A garantia indireta de emprego das pessoas com deficiência

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4 A garantia indireta de emprego das pessoas com deficiência: limites ao poder potestativo do empregador

             Como já exposto, várias são as normas internacionais que impõem aos Estados-Membros medidas que assegurem o pleno exercício do direito ao trabalho por parte das pessoas com deficiência. Tais normas, previstas em documentos internacionais como os já citados (Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, Convenção da OIT sobre a Reabilitação Profissional e o Emprego de Pessoas Deficientes e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência) prevêem não apenas o direito à obtenção de um emprego, mas também obriga os Estados-Membros a adotarem medidas que conservem o emprego conquistado, como forma de manter a pessoa com deficiência incluída dentro da sociedade em que vive.

             Uma dessas medidas que o Brasil adotou foi a de condicionar a dispensa do empregado com deficiência ou o beneficiário reabilitado, nos contratos por prazo determinado de mais de noventa dias e naqueles por prazo indeterminado, à contratação prévia de outro trabalhador com deficiência ou mesmo outro beneficiário da Previdência Social reabilitado.

            Esta medida encontra-se prevista tanto no Decreto nº 3.298/99, o qual regulamenta a Lei nº 7.853/89, em seu art. 36, § 1º, como na Lei nº 8.213/91, que assim dispõe no § 1º do art. 93, com a nova redação dada pela Lei nº 13.146/2015:

 

§ 1o  A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social. (BRASIL, 1991)

 

            São escassos na doutrina apontamentos sobre o tema em questão, sendo comentada apenas a reserva legal de mercado de trabalho. Ainda assim, colacionamos pequeno trecho apresentado por Silva e Bispo (2013, p. 460):

 

Não podemos deixar de registrar que o § 1º do art. 93, da Lei nº 8.213/91, determina como condição certa para a dispensa do empregado portador de deficiência, englobando tanto na incidência de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, como na por prazo determinado, a contratação de substituto em condições semelhantes.

 

            Pode-se observar que tal regra impõe limites ao poder potestativo do empregador, não podendo, a seu critério, demitir sem justa causa pessoas com deficiência que se encontrem colocadas na reserva legal, sendo nula a dispensa ocorrida sem a observância da exigência legal, sendo possível o empregado injustiçado requerer, junto à Justiça Laboral a sua reintegração ao emprego. Portanto, o direito de despedir não é absoluto.

            Em uma eventual reclamação trabalhista visando à reintegração ao emprego, cabe dizer que o ônus probatório concernente a comprovar o preenchimento da reserva legal de vagas às pessoas com deficiência é do empregador, tendo em vista o empregado não dispor de tais documentações. Portanto, neste caso ocorre a chamada inversão do ônus da prova, instituto já consolidado no Direito Laboral, tendo em vista o empregado ser a parte hipossuficiente tanto econômica quanto probatória.

            Dito isto, necessário pontuar que a dispensa condicionada deve ser observada apenas às empresas que possuem cem ou mais funcionários, de acordo com a porcentagem descrita no caput do art. 93 da Lei nº 8.213/91. Empresas com menos de cem empregados não necessitam cumprir tal disposição condicionante, podendo dispensar imotivadamente qualquer pessoa com deficiência, observando, por óbvio, seus direitos rescisórios trabalhistas.

            Tal norma é revestida de ordem pública, tendo como objetivo proteger a despedida arbitrária de trabalhadores em condições físicas, sensoriais, intelectuais ou mentais diversas dos padrões normais estabelecidos pela sociedade, não sendo, desta forma, um direito individual, mas sim para todas as pessoas com deficiência. No ensinamento de Martins (2010, p. 442), “a regra do art. 93 da Lei nº 8.213 não é uma garantia individual, mas para um grupo de pessoas deficientes. Compreende garantia de emprego, sem prazo definido”.

            Tema debatido na jurisprudência foi resultado da redação anterior do § 1º do art. 93 da Lei nº 8.213/91, o qual previa que o substituto a ser previamente contratado para a legal dispensa de pessoa com deficiência ou beneficiário reabilitado deveria ter “condições semelhantes” a este dispensado. Em outras palavras, o empregado dispensado deveria ter como substituto uma pessoa que possuísse a mesma deficiência. Por exemplo, para dispensar uma pessoa com deficiência visual, o empregador deveria contratar previamente um também empregado com deficiência visual.

            No entanto, alguns julgados iam além, interpretando tal texto no sentido de mesma deficiência e mesmo cargo ocupado dentro da empresa. Ou seja, o substituto deveria ter as mesmas condições de deficiência e ser contratado para ocupar o mesmo cargo do empregado dispensado.

             Em que pese esse mesmo texto ainda se encontre no Decreto nº 3.298/99, a Lei nº 13.146/2015 deu nova redação ao artigo citado da Lei nº 8.213/91, estabelecendo como substituto “pessoa com deficiência ou beneficiário reabilitado”, resolvendo, destarte, tal divergência.

            Portanto, para a dispensa de empregado com deficiência deve ser contratada previamente outra pessoa com deficiência, independente de sua modalidade de deficiência.

            Em sentença proferida em processo trabalhista na 1ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul, o Magistrado sentenciante assim entendeu:

 

[...] a alteração legislativa veio a esclarecer tão somente uma dúvida quanto à “condição semelhante”. Vale dizer, desnecessário que o novo empregado seja portador do mesmo tipo de deficiência, mas sim que seja portador de alguma deficiência ou seja beneficiário reabilitado da Previdência. (SÃO CAETANO DO SUL, 2016)

 

            Outro tema debatido na jurisprudência sobre o tema em questão é se a garantia indireta se mantém mesmo tendo o percentual mínimo da reserva sido preenchido. Exemplo: em uma empresa com 100 funcionários, onde a reserva deve ser de dois por cento, portanto, duas vagas seriam destinadas para pessoas com deficiência ou beneficiário reabilitado. Se esta empresa tivesse em seu quadro de funcionários quatro empregados nestas condições, estaria a mesma autorizada a dispensar imotivadamente sem a necessidade de contratar previamente outra pessoa com deficiência ou beneficiário reabilitado, haja vista a reserva estar preenchida?

            Em acórdão proferido em Recurso Ordinário no Tribunal Regional da 1ª Região, ficou definido que mesmo a reserva estando preenchida a garantia indireta se conserva, devendo o empregador contratar substituto para o empregado com deficiência que deseja dispensar:

 

Ademais, não prosperam as alegações patronais, no que concerne à contratação de novos funcionários em condições semelhantes à do autor, por entender que isto só seria necessário caso a empresa estivesse em número inferior ao mínimo legal. O art. 93, §1º, da Lei n.º 8.213/91 determina que a dispensa injustificada do empregado portador de necessidades especiais só poderá ocorrer após a contratação, previamente, de substituto em condições semelhantes. O fato de a reclamada manter em seu quadro funcional trabalhadores com deficiência física em número superior ao estabelecido no texto legal não se mostra capaz de afastar a determinação legal. (RIO DE JANEIRO, 2014)

 

            A sentença atacada no Recurso acima descrito rechaça a ideia de que mesmo preenchida a reserva legal, está a dispensa condicionada à contratação de outra pessoa com deficiência ou beneficiário reabilitado:

 

Ademais, a contratação de trabalhador além da cota mínima prevista pela lei previdenciária é mera liberalidade do Banco, o qual deve assumir o ônus desta conduta, eis que ciente da garantia indireta que possuem os portadores de deficiência. (NITERÓI, 2014)

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            Em que pese os julgados citados, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que preenchida a reserva mínima de vagas, o empregador não está obrigado a contratar outra pessoa com deficiência ou beneficiário reabilitado em uma eventual dispensa imotivada de empregado nestas mesmas condições, como se pode observar na seguinte ementa:

 

RECURSO DE REVISTA. 1. EMPREGADO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. DISPENSA IMOTIVADA. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DE SUBSTITUTO EM CONDIÇÕES SEMELHANTES. EXISTÊNCIA DE NÚMERO DE EMPREGADOS SUPERIOR AO MÍNIMO LEGAL.  É cediço que a jurisprudência desta Corte considera nula a dispensa imotivada de empregado portador de deficiência sem a contratação de substituto em condições semelhantes, nos moldes do art. 93, § 1º, da Lei nº 8.213/91. Contudo, o caso concreto contempla uma peculiaridade, qual seja o fato de a empresa possuir o quantitativo de empregados portadores de deficiência em percentual superior ao mínimo legal estabelecido no caput da referida norma.  Assim, observada a garantia social impressa no referido dispositivo, não há falar em nulidade da dispensa realizada.  Recurso de revista conhecido e provido.  2.  MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. Não se vislumbra, na hipótese, o intuito meramente protelatório da parte, pois o prequestionamento da matéria constitui requisito de admissibilidade dos recursos de natureza extraordinária e, consequentemente, revela-se necessário ao pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, assegurado no art. 5º, LV, da CF. Recurso de revista conhecido e provido. (BRASIL, 2016, grifo nosso)

 

            Diante todo o exposto, observa-se que esta garantia indireta de emprego caracteriza-se como uma medita de conservar o emprego de pessoas com deficiência que, com notáveis dificuldades das mais variadas formas, conquistam e procuram estarem ativas dentro da sociedade.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A garantia indireta de emprego da pessoa com deficiência concretiza um dentre vários outros direitos que visam a emancipação e a autonomia desse grupo de pessoas que se encontram em desvantagem em relação aos trabalhadores em geral.

            Por oportuno, para uma melhor aplicação de tal direito, o conceito de pessoa com deficiência foi se adequando ao longo do tempo, retirando a carga patológica que o revestia, e tornando ele algo incluído no ambiente em que o indivíduo se encontra, não cabendo mais serem as deficiências listadas em um rol taxativo, mas sim devendo ser observados os aspectos ambientais e a possibilidade da pessoa em exercer todos os seus direitos em igualdade com as demais pessoas.

            Observa-se que após os anos 60, época em que terminou a Segunda Guerra Mundial, resultante do grande número de pessoas que se tornaram deficientes por conta das lesões sofridas em combate, houve uma maior atenção às pessoas com deficiência no tocante à obtenção de emprego, com a edição de normas internacionais obrigando os Estados-Membros à garantirem essa obtenção e a manutenção de emprego para essas pessoas.

            Atualmente, o Brasil dispõe, objetivando a obtenção de emprego por parte das pessoas com deficiência, a reserva legal de mercado de trabalho para esse público de pessoas, constante na popularmente chamada Lei de Cotas ( Lei nº 8.213/91).

            Para a conservação de tais empregos, o direito brasileiro estabelece ao empregador uma limitação ao seu direito de despedir, condicionando a dispensa imotivada de pessoa com deficiência à contratação de outro empregado com deficiência.

            Tal garantia é reflexo da imposição dos documentos internacionais analisados, que ordenam que os Estados-Membros possuam  regas que garantam que pessoas com deficiência participem da vida econômica do país e não venham a sofrer arbitrariedades ilimitadas dos empregadores.

            Ademais, além de ser regra imposta legalmente, a sociedade atual precisa entender a importância de ter pessoas com deficiência no mercado de trabalho, pois assim sendo, estará, verdadeiramente, incluindo todas as pessoas, como um gesto de igualdade e fraternidade.

            Evidencia-se, desta forma, a permanência ao emprego como instrumento apto à auxiliar a inclusão social das pessoas com deficiência.

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Sobre os autores
Adonis Alexandre Laquale

Advogado atuante na cidade de Taguaí - SP.

João Roberto Cegarra

Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera-UNIDERP. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera- UNIDERP. Professor dos Cursos de Direito e Administração de Empresas na Faculdade EDUVALE de Avaré. Assistente de Juiz - TRT 15ª Região. Graduado em Administração de Empresas pela FACCA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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