Aspectos e implicações da falência

14/12/2016 às 12:31
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O presente trabalho traz uma divisão didática quanto aos efeitos decorrentes da decretação da falência. Através de uma visão doutrinária busca demonstrar todas as implicações concernentes a tal ato.

RESUMO

A falência como uma execução coletiva (um concurso de credores) atinge de variadas maneiras um grande número de pessoas, as quais, de alguma forma, estão envolvidas em tal processo. Por tal motivo, a decretação da falência traz uma enorme quantidade de efeitos que afetarão uma, algumas ou todas essas pessoas. O presente trabalho traz uma divisão didática quanto aos efeitos decorrentes da decretação da falência. Através de uma visão doutrinária busca demonstrar todas as implicações concernentes a tal ato.  Primeiramente, deve ficar claro que existem efeitos posteriores e efeitos retroativos. Falaremos com maior ênfase sobre os efeitos prospectivos, reservando para parte final uma sucinta explanação sobre os efeitos retrospectivos. O trabalho em tela, primeiramente, traz uma abordagem geral sobre o instituto da falência. Após essa pequena introdução, tenta esgotar as possibilidades de efeitos da declaração da falência, que são doutrinariamente divididos em: quanto aos credores, quanto aos falidos, quanto aos bens e quanto aos contratos. Deve-se lembrar, ainda, que tal decretação traz em seu bojo uma série de deveres impostos à figura falida que aqui também serão retratados. Por fim, trata-se da ineficácia dos atos praticados antes da decretação da falência de maneira sucinta, explicitando o que seja o termo legal e mostrando algumas das hipóteses elencadas na Lei 11.101/05.

INTRODUÇÃO

A existência de uma legislação falimentar eficiente é fundamental para o ambiente econômico, e vem sendo bastante discutida pelos estudiosos de Direito e Economia. Essa importância surge a partir da constatação teórica de que um sistema de resolução de insolvências que cria um mecanismo ordenado de resolução de conflitos e coordenação de interesses para empresas com problemas financeiros ou até mesmo falidas gera resultados eficientes do ponto de vista econômico. O papel desempenhado pela legislação falimentar é sinalizador aos agentes econômicos sobre os possíveis resultados a serem obtidos em suas estratégias empresariais.

A falência é um instituto sui generis. Tal afirmação é confirmada a partir do ponto em que observamos que o processo de falência possui características de direito processual, de direito material e de direito administrativo. A falência, portanto, é um procedimento complexo que envolve um numeroso universo de envolvidos. É, por muitos, considerada uma execução coletiva.

O tema a ser estudado se insere a partir do momento em que o juízo falimentar, depois de várias fases, declara sentença decretando a falência da empresa. Além de todos os elementos e disposições trazidas nesta sentença (art. 99 da Lei 11.101/05), tal decretação faz com que as várias relações que envolvem  tal empresa tenham um tratamento diferenciado. É tarefa da Lei de Falências trazer todas as hipóteses e os seus respectivos desfechos (efeitos que a falência provoca).

Os efeitos envolvem a pessoa do falido ou dos sócios da sociedade empresária, os bens da empresa, os credores e até dos contratos pendentes. Tais implicações serão, portanto, aqui estudadas, sempre buscando esclarecer todos os aspectos que interferem na incidência da falência, bem como os seus desdobramentos sociais.

1. EFEITOS DA DECLARAÇÃO DA FALÊNCIA SOBRE AS PESSOAS.

Inicialmente, devemos analisar as repercussões advindas da decretação da falência em relação às diversas pessoas que se inserem nesse processo.

Porém, antes de adentrarmos neste estudo, é salutar afirmar que o efeito imediato da falência é, nos termos do artigo 75 da Lei 11.101/05, afastar o devedor de suas atividades. Tal mandamento atinge tanto o empresário individual quanto a sociedade empresária. Logo, ocorre o afastamento não apenas do administrador societário, mas também a extinção do poder dos sócios de deliberar sobre a sociedade e as atividades sociais.

Em que pese não cercar-se a falência do rigorismo que a caracterizava no passado, quando ao falido eram  impostas pesadas restrições que, inclusive, cercavam-no de infâmia, subsistem, como já se observou, inúmeras restrições à pessoa do falido, destacando-se dentre elas a proibição do exercício da atividade empresarial.

A inabilitação do falido para exercer atividade empresarial deve ser interpretada a luz de três dispositivos da Lei 11.101/05, quais sejam: o artigo 99, VIII; o artigo 102 e o artigo 181, I. De acordo com tais artigos, podemos dizer que a inabilitação do falido é um efeito automático do decreto de falência. Porém, com relação às sociedades empresárias, tal fato deve ser examinado com cautela, pois deve-se considerar a distinção de personalidade, patrimônios e existência entre a pessoa jurídica e a pessoa de seus membros. É de clareza solar que os sócios com responsabilidade pessoal subsidiária terão sua falência declarada conjuntamente com  a falência da sociedade, portanto, sua inabilitação é automática. Situação completamente diferente ocorre em relação aos sócios beneficiários de limite de responsabilidade, bem como administradores não sócios, nas sociedades limitada e anônima. A opinião de Gladston Mamede para esses casos é a de que a inabilitação não será efeito automático da sentença de falência, devendo ser motivadamente declarada na sentença.

A duração da inabilitação dependerá do caso concreto, pois é condicional. Normalmente, a inabilitação ocorre a partir da decretação da falência e até a sentença que extingue suas obrigações. No entanto, caso ocorra sentença penal condenatória, esse prazo, nos termos do art. 181 § 1°, tal efeito perdurará até cinco anos após a extinção da punibilidade, podendo, contudo, cessar antes pela reabilitação penal.

Outra das conseqüências da declaração de falência é a de privar o falido da administração dos seus bens. Vejamos o que obtempera o artigo 103 da Lei 11.101/05:

“Art. 103. Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor”.

Contudo, o parágrafo único do referido artigo prevê que o falido poderá fiscalizar a administração da falência, requerer providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis.

Quanto aos credores, podemos afirmar que os principais efeitos relacionados a eles são: a) o vencimento antecipado de todas as dívidas do falido; b) suspensão da fluência dos juros; c) a suspensão do curso de todas as ações e execuções em face do falido; d) suspensão da prescrição.

A falência produz o vencimento, por antecipação, de todas as dívidas do falido. Assim mesmo as dívidas não cobráveis, porque ainda não vencidas, tornam-se exigíveis ensejando ao credor a habilitação do seu crédito. Senão vejamos o que aduz o artigo 77 da Nova Lei de Falências:

“Art. 77. A decretação da falência determina o vencimento antecipado das dívidas do devedor e dos sócios ilimitada e solidariamente responsáveis, com o abatimento proporcional dos juros, e converte todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda do País, pelo câmbio do dia da decisão judicial, para todos os efeitos desta Lei”.

O escopo deste instituto é possibilitar, a todos os credores, a habilitação dos seus respectivos créditos, no processo de execução coletiva (falência), realizando o concursum par creditorum. Assim, se possibilita que o credor de dívidas vincendas não se prejudique, tendo o seu direito garantido. Ocorre uma tentativa de uniformização das obrigações do devedor.

São exceções à regra as seguintes hipóteses: I) as obrigações subordinadas a uma condição suspensiva; II) as obrigações solidárias firmadas juntamente com terceiros que se hajam coobrigados com o falido; III) as obrigações contraídas pelo falido garantidas por fiança de terceiro; IV) as obrigações decorrentes de contratos bilaterais, que o administrador julgue conveniente manter, no interesse da massa falida.

O artigo 124 da Lei 11.101/05 prevê que contra a massa falida não são exigíveis juros vencidos após a decretação da falência. Somente serão pagos tais juros quando o ativo apurado bastar para o pagamento dos credores subordinados, os últimos a terem seus créditos pagos no concurso de credores. Excetuam-se dessa regra as debêntures e os créditos com garantia real, respondendo por eles exclusivamente o produto dos bens que constituem a garantia.

A falência é, antes de tudo, um processo de execução coletiva, por isso que atrai todos os credores do falido, estabelecendo, pois, verdadeiro litisconsórcio ativo necessário. (ALMEIDA, Amador Paes, 2007)

O juízo falimentar possui uma vis attractiva decorrente da indivisibilidade do deste juízo. Miranda Valverde assim falava sobre esta indivisibilidade: “é um corolário do princípio da unidade do juízo, de geral aplicação no direito processual, adquirindo, em matéria de falência, a rigidez necessária à rápida e eficaz resolução do conflito de interesses, que o novo estado jurídico irremediavelmente provoca, não só entre os próprios credores, mas ainda entre estes e o devedor, ou de qualquer deles com a Justiça Pública. Torna-se, por isso, exclusiva a competência do juiz da falência para processar e julgar as ações que interessam à massa falida, as quais serão processadas, acrescenta, na forma determinada nesta Lei” (VALVERDE, Miranda)

Além desses efeitos, podemos, ainda, citar que com a decretação da falência fica suspenso o curso da prescrição relativa às obrigações do falido. É exatamente o que determina o artigo 6°, caput, da Nova Lei. A suspensão permanece até o trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, consoante estabelece o artigo 157. Neste aspecto, o novel diploma manteve o mesmo tratamento da Lei 7.661. É importante salientar que, de acordo com entendimento do STF, a falência não suspende a prescrição dos créditos do falido ou de crédito a favor da massa, mas apenas os créditos contra a massa falida, constituídos pelas obrigações do falido.

2. DEVERES DO FALIDO.

O artigo 104 da Nova Lei de Falências lista uma série de obrigações impostas ao falido. Ao faltar com quaisquer dessas obrigações, o falido responderá por crime de desobediência, consoante previsão do artigo 104, parágrafo único. Vejamos tais hipóteses:

“Art. 104. A decretação da falência impõe ao falido os seguintes deveres:

I – assinar nos autos, desde que intimado da decisão, termo de comparecimento, com a indicação do nome, nacionalidade, estado civil, endereço completo do domicílio, devendo ainda declarar, para constar do dito termo:

a) as causas determinantes da sua falência, quando requerida pelos credores;

b) tratando-se de sociedade, os nomes e endereços de todos os sócios, acionistas controladores, diretores ou administradores, apresentando o contrato ou estatuto social e a prova do respectivo registro, bem como suas alterações;

c) o nome do contador encarregado da escrituração dos livros obrigatórios;

d) os mandatos que porventura tenha outorgado, indicando seu objeto, nome e endereço do mandatário;

e) seus bens imóveis e os móveis que não se encontram no estabelecimento;

f) se faz parte de outras sociedades, exibindo respectivo contrato;

g) suas contas bancárias, aplicações, títulos em cobrança e processos em andamento em que for autor ou réu;

II – depositar em cartório, no ato de assinatura do termo de comparecimento, os seus livros obrigatórios, a fim de serem entregues ao administrador judicial, depois de encerrados por termos assinados pelo juiz;

III – não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante, sob as penas cominadas na lei;

IV – comparecer a todos os atos da falência, podendo ser representado por procurador, quando não for indispensável sua presença;

V – entregar, sem demora, todos os bens, livros, papéis e documentos ao administrador judicial, indicando-lhe, para serem arrecadados, os bens que porventura tenha em poder de terceiros;

VI – prestar as informações reclamadas pelo juiz, administrador judicial, credor ou Ministério Público sobre circunstâncias e fatos que interessem à falência;

VII – auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza;

VIII – examinar as habilitações de crédito apresentadas;

IX – assistir ao levantamento, à verificação do balanço e ao exame dos livros;

X – manifestar-se sempre que for determinado pelo juiz;

XI – apresentar, no prazo fixado pelo juiz, a relação de seus credores;

XII – examinar e dar parecer sobre as contas do administrador judicial.

Parágrafo único. Faltando ao cumprimento de quaisquer dos deveres que esta Lei lhe impõe, após intimado pelo juiz a fazê-lo, responderá o falido por crime de desobediência”.

Faz-se necessário o estudo detalhado de cada um dos deveres previstos pelo artigo 104, haja vista que o descumprimento de alguma dessas obrigações acarreta responsabilidade penal, restando tipificado o crime de desobediência.

Logo após a decretação da falência, o empresário falido ou o administrador que estava à frente da sociedade empresária será intimado para vir ao juízo assinar nos autos o termo de comparecimento. No caput do inciso I, exige-se a indicação do nome, nacionalidade, estado civil, endereço completo do domicílio. Tais informações dizem respeito à pessoa natural e nos casos de sociedade empresária, deve referir-se aos administradores societários quando da falência.

Além dessas indicações, são impostos outros requisitos: a) o relatório com as causas determinantes da falência; b) os nomes e endereços de todos os sócios, acionistas controladores, diretores ou administradores; c) o nome do contador encarregado da escrituração dos livros; d) os mandatos; e) bens fora do estabelecimento, participação em outras sociedades e contas bancárias.

A respeito dessas imposições, é importante lembrar que o relatório com as causas determinantes da falência não é obrigatório, pois sua apresentação deve ser feita quando requerida pelos credores. Porém, é de prática comum que o próprio Judiciário, ex officio, requeira a apresentação de tal relatório. Outro questionamento a ser feito acerca desta imposição é o fato de que tal relatório muitas vezes é utilizado contra o próprio falido para a instrução criminal o que iria de encontro com as garantias advindas dos incisos LXIII e LV do artigo 5° da Constituição Federal.

Outra obrigação imposta ao falido elencada pelo artigo em comento é a de depositar em cartório, no ato de assinatura do termo de comparecimento, os seus livros obrigatórios. O termo livros obrigatórios não traduz apenas o livro cuja escrituração é obrigatória por lei, qual seja o Livro Diário, por força do artigo 1.180 do Código Civil; devem ser depositados, também, outros livros que tenham a escrituração demandada por legislação específica, como, por exemplo, o Livro de Atas da Administração (obrigatório para as sociedades anônimas – artigos 100 e 148 de Lei 6.404/76). Tal expressão alcança, também, ao meu ver, os livros que, embora sejam facultativos, foram adotados pelo empresário, sendo levados à autenticação na Junta Comercial.

O inciso III do art. 104 afirma ser um dever do empresário falido ou administradores da sociedade empresária falida não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar procurador bastante. O emérito doutrinador Gladston Mamede aduz que tal dever hodiernamente deve ser relativizado, tendo em vista  que, ao tempo de intensa mobilidade que nossa sociedade vive e que tal dispositivo repete o que foi dito pela Lei 7.661, refletindo a sociedade da época. Discordo de tal pensamento, por achar importante tal formalidade para se evitar que ocorram fraudes ou outro ato que conturbe o processo de falência.

É obrigação, também, comparecer a todos os atos da falência, podendo se representar por procurador, quando não for indispensável sua presença. Tal dispositivo se justifica, pois o processo de falência tem natureza sui generis, revelando uma necessidade premente a participação obrigatória do falido ou do administrador. Gladston Mamede afirma que a gravidade da situação econômica e jurídica, a afeta diretamente os direitos e os interesses de terceiros, justificou essa opção do legislador, que não traduz a presença em juízo como apenas uma faculdade do falido ou do administrador societário, mas igualmente uma obrigação, um dever. (MAMEDE, 2006)

Como é notoriamente sabido, o controle da massa falida fica a cargo do administrador judicial (sob o controle do juízo falimentar). Para que cumpra todas as suas funções deve este estar munido de toda a documentação necessária para a sua instrução. Por tal motivo, vê-se necessário o disposto no art. 104, V da Lei 11.101/05, devendo o falido entregar a tal administrador todos os bens, livros, papéis e documentos. O descumprimento deste dispositivo cai em tipos penais específicos (arts. 173 e 171 da Lei 11.101/05), portanto, não há falar em aplicação do parágrafo único do mesmo artigo, que trata da tipificação no crime de desobediência, em não se cumprindo tais obrigações. Pois, nesse caso específico, o crime será ou de desvio ou ocultação de bens ou de indução a erro.

É, ainda, dever do empresário falido prestar as informações reclamadas pelo juiz, administrador judicial, credor ou Ministério Público sobre as circunstâncias e fatos que interessem a falência. Justifica-se pela necessidade de esclarecer pontos que, eventualmente, não restem claros dos livros, papéis, e documentos arrecadados pelo administrador judicial.

É obrigação do empresário falido, assim como do administrador da sociedade falida e mesmo de seus sócios, auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza. Tal norma é muito genérica, havendo a necessidade de lhe impor limites. Primeiramente, podemos dar à tal dispositivo uma interpretação genérica, sendo considerado como um dever genérico de auxiliar o administrador, de não atrapalhá-lo, de não dificultar a sua atuação, de portar-se com boa-fé e probidade. Além dessa aplicação podemos elencar outros balizamentos da norma sobredita: I) o dever de auxiliar o administrador está limitado aos assuntos que envolvem a empresa falida; II) o auxílio requerido deve ser legítimo e lícito, ou seja, deve respeitar as normas jurídicas e respeitar a boa-fé, ainda, se pautando na razoabilidade e na proporcionalidade; III) tal auxílio só é obrigatório se for inequívoco no todo; IV) deve-se revestir de pessoalidade, só podendo ser pedido aquilo que diga respeito à determinada pessoa.

É imposto ao falido examinar as habilitações de crédito apresentadas. A habilitação é um processo administrativo, dentro do processo de falência, que se forma a compreensão do patrimônio passivo da empresa, ou seja, o conjunto das relações jurídicas na qual ela ocupa a posição de devedora. Todos os credores da empresa insolvente devem participar do processo de habilitação (embora haja a previsão de créditos retardatários). A relação de credores feita  pelo administrador judicial traz, nada mais, nada menos, do que uma lista de pretensos credores. Logo, o escopo do dispositivo em tela é a de fazer com que o empresário falido ou administrador da sociedade falida (que tinham contato com a empresa e tinham maior noção das dívidas da empresa) analisem se tais créditos são realmente devidos, mais uma vez possuindo uma função de auxílio.

Ao empresário ou ao administrador é imposto o dever de assistir ao levantamento, à verificação do balanço e ao exame dos livros. No entendimento de Gladston Mamede, o acompanhamento desses atos só deve ser presencial quando a presença da pessoa for indispensável.

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Deve o falido ou o administrador societário manifestar-se sempre que for determinado pelo juiz. Tem-se aqui uma obrigação processual que revela a natureza sui generis do processo falimentar. A manifestação determinada pelo juiz pode ser de dois tipos: a) manifestação processual ordinária, que será realizada por meio de representante processual (advogado legalmente constituído); b) manifestação pessoal do falido, nos casos em que o ato exigir tal pessoalidade.

Não menos importante, é o dever de apresentar, no prazo fixado pelo juiz, a relação de seus credores. Tal relação é de grande importância para o processo de falência. A relação nominal de credores, prevista no art. 99, III e no art. 105, II, é o ponto de partida dos procedimentos de verificação de crédito e da composição do quadro geral de credores, definindo aqueles que têm pretensão sobre o produto realizado com a realização do patrimônio ativo da empresa. Vejamos o que dizem os artigos referentes a tal relação:

“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:

(...)

III – ordenará ao falido que apresente, no prazo máximo de 5 (cinco) dias, relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos, se esta já não se encontrar nos autos, sob pena de desobediência;”

“Art. 105. O devedor em crise econômico-financeira que julgue não atender aos requisitos para pleitear sua recuperação judicial deverá requerer ao juízo sua falência, expondo as razões da impossibilidade de prosseguimento da atividade empresarial, acompanhadas dos seguintes documentos:

(...)

II – relação nominal dos credores, indicando endereço, importância, natureza e classificação dos respectivos créditos;”

Por fim, devemos citar que o artigo 104, inciso XII arremata ao preceituar que o empresário deve examinar e dar parecer sobre as contas do administrador judicial.

3. EFEITOS DA FALÊNCIA QUANTO AOS BENS DO FALIDO.

Como já foi dito, com a decretação da falência ocorre a perda e a disposição dos bens do falido. A falência pode recair tanto sobre o empresário singular, individual, pessoa física, como sobre o empresário coletivo, a sociedade empresária, pessoa jurídica.

Em se tratando de empresário individual, pessoa física, as conseqüências da decretação da falência se fazem sentir diretamente sobre a pessoa do falido, independentemente dos reflexos sobre os seus bens. Já no caso de sociedade empresária devemos analisar a responsabilidade de cada sócio, pois existem sócios com responsabilidade limitada que respondem unicamente com a sua quota parte, já outros por possuírem responsabilidade ilimitada a sentença falimentar atua não só sobre os bens da sociedade como também sobre as pessoas dos sócios, administradores ou diretores. Esses casos são os chamados de efeitos da falência quanto à pessoa do falido já analisados no presente estudo.

A perda da administração dos bens é uma decorrência natural da falência, realizando-se de pleno direito, como bem observou Carvalho de Mendonça, “independentemente de qualquer intimação ou outra formalidade, menção expressa ou ato judicial investindo os representantes da massa nessa administração”. (MENDONÇA, 1962 apud ALMEIDA, 2007).

 Entretanto, existem certos bens, por serem inalienáveis ou impenhoráveis, não são abrangidos pela falência. Amador Paes de Almeida divide esses bens em três categorias, a saber: a) bens inalienáveis por força de lei; b) bens inalienáveis por ato voluntário; c) bens absolutamente impenhoráveis.

Nos termos do artigo 108, §4°. Da Lei de Falências, “não serão arrecadados os bens absolutamente impenhoráveis”.

São inalienáveis por força de lei os bens públicos (art. 100 do CC) e o bem de família (art. 1.711 do CC). São inalienáveis por ato voluntário os bens gravados por testadores (art. 1.911 do CC). São absolutamente impenhoráveis todos os bens que constam na lista prescrita pelo art. 833 do CPC/2015. Assim aduz tal artigo:

“Art. 833.  São impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;

III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor;

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado;

VI - o seguro de vida;

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas;

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

XI - os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei;

XII - os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra.”

Os bens inalienáveis são, também, impenhoráveis. A admissão de penhora sobre tais bens implicaria uma alienação, tendo em vista que a penhora deve ser considerada uma forma de transferência a outrem, por força de execução. O Tribunal de Justiça aduz no mesmo sentido: “Os bens tornados inalienáveis por força de testamento ou de contrato são, também, absolutamente impenhoráveis, ainda que o testador ou doador não tenha imposto, expressamente, sua impenhorabilidade, sim a inalienabilidade dos mesmos”. (RT, 366/217)

Algo interessante de ser analisado é a situação jurídica da mulher casada. Se a falência recai sobre uma sociedade, nenhum efeito atingirá a figura da mulher do sócio, já que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com os bens particulares dos seus respectivos sócios (corolário do Direito Empresarial). Contudo, o mesmo não ocorre em relação ao empresário individual, em que esta separação não existe, confundindo-se os bens.

Neste último caso, terá que se observar qual o regime em que o casamento foi celebrado, para se averiguar os efeitos que sobrevirão sobre os bens do cônjuge virago. No regime de separação de bens, todos os bens auferidos antes do matrimônio, os herdados e os recebidos por doação estão excluídos do processo falimentar, de acordo com o que obtempera o Código Civil de 2002. No caso de tais bens serem arrecadados pela massa, à mulher cabe a propositura de embargos de terceiros. No regime de comunhão de bens, pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro. Como foi exemplificado, para cada forma de casamento haverá disposições específicas regidas pelo Código Civil.

4. EFEITOS DA FALÊNCIA QUANTO AOS CONTRATOS.

4.1 CONCEITOS.

Antes de adentrarmos no estudo específico dos efeitos da falência quanto aos contratos, faz-se necessário uma breve exposição sobre alguns conceitos concernentes aos contratos.

No Código Civil da Itália, “o contrato é um acordo de duas ou mais partes para constituir, regular ou extinguir entre si uma relação jurídica obrigacional” (art. 1.321). Já o novo Código Civil Brasileiro, como o anterior, não define contrato, deixando à doutrina sua focalização.

Caio Mário da Silva Pereira dizia que “o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”. (PEREIRA, 2006)

Carvalho Santos define o contrato como “o ato jurídico que traduz o acordo de vontade de duas ou mais pessoas, para o fim de criar, resguardar, modificar ou extinguir uma relação jurídica”. (SANTOS, 1958 apud ALMEIDA, 2007)

4.2 CONTRATOS UNILATERAIS E BILATERAIS.

Na falência, há algumas distinções feitas entre contrato unilateral e bilateral. Primeiramente, diz-se contrato unilateral o acordo de vontades no qual uma das partes se responsabiliza pelo adimplemento de uma obrigação sem que se possa exigir contraprestação de seu co-contratante. Já o contrato bilateral é o acordo em que as obrigações e direitos são recíprocos aos contratantes.

A falência, uma vez decretada, afeta todos os credores do falido, que somente poderão exercer seus direitos sobre os bens daquele e do sócio ilimitadamente responsável na forma que a Lei n° 11.101/05 dispuser. No caso dos contratos bilaterais, afirma-se que estes não restam resolvidos pela falência e podem ser adimplidos pelo administrador judicial, caso o cumprimento possa reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê de Credores.

A contraparte  do falido pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato. A negativa ao pedido do credor ou o falta de manifestação (silêncio) do administrador judicial confere ao contratante o direito à indenização, cujo valor, que deverá ser apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário.

Resumidamente, os contratos bilaterais do falido que ainda não tenham sua execução iniciada por nenhuma das partes, bem como os unilaterais, podem ser rescindidos pelo administrador judicial, autorizado pelo Comitê, caso exista, ou por sua própria discricionariedade, na situação de inexistir o Comitê, se isso for do interesse da massa de credores, isto é, se o cumprimento do contrato reduzir ou evitar o aumento do passivo ou revelar-se necessário à manutenção do ativo.

Assim dispõe o artigo 117:

“Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê.

§ 1o O contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de até 90 (noventa) dias, contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 (dez) dias, declare se cumpre ou não o contrato.

§ 2o A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário”.

Com relação ao contrato de compra e venda, várias são as hipóteses de como a falência demonstrará seus efeitos. Se o falido estiver na posição de comprador, os direitos do vendedor sofrem efeitos variados, em conformidade com o momento da entrega das mercadorias, relativamente ao do pedido da falência. Dependendo dessa circunstância, o vendedor terá direitos distintos.

São quatro as hipóteses que se podem afigurar. A primeira delas se dá quando o vendedor ainda não despachou as mercadorias, se o comprador não pagou o preço. Nesse caso, aplica-se a regra geral dos contratos na falência, cabendo ao administrador judicial avaliar, em conjunto com o Comitê, se existir, os efeitos do cumprimento ou da resolução da compra e venda relativamente ao ativo e passivo do falido. O vendedor pode acionar judicialmente o administrador judicial para que, em 10 dias, manifeste sua decisão. Caso nesse prazo o administrador judicial se manifeste no sentido de cumprir o contrato, o vendedor estará obrigado a adimplir sua obrigação, entregando a mercadoria, nos exatos termos do pacto, e proceder à habilitação de seu crédito na falência. Também se a massa falida tiver pago parcialmente o preço, caberá ao vendedor cumprir o contrato e promover sua habilitação. Se, por outro lado, o administrador judicial, no prazo da interpelação, decidir resolver o contrato, o vendedor não terá nenhum direito oponível relativamente à massa falida. Por último, se o administrador não se manifestar no prazo legal, o contrato será rescindido, e o vendedor terá direito à indenização, como crédito quirografário, a ser apurado em ação ordinária.

Na segunda situação, tem-se a hipótese de o vendedor tomar conhecimento do pedido de falência do comprador após ter-lhe enviado as mercadorias. Nesta situação, o vendedor poderá evitar a entrega de coisa vendida ao falida, caso ainda não paga, nem recebida, e desde que não tenha havido a revenda sem fraude por tradição simbólica. O vendedor de mercadorias despachadas não pode mais ter direitos que teria caso não as houvesse ainda despachado. O que a lei estabelece é a possibilidade de ele comunicar à empresa de transporte uma contraordem, para que seja sustada a entrega das mercadorias, no aguardo da decisão do administrador judicial relativamente ao cumprimento ou não do contrato. Se o administrador judicial decidir que é vantajosa para a massa falida a execução da compra e venda, a entrega deverá realizar-se, e ao vendedor caberá habilitar-se no concurso de credores.

A terceira hipótese se configura quando o vendedor entrega as mercadorias nos 15 dias antes ao pedido de falência. Nesse caso ele tem direito à restituição se as mercadorias não haviam  sido pagas e desde que não tenha ocorrido a alienação. A revenda das mercadorias pelo próprio comprador antes da decretação da falência ou a venda judicial obstam a restituição, que se operará, nesse caso, em dinheiro.

A quarta se configura na hipótese do vendedor que faz a entrega das mercadorias antes do período de 15 dias antecedentes ao pedido de falência, ou posteriormente a este. Se a entrega ocorreu, por exemplo, no vigésimo dia anterior à distribuição do pedido de falência, resta-lhe unicamente o caminho da habilitação do crédito. Essa também é a única via aberta na hipótese de a falência ter sido pedida antes da entrega das mercadorias no estabelecimento do comprador. Considera-se que, nessa situação, se o vendedor tinha já meios de saber da condição em que se encontrava a sociedade empresária compradora – requerida em pedido de falência – e, mesmo assim, não exerceu o direito de sustar a entrega, então ele não foi vítima da má-fé dos representantes legais daquela; desse modo, não se justifica a restituição.

Já no caso da venda, realizada pelo falido, de coisa composta rescindida pelo administrador judicial, abre-se a faculdade para o comprador, abrindo-se a possibilidade de ele, colocando as composições já recebidas à disposição da massa, pleitear perdas e danos. E, na venda pela falida de coisa móvel, com pagamento a prestação, o administrador judicial pode optar pela resolução do contrato, restituindo ao comprador o valor das prestações pagas. São essas as regras do direito falimentar, atinentes à comprada e venda mercantil, na hipótese da falência do vendedor.

4.3 REGRAS ESPECIAIS.

A Lei 11.101/05, embora estabeleça, no art. 117, que os contratos bilaterais não se resolvem pela falência, podendo ser cumpridos pelo administrador judicial, prevê regras especiais sobre vários contratos bilaterais, como salientaremos em seguida.

Com relação à venda de coisa composta, o art. 44, inciso II do Decreto Lei nº 7.661/1945 e o art. 119, inciso II da Lei nº 11.101/2005 disciplinam de maneira idêntica a venda de coisa composta. Estes dois artigos estabelecem que, se o falido houver vendido coisa composta e o administrador judicial optar pela não-continuação do contrato, o comprador poderá colocar à disposição da massa falida as coisas já recebidas, pedindo perdas e danos.

O art. 119, inciso III, da Lei 11.101/2005 estabelece que, caso tenha o falido vendido ou contratado a venda de coisa móvel a prestações, se esta ainda não foi entregue ao comprador e o administrador judicial resolver não executar o contrato, o crédito relativo ao valor pago será habilitado na classe própria.

Já a coisa móvel com reserva de domínio comprada pelo falido será restituída, caso o administrador resolva não continuar a execução do contrato, desde que sejam devolvidas, nos termos do contrato, das quantias pagas. Isso é o que obtempera o art. 119, IV do novel diploma falimentar. Dá-se a reserva de domínio – leciona Caio Mario da Silva Pereira – quando se estipula pacto adjeto ao contrato de compra e venda, em virtude do qual o vendedor reserva para si a propriedade da coisa alienada, até o momento em que se realiza o pagamento integral do preço. É usado nas vendas a prestações, com investidura do comprador, desde logo, na posse da res vendita, ao mesmo passo que se subordina a aquisição do domínio À solução da última prestação. (PEREIRA, 2006)

Na venda de coisas a termo com cotação em bolsa ou mercado, não se executando o pacto, prestará o contratante ou a massa a diferença entre as cotações do dia do contrato e o da liquidação. Essa regra não é equilibrada. Na verdade, quando as partes contratam hoje a venda de bens, concordando fixar o preço de acordo com o valor de cotação da data da futura entrega, é este o valor a prevalecer, nada justificando apurar-se uma indenização pela variação do período em favor de uma ou outra parte.

Como já tivemos ensejo de observar, na venda a prestação de coisas móveis, o vendedor garante-se reservando o domínio, a propriedade do bem transacionado, só transferindo ao comprador a posse – é a venda com reserva de domínio. Na venda de imóveis ocorre o mesmo, isto é, o vendedor, mediante promessa de compra e venda, conserva o domínio, só transferindo a posse, uso e gozo ao comprador, até o pagamento integral do preço, quando então lhe é outorgada a escritura definitiva. Na ocorrência de falência do promitente-vendedor, tal contrato não se resolve, ficando o síndico obrigado a dar-lhe cumprimento. Porém, se o falido for compromissário-comprador, os seus direitos sobre o imóvel serão alienados, revertendo-se em favor da massa.

No contrato de locação, a falência exige os seguintes procedimentos: A falência do locador não resolve o contrato de locação e, na falência do locatário, o administrador judicial pode, a qualquer tempo, denunciar o contrato. Particular atenção deve-se ter na hipótese de locação empresarial. É dessa categoria a locação que atende aos pressupostos do art. 51 da Lei n° 8.245/91, que são: a) contrato escrito, celebrado por prazo determinado, b) vínculo locatício de no mínimo 5 anos, c) exploração do mesmo ramo de atividade, no imóvel, nos últimos 3 anos. Quando presentes esses requisitos, considera-se que o empresário constituiu um ponto comercial. Desse modo, se o estabelecimento empresarial da sociedade falida encontra-se em imóvel locado de acordo com esses pressupostos, pode ocorrer de o administrador judicial identificar nessa situação um valor a ser preservado para futura alienação judicial em benefício da massa. Daí ter a massa o direito de renovar compulsoriamente o contrato de locação.

Tanto o artigo 45 do Decreto Lei 7.661 como o artigo 121 da Lei 11.101 aduzem que as contas correntes do falido consideram-se encerradas no momento de decretação da falência, verificando-se o respectivo saldo. Contudo, a aplicação prática desse dispositivo envolve algumas dificuldades. Dentre elas, destaca-se a possibilidade de, entre os valores constantes das escriturações, incluírem-se créditos não admitidos na falência. Há, portanto, a necessidade de uma descrição minuciosa das operações realizadas em tal conta, sob pena de permitir-se que credores de títulos não admitidos na falência venham a integrar a massa concursal.

Se o falido fizer parte de alguma sociedade como sócio comanditário ou cotista, para a massa falida entrarão somente os haveres que na sociedade ele possuir e forem apurados na forma estabelecida no contrato ou estatuto social. Se o contrato ou o estatuto social nada disciplinar a respeito, a apuração far-se-á judicialmente, salvo se, por lei, pelo contrato ou estatuto, a sociedade tiver de liquidar-se, caso em que os haveres do falido, somente após o pagamento de todo o passivo da sociedade, entrarão para a massa falida. Se o falido era sócio de uma sociedade limitada, determina a lei que se proceda à apuração dos haveres, na forma do direito societário. Tudo isso está preceituado no Art. 123 da Lei 11.101/05.

Assim, de início, deve o administrador judicial notificar a sociedade limitada de que faz parte o falido, para que ela promova a apuração dos haveres, levantando o balanço de determinação apto a mensurar o valor do seu patrimônio líquido na data da decretação da falência. Feito o balanço, a sociedade deve entregar a massa falida o valor apurado proporcional à participação do falido no capital social, encerrando-se a apuração. Vindo os sócios do falido a retardar a providencia, cabe à massa falida ingressar com a ação de dissolução parcial de sociedade.

Retrata o art. 116, II, da Lei Falimentar que a decretação da falência vem suspender o exercício do direito de retirada ou de recebimento do valor de suas cotas ou ação, por parte dos sócios da sociedade falida. Todos os bens do devedor declarado falido, incluindo-se direito de recebimento do valor de suas quotas ou ações, são exclusivos da sociedade falida. Destinadas a posse e administração desses bens ao administrador judicial, perde o falido a disponibilidade que tinha sobre os direitos de recebimentos do valor de suas quotas ou ações, que deve ser arrecadado e recebido pela sociedade falida.

A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem. Essa regra, entretanto, aplica-se ao sócio que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência.

As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores ou liquidantes, os quais terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas, ficarão sujeitos às obrigações que cabem ao falido. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.

Já sobre os contratos de mandato podemos dizer, inicialmente, que mandato é autorização pela qual uma pessoa dá a outra poderes para representá-la. O artigo 653 do Código Civil assim o define:

“Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato”.

Na lei anterior, era previsto que a falência não fazia cessar os efeitos do mandato outorgado pelo devedor, antes da falência, para a realização de negócios. O mandatário deveria aguardar sua revogação expressa pelo síndico e, então, prestar-lhe contas. Até, lá, continuava podendo praticar os atos de interesse da massa falida. A atual lei de falências muda a disciplina do contrato e estabelece que o mandato conferido pelo devedor, antes da falência, para a realização de negócios, cessará, de plano, seus efeitos com a decretação da falência, cabendo ao mandatário prestar contas de sua gestão, conforme o Art. 120 da Lei 11.101/05. Em relação ao mandato pertinente à atividade empresarial explorada do qual o falido era mandatário, também cessará os efeitos. Os demais mandatos outorgados ao falido, isto é, os estranhos à atividade empresarial por ele explorada mantém a eficácia. Essa regra se aplica, também, à comissão de que seja comissário o falido. Em relação ao mandato outorgado pelo falido ou ao falido de objeto estranho à atividade empresarial e à comissão em que ele era comitente, não se aplica o dispositivo aqui em foco, mas as regras gerais dos contratos na falência. Em suma, o mandato conferido para representação judicial do devedor continua em vigor até que seja expressamente revogado pelo administrado judicial. Para o falido, cessa o mandato ou comissão que houver recebido antes da falência, salvo os que versem sobre matéria estranha à atividade empresarial.

Nos contratos de comissão, a falência o faz cessar para o falido. Esse é o entendimento do artigo 120, § 2°, da Lei 11.101/05. Vale ressaltar que comissão é o contrato pelo qual uma pessoa adquire ou vende bens, em seu próprio nome e responsabilidade, mas por ordem e por conta de outrem, em troca de certa remuneração, obrigando-se para com terceiros, com quem contrata.

Por fim, iremos falar das companhias de seguro (sociedades anônimas), que nos termos do art. 26 do decreto-Lei n° 73/66, estão sujeitas a procedimento específico de execução concursal, denominado liquidação compulsória, promovida pela Susep – Superintendência de Seguros Privados, autarquia federal responsável pela fiscalização da atividade securitária. Até 1999, era essa uma hipótese de exclusão total da incidência da Lei Falimentar. Desde aquele ano (inicialmente, por medida provisória, a partir de 2002, pela Lei n° 10.190), o governo federal tem estabelecido o cabimento da decretação da falência das seguradoras, quando a liquidação compulsória, agora chamada extrajudicial, se frustra porque o ativo da companhia em liquidação não é suficiente para o pagamento de pelo menos metade do passivo quirografário. De qualquer modo, as sociedades seguradoras não podem falir em nenhuma circunstância a pedido do credor: a falência, na única situação cabível, será sempre requerida pelo liquidante nomeado pela Susep. Nesta hipótese, ficam suspensas as ações e execuções judiciais, executadas as que tiverem início anteriormente, quando intentadas por credores com privilégio sobre determinados bens da Sociedade Seguradora. Vencem antecipadamente todas as obrigações civis ou comerciais da Sociedade Seguradora liquidanda, incluídas as cláusulas penais dos contratos, Ficam suspensas as incidências de juros, ainda que estipulados, se a massa liquidanda não bastar para o pagamento principal. Durante a liquidação, fica interrompida a prescrição extintiva contra ou a favor da massa liquidanda. Quando a sociedade tiver credores por salários ou indenizações trabalhistas, também ficarão suspensas as ações e execuções. A massa liquidanda não estará obrigada a reajustamentos salariais sobrevindos durante a liquidação, nem responderá pelo pagamento de multas, custas, honorários e demais despesas feitas pelos credores em interesse próprio, assim como não se aplicará correção monetária aos créditos pela mora resultante de liquidação, além dos poderes gerais de administração, a SUSEP ficará investida de poderes especiais para representar a Sociedade Seguradora liquidanda ativa e passivamente, em juízo ou fora dele. Dentro de 90 (noventa) dias da cassação para funcionamento, a SUSEP levantará o balanço do ativo e do passivo da Sociedade Seguradora liquidanda. O Instituto de Resseguros do Brasil compensará seu crédito com o valor das ações efetivamente realizadas pela Sociedade Seguradora liquidanda, acrescido do ágio, pagando-lhe o saldo, se houver, e procedendo à transferência como previsto no artigo 43, § 3º, da Lei 10.190. Os interessados poderão impugnar o quadro geral de credores, mas decairão desse direito se não o exercerem no prazo de quinze dias. A SUSEP examinará as impugnações e fará publicar no Diário Oficial da União sua decisão, dela notificando os recorrentes por via postal, sob AR. A SUSEP promoverá a realização do ativo e efetuará o pagamento dos credores pelo crédito apurado e aprovado no prazo de seis meses, observados os respectivos privilégios e classificação de acordo com a quota apurada em rateio. Até que sejam julgadas as ações, a SUSEP reservará quota proporcional do ativo para garantia dos credores. Nos casos omissos, são aplicáveis as disposições da legislação de falências.

4.4 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.

A alienação fiduciária é uma forma de financiamento. O financiador adianta uma determinada soma em dinheiro ao financiado para aquisição, por este, de bens móveis e duráveis. Tal financiamento não se opera sem que o financiador esteja plenamente garantido, surgindo então a alienação fiduciária. Por ela o financiado transfere ao financiador a propriedade dos bens adquiridos, em garantia do pagamento do seu débito, mediante a condição de que, no pagamento do preço, a propriedade se lhe retorne, consubstanciando a pretensão restitutória.

A falência antecipa o vencimento da obrigação e no direito pátrio garante ao fiduciário a faculdade de requerer a restituição do bem, devendo, na hipótese de vendê-los a terceiros, reter o seu crédito, restituindo à massa falida o saldo apurado.

O Contrato de Alienação Fiduciária em Garantia, como se sabe, tem natureza bilateral. Dessa forma, a ele aplica-se a regra do artigo 117 da Lei 11.101/05, podendo o administrador judicial optar pela continuação de sua execução.

Contudo, se apesar de interpelado o administrador judicial não demonstrar interesse na continuação do contrato, frustram-se as possibilidades de ocorrência da condição resolutiva e pode o credor exigir a restituição do bem.

4.5 CONTRATO DE TRABALHO.

O contrato de trabalho é um contrato bilateral (um dos elementos normativos do contrato de trabalho). Este tipo de contrato não se rescinde propriamente com a falência, mas sim com a cessação das atividades da empresa. Assim, salvo na hipótese de continuação provisória das atividades da empresa, a cessação da atividade econômica da empresa decorrente da quebra rescinde a relação contratual empregatícia. Em decorrência, pode o empregado reclamar os saldos salariais e as verbas indenizatórias pertinentes.

Com efeito, em consonância com o disposto no art. 99, XI, da Lei de Falências, o juiz pode determinar a continuação provisória das atividades empresariais, mantidos, enquanto durar essas atividades, os contratos de trabalho:

“Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras determinações:

(...)

XI – pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o disposto no art. 109 desta Lei;”.

Mesmo no caso de falência, cabe à Justiça do Trabalho julgar o quantum devido aos empregados. Cabe ao juízo falimentar simplesmente considerar o valor líquido e definitivo determinado pela Justiça do Trabalho quando do pagamento.  Assim, na falência do empregador, o empregado deve mover sua reclamação perante a Vara do Trabalho competente e, uma vez definida a existência e a extensão de seu direito, declarar o crédito na falência e aguardar o pagamento.

5. COMPENSAÇÃO DAS DÍVIDAS DO FALIDO.

Compensam-se, com preferência sobre todos os demais credores, as dívidas do devedor vencidas até o dia da decretação da falência, provenha o vencimento da sentença de falência ou não, obedecidos os requisitos da legislação civil. Se o banco, por exemplo, é credor quirografário da sociedade falida em virtude de mútuo obtido numa agência, e a sociedade, por sua vez, é credora do mesmo banco em razão do saldo existente em conta de depósito administrada por outra agência, será cabível compensar-se uma obrigação pela outra, mesmo que isso signifique preterição de outros créditos com preferência.

Contudo, não se compensam os créditos transferidos após a decretação da falência, salvo em caso de sucessão por fusão, incorporação, cisão ou morte; ou os créditos, ainda que vencidos anteriormente, transferidos quando já conhecido o estado de crise econômico-financeira do devedor ou cuja transferência se operou com fraude ou dolo.

Caso haja acordo para compensação e liquidação de obrigações no âmbito do sistema financeiro nacional, nos termos da legislação vigente, a parte não falida poderá considerar o contrato vencido antecipadamente, hipótese em que será liquidado na forma estabelecido em regulamento, admitindo-se a compensação de eventual crédito que venha a ser apurado em favor do falido com créditos detidos pelo contratante.

6. INEFICÁCIA E REVOGAÇÃO DOS ATOS PRATICADOS PELO DEVEDOR ANTES DA FALÊNCIA.

Nesta parte do presente trabalho, analisaremos os efeitos retrospectivos (retroativos), ou seja, analisa-se, de maneira sucinta, os casos em que a decretação de falência mostra seus efeitos em atos praticados antes da própria declaração.

Os efeitos retrospectivos são cuidados pelos artigos 129 a 138 da atual lei.

O primeiro desses efeitos é a ineficácia. O art. 129 a nova Lei falimentar, repetindo o art. 52 da Lei 7.661, traz as hipóteses de ineficácia. É válido ressaltar que tal instituto distingue-se da nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos. Ineficácia é a inexistência de efeitos do ato jurídico em relação a terceiros. Ela não desfaz ou convole o ato jurídico, que permanece íntegro entre o falido e o terceiro.

Trajano de Miranda Valverde, citando Windscheid, entende que: "O conceito de nulidade e anulabilidade dos atos jurídicos foi substituído pelo de ineficácia, que não tem no próprio ato a sua causa, mas em um fato estranho, concernente aos seus efeitos, pelo que não toca no ato jurídico, que permanece válido em relação aos contratantes".

Todas as hipóteses alinhadas no art. 129, consideradas pela doutrina mais abalizada como numerus clausus, da atual lei são de fraude objetiva. Incidem na hipótese legal, isto é, in re ipsa, sem a necessidade de se provar a prática de fraude. As hipóteses mais comuns de ineficácia são o pagamento antecipado de dívida vincenda dentro do termo legal da quebra, ainda que pelo desconto do título; pagamento de dívida vencida dentro do termo legal, por qualquer forma que não seja a prevista no contrato.

É importante lembrar que termo legal é o prazo fixado pelo juiz ou por lei, contado de determinada data prevista em lei, em que os atos praticados pelo falido ficam sujeitos à declaração de ineficácia em relação à massa falida e aos seus credores. É o chamado período suspeito.

Já a fraude subjetiva, concertada pelo falido e terceiros, deve ser provada, abrangendo o "conluium fraudis", praticado por ambas as partes. Assim obtempera o art. 130 da Lei 11.101/05:

“Art. 130. São revogáveis os atos praticados com a intenção de prejudicar credores, provando-se o conluio fraudulento entre o devedor e o terceiro que com ele contratar e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida”.

Na atual lei, para a declaração da ineficácia do ato jurídico, quando se cuida de fraude subjetiva, impõe-se a propositura da ação revocatória. Na objetiva, inovando para pior, o § único do art. 129, além da revocatória, permite que o juiz decrete, "ex oficio", a ineficácia do ato.

A revocatória prevista na atual lei se assemelha à ação pauliana do direito civil, ambas visam a ineficácia do ato jurídico. A atual lei estipula prazo de 3 (três) anos para a propositura da revocatória, contado da data da decretação da falência, a teor do art. 132. A ação deverá ser proposta na seguinte ordem: pelo administrador judicial, por qualquer credor ou pelo Ministério Público, segundo o mesmo art. 132. A propositura da ação comete primeiramente ao administrador, na qualidade de representante legal da massa, (sob pena de destituição por descumprimento de dever legal (art. 131)), como ocorria com a lei anterior (sindico) até três anos após a declaração falência. Após, qualquer credor poderá intentar a ação. Inovou a lei ao conferir ao Ministério Público o direito de, também, promover a revocatória, passando a ser parte no feito.

7. CONCLUSÃO.

Vistos as amplas vertentes em que a decretação de falência se engendra, notamos o porquê deste processo ser revestido de tanto cuidado e de tanta atipicidade. Os efeitos são inúmeros e afetam uma gama enorme de pessoas e obrigações.

É importante ressaltar que, como a falência modifica toda a situação jurídica das relações da empresa, a Lei de Falências traz de forma detalhada os efeitos com relação às pessoas, às coisas e às obrigações, prevendo o que deve acontecer nas mais diversas hipóteses.

Por fim, vale lembrar que tal assunto é bastante instigante, haja vista que situa a falência, trazendo várias regras especiais, em relação a vários outros ramos do Direito, como Direito do Trabalho, Direito Civil e Direito Processual Civil

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de Falência e Recuperação de Empresa. São Paulo: Saraiva, 2007.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova Lei de Falencias e de Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9-2-2005). São Paulo: Saraiva, 2009.

MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. Falência e Recuperação de Empresas. Volume 4. São Paulo: Atlas, 2006.

PACHECO, José da Silva. Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência. Editora Forense, 2006.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. II, 21ª Ed., Editora Forense 2006.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. III, 12ª Ed., Editora Forense, 2006.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar, 16ª Ed., São Paulo, 1995.

VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências, 4ª Ed., Rio de Janeiro, 1999.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 3: Direito de Empresa. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, volume 3 – Recuperação de Empresas e Falência. 7ªEd. São Paulo: Saraiva, 2012.

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