o Estado agiria como garantidor universal, respondendo por todo e qualquer sinistro ocorrido em seu território. Assim, por esta teoria, nas palavras de Venosa:

(...) surge a obrigação de indenizar o dano, como decorrência tão-só do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige falta do serviço, nem culpa dos agentes. Na culpa administrativa exige-se a falta do serviço, enquanto no risco administrativo é suficiente o mero fato do serviço. A demonstração da culpa da vítima exclui a responsabilidade civil da Administração. A culpa concorrente, do agente e do particular, autoriza uma indenização mitigada ou proporcional ao grau de culpa. (VENOSA, 2001, p.275).

Embora não tenha adotado essa teoria, ordenamento jurídico brasileiro não é de todo desprovido da aplicação dessa teoria, existem casos que o Estado atua como ente garantidor universal, apesar do entendimento em sentido contrário de autores consagrado como Hely Lopes Meireles e José dos Santos Carvalho Filho, a doutrina majoritária costuma apontar três exemplos que estariam albergado pela teoria do risco integral, quais sejam: dano decorrido de atividade nuclear exercida pelo Estado ou autorizada pelo mesmo; dano ao meio ambiente e crimes ocorridos a bordo de aeronaves que estejam sobrevoando o espaço aéreo brasileiro e danos decorrentes de ataques terroristas.

Pela importância da autora, há de se pontuar o entendimento de Di Pietro que entende que as expressões risco administrativo e risco integral são sinônimos, porém esse é um posicionamento solitário.

2.3.3 Teoria do risco social

Na verdade, esta teoria não tem como objetivo justificar o dever estatal de indenizar alguém pelos seus atos, na verdade ela apenas deixa evidente que a vida em sociedade, por si só é algo que traz muitos transtornos para os indivíduos que a compõe.

O risco social são todos aqueles sacrifícios que os membros de uma sociedade precisam suportar em nome do bem comum, por isso mesmo é que, desde que o dano não ultrapasse níveis razoáveis, não há que se falar em dever de indenizar. Nesta toada é que se pode afirmar que não há direito à nenhuma indenização àquele que a pretende, por exemplo, alegando que perdeu uma hora de trabalho por ter ficado preso em um grande congestionamento, tão comum no dia-dia da maioria das grandes cidades.

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Sobre o autor
Antonio José da Silva

servidor público há mais de 11 anos, tendo atuações nas três esferas de governo, atualmente servidor do INSS, desde 2012; bacharelando em direito pela Universidade Federal do Piauí.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí, Departamento de Ciências Jurídicas, campus Teresina. Orientador: Prof. Mestre Paulo Roberto Fagundes.

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