O presente artigo não tem a pretensão de adentrar no mérito da douta decisão do Tribunal da Cidadania, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, quando da apreciação do Recurso Especial nº. 1.640.084 – SP (2016/0032106-0), que descriminalizou o crime de desacato tipificado no art. 331 do Código Penal Brasileiro. Serão feitas sucintas considerações quanto ao conceito ao crime de desacato, bem como a relevância do Pacto de São José da Costa Rica, que entendemos ter sido a premissa maior que subsidiou a decisão. Buscou-se pelo método dedutivo, por ser mais didático para perceber, na decisão do Tribunal da cidadania, a relação jurídica existente entre o Poder Estatal e a Sociedade, esta a parte mais frágil. Nesse contexto, após análise dos ditames constitucionais, o Código Penal e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, melhor conhecida como Pacto de San José da Costa Rica e considerando os abusos cometidos no decorrer da história quando da imputação do crime de desacato, por parte de algumas autoridades públicas, concluiu-se que a decisão ora proferida pelo STJ fora bastante acertada do ponto de vista da isonomia. Contudo, não confere direitos ao cidadão de exceder os limites de sua liberdade de expressão ou manifestação.
I – DO CRIME DE DESACATO
O verbete desacato em sentido denotativo revela a intenção do agente em faltar com acato, com o respeito, menosprezando, lato sensu, o servidor público.
Nesta senda, o Código Penal pátrio, Decreto-Lei nº 2.548/1940, dispõe no seu art. 331 que desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela incorre na pena de detenção, que poderá ser de seis meses a dois anos, ou multa.
Observa-se que o Código de 1940 busca respaldar a atuação do funcionário público quando do efetivo exercício da função estatal. Todavia, na prática, muitos atos praticados por servidores e funcionários públicos ultrapassavam a esfera da legalidade, configurando in fine abuso de autoridade, que de certa forma ficava velado haja vista o dispositivo legal em comento. Todavia, o fato de um cidadão tecer opinião quanto a determinado ato administrativo não pode ser entendido como ato de desprezo, desrespeito ao representante do Estado.
II – DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA
Entende-se que o princípio da isonomia busca retratar o princípio da igualdade que é capaz de revelar um sentimento de justiça social quando do tratamento dispensado aos cidadãos.
Nesta senda, a República Federativa do Brasil é signatária da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, datado de 22 de novembro de 1969, promulgado pelo Decreto nº 678/1992, que reflete o princípio em epígrafe.
Atento, o Supremo Tribunal Federal – STF entende que convenções de direitos humanos podem ingressar perfeitamente no sistema legal brasileiro com status de norma supralegal ou de emenda constitucional, no último caso se seguindo o rito disposto no § 3º do art. 5º da Constituição Federal, verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). Atos aprovados na forma deste parágrafo) (grifo nosso)
Logo, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 349.703-1 firmou entendimento de que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), possui natureza supralegal, estando abaixo da Constituição Federal de 1988 e acima da legislação fazendo com que a legislação infraconstitucional com ele conflitante passasse a ser inaplicável.
III – DA DESCRIMINALIZAÇÃO DO CRIME DE DESACATO
Descriminalizar consiste em ilibar uma dada conduto que outrora era considerada crime.
Assim, o Tribunal da Cidadania, especificamente a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, por decisão unânime, descriminalizou o crime tipificado no Art. 331 do Código Penal (crime de desacato), na apreciação do Recurso Especial nº. 1.640.084 – SP (2016/0032106-0).
Em seu voto o douto ministro Relator Ribeiro Dantas destacou que “A criminalização do desacato está na contramão do humanismo, porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”, (EMENTA, item 12. Recurso Especial nº. 1.640.084 – SP. (grifo nosso).
Observou-se, claramente, que o douto Relator trouxe à baila o princípio da igualdade que deve ser provocado ante aos indivíduos de um Estado, ainda que qualquer destes exerça função estatal.
Vislumbrou-se, ainda, que em alguns casos as pessoas, de certa forma, sentem-se tolhidas de exercer o direito à liberdade de expressão por medo a possíveis penalidades. Vejamos:
“14. Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo abolissem suas respectivas leis de desacato. ” Item 14. Recurso Especial nº. 1.640.084 – SP) (grifo nosso)
De fato, muitas pessoas temem dialogar com uma dada autoridade por temor de ser interpretado de forma equivocada e ouvir aquela famosa expressão “o senhor está preso por desacato”.
No entanto, a douta decisão trouxe no item 15 a preocupação, após o afastamento da tipificação do crime de desacato, de que não há impedimentos quanto a responsabilidade ulterior da pessoa, podendo ser na esfera cível, penal (com outra tipificação), caso ocorra abusos no exercício do direito de expressão verbal ou gestual dirigida ao funcionário público.
CONCLUSÃO
Isto posto, considerando a importância do Código Penal, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), conclui-se que a douta decisão se manifesta atenta às manifestações individuais e sociais ao observar as premissas internacionais nas quais o Brasil é signatário, ratificando, ainda, princípios constitucionais como da igualdade que reflete na sociedade atual que é pujante e prima pela liberdade de expressão.
Assim, um pais que objetiva fundamentalmente por uma sociedade livre, justa e solidaria, deve, respeitados os ditames legais, buscar a igualdade social que deve preponderar em uma democracia plena.
REFERENCIAL
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16/12/2016.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 16/12/2016.
BRASIL. Decreto nº 678/1992, de 06 de novembro 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acesso em: 16/12/2016.
STJ. Quinta Turma descriminaliza desacato a autoridade. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Quinta-Turma-descriminaliza-desacato-a-autoridade. Acesso em: 16/12/2016.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.640.084 – SP (2016/0032106-0). Disponível em: http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/RECURSO%20ESPECIAL%20N%C2%BA%201640084.pdf. Acesso em: 16/12/2016.
Notas
[1] Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
[2] 15. O afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilidade ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc.), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual utilizada perante o funcionário público. Recurso Especial nº. 1.640.084 – SP (2016/0032106-0)