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Da desigualdade legítima

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25/07/2004 às 00:00
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A Constituição permite a desigualdade, desde que seja legítima, no sentido de que a norma jurídica pode conter fatores de diferenciação que justificam, de forma racional e legal, sua existência.

RESUMO

O presente artigo tem como objeto de estudo o princípio jurídico da igualdade, tanto no seu aspecto doutrinário, como também legal. O referido princípio aparece na Carta Constitucional brasileira como um dos valores supremos de nossa sociedade, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e como um dos direitos fundamentais do cidadão. Precisamente no caput do artigo 5º da citada Carta, assim como na maioria das declarações de direitos, o Constituinte originário declarou que "Todos são iguais perante a lei", ou seja, todos devem merecer tratamento igualitário, sem restrições e nem discriminações. Todavia, as constituições modernas, inclusive a brasileira, não preceituam uma igualdade absoluta e nem rigorosa. Ao contrário, permite-se a desigualdade, desde que esta seja legítima, no sentido de que a norma jurídica pode conter fatores de diferenciação que justificam, de forma racional e legal, sua existência.

Palavras – chave: igualdade, norma jurídica, desigualdade legítima, Constituição Federal.


INTRODUÇÃO

A proposta inicial e central deste estudo é o princípio jurídico da igualdade e, ligado a isso, verificar quando as normas jurídicas agridem o referido princípio, quais desigualdades existentes entre as pessoas, coisas e situações são permitidas pelo nosso ordenamento jurídico máximo e vigente, e como se justificam.

O conceito de igualdade não se limita ao fato dela constituir um dos direitos fundamentais do homem, concretizado na maioria dos textos constitucionais. A igualdade, também, constitui um dos elementos básicos para a efetivação e aplicabilidade da justiça, na medida que esta pode ser compreendida como realização da igualdade legítima.

É importante esclarecer o conceito de legitimidade. Embora nem sempre se faça distinção entre legalidade e legitimidade no uso comum e até mesmo no uso técnico, entende-se por legalidade como um adjetivo que qualifica a conduta conforme a lei. Tudo aquilo realizado nos termos da lei é legal.

O fato de uma conduta ser considerada legal decorre da existência de uma norma jurídica, a cujo preceito a conduta se enquadra.

O termo "legitimidade" possui dois significados, um genérico e um específico. Em sua acepção genérica, legitimidade tem o sentido de justiça ou de racionalidade, e em sua acepção específica, legitimidade é definida como sendo um atributo do Estado. O poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente.

O legítimo pode ser o "verdadeiro", o "genuíno", "o originário". A idéia de legitimidade é para aplicá-la à qualificação da norma jurídica.

Portanto, como uma forma de esclarecer o sentido do título do artigo - Desigualdade Legítima - seria a desigualdade fundada no sentido de racionalidade e justificada pela Constituição Federal.

A igualdade constitui tema de suma importância em nosso ordenamento jurídico. Tema este de grande preocupação e discussão desde os primórdios da civilização. Tanto é que um dos maiores filósofos clássicos, Aristóteles, defendeu o conceito de justiça ligado à igualdade, justiça proporcional – tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais; e justiça corretiva – meios de restabelecer a igualdade que foi rompida. Conceito este que está refletido na atual Constituição brasileira e na maioria dos textos constitucionais dos mais diversos países.

A idéia de igualdade como isonomia apresenta-se como um dos elementos básicos para a caracterização da justiça e da efetivação da democracia. O princípio isonômico tem uma enorme importância política, principalmente numa democracia. A igualdade é considerada o pilar do sistema democrático.

A igualdade perante a lei não exclui a desigualdade de tratamento em face da particularidade da situação. As distinções devem ser necessárias, racionalmente justificadas, jamais arbitrárias. Como escreve Ferreira Filho, seguindo a linha de Ekkehart Stein, "o princípio jurídico da igualdade reclama a adequação entre o critério de diferenciação e a finalidade por ela perseguida, consistindo no fundo numa proibição da arbitrariedade." [1]

Para tanto, o presente artigo se limita a analisar o princípio jurídico da igualdade em face das desigualdades existentes entre as pessoas, coisas e situações permitidas por nossa Constituição.


1 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

A expressão "igualdade" designa a idéia de equivalente, de identidade, analogia e semelhança. É nesse sentido que o termo aparece no principio jurídico consagrado em vários artigos da Carta Constitucional vigente.

O artigo 5º, caput da Constituição Federal de 1988 declara:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

No caput do referido artigo 5º, a Constituição brasileira reconhece cinco direitos básicos: à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Todos os outros direitos incluídos nos incisos desse artigo são desdobramentos desses cinco, que são efetivamente os direitos fundamentais do homem.

No preâmbulo da Carta o Legislador originário destacou um conjunto de valores para a sociedade brasileira, dentre os quais incluem-se a valorização dos direitos humanos e o combate a todos os tipos de discriminação, in verbis:

Nós representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Em outra passagem do mesmo Diploma legal, no artigo 3º, IV, o texto é mais explícito: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Das várias determinações proclamadas nas cartas máximas, a afirmação "todos são iguais perante a lei" é universalmente acolhida. Modernamente, o princípio se encontra enunciado nas constituições da maioria dos países.

A regra "todos são iguais perante a lei" é destinada aos cidadãos e àqueles que estão sujeitos à ordem jurídica, como também, à própria legislação que não pode ser editada em afronta ao princípio da isonomia. O preceito igualitário é norma destinada, também, ao legislador, que está limitado a editar normas de acordo com os ditames constitucionais, sem que haja privilégios e nem perseguições. A lei, como instrumento regulador e limitador do ser humano, deve ser elaborada de forma eqüitativa e igualitária.

A Constituição se propôs não só a enumerar direitos, mas também os deveres dos brasileiros e estrangeiros radicados no País. Entende-se, implicitamente, que os direitos fundamentais devem ser respeitados por todos, como uma forma de obrigação de todos aqueles que estão sujeitos às normas do ordenamento jurídico máximo, não somente pessoas físicas, mas também as jurídicas, pois os direitos inerentes às pessoas jurídicas são direitos das pessoas físicas, sócias ou beneficiárias. O próprio ordenamento reconhece o direito à existência das pessoas jurídicas, então seria inaceitável não revesti-la de outros direitos.

O princípio da igualdade encontrou sua concretização positiva nos textos constitucionais de todos os países civilizados, numa garantia da personalidade humana, como a idéia básica da democracia.

O princípio da igualdade, quando proclamado no século XVIII e durante quase todo o século XIX, não se dirigia ao Poder Legislativo. Portanto, os seus abusos não eram controlados por nenhum outro poder ou norma. Era um princípio que se restringia somente aos particulares e, no que tange ao poder público, somente ao Poder Executivo e ao Judiciário.

Para ilustrar tal afirmativa, Von Ihering escreveu:

O Poder Legislativo não está, como o juiz, como o governo, colocado sob a lei, antes, está acima da lei. Cada lei que ele proclama, qualquer que seja seu teor, é, em direito, um ato perfeitamente legal. Portanto, em sentido jurídico, o legislador não pode cometer nunca uma arbitrariedade; sustentar o contrário seria o mesmo que dizer que lhe não assistia o direito de mudar as leis existentes; seria colocar o Poder Legislativo em contradição consigo mesmo. [2]

No tocante ao Executivo, as Constituições dos séculos citados expressavam igualdade no acesso a cargos públicos ou na tributação; e ao Judiciário, igualdade na distribuição da justiça e proibição de tribunais privilegiados, ou de exceção.

No final do século XIX o princípio em estudo passa a alcançar todos àqueles que estão sujeitos a ordem jurídica, como também os três poderes: Executivo, Judiciário e o Legislativo.

Apontando uma tendência emergente, no final do século XIX, Pontes de Miranda afirma "que o princípio de isonomia se dirige a todos os poderes do Estado. É imperativo para a legislatura, para a administração e para a justiça". [3] Aponta o referido doutrinador que há uma "igualdade perante a lei feita e uma igualdade perante a lei a fazer-se".

1.1 O princípio da igualdade e o Poder Legislativo

A própria lei não pode ser editada em desconformidade com o princípio da igualdade. Segundo Seabra Fagundes:

Em verdade, sob pena de se ter como nenhum o sistema de direitos subjetivos constitucionais, o legislador se há de considerar sujeito ao princípio da igualdade, quando elabora, tanto as leis materiais, não podendo tratar desigualmente situações idênticas, nem com igualdade situações desiguais (sujeição imediata à Constituição), como quando vota as leis em sentido formal, que não pode servir de instrumento a tratamento preferencial ou opressivo, porque, à sua vez, necessariamente conforme as leis materiais preexistentes (sujeição mediata aos mesmos termos da Constituição). [4]

Não restam dúvidas sobre a quem se dirige aqui o princípio da igualdade: precisamente ao legislador e, conseqüentemente, à legislação, que não pode ser fonte de privilégios e nem de perseguições, mas sim instrumento regulador e limitador da vida social, que necessita tratar todos igualmente.

O legislativo como órgão competente para elaborar leis deverá estatuir normas gerais e abstratas, pois agindo assim estará sempre respeitando o princípio da isonomia.

Paulo Bonavides afirma: "O órgão legislativo, ao derivar da Constituição sua competência, não pode obviamente introduzir no sistema jurídico leis contrárias às disposições constitucionais: essas leis se reputariam nulas, inaplicáveis, sem validade, inconsistentes com a ordem jurídica estabelecida". [5]

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As nações latino-americanas, inclusive o Brasil, receberam forte influência dos Estados Unidos, quanto à forma de controle da constitucionalidade das leis. Segundo Faria, tal controle é, absolutamente, necessário como remédios às distorções contra o princípio da igualdade, sob o prisma do legislativo. De fato, se não se admitir a possibilidade do exame da atividade legislativa tem–se como estabelecida a ditadura ou, pelo menos, o arbítrio do segundo dos Poderes do Estado. [6]

Não se pode deixar de mencionar a rigidez e a supremacia de nossa Constituição atual. É rígida no que se refere às alterações das normas jurídicas nela contempladas, ou seja, as modificações das normas inseridas na Carta Magna são feitas com certas restrições. Vários países adotaram a tese de que as leis deveriam ser revisadas, inclusive no Brasil, onde se tornou tradição albergada pela Constituição de 1934, 1946, 1967 e 1988.

Segundo Paulo Bonavides:

As constituições rígidas, sendo constituições em sentido formal, demandam um processo especial de revisão. Esse processo lhes confere estabilidade ou rigidez bem superior àquela de que as leis ordinárias desfrutam. Daqui procede, pois, a supremacia incontrastável da lei constitucional sobre as demais regras de direito vigente num determinado ordenamento. [7]

Dessa rigidez emana o principio da supremacia da Constituição – somente a Constituição confere poderes e competências governamentais. O princípio da supremacia requer que todas as normas estejam compatíveis com os princípios e preceitos constitucionais. É essa supremacia que faz da lei constitucional a lei máxima, superior a todas as outras, "a Lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania". [8]

Bonavides afirma que o controle de constitucionalidade das leis ora se apresenta como controle formal, ora como controle material.

"O controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico". [9] Esse controle será feito pelo órgão que exerce a competência de examinar se as leis foram elaboradas de acordo com a Lei Máxima; ele terá a capacidade de julgar as leis quanto à constitucionalidade, eliminando aquelas que não forem compatíveis com os ditames da Carta Magna.

O controle material de constitucionalidade incide sobre o conteúdo da norma. Desce ao fundo da lei, outorga a quem o exerce competência com que decidir sobre o teor e a matéria da regra jurídica, busca acomodá-la aos cânones da Constituição, ao seu espírito, à sua filosofia, aos seus princípios políticos fundamentais. [10]

Quanto à natureza do órgão, o controle pode ser judiciário ou político. Alguns sistemas constitucionais entendem que o controle deve ser feito por um órgão, um corpo político, distinto do Legislativo, Executivo e Judiciário. Um órgão sério de natureza política, uma assembléia, um comitê constitucional. Esse controle por um órgão político nasceu na França, com a formação do Conselho Constitucional da Constituição de 1958. O chamado "controle político".

A Constituição Francesa, em seu artigo 62 estabelece: "as decisões do Conselho Constitucional não são suscetíveis de recurso e se impõem a todos os poderes públicos e a todas as autoridades administrativas e jurisdicionais". O artigo 56 do mesmo diploma fixa a composição do Conselho: 9 (nove) membros com mandato de 9 (nove) anos, não podendo ser reconduzidos.

Uma segunda forma de controle da constitucionalidade da lei, quanto à natureza do órgão, é o chamado "controle judiciário", é aquele cujo exercício é de competência de um órgão jurisdicional. Essa forma de controle nasceu nos Estados Unidos. Este sistema consagra duas formas de controle: controle por via de exceção (controle concreto) e o controle por via de ação (controle abstrato).

O controle por via de exceção, aplicado às inconstitucionalidades legislativas, ocorre unicamente dentro das seguintes circunstâncias: quando, no curso de um pleito judiciário, uma das partes levanta, em defesa de sua causa, a objeção de inconstitucionalidade da lei que se lhe quer aplicar. [11]

Nesse caso é necessário que haja o conflito, ou seja, o caso concreto, e que o particular provoque o Poder Judiciário. A sentença que decide a controvérsia não anula a lei, somente não a aplica àquele caso em questão, e nada impede que em outro caso, perante o mesmo ou outro o juiz possa a mesma lei ser eventualmente aplicada. "A inaplicabilidade do ato inconstitucional dos Poderes Executivo, ou Legislativo, decide-se, em relação a cada caso particular, por sentença proferida em ação adequada e executável entre as partes". [12]

Alfredo Buzaid resume os princípios que regem o controle por via de exceção: [13]

a)"O tribunal não se pronunciará sobre a constitucionalidade de uma lei, salvo em litígio regularmente submetido ao seu conhecimento";

b)Nenhum tribunal se manifestará sobre a validade de uma lei senão quando isso for absolutamente necessário para a decisão do caso concreto;

c)A declaração de inconstitucionalidade importa nulidade da lei, não no sentido revogá-la, o que constitui função do Poder Legislativo, mas no sentido de lhe negar aplicação ao caso concreto;

d)O exame sobre a inconstitucionalidade representa questão prejudicial, não a questão principal debatida na causa, por isso o juiz não a decide principaliter, mas incidenter tantum, pois ela não figura nunca como objeto do processo e dispositivo da sentença;

e)O tribunal só conhecerá da alegação de inconstitucionalidade, quando ela emanar de pessoa, cujos direitos tenham sido ofendidos por lei".

Quanto ao controle por via de ação, este permite o controle da norma por meio de uma ação de inconstitucionalidade prevista formalmente nos texto constitucional. "Nesse caso, impugna-se perante determinado tribunal uma lei, que poderá perder sua validade constitucional e conseqüentemente ser anulada erga omnes". [14] Declarada a inconstitucionalidade, a lei é retirada da ordem jurídica a qual se apresenta incompatível.

No sistema constitucional brasileiro as duas formas de controle de constitucionalidade das leis foram adotadas: o controle por via de exceção e o controle por via de ação.

A via de exceção no direito brasileiro inaugurou-se teoricamente com a Constituição de 1891, que estabeleceu recursos para o Supremo das sentenças prolatadas pelas justiças Estaduais em última instância.

A Constituição Federal vigente em seu artigo 102, III dispõe:

Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a)contrariar dispositivo desta Constituição;

b)declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c)julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

Quanto ao controle de constitucionalidade das leis por via de ação, a segunda Constituição Republicana trouxe quatro inovações:

a)como requisito indispensável à declaração da inconstitucionalidade da lei ou de ato do poder público foi instituído a maioria absoluta de votos da totalidade dos juizes;

b)competência deferida ao Senado Federal para suspender a execução total ou parcial de qualquer lei ou ato;

c)provocação do Procurador Geral da República para que a Corte suprema tomasse conhecimento da lei federal que houvesse decretado a intervenção da União no Estado-membro em caso de inobservância de certos princípios constitucionais, e lhe declarasse a constitucionalidade;

d)a instituição do mandado de segurança.

Portanto, a Constituição brasileira vigente considera duas formas de inconstitucionalidades: por ação ou por omissão.

Com a Constituição de 1988, em seu artigo 103 consideram-se legitimados a propor a ação de inconstitucionalidade da lei, tanto a inconstitucionalidade por ação como por omissão, não somente o Procurador-Geral da República, como também, o Presidente da República, Mesas do Senado Federal, das Câmaras dos Deputados, das Assembléias Legislativas dos Estados, pelo Governador do Estado, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional e pela Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

A inconstitucionalidade por ação caracteriza-se quando um preceito legal ou atos do Poder Público contrariam a Constituição. É a chamada Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN. Esta ação visa à decretação da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual. Trata-se, aqui, de controle concentrado, ou seja, o único órgão para julgar as questões de constitucionalidade é o Supremo Tribunal Federal.

A Lei nº 9868/99 regula o processo dessa ação, bem como o efeito vinculante e eficácia contra todos e permitiu, em determinados casos, por razão de segurança jurídica e relevante interesse social, que a declaração de nulidade produza efeitos a partir de certo momento. A regra é que com o reconhecimento da inconstitucionalidade todos os efeitos já produzidos se desfaçam, deve operar retroativamente, ex tunc.

Ainda mais, a citada lei estendeu ao Governador do Distrito Federal a legitimidade para propô-la, o que não conta no artigo 103 do texto constitucional.

Há também uma outra ação prevista pelo artigo 102, I da Constituição e regulamentada pela Lei nº 9882/99 – Ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental. Trata-se de uma ação por meio da qual a decisão sobre a inconstitucionalidade de atos impugnados perante juizes e tribunais pode ser avocada pelo Supremo Tribunal Federal. Tal argüição pode ser proposta pelos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade e terá os mesmos efeitos que esta.

A Emenda Constitucional nº 3/93 institui a Ação Direta Declaratória de Constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, regulamentada pela Lei nº 9868/99. Através dessa ação o Supremo Tribunal Federal declara ser a lei ou ato normativo federal adequado aos ditames da Carta Magna.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho esclarece:

Justifica-se esta criação pelo fato de que às vezes por longo tempo persistia a dúvida sobre a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo federal, não tendo havido o julgamento final da argüição de inconstitucionalidade da mesma perante os tribunais e juízos inferiores. Por força da inovação, o Supremo Tribunal Federal, que antes só poderia ser chamado, por via direta, a manifestar-se sobre a inconstitucionalidade de uma lei, pode agora ser provocado para declarar a constitucionalidade da lei ou ato normativo federal. [15]

O Artigo 102, I da Constituição Federal estabelece:

Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de lei ou ato normativo federal.

Conforme dispõe o artigo 103, parágrafo 4º, com a redação da emenda nº 3/93, esta ação somente pode ser proposta pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo Procurador da República.

A decisão dessa ação também tem eficácia contra todos e efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário, que deverão considerar constitucional a norma assim declarada pelo STF.

A inconstitucionalidade por omissão caracteriza-se quando atos legislativos ou administrativos deixam de ser praticados, o que resulta na não aplicabilidade da norma constitucional. A Constituição, por exemplo, estabelece em seu artigo 205 que a "Educação é direito de todos e dever do Estado". Se o Poder público não pratica os atos legislativos e administrativos necessários para a aplicabilidade efetiva dessa norma, estará ele sujeito a uma ação de inconstitucionalidade por omissão.

Em se tratando de omissão de lei, o Supremo Tribunal Federal dará ciência ao Legislativo, conforme estabelece o artigo 103, parágrafo 2º. Se a omissão for administrativa, o Supremo Tribunal Federal deverá fixar um prazo, no máximo de 30 (trinta) dias, para sua efetivação.

Quanto ao momento em que se aplica o controle de constitucionalidade, Paulo Bonavides distingue duas categorias de controle:

Controle prévio, que antecede a votação da lei, e o controle a posteriori, feito após a votação da lei. O primeiro se exerce durante a tramitação da lei, podendo nele intervir a segunda Câmara ou o Chefe de Estado. O controle político de mais autenticidade é, porém aquele que se faz a posteriori com a lei consequentemente promulgada (perfeita) ou pelo menos já votada. [16]

Manoel Gonçalves Ferreira Filho distingue duas formas de controle, quanto ao momento em que intervém. Controle preventivo (controle a priori) – este opera ante que a lei se aperfeiçoe; e o controle repressivo (controle a posteriori) – este se opera depois da elaboração da lei.

Na Constituição brasileira vigente foram estabelecidas essas duas formas de controle. O controle preventivo é atribuído ao Presidente da República, que o exerce por intermédio do veto, de acordo com o artigo 66, parágrafo 1º do mesmo Diploma Legal. Esse veto, contudo, pode ser superado pelo Congresso Nacional. Esta deliberação do Congresso não exclui a possibilidade de ser analisada pelo Poder Judiciário, e por este ser declarada inconstitucional. O Controle repressivo é atribuído ao Poder Judiciário.

Quanto ao processo de criação de uma norma, pode-se distinguir três momentos jurídicos diferentes e teoricamente passíveis de serem atingidos pela isonomia: a) momento anterior à elaboração da lei; b) momento da elaboração desta, e finalmente, c) momento de sua aplicação.

1.2 O princípio da igualdade e o Poder Executivo

O Poder Executivo, em seu campo de atividades, não pode praticar nenhum ato contrário ao preceito igualitário. Os atos administrativos devem passar ainda pelo crivo não só da constitucionalidade, como também da legalidade.

Como uma forma de evitar contrariedades ao princípio igualitário, a atual Carta de 1988 estabelece o Habeas Corpus, no artigo 5º, inciso LXVIII – "Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder", e o mandado de segurança no mesmo artigo, inciso LXIX – "Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas- corpus ou habeas- data, quando o responsável por ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público".

O mandado de segurança protege direito líquido e certo, direito efetivamente existente. Segundo Bastos, o Ministro Sálvio de Figueiredo explica o significado da expressão "direito líquido e certo", "para fins de mandado de segurança, pressupõe a demonstração de plano do alegado direito e a inexistência de incerteza a respeito dos fatos". [17]

No Direito Brasileiro, descreve Faria, "a garantia mais adequada e melhor formulada contra distorções do princípio da igualdade é a fixada pelo mandado de segurança". [18]

O habeas corpus é voltado à proteção da liberdade física do indivíduo, garantidor da liberdade pessoal, ou seja, o direito do indivíduo não poder sofrer constrição na sua liberdade de locomoção em razão de violência ou coação ilegal.

1.3 O princípio da igualdade e o Poder Judiciário

Implica na igualdade perante a Justiça, com a eliminação de foro privilegiado ou de exceção, e a instituição do princípio do juiz natural – "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". (artigo, 5º, XXXV da C.F/88).

Na ocorrência de controvérsia, lesão ou ameaça de direito surge para o prejudicado o direito subjetivo de levar a questão à apreciação do Poder Judiciário.

Portanto, compete ao Poder Judiciário controlar os atos legislativos e executivos. Cabe agora indagarmos, quem controlará os atos do próprio Poder Judiciário?

A correção de falhas e erros do Poder Judiciário é feita através de recursos, que serão submetidos a reexame por órgão hierarquicamente superior ao prolator daquela falha ou erro.

Sabe-se que há um projeto de Reforma do Poder Judiciário, em que uma das propostas é a criação de um Conselho Nacional de Justiça, integrado por juristas não selecionados entre Magistrados, com a participação do Procurador Geral da República e do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, com a finalidade de controlar, fiscalizar e organizar os atos do Poder Judiciário.

Atualmente, portanto, a proteção aos direitos individuais alcança igualmente tanto os brasileiros, como os estrangeiros residentes no país, ou seja, é extensiva a todos aqueles que estão sujeitos à ordem jurídica brasileira, inclusive ao Estado, nas funções legislativa, executiva e judiciária.

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Sobre a autora
Lenise Antunes Dias

mestre em Teoria do Estado e do Direito pela Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha, coordenadora e professora do curso de Direito do Centro de Ensino Superior de Dracena (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Lenise Antunes. Da desigualdade legítima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 383, 25 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5467. Acesso em: 30 abr. 2024.

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