3. SISTEMA PRISIONAL
Na Lei de Execução Penal estão estabelecidas as normas fundamentais que regerão os direitos e obrigações do sentenciado no curso da execução da pena. Constitui-se na Carta Magna dos presos, tendo como finalidade atuar como um instrumento de preparação para o retorno ao convívio social do preso.
Já em seu artigo 1º, a LEP deixa claro que sua orientação baseia-se em dois fundamentos: o estrito cumprimento dos mandamentos existentes na sentença e a instrumentalização de condições que propiciem a reintegração social do condenado.
O objetivo da lei é o de conferir uma série de direitos sociais ao condenado, podendo assim possibilitar não apenas o seu isolamento e a retribuição ao mal por ele causado, mas também a preservação de uma parcela mínima de sua dignidade e a manutenção de indispensáveis relações sociais com a sociedade.
Se fosse efetivada integralmente, a Lei de Execução Penal certamente propiciaria a reeducação e ressocialização de uma parcela significativa da população carcerária atual. No entanto, o que ocorre é que, assim como a maioria das leis que existem no país, a LEP permanece apenas no plano teórico, não tendo sido cumprida pelas autoridades públicas.
A lei deixa bem claro que é pressuposto da ressocialização do condenado a sua individualização, a fim de que possa ser dado a ele o tratamento penal adequado. Já se pode observar aqui então a primeira dificuldade no processo ressocializador do preso, pois devido à superlotação das unidades prisionais torna-se praticamente impossível ministrar um tratamento individual a cada preso.
De acordo com dados disponíveis no site do Ministério da Justiça, através do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a população carcerária brasileira, no primeiro semestre de 2010 era de 473.626 presos. Com essas informações o Depen norteia os investimentos do Fundo Penitenciário Nacional em políticas públicas voltadas ao sistema penitenciário brasileiro, além de subsidiar estudos e pesquisas acadêmicas ligadas ao sistema de justiça criminal. É possível afirmar que o aumento da população carcerária tem sofrido uma retração nos últimos anos, muitos fatores podem ser atribuídos a essa redução, a expansão da aplicação, por parte do Poder Judiciário, de medidas e penas alternativas; a realização de mutirões carcerários pelo Conselho Nacional de Justiça; a melhoria no aparato preventivo das corporações policiais e a melhoria das condições sociais da população. Porém isso ainda não é o suficiente, pois o país ainda possui um déficit de aproximadamente 194.650 vagas.
Ainda de acordo com as informações contidas no site do Ministério da Justiça, o Brasil possui hoje quase 500 mil presidiários, a própria superlotação dos presídios é uma consequência do descumprimento da Lei de Execução Penal, que dispõe em seu artigo 84 que “o estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com sua estrutura e sua finalidade”. A lei ainda previu a existência de um órgão específico responsável pela delimitação dos limites máximos de capacidade de cada estabelecimento – o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – com a intenção de que fosse estabelecido corretamente um número adequado de vagas de acordo com cada estabelecimento.
Também devido à superlotação torna-se muito difícil efetivar o disposto na lei no que se refere ao trabalho do preso. O Estado, através de seus estabelecimentos prisionais não tem condições econômicas de propiciar e de supervisionar a atividade laborativa dos presos, sendo ainda que, na maioria das vezes, quando essas atividades são oferecidas, elas têm pouca aceitação ou não são devidamente adequadas às exigências do mercado de trabalho, o que acaba dificultando a qualificação do preso.
Outro desacordo com LEP é o fato de que os estabelecimentos prisionais colocam nas mesmas celas os presos provisórios, primários ou que cometeram delitos de menor gravidade, junto aos presos reincidentes e criminosos de alta periculosidade. Esse é um fator que acaba dificultando recuperação do preso que tem um potencial maior de ser regenerado, em razão de que o convívio em um ambiente promíscuo e cheio de influências negativas causadas por esses criminosos fará com que ele adquira o mesmo pensamento.
A LEP, orientando-se no sentido de que a aplicação da pena deve ser individualizada em relação à pessoa do criminoso, previu a figura do exame criminológico, que tem o objetivo de conhecer a personalidade e de conhecer periculosidade do preso, a fim de determinar em qual grupo social ele deverá ser inserido no curso da execução da pena. O laudo do exame criminológico também se constitui num dos requisitos necessários para a concessão dos benefícios da progressão de regime no cumprimento da pena e também da própria revogação desses benefícios.
Porém, o que se tem verificado é que esses laudos funcionam apenas como cumprimento da formalidade da lei. São todos parecidos, e não avaliam a personalidade do preso.
Outro problema encontrado na Lei de Execução Penal são os excessos ou desvios que ocorrem na execução da pena privativa de liberdade. O artigo 3º da lei dispõe que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Dessa forma, entende-se que a execução da pena deve reger-se pelo princípio da legalidade, sendo que a prática de ato fora dos limites fixados pela sentença constitui-se em excesso ou desvio de execução.
Assim, verifica-se que o preso durante a execução da pena privativa de sua liberdade, além de não fazer com que se cumpra suas finalidades, são ilegais, pelo fato de incidirem em desvio ou excesso de execução, conforme dispõe a própria Lei de Execução Penal, causando assim um conflito entre o disposto na sentença penal condenatória e ao que efetivamente o sentenciado é submetido durante o cumprimento da pena.
3.1. Novas propostas para eficácia da LEP
Redução do número de detentos por cela, plano de educação para presos e incentivo a penas alternativas são algumas das medidas previstas no anteprojeto elaborado pela comissão de juristas criada para estudar e propor mudanças na Lei de Execução Penal. Instalada no dia 4 de abril de 2013, o objetivo é atualizar a Lei 7.210 de 1984 , mais conhecida pelo nome de Lei de Execução Penal (LEP).
Há 28 anos em vigor, a LEP, que trata das regras para o cumprimento de sentenças e dos direitos e deveres do condenado, pode ajudar a mudar a realidade atual do sistema prisional. Entre os assuntos discutidos pelos juristas estão a superlotação do sistema prisional brasileiro e problemas como racionamento de água, comida estragada, falta de medicamentos e humilhação na hora da visita. São reclamações comuns feitas por detentos e seus parentes em quase todos os presídios brasileiros.
Nos sete meses de funcionamento da comissão também foram debatidas a possibilidade de extinção do alvará de soltura; a duração da prisão preventiva; a criação de um rol de medidas alternativas; e novas regras para as saídas temporárias dos presos.
Entre as novidades, o texto do anteprojeto traz um limite de lotação para cada penitenciária, facilita a obtenção de regime aberto aos presos mais antigos e fixa novas regras para as saídas temporárias. O trabalho foi pensado para incentivar a reinserção social dos condenados. Para isso, a comissão propõe, entre outras mudanças, a substituição das casas de albergado pela prisão domiciliar combinada com prestação de serviços comunitários.
Para evitar a permanência na cadeia depois do cumprimento da pena, o relatório cria um sistema de advertência, que obriga o diretor do presídio a informar o juiz sobre o benefício com 30 dias de antecedência. Um dos maiores avanços está na inclusão das secretarias estaduais no conselho que define as políticas do setor.
4. DA RESSOCIALIZAÇÃO
As ações de integração são um conjunto de intervenções técnicas, políticas e gerenciais, que possuem efeito durante e após o cumprimento da pena ou da medida de segurança, com intuito de aproximar o Estado, Comunidades e as Pessoas Beneficiárias, no objetivo de dirimir os impactos do sistema penal.
Partindo desse entendimento, se observa que um bom “tratamento penal” não é somente aquele que abstém a violência física ou que garanta boas condições para o indivíduo. Quando se trata de pena privativa de liberdade deve antes, passar por um processo de superação de conflitos por meio de seus direitos e da recomposição dos vínculos com a sociedade.
Conforme as práticas gerenciais atuais do Departamento Penitenciário Nacional considera-se que os projetos na área de Reintegração Social tem que conter pontos básicos: a formação educacional e profissional dos apenados, internados e egressos do sistema penitenciário nacional, que diz respeito ao processo pelo qual se procura associar a elevação da escolaridade e a educação profissional, com o acesso ao trabalho e à geração de renda, de maneira a preparar o beneficiário para ingresso no mundo do trabalho após o cumprimento da pena privativa de liberdade, principalmente no que concerne à capacitação das mulheres em privação de liberdade; e a assistência ao preso, ao internado, ao egresso e aos seus dependentes faz referência a um movimento de promoção dos direitos dos apenados, internados, egressos, dependentes e familiares, criando condições para que estes possam exercer a sua autonomia. Esse processo deve ser mediado pela inclusão dos beneficiários na agenda das políticas públicas de governo e pelo apoio a ações de instituições públicas e privadas, de caráter permanente, que tenham como objetivo prestar atendimento aos beneficiários, na forma e nos limites da lei: material, jurídica, educacional, social, religiosa e principalmente à saúde ao egresso, após a edição do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário.
O objetivo de toda reinserção é a reabilitação dos ex-infratores para a vida social e a consequente redução da reincidência. Quando o indivíduo sai da prisão e não encontra formas de se sustentar a probabilidade de reincidir é muito grande, então a busca de um novo ilícito é tentadora. Existem ações que dão resultados, são imediatas, logo nos primeiros dias de libertação, como a alimentação, moradia, higiene, locomoção, que se revelam crucial para evitar a reincidência e favorecer a recuperação do ex-detento.
A precariedade de instalações e assistência é o maior problema das prisões. Com tantas deficiências é praticamente impossível a recuperação de todos os detentos, e toda essa falência no sistema penitenciário brasileiro, levou o Conselho Nacional de Justiça a criar o projeto “Começar de Novo”, que tem a participação da sociedade. O projeto “Começar de Novo” foi instituído pela Resolução n. 96/2009, com o objetivo principal de reinserir socialmente o egresso do sistema carcerário no mercado de trabalho. O CNJ entendeu como prioritária a sistematização de ações educativas e laborais, objetivando a reinserção social do preso e daqueles que cumprem medidas alternativas, dando efetividade a LEP.
Por isso, ainda que a punição e encarceramento sejam necessárias para assegurar a proteção e a justiça as sociedades modernas precisam ir além, fazendo o possível para reinserir os condenados no trabalho produtivo, tanto dentro como fora dos presídios.[...] A estratégia de combater a reincidência pela inserção no trabalho tem fundamentos. O trabalho tem-se revelado como um dos fatores mais efetivos para reconstruir a dignidade da pessoa e para sua reintegração na família e na sociedade. Isso vale tanto para o período do cumprimento da pena como para os tempos de liberdade. (PASTORE, 2011, p.31).
4.1. Trabalho de reinserção com os detentos
Entre os vários mecanismos que facilitam a reinserção daquele que violou a norma penal no mercado de trabalho estão às instituições de intermediação, que fazem a ponte entre os presídios e as empresas, no sentido de preparar os detentos e os empresários.
Verifica-se no Brasil a existência de muitas instituições que se dedicam exclusivamente para a reinserção desses ex-detentos no trabalho. Grande parte dos casos, esse trabalho está concentrado nas necessidades básicas e imediatas dos que saem das prisões.
Algumas entidades direcionam as suas ações dentro dos presídios nos primeiros dias da libertação. Para isso contam com a ajuda de advogados, psicólogos e assistentes sociais. Existe ainda o trabalho no campo religioso, com sacerdotes e leigos. Essas ações não são feitas somente com os detentos, mas também com os seus familiares.
Há entidades que apesar de não se relacionarem diretamente com as empresas, colocam ex-detentos em atividades produtivas e remuneradas. Estas focalizam nas profissões que se ajustam ao nível educacional dos egressos.
CONCLUSÃO
Ao longo do processo histórico, várias foram as Leis brasileiras descortinadas com o finto de propiciar uma melhor relação entre Estado, punição e garantia da ordem pública. Apesar de existir uma Lei de Execução Penal capaz de solucionar os problemas penitenciários, o que ocorre nos estabelecimentos prisionais muitas vezes destoam da funcionalidade e aplicabilidade das normas jurídicas.
São miseráveis as condições em que estão os presos, tendo seus direitos anulados pela falta de estrutura do sistema carcerário. A realidade do sistema prisional brasileiro, confirma o que diz a teoria agnóstica da pena, que se mostra incapaz de exercer a função de ressocialização do infrator para o meio social.
O que se busca é a humanização na aplicação das penas, transformação no e do sistema prisional para que este atinja sua finalidade de ressocialização do preso, pois o acréscimo de sofrimento não previsto em lei não se justifica no cumprimento da pena e nem acrescenta nada ao preso.
A paz social e a segurança pública não serão alcançadas com a criminalização das condutas ou com o endurecimento das penas. O problema que o Brasil enfrenta hoje é muito mais complexo e advém de vários fatores, inclusive de fatores sociais, econômicos e culturais.
A ineficiência do Estado sobre serviços que devem ser oferecido aos presos dentro do estabelecimento onde estes cumprem suas sentenças como assistência médica, jurídica, social, alimentação, higiene acrescidos de carência de vagas, nas unidades, é um dos fatores geradores da não reabilitação dentro e fora do período de cumprimento de pena.
A sociedade em contato com o recluso durante o cumprimento de sua pena, certamente mudará seu olhar sobre o mesmo, deixando ele de ser “invisível” a ela e facilitando, assim, sua reinserção na sociedade. Sociedade, esta, que o acompanhou durante seu aprisionamento e colaborou em sua ressocialização, o que é fundamental para a reintegração do preso à comunidade.
REFERÊNCIAS
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