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Considerações sobre a reforma da previdência - PEC 287/2016

24/12/2016 às 12:52
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O suposto deficit previdenciário anunciado pela mídia e governo Temer tem gerado desconforto entre a população, eis que a promulgação da PEC 287/2016 poderia reduzir direitos sociais.

SUMÁRIO:  Introdução; 1. A Reforma da Previdência e a Seguridade Social; 2. O suposto deficit da Previdência; 3. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016; 4. Conclusão; Referências Bibliográficas.

RESUMO: O presente artigo pretende tratar da questão da reforma da Previdência com ênfase no sistema de seguridade social. O objetivo é demonstrar a amplitude da seguridade social, a importância dos direitos sociais e revelar as fontes de custeio e desvinculação de receitas. Pretende-se discutir as consequências da restrição de direitos sociais e quem afinal seria mais prejudicado com a reforma. O método utilizado para a elaboração desta pesquisa foi o indutivo, ou método empirista, o qual considera o conhecimento como baseado na experiência; a generalização deriva de observações de casos da realidade concreta e são elaboradas a partir de constatações particulares. Seus procedimentos característicos consistem na pesquisa bibliográfica e subsidiariamente documental, que se limita à análise de documentos escritos. O resultado esperado neste artigo é provocar o leitor a refletir sobre o papel dos direitos sociais.

PALAVRAS-CHAVE: Reforma; Previdência; Seguridade; Direitos; Restrição.


Introdução

A Reforma da Previdência é tema que vem sendo bastante debatido na agenda atual. O suposto deficit previdenciário anunciado pela mídia e governo Temer tem gerado bastante desconforto entre as pessoas, pois a promulgação da Proposta de Emenda à Constituição n. 287/2016 poderia ter por consequência diminuir direitos sociais ou dificultar o alcance a eles.

Verifica-se que há duas posições opostas quanto à temática, senão vejamos.

A mais divulgada, com vasto apoio da grande mídia, empresários e autoridades governamentais, sustenta que há deficits crescentes e necessidade de reforma urgente para recuperar o crescimento econômico.

De outro lado, a posição menos veiculada, sustentada por servidores públicos, agentes sociais e partidos de esquerda, diz existir, na verdade, um superavit significativo da seguridade, e, por esse motivo, a reforma não se justifica sob o prisma fiscal, conforme enunciados da Constituição de 1988.

Por conseguinte, para discutir a proposta de reforma, é preciso transparência de dados, para saber efetivamente qual a receita e a despesa do sistema, auditoria independente nas contas do INSS e do governo para analisar os dados com isenção, retorno dos valores que pertencem ao sistema, mas desviados para outros fins, cobrança da dívida ativa do INSS, e maior fiscalização para evitar sonegação, com aumento do número de fiscais.

Nesse sentido, alterações e reformas podem e devem ocorrer, o problema é a transparência em suas proposições, pois é evidente que há omissões e manobras políticas para obter seu apoio, o que tem gerado efeito extremamente prejudicial a toda população, pois aumenta o descrédito no sistema público de previdência social.

1. A Reforma da Previdência e a Seguridade Social

A expressão seguridade social foi incorporada no Brasil com a Constituição de 1988, que assentou em seu conjunto políticas de saúde, Previdência e assistência social. O objetivo foi criar um sistema de proteção social com a intenção de reduzir desigualdades econômicas e sociais.

Em recente proposta de reforma da Previdência, argui-se suposto deficit desta, onde se pretende dirimir suas contas, sem, contudo mencionar a seguridade social. Ocorre que ao deliberar desta forma, reforça-se o modelo de seguros que amparou a Previdência em sua origem.

A propósito, a seguridade social comunga dos conceitos de seguro e assistência, os quais foram a grande inovação trazida pela atual Constituição. Neste sentido, há recordar dos modelos de seguros sociais e modelo assistencial. O primeiro, nascido na Alemanha bismarckiana do final do século XIX, assemelha-se aos seguros privados. A cobertura neste modelo é acessível praticamente ou até exclusivamente a trabalhadores, de maneira proporcional à contribuição por estes efetuada, ao passo que seu financiamento decorre de contribuição direta de empregados e empregadores. Em relação à gestão, teoricamente e em sua origem deveria ser feita pelos próprios contribuintes, ou seja, empregadores e empregados.

De outro lado, o modelo assistencial, fundado na lógica beveridgiana e iniciado na Inglaterra do Pós-Segunda Guerra Mundial, defende que os direitos devem ser universais, direcionados a todos os cidadãos incondicionalmente ou submetidos a condições de recursos, porém garantidos os mínimos sociais aos que se encontrem em situações de necessidade. O financiamento ocorre em suma por meio de impostos fiscais, e a gestão é estatal. Tem como princípios fundamentais a unificação institucional e a uniformização de benefícios.

Pois bem, ciente dos apontamentos acima, há que se notar que não mais existe em nenhum país um modelo puro. Pode-se perceber a predominância de um ou outro modelo em determinados países, mas não sua unanimidade. No Brasil, como é sabido, em se tratando de Previdência Social, há semelhança com os princípios do modelo de seguros, ao passo que em saúde e assistência social, prevalece o conceito do modelo assistencial.

O que há de se entender é que nos sistemas de seguridade social em órbita, tanto na América Latina, como Europa ocidental, há orientação por políticas que incorporam elementos tanto do seguro quanto da assistência social.

Há que se ressaltar que embora nos sistemas de seguridade social haja certa semelhança na adoção de políticas, é evidente que a realidade brasileira é bem diferente da europeia. No Brasil, grande parcela da população não está amparada pela Previdência Social. Enquanto nos países capitalistas europeus, a proteção social universal é mais abrangente, visto que garante a proteção tanto de trabalhadores inseridos no sistema produtivo quanto os que estão fora dele. Como exemplo tem-se os tão difundidos programas de transferência de renda. Ao revés, no Brasil, a associação previdência-assistência, transfigura-se injusta e cerne de desigualdades.

2. O suposto deficit da Previdência

Conforme Princípio de Diversidade de Bases de Financiamento, o art. 195 da Constituição Federal estabeleceu que os recursos de seguridade social devem originar-se de três fontes, senão vejamos: orçamento da União, Estados e DF; contribuições sociais; receita de concursos de prognósticos. As contribuições sociais compreendem: do empregador sobre a folha de salário, a receita e faturamento e o lucro; do trabalhador e demais segurados; e do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

A diversidade de fontes de custeio foi um requisito para se atender à demanda de direitos sociais e um sistema de seguridade social mais adequado. A inclusão de direitos, tais como, saúde universal, benefícios assistenciais não contributivos, Benefício de Prestação Continuada (BPC), o qual garante salário mínimo para idosos e pessoas portadoras de necessidades especiais, e ampliação da Previdência rural, requer uma base financeira mais abrangente. Para isso, criou-se a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas (CSLL).

Em que pese haver teses que sustentem que a Previdência Social é deficitária, análises da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência (Anfip), revelaram o contrário. O que ocorre é que as fontes criadas para cobrir direitos correspondentes à saúde e assistência, que são benefícios não contributivos, não são inteiramente direcionadas para tal finalidade, o que impõe ao governo atribuir contribuições da Previdência para custeio de todo o sistema de seguridade social.

A Desvinculação de Receitas da União (DRU) permite ao governo federal liberar 30% de todos os tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. A propósito, a principal fonte de recursos corresponde às contribuições sociais.

A DRU foi criada em 1994, sob a denominação de Fundo Social de Emergência, o qual foi instituído para estabilizar a economia logo após o Plano Real. Com o advento da Emenda à Constituição de número 27, de 22 de março de 2000, o nome foi substituído para Desvinculação de Receitas da União.

O que ocorre é que, na prática, há permissão para o governo aplicar os recursos destinados às áreas como educação, saúde e previdência social em qualquer despesa reputada prioritária e na formação do superávit primário. A DRU também viabiliza o manejo de recursos para o pagamento de juros da dívida pública.

Deste modo, demonstra-se que um dos motivos do suposto deficit é a não utilização da totalidade das fontes de financiamento da seguridade social para o custeio dos direitos sociais amparados pela Constituição.

Além da desvinculação de recursos da seguridade social, há outros aspectos que contribuem para a redução de receita da seguridade social, e por consequência, indução para reformas que priorizem o equilíbrio financeiro, e por consequência, redução de direitos sociais.

Em primeiro lugar, observa-se que a contribuição da União como empregadora de serviços públicos é baixa/inexistente. Outro fator é o baixo aporte de recursos fiscais para o financiamento de benefícios não contributivos, como saúde e benefícios assistenciais. Em terceiro, a chamada renúncia previdenciária, firmada por meio de subsídios a diversas entidades de assistência, saúde e educação possuidoras de Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).

Com a exposição de tais desequilíbrios, é evidente a existência de fatores que corroboram para disparidades nas contas, e necessidade de revisões na Previdência. Ocorre que, o problema que se aponta não é a reforma em si, mas a redução de direitos sociais.

Por sua vez, a redução de direitos implica preocupação da população, pois com o aumento do desemprego, e relações informais de trabalho, os cidadãos tornam-se excluídos do acesso aos direitos da seguridade social, em especial da previdência.

Em contrapartida, o desfecho para tais questões controvertidas da Previdência não serão resolvidas apenas com ajustes fiscais que não solucionam a raiz do problema. O fortalecimento da seguridade social depende ademais da reestruturação do modelo econômico, com respectivo investimento no crescimento da economia, geração de empregos com carteira de trabalho, fortalecimento do setor formal, redução de desemprego, transformação de relações de trabalho flexibilizadas em estáveis, o que ampliará contribuições e receita da seguridade social.

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Nesse sentido, reformar a Previdência e focar apenas na questão do deficit, é deslocar o debate do centro da questão, que seria consolidar a seguridade social como núcleo de um Estado social universal, justo e equânime. Reduzir direitos pode significar a subordinação do social ao econômico, atendendo-se assim às demandas do mercado.

3. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287/2016, da Reforma da Previdência, estabelece várias alterações nos dispositivos da Constituição, especialmente as que tratam da unificação da idade mínima para homens e mulheres aos 65 anos; contribuição mínima de 25 anos; vedação ao acúmulo de aposentadoria com pensão por morte; extinção das aposentadorias especiais para policiais, exceto militares; contribuição dos trabalhadores rurais; regra de transição para homens com 50 anos ou mais de idade e para mulheres com 45 ou mais, que ainda não tiverem condições de se aposentar no momento da aprovação das mudanças.

Tal proposta vem sendo articulada desde o ano passado, como resposta à crise econômica. Em antecipação às medidas para prosperar a economia, o governo Temer emitiu em 7 de julho a Medida Provisória n. 739/2016, a qual dificultou o acesso ao auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.

A justificativa para reforma vem em nome do ajuste fiscal, que necessitaria de medidas estruturais para reduzir os gastos do Estado. Nesse sentido, a previdência é destacada como o maior deles, a qual seria responsável por um rombo, que segundo previsões do governo, deve chegar a R$ 136 bilhões neste ano de 2016. Ocorre que tais números são questionados por especialistas.

Para breve noção das arguições expostas, enquanto os economistas do governo Temer apontam em 2015 um deficit de R$ 85 bilhões, as planilhas da Anfip demonstraram no mesmo ano um superavit de R$ 24 bilhões.

Tais números encontram justificativa de acordo com o explicitado no tópico 2 do presente artigo, em que aduz-se sobre Desvinculação de Receitas da União. A propósito, a alíquota da DRU foi majorada de 20% para 30% e prorrogada no Congresso para mais oito anos. Conforme cálculos da Anfip, em 12 meses o desvio tomará a monta de R$ 120 bilhões arrecadados por contribuições sociais.

Pois bem, outro argumento utilizado para a suposta necessidade de reforma seria o envelhecimento da população e a mudança na pirâmide etária brasileira. Deste modo, propôs-se o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria. Críticas surgem nesse aspecto, pois muitos iriam se aposentar à beira da morte. Ademais, com a dimensão e desigualdades do país, um trabalhador rural laborar até 65 anos pode ser extremamente penoso, pois o desgaste deste será muito maior. Prejudicar-se-á então os menos favorecidos, que trabalham em piores condições.

Outra crítica se faz quanto à contribuição mínima de 25 anos. Conforme exposto em tópico anterior, a realidade brasileira é de grande número de trabalhos informais, sem carteira assinada, e ainda vasta quantidade de desempregados. De fato, é difícil conciliar o desemprego e a informalidade com a majoração do tempo de contribuição, eis que para contribuir por no mínimo este tempo proposto, o trabalhador deveria laborar com carteira assinada por no mínimo 25 anos. Novamente, esta proposição prejudicaria a população que trabalha em condições precárias e as camadas mais pobres da população, excluindo-os portanto do sistema da previdência.

Verifica-se, portanto, que quanto à vedação ao acúmulo de aposentadoria com pensão por morte, extinção das aposentadorias especiais para policiais, contribuição dos trabalhadores rurais, e à regra de transição para homens com 50 anos ou mais de idade e para mulheres com 45 ou mais, que ainda não tiverem condições de se aposentar no momento da aprovação das mudanças, há que se pesar razoavelmente, pois conforme se expôs acima, não argui-se no sentido de não haver reforma, mas a consequência da restrição de direitos.

4. Conclusão

Conforme análise exposta no presente artigo, em atenção ao histórico de reformas, não é novidade que se veicula pela mídia e governo supostos deficits da previdência, sem contudo, abordar-se o sistema da seguridade social e respectivas fontes de custeio e desvinculação de receita para outras áreas.

Nesse sentido, a recente proposta de reforma da Previdência, PEC 287/2016, apresenta diversos pontos críticos.

Aponta-se que a falta de transparência e de soluções que se aproximem do cerne da questão são pouco debatidas, o que facilita o apoio da população.

Chama-se atenção para o cuidado que há de se ter em relação a este delicado tema. A propósito, o problema não é a reforma da Previdência em si, pois é sabido, por exemplo, que é real o aumento da expectativa de vida da população brasileira e mundial, e que os brasileiros se aposentam cedo em comparação a povos de outros países.

A reflexão apresentada é que a restrição a direitos sociais em um país com tantas diferenças, certamente prejudicará a camada mais pobre da população, que começa a trabalhar mais cedo e em piores condições, além do número crescente de desemprego e trabalhos informais em confronto com o aumento da idade mínima de aposentadoria e tempo de contribuição, fatores que devem ser pesados, sob pena de exclusão a milhares de brasileiros do sistema de previdência.


Referências Bibliográficas

[1] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 22. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 221.

[2] MARTINS, Sergio Pinto. Reforma previdenciária. São Paulo: Atlas, 2004, p. 154.

[3] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 22. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 222.

[4] MORHY, Lauro (org.). Reforma da Previdência em Questão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2003, p. 28.

[5] Ibid., p. 28-29.

[6] Ibid., p. 44.

[7] PEC 287/16: Confira as mudanças na Previdência Social. Disponível em: <http://www.anfip.org.br/noticia.php?id_noticia=21110>. Acesso em 11 dez. 2016.

[8] REDAÇÃO, Da. Promulgada emenda que prorroga desvinculação de receitas.  Disponível em: <http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/09/08/promulgada-emenda-que-prorroga-desvinculacao-de-receitas>. Acesso em 11 dez. 2016.

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Sobre a autora
Fernanda Sales

Advogada. Especialista em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Fernanda. Considerações sobre a reforma da previdência - PEC 287/2016. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4924, 24 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54500. Acesso em: 4 nov. 2024.

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