APRECIAÇÃO DE PROJETOS LEGISLATIVOS
PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL DE REFORMA DO JUDICIÁRIO
O Projeto de Emenda Constitucional 96/92, relatado pela Deputada Zulaiê Cobra e aprovado, na Câmara dos Deputados, encontra-se no Senado Federal.
O artigo 98 da Constituição Federal [123] passará a conter, de acordo com a proposta da Câmara, quatro parágrafos, ao invés de um. O § 4º diz respeito à arbitragem, que se revestirá de majestade constitucional, pois o preceito assenta que os interessados poderão resolver seus dissídios por meio do juízo arbitral, o que representa um grande avanço, pois traz para a sede constitucional esse instrumento de suma importância no mundo moderno, à semelhança de alguns países, como Portugal.
No entanto, o projeto, inadvertidamente, dá um golpe de morte, na arbitragem, entre entes de direito público e outras entidades privadas ou públicas, e até mesmo em relação às concessões e permissões da Administração direta, ao excetuar do juízo arbitral as entidades públicas.
Com isso, produz um retrocesso tão grave, que deve ser corrigido, sob pena de afastar da cena um instrumental que teve a adesão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte de Contas, desde que lei autorizasse. [124]
Atualmente, todas as entidades públicas, inclusive as autárquicas, contêm a indicação de que os dissídios e as dúvidas devem ser resolvidos, via arbitragem ou outra forma alternativa de solução amigável. Também a lei de concessões e permissões contém essa determinação.
No Senado Federal, o Senador José Jorge, relator da PEC 29, de 2000, houve por bem de, num rasgo de extrema sensibilidade, no seu parecer, suprimir, no § 4º do artigo 98 (redação da Câmara), a primeira parte para autorizar também essas entidades a submeterem-se ao juízo arbitral, tal qual ocorre, atualmente, mercê da legislação própria. Oxalá, o Plenário aceite essa proposta de significativa importância, afastando a ressalva, antes citada, em consonância com os postulados consagrados pelo Direito alienígena e também pelo Direito Público pátrio.
Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas e da UFRJ, também se insurge contra a absurda tentativa exclusão das entidades públicas do processo de arbitragem, trazendo como alicerce de sua posição a opinião de Sérgio Renault, Secretário Nacional de Reforma do Judiciário. [125]
PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL – ARTIGO 98 CF
O Deputado Jaime Martins (PL-MG e co-autores) apresentou, em 8 de outubro de 2003, o Projeto de Emenda Constitucional 178/2003, com o propósito de alterar o artigo 98 da Constituição Federal.
A proposição acrescenta o inciso III a esse dispositivo, criando os juizados de conciliação, sem caráter jurisdicional, os quais funcionarão com o apoio da sociedade e supervisão do Poder Judiciário, com o objetivo de solucionar os conflitos, por meio de conciliação e acordo entre as partes. Voluntários integrarão esses colegiados.
Essa proposta é fruto de sugestão remetida pelo Coordenador-Geral dos Juizados de Conciliação, supervisionados pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Desembargador, Antônio Hélio Silva. Esse trabalho serviu de subsídio para a justificativa dos parlamentares.
Na opinião do magistrado, é preciso fazer chegar a Justiça ao povo carente e sofrido e o Judiciário, apesar de todo esforço, não consegue proporcionar a prestação jurisdicional adequada, no momento certo. Eis que Sua Excelência pretende que esse modelo, já em uso no Estado de Minas, seja difundido em todo o País. Os parlamentares, que subscreveram esta feliz iniciativa, foram sensíveis às palavras corajosas do desembargador, no sentido de criar nova cultura de justiça. [126] Isto aplica-se, também, à arbitragem.
PROJETO DE LEI - INSTITUI A MEDIAÇÃO
O Projeto de Lei, da Câmara dos Deputados, de autoria da Deputada Zulaiê Cobra [127], institucionaliza e disciplina a mediação, como método de prevenção e solução consensual de conflitos. Ela poderá ser judicial ou extrajudicial e versará sobre todo o conflito ou parte dele.
Por esse projeto, a mediação é facultada em toda matéria que admita conciliação, reconciliação, transação ou acordo de outra ordem. Pode ser mediador qualquer pessoa capaz, com formação técnica e experiência prática adequada à natureza do conflito.
Também a pessoa jurídica, que se dedica ao exercício da mediação, por intermédio de pessoas físicas, poderá sê-lo.
PROJETO DE LEI DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA
O Projeto de Lei da Câmara nº 71, de 2003 (4376, na Casa de origem), ora no Senado, regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência.
A recuperação extrajudicial é prevista no artigo 73 e faculta o devedor requerer sua homologação em Juízo. Entretanto, na prática a faculdade transformar-se-á em obrigação, desnaturando totalmente a natureza da recuperação extrajudicial. [128]
Ora, se a recuperação extrajudicial advém de acordo e a arbitragem é fruto de consentimento, não se justifica a homologação judicial, visto que representará um grande retrocesso, que se não concilia com a filosofia inovadora do projeto que quer celeridade e segurança. E, sem dúvida a arbitragem oferece tudo isso.
PROJETO DE ALTERAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL
Subsidiamos o Deputado Ricardo Fiúza, no Projeto de Lei nº 7160, de 27 de agosto de 2002, que manda acrescentar o parágrafo único ao artigo 853 do Código Civil – Lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2001, in verbis: "No âmbito das licitações e nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas e jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas, no estrangeiro, as divergências contratuais e sobre o certame licitatório poderão ser solucionadas, de forma amigável, por meio de arbitragem, contando com a presença de representante do contratante – Poder Público, desde que previsto no edital e no contrato" [129].
Não obstante, com relação à arbitragem de conflitos, quando presente a Administração Pública, surgem algumas dúvidas, porque os bens públicos são indisponíveis.
Assim nos manifestamos, no citado trabalho: "a Carta Magna não rejeita soluções heróicas. Na verdade, fomenta-as, com determinação, de sorte que, no artigo 217, trata da Justiça Desportiva e avisa que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas, após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva regulada em lei. Por outro lado, o artigo 99 é categórico, quando confere à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência para criar juizados especiais, providos de juízes togados ou togados e leigos competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais menores, mediante processo oral e sumaríssimo, facultados a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau".
A melhor doutrina aconselha essa postura, destacando-se os mestres Carlos Mota Pinto e Maria C. Menezello.
O Estado (lato sensu) não estará desassistido, por que conta com a presença de seus advogados e procuradores, nem o Poder Judiciário estará alijado, como demonstrado. Basta que o legislador se sensibilize e consinta, expressamente, que as entidades estatais se submetam à arbitragem".
PROJETO DE ALTERAÇÃO DA LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Encaminhamos ao Senador Marcos Maciel, na época, Vice- Presidente da República, autor do projeto de lei, que se transformou na Lei 9307, e ao Professor Gilmar Ferreira Mendes, na época, Advogado-Geral da União, sugestão, visando acrescentar, à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública - Lei 8666/93, disposição semelhante à já existente na Lei 8987, de 13 de fevereiro de 1995, que trata do regime de permissão e concessão do Serviço Público (artigo 23, XV), permitindo, expressamente, a solução das divergências contratuais e no âmbito das licitações, de forma amigável, através da arbitragem [130].
Eis nossa justificativa: "O proposto dispositivo, norma geral, poderá ser inserido no lugar do parágrafo 4º. do artigo 3º da citada Lei 8666. Esse parágrafo fora vetado pelo Presidente da República e encontra-se ocioso, in verbis: O artigo 3º da Lei 8666/93 fica acrescido do parágrafo 4º.: No âmbito das licitações e nos contratos celebrados pela Administração Pública com pessoas físicas ou jurídicas, inclusive aquelas domiciliadas no estrangeiro, as divergências contratuais e sobre o certame licitatório poderão ser solucionadas, de forma amigável, por meio da arbitragem, contando com a presença de representante do contratante - Poder Público" - e desde que prevista, no edital e no contrato.
BREVE ANÁLISE DA LEI DE ARBITRAGEM – LEI 9307/96
A arbitragem é o instrumento de resolução dos conflitos com presteza e segurança, por meio de juízes arbitrais, especializados nas mais diversas áreas, escolhidos pelas partes e de sua plena confiança. Eis aí o grande mote da arbitragem: pessoas altamente especializadas e de plena confiança das partes, tentarão, preliminarmente, conseguir o acordo, a conciliação A imparcialidade deverá nortear a atuação do juiz..
A arbitragem far-se-á por meio de um árbitro ou por vários. Neste caso, estará constituído o tribunal arbitral e o presidente será escolhido, entre seus pares, por maioria. Em caso de discordância, a presidência caberá ao mais idoso.
A tentativa primordial é a conciliação, em qualquer momento. Se isso ocorrer, o árbitro ou o Tribunal Arbitral, se as partes solicitarem, declarará esse fato por sentença arbitral, que conterá os requisitos do artigo 26. [131] Na hipótese de não haver a conciliação desejável, o árbitro ou o Tribunal prosseguirá na arbitragem.
As partes poderão, portanto, nomear um ou mais árbitros, em número ímpar, juntamente com os suplentes, se assim o desejarem. Em caso de a nomeação recair sobre número par de árbitros, estes poderão indicar mais um.
Se, porém, não houver concordância sobre esta designação, as partes deverão requerer ao órgão do Judiciário, que seria competente para julgar originariamente o feito, a nomeação do árbitro desempatador. Aplica-se, no que couber, a determinação do artigo 7º. [132] Novamente aqui se vislumbra que o sistema brasileiro não descartou totalmente a burocracia e a desconfortável morosidade.
O árbitro ou o Tribunal Arbitral poderá designar, como secretário, um dos árbitros [133] e, por analogia, também poderá designar assessor ou assessores especializados. Semelhantemente, poderão estes ser um dos árbitros, segundo interpretação sistemática.
O entrelaçamento de um princípio com outros é de fundamental importância, ou, como ministra o jurista Luiz Vicente Cernicchiaro, "o Direito, como sistema, é uno. Não admite contradição lógica. As normas harmonizam-se".
Ademais, os juízes arbitrais estão autorizados, pelo artigo 22, a ordenar a realização de perícias. Ora, quem pode o mais, pode o menos.
Toda pessoa capaz de contratar pode utilizar-se da arbitragem e poderá fazê-lo por intermédio de advogado [134]. De acordo com o Código Civil de 2002, aos dezoito anos, a pessoa adquire a capacidade de fato, exercendo pessoalmente os atos da vida civil. [135]
A capacidade de exercício ou de fato é a aptidão para exercer direitos ou, segundo os ensinamentos de Washington de Barros Monteiro, é a faculdade de os fazer valer e está vinculada a diversos fatores, como a saúde, a idade. O seu exercício tem como pressuposto a consciência e a vontade. [136]
O árbitro, juiz de fato e de direito, deve exercitar o ofício, com total imparcialidade, competência, diligência, independência e discrição e, no exercício da função, ou em razão dela, equipara-se a funcionário público para o efeito penal, submetido aos princípios maiores: Ser juiz é ser bom, quando necessário. Ser justo, sempre. Ser intransigente com a injustiça e a ilegalidade. Ser solidário com o inocente. Ser duro com o infrator. Julgar com serenidade, sempre.
Dada sua importância e responsabilidade, a arbitragem deve, de preferência, estar alicerçada em entidade institucional, como as diversas cortes ou câmaras de arbitragem, à semelhança dos diversos modelos existentes, no Brasil, nos Estados Unidos da América e em diversos países do Mercosul e da Europa.
De fato, o § 3º do artigo 13 da Lei permite às partes delinearem o processo de escolha dos árbitros ou submeter-se às regras de órgão arbitral institucional ou de entidade especializada.
Convenção de arbitragem
A lei dispõe que as partes poderão resolver seus conflitos, submetendo-se ao juízo arbitral, por meio da convenção de arbitragem, que se concretiza pela cláusula compromissória e/ou pelo compromisso legal.
A cláusula compromissória é o pacto, por meio do qual as partes, em um contrato, comprometem-se a ter o litígio, que possa vir a ocorrer, resolvido, por meio da arbitragem. Essa cláusula, sempre por escrito, estará contida, no contrato ou em documento apartado.
Nos contratos de adesão, a cláusula somente terá eficácia, se a parte aderente tomar a iniciativa de se submeter à arbitragem ou com ela concordar, expressamente, devendo essa convenção constar de documento anexo ou escrito em negrito. O visto ou a assinatura, tendo em vista essa cláusula, é essencial para sua validade.
O Ministro Nilson Naves, em memorável voto-vista, resumiu, com muita propriedade, a doutrina e, citando Cândido Naves [137], relata: pela cláusula compromissória, as partes obrigam-se a submeter ao juízo arbitral dissídio que possa ocorrer, na execução do contrato ou por qualquer outro motivo, enquanto que, no compromisso, as partes submetem a esse juízo pendência já existente, aforada ou não, mas já suscitada, isto é, com a dissidência já ocorrida.
O compromisso arbitral, judicial ou extrajudicial, é o ajuste, por meio do qual as partes concordam em submeter o dissídio à arbitragem.
Deverá conter obrigatoriamente: o nome, a profissão, o estado civil e o domicílio das partes; o nome, a profissão, e o domicílio do árbitro ou, se for o caso, a identificação da entidade que recebeu a delegação para indicação dos árbitros; a matéria, objeto da arbitragem; o local onde será proferida a sentença.
Facultativamente, poderá conter o local onde se realizará a arbitragem. A lei menciona o local ou locais, assim que esta poderá ocorrer, em vários locais. Também poderá o compromisso estipular o prazo para prolação da sentença, a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis, se assim for ajustado.
As partes poderão ainda anuir que o árbitro julgue por eqüidade. [138] Essas normas corporativas, porém, não podem colidir com a lei, sob pena de não terem valor. A fixação de honorários do árbitro e da responsabilidade pelos honorários e despesas também poderão constar do documento.
O compromisso arbitral extrajudicial deverá ser firmado, por escrito, por meio de documento particular, assinado por duas testemunhas, ou ainda ser celebrado por instrumento público.
O compromisso arbitral judicial far-se-á, por termo no processo judicial, perante o juízo ou tribunal por onde corre o feito. A convenção de arbitragem extingue o processo judicial, sem julgamento de mérito e o réu, na contestação (na demanda judicial), deverá alegar a existência de arbitragem. [139]
As partes poderão estabelecer, na cláusula compromissória, que a arbitragem se fará, de conformidade com as normas de órgão arbitral institucional ou entidade especializada. Entretanto, em documento apartado ou na própria cláusula, poderão convencionar a forma de arbitragem.
O juiz arbitral poderá tomar o depoimento das partes, ouvir as testemunhas, e ordenar a realização de perícias e outras provas [140], mediante requerimento das partes ou ex officio, respeitando sempre o contraditório, a igualdade das partes, a imparcialidade e o seu livre convencimento.
A revelia da parte não impede que o juiz arbitral sentencie. [141] No processo judiciário, revel é a parte que não comparece, não apresenta defesa no prazo legal.
Leciona José Frederico Marques, apoiado nas lições de Léo Rosenberg, de maneira concisa e direta, que revelia é a omissão total, ou seja, o descumprimento do ônus de se defender imposto ao réu e contumaz é a parte que deixa de atender aos ônus processuais impostos pela lei. Também o autor poderá ser revel, ou seja, omitir-se, deixando decorrer os prazos, sem se pronunciar, de acordo com os ensinamentos desse autor. [142]
Na hipótese de elas não acordarem sobre a forma de instituição da arbitragem, poderá uma delas – a parte interessada – convocar a outra, para em dia, hora e local previamente designados, vir firmar o compromisso. A comunicação poderá ser feita, via postal ou por qualquer outro meio, desde que haja comprovação do recebimento. Também poderá sê-lo por via eletrônica, pois esse dispositivo é bastante elástico.
Se houver previsão da cláusula compromissória e havendo recusa ou não comparecendo a outra parte, o artigo 7º da Lei permite, que a parte interessada se valha do Juízo comum, para requerer a citação daquela, para firmar o compromisso. Se ela não comparecer, a sentença judicial, julgando procedente o pedido, substituirá o compromisso arbitral.
No caso, em que funcionamos como juiz arbitral, a instauração da arbitragem, pelo Judiciário, levou cerca de um ano e oito meses [143], em virtude de uma das partes se recusar a cumprir a cláusula compromissória, demonstrando isso estarmos longe de absorver um processo em uso em todos os países, com invulgar êxito.
Arbitragem por eqüidade ou de direito
A arbitragem será realizada por equidade ou de direito, ou ainda levando-se em consideração ambos os critérios, que não são antagônicos. [144] As partes devem, desde logo, anuir à forma que desejam, desde que não viole os bons costumes e a ordem pública (artigo 2º da Lei de Arbitragem). Mas, também, podem as partes convencionar que ela se realize, segundo os princípios gerais de direito, os usos, os costumes ou as regras internacionais de comércio. Elas podem, porém, delegar ao árbitro ou ao tribunal regular o procedimento.
Miguel Reale conceitua, com precisão, princípios como sendo enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais assertivas que compõem o campo do conhecimento. Os princípios gerais do Direito, acrescenta o mestre, são enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico. [145]
Vale dizer: os princípios são postulados que servem de ancoradouro para o entendimento da ciência e do sistema jurídico, ou seja, são normas gerais, que servem de sustentáculo às demais.
A arbitragem é um instrumento altamente salutar, pois exclui, de imediato, o formalismo, realizando-se de forma sigilosa e célere. Demócrito Ramos Reinaldo Filho refutando, com precisão matemática, a tese da inconstitucionalidade da lei arbitral, assegura que o instituto do juízo arbitral tem, na simplificação do procedimento, a nota marcante, porque produz a celeridade. [146] Cláudio Vianna de Lima enxerga, na processualização, a pena de morte da arbitragem. [147]
A flexibilidade é essencial, sem embargo de o árbitro dever pautar-se, de acordo com as normas legais. Não poderá, obviamente, violentar os princípios de ordem pública e os bons costumes. No Estado de Direito, tudo se faz, de conformidade com o sistema jurídico.
Como exemplo, citamos a arbitragem que realizamos, em pouco menos de três meses, tendo como objeto pretensão em torno de R$ 17.000.000,00 (dezessete milhões de reais), [148] despida de formalismos exagerados e fórmulas insossas e arcaicas próprias de um tribunal medieval. [149]
A eqüidade é a humanização do Direito. É a mitigação da lei, segundo Aristóteles. Por meio dela, o juiz ameniza o rigor das regras jurídicas, tempera com justiça a rigidez da norma de direito, foge da norma escrita, pois o direito é bom senso, na acepção sempre atual do jurisconsulto romano Cícero. Deve fazer as adaptações possíveis à realidade social, na busca de uma solução mais justa e equilibrada, sem desprezar, naturalmente, a ética, a boa razão e, sem dúvida, a moral, princípio basilar, que atualmente, está expresso na Constituição.
Carlos Maximiliano lembra, apoiado em Coelho da Rocha, Trigo de Loureiro e Chironi, que a eqüidade objetiva atenuar o rigor de uma norma, interpretando-a de forma compatível com o progresso e a solidariedade humana, e acomodada ao sistema jurídico, de conformidade com a gravidade e importância do negócio, as circunstâncias das pessoas e dos lugares. [150]
Aliomar Baleeiro, comentando o artigo 108 do Código Tributário (este dispositivo trata da utilização da analogia, a ser adotada pela autoridade competente, ao aplicar a legislação tributária), traz, à tona, o artigo 1040 do antigo Código Civil, que prevê a autorização outorgada aos árbitros para julgarem por eqüidade, "fora das regras e formas do direito," ou ex aequo et bono, na decisão fora das normas. [151]
O jurista Capitant, citado por José Náufel, estabelece dois sentidos para eqüidade: 1. justiça alicerçada na igualdade e no respeito ao direito de cada um e 2. justiça não inspirada nas regras de direito em vigor. [152]
Chaim Perelman ensina: a eqüidade visa a reduzir as desigualdades resultantes da justiça formal e opõe-se frontalmente ao formalismo. [153]
Para Alípio Silveira, a eqüidade está intimamente relacionada com a noção de justiça, como idéia ou princípio e, com fundamento, na melhor doutrina, ensina que fazer uso da eqüidade não significa julgar contra a lei, mas sim atenuar a dureza da lei, harmonizando-se com as lições de Clóvis Beviláqua.
Considera, ademais, a eqüidade como um princípio geral de direito, em que se assenta o julgador, para proferir uma decisão justa, no caso concreto. [154]
Decidir pela eqüidade, na arbitragem, é dar uma solução que atenda as partes, onde a mútua concessão esteja presente, sem, porém, induzi-las ao dano irreparável, tendo em vista a conciliação que deverá estar sempre presente.
O artigo 28 da Lei aventa a hipótese de as partes chegarem a acordo, no curso da arbitragem. Neste caso, deverá o juiz arbitral declarar tal fato mediante sentença, se assim desejarem as partes conflitantes. O simples fato de, através do juízo arbitral, obterem elas uma solução, em tempo curto, significa, sem dúvida, benefício incomensurável.
A submissão da arbitragem às normas de direito não prescinde da eqüidade, sob pena de frustrar a vontade da lei e os princípios que regem a arbitragem. Na verdade, qualquer ato submete-se às regras do Direito, ao sistema jurídico. Entretanto, a lei, ao mandar que, a critério das partes, o juiz faça a arbitragem, segundo as regras de direito, não pretendeu, absolutamente, jungi-lo ao formalismo extremado, que é incompatível com o juízo arbitral.
Joel Dias Figueiredo Junior, interpretando a Lei de Arbitragem, com muita sensibilidade, responde a uma indagação que vem afligindo os intérpretes. Afiança que o árbitro, como juiz de fato e de direito, autorizado apenas a julgar com base nas regras de direito, poderá também decidir com alicerce na eqüidade, porque, de há muito, se ultrapassou a barreira da mera subsunção, para atingir-se, finalmente, uma interpretação e aplicação da norma jurídica ao caso concreto, dentro dos padrões sociológicos e axiológicos de exegese, à medida que o árbitro, na qualidade de juiz de direito e de fato, deverá atender os fins sociais da lei e às exigências do bem comum. [155]
Não se admite a procrastinação que atenta contra os princípios da presteza e da lealdade.
Por isso mesmo, Ovídio Batista da Silva, com muita razão, escreveu que, entre a eqüidade e a aplicação das regras de direito, há apenas distinção de grau ou de intensidade e não de qualidade. [156]
Significa dizer: o juiz deve julgar tendo como fundamento o Direito, sem deixar-se levar pelo odiento formalismo desgastante do juízo arbitral, que exige, sem dúvida, bom senso, discernimento e conhecimento.
O artigo 2º da Lei de Arbitragem deve ser interpretada, de conformidade com a realidade e os ensinamentos doutrinários. A exegese literal desnaturará o instituto, tornando-o inócuo. Será apenas um frasco sem perfume, sem conteúdo, vazio, ou como o universo sem o ser humano.