7.O prazo para o ressarcimento dos valores devidos a título do crédito-prêmio do IPI
Em princípio, computa-se o prazo para o ressarcimento a partir do fato que faz nascer o direito ao crédito, isto é, a partir do instante em que se operar a exportação do produto ou da mercadoria, observados os critérios material, espacial e temporal das suas regras-matrizes. Como não se trata de incentivo fiscal, nem tampouco de hipótese de pagamento indevido de "tributo", nos termos do artigo 165, incisos I a III, do CTN, aplica-se a regra veiculada pelo artigo 1° do Decreto 20.910/32 [39], que dispõe:
Art. 1º – As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato da qual se originaram.
Foi ressaltado que em princípio o prazo computa-se da data em que ocorreu o fato que faz surgir o direito ao incentivo, pois outras hipóteses podem ser aventadas. Pelos motivos anteriormente expostos, especialmente o de que o estímulo em causa não tem natureza tributária, reputamos que não é aplicável ao crédito-prêmio o entendimento de que o prazo (5 anos ex vi do artigo 168 do CTN) para postular o reconhecimento de um direito de crédito (de natureza tributária) contra a Fazenda Pública, desde que se trate de tributo sujeito a lançamento por homologação – e todos os tributos atualmente administrados pela Secretaria da Receita Federal submetem-se a tal modalidade de constituição do crédito tributário -, computa-se após concluído o prazo de cinco anos contados do fato gerador, uma vez que, repita-se, não se trata de situação de pagamento indevido de tributo, mas sim do reconhecimento de um direito subjetivo de natureza financeira contra a Fazenda Pública.
Há, todavia, uma peculiaridade que deve ser considerada no que tange ao prazo para a recuperação dos valores devidos a título do crédito-prêmio do IPI. Vimos que o STF, em sede de controle difuso, declarou a inconstitucionalidade da expressão "ou extinguir" constante do texto do artigo 1º do Decreto-lei 1724/79. Essa decisão, contudo, é insuficiente para que se possa considerá-lo como um fato ou ato capaz de originar o nascimento do direito do particular reclamar o crédito-prêmio do IPI. No caso, a pronúncia de inconstitucionalidade produz efeitos apenas entre as partes do processo, de modo que o prazo qüinqüenal passou a fluir apenas para aquele contribuinte que fez parte da relação jurídica processual. Em sítio de controle difuso, faz-se mister a edição de norma geral (Resolução do Senado, Decreto do Presidente da República) para que outros particulares possam usufruir dos efeitos da pronúncia de inconstitucionalidade, o que não ocorreu até este momento. Em situação desse jaez, a interpretação que se impõe diante das premissas estabelecidas é de que o prazo de cinco anos previsto pelo artigo 1º do Decreto 29.910/32 não se iniciou, ante a inexistência do fato capaz de dar início ao seu fluxo. E esse entendimento é compartilhado pela doutrina de Marco Aurélio Greco e Helenilson Cunha Pontes [40]:
b) no caso de pronúncia de inconstitucionalidade proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade (declaração incidenter tantum), em processo de interesse de outro contribuinte:
b.1) na data da edição de ato de caráter geral que estender a todos os interessados os efeitos da inconstitucionalidade declarada, reconhecendo estarem comprometidas a lei ou a exigência decorrente (Resolução do Senado, Decreto do Presidente da República etc.); ou
c) se não houver declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum em processo de interesse de outro contribuinte, na data em que o interessado obtiver do STF a pronúncia da invalidade do pagamento por ele realizado, haja vista a inconstitucionalidade da lei que embasou a sua exigência.
Não se iniciou, portanto, em nível geral, o prazo para a
propositura de demanda judicial em face da União Federal visando o
ressarcimento dos valores devidos por força do direito ao crédito-prêmio do
IPI. Por muito mais razão, no concernente à inconstitucionalidade da
expressão "ou extinguir" veiculada pelo art. 3º do Decreto-lei
1.894/81 frente ao texto constitucional de 1967, que sequer foi apreciada pelo
STF, também não ocorreu o fato a partir do qual se contará o prazo
qüinqüenal.
8.Formas de ressarcimento
Antes do tema central desta seção ser abordado, é necessário um esclarecimento a respeito da revogação dos §§ 1° e 2° por meio do artigo 1° do Decreto-lei 1.722/79 que dispõe: "Art. 1º Os estímulos fiscais previstos nos artigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491, de 05 de março de 1969, serão utilizados pelo beneficiário na forma, condições e prazo, estabelecidos pelo Poder Executivo." Dessa forma, o Decreto-lei 1.722/79 revogou as formas de ressarcimento previstas pelo Decreto-lei 491/69, remetendo a disciplina da matéria ao regulamento. Essa revogação, contudo, não se sustenta diante das normas que sucederam o Decreto-lei 1.722/79.
Como afirmamos em outros pontos deste trabalho, o Decreto-lei 1.894/81 restabeleceu o crédito-prêmio do IPI nos precisos termos do Decreto-lei 491/69, sem se reportar às modificações promovidas pelo Decreto-lei 1.722/79. E, vale repetir, o entendimento predominante é de que o Decreto-lei 1.894/81 restabeleceu o crédito-prêmio do IPI sem definição de prazo. Decorre daí que as formas de ressarcimento dos valores oriundos do direito ao crédito-prêmio do IPI são aquelas previstas pelo diploma que o introduziu no ordenamento, isto é, o Decreto-lei 491/69.
Não bastasse isso, a legislação atual, a ser comentada à frente, prevê as mesmas formas de ressarcimento previstas pelo Decreto-lei 491/69, embora a Secretaria da Receita Federal insista em negar a aplicação das respectivas regras em se tratando do crédito-prêmio do IPI.
De fato, o artigo art. 42 da Instrução Normativa SRF 210, de 30 de setembro de 2002, prescreve: "Não se enquadram nas hipóteses de restituição, de compensação ou de ressarcimento de que trata esta Instrução Normativa os créditos relativos ao extinto "crédito-prêmio" instituído pelo art. 1º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969". Anteriormente, o Secretário da Receita Federal baixara o Ato Declaratório 31 esclarecendo que não se aplicavam as regras veiculadas pela Instrução Normativa 21/97 no que tange ao ressarcimento do crédito-prêmio do IPI.
É evidente que essas regras têm por escopo proibir os agentes públicos de darem seguimento a pedidos de ressarcimento e desencorajar os particulares de buscarem o reconhecimento do direito pela via administrativa. Afinal, se o crédito prêmio foi "suprimido" do ordenamento, não faz sentido disciplinar o procedimento para seu ressarcimento. Contudo, infirmada a idéia de que a subvenção em causa foi extinta, surge a necessidade de se buscar na própria legislação que a instituiu os meios de ressarcimento, com a devida regulamentação das normas administrativas atualmente em vigor. A propósito, o STJ decidiu que "conforme estabelecido na legislação de regência, o benefício fiscal previsto no art. 1º do DL n. 461/69 (crédito-prêmio do IPI), tanto pode ser recebido em moeda corrente, como pode ser usado para o pagamento de outros tributos" [41].
Sobremais, como o artigo 74 da Lei 9.430/96, com a redação do artigo 49, da Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, além de ser posterior, disciplinou os temas pertinentes à restituição, ao ressarcimento e à compensação no âmbito dos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, de maneira específica, aí está outro motivo para se reconhecer sua aplicação ao crédito-prêmio do IPI. E admitida a aplicação desses preceitos ao ressarcimento da subvenção em causa, também se conclui que está superado o § 2° no que concerne à compensação com débitos de "impostos federais", uma vez que o artigo 74 da Lei 9.430/96 o permite em se tratando de quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal. Passemos agora ao exame da legislação em vigor.
No campo das restituições e dos ressarcimentos de créditos do particular contra a União Federal, aplicam-se os artigos 73 e 74 da Lei 9.430/96, este último com a redação dada pelo artigo 49 da Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002, como também a Instrução Normativa SRF 210 de 30 de setembro de 2002. Nesses diplomas, foram previstas as figuras restituição e ressarcimento, sendo que esta se subdivide em dedução, compensação e pagamento. E nos termos do artigo 1°, §§ 1° e 2°, do Decreto-lei 491/69, há três formas previstas para o ressarcimento dos valores [42] devidos a título do crédito-prêmio do IPI, cuja ordem é sucessiva: a) dedução dos débitos a título de IPI referentes a operações internas; b) compensação com débitos de outros impostos federais; e c) outros modos estatuídos em regulamento. Portanto, são plenamente compatíveis os diplomas citados, desde o mais antigo até a novel Instrução Normativa SRF 210/2002.
A dedução [43] constitui técnica de redução do ônus tributário que se opera por meio da base de cálculo ou alíquota. Em se tratando do IPI, que se submete ao primado da não-cumulatividade, a "dedução" prevista pelo artigo 1° do Decreto 491/69 se opera mediante o reconhecimento na escrita fiscal do respectivo crédito que adicionado aos demais créditos e contrastados com os débitos proporciona a fixação do montante devido. À vista disso, a técnica da "dedução" prevista pelo Decreto-lei 491/69 significa, na verdade, a consagração de um "crédito fiscal" que subtraído do débito proporciona o estabelecimento do valor da prestação em dado momento a título de IPI. Tratando do antigo ICM, Paulo de Barros Carvalho [44] sublinha que o princípio da não-cumulatividade "opera no seguimento arrecadatório, consoante o regime específico de configuração do montante relativo a cada período de recolhimento". É impróprio, portanto, falar-se em "dedução" na espécie, na medida em que o aproveitamento do crédito não produz efeito na base de cálculo ou na alíquota do IPI. E examinando-se o artigo 14 da Instrução Normativa SRF 210/2002 [45], constata-se que realmente a "dedução" ali prevista visa a diminuição da importância devida a título de IPI. Para essa forma de ressarcimento, não se exige a realização de prévio requerimento à Administração Pública (mas não é vedado e até mesmo aconselhável diante da postura extremamente formalista adotada em muitas oportunidades pela Secretaria da Receita Federal), bastando o cumprimento dos deveres acessórios de registro dos fatos nos instrumentos competentes, guarda e conservação dos documentos e livros, regularidade na escrituração etc.
Ingressando agora na segunda hipótese, a compensação, convém registrar que, ao contrário da "dedução", está-se diante de típica hipótese de extinção das obrigações. No direito tributário, os artigos 156, inciso II, e 170 do CTN prevêem que a compensação constitui forma de extinção do crédito tributário. A compensação realiza-se mediante o encontro de duas relações jurídicas: uma, versando sobre o crédito tributário, enquanto direito subjetivo da Fazenda Pública; outra, versando sobre o crédito do particular, na qualidade de direito subjetivo do próprio particular. O fato da compensação (encontro entre créditos e débitos) será efetivado por meio de ato do particular [46] ou da Administração Pública [47], nos termos em que a lei prescrever.
Ambos, crédito tributário e crédito do particular, carecem da veiculação de norma para sua constituição. O crédito tributário é constituído pelo lançamento (ato administrativo), nos termos do art. 142 do CTN, ou pelo auto-lançamento (ato do particular), quando a lei assim o prever. O crédito do particular é constituído por ato administrativo ou por ato do próprio titular, decisão judicial passada em julgado, como também via instrumentos primários (a lei, p. ex.) e secundários (o Decreto do Presidente da República, p. ex.).
A previsão de que o aproveitamento da subvenção pode ser efetuado via compensação não dispensa o particular de formalizar o seu direito mediante a apresentação de requerimento de ressarcimento à autoridade competente, conforme exige o artigo 14, § 2º, da Instrução Normativa SRF 210/2002. Observado esse procedimento, o particular poderá efetuar a auto-compensação, devidamente formalizada por meio da declaração de compensação, ou formular pedido de compensação, que será efetuada, portanto, pela autoridade administrativa competente.
Por derradeiro, a Instrução Normativa SRF 210/2002 prevê o pagamento [48] como forma de ressarcimento. Embora não esteja prevista expressamente no texto do artigo 1°, § 2°, do Decreto-lei 491/69, o fato desse preceptivo referir-se ao regulamento, ato administrativo normativo, autoriza a conclusão de que a atual Instrução Normativa SRF 210/2002, que disciplina os procedimentos de ressarcimento, dentre os quais encontra-se o pagamento, é aplicável ao crédito-prêmio do IPI. Assim, frustradas as outras formas de ressarcimento, a União Federal deverá efetuar o pagamento, mediante a entrega ao benefício da respectiva soma em dinheiro. O particular deverá formular cumulativamente pedido de ressarcimento e de pagamento.
9.Demandas judiciais adequadas à obtenção do reconhecimento do direito ao crédito-prêmio do IPI
O Secretario da Receita Federal baixou a Instrução Normativa 226, de 18 de outubro de 2002, determinando que: "Art. 1º Será liminarmente indeferido: I - o pedido de restituição ou ressarcimento cujo direito creditório alegado tenha por base o "crédito-prêmio" instituído pelo art. 1º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969".
Não é preciso muito esforço para se concluir que afora a violação às garantias constitucionais do direito de petição e do devido processo legal, trata-se de prática imoral por parte da Administração Pública, que deve ser repudiada. Em um Estado Republicado, não é dado aos administradores deixarem de processar e examinar pretensões dos particulares, mediante a conduta do "indeferimento liminar". Em que pese tenha sido editada essa esdrúxula regra, a realidade é que o particular tem direito de recorrer dessa decisão e com isso obter a devida resposta da Administração Pública por parte das instâncias superiores.
Seja como for, a existência desse preceito também justifica a propositura de demanda judicial visando o reconhecimento do direito ao crédito-prêmio. A tutela jurisdicional poderá ser buscada por meio das seguintes ações, conforme as peculiaridades do caso concreto e a pretensão do particular: a) mandado de segurança; b) ação declaratória; c) repetição do indébito; e d) anulatória do ato administrativo denegatório.
É pacífico na jurisprudência que o mandado de segurança pode ser utilizado, desde que presentes seus pressupostos legais e respeitadas as características que limitam o espectro dessa garantia constitucional, visando a declaração da existência de um direito subjetivo contra a Fazenda Pública, uma vez que desse reconhecimento decorrerão efeitos mandamentais notáveis. Outrossim, há farta jurisprudência no sentido de que "O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária", conforme enuncia a Súmula 213 do STJ". Portanto, é viável que o particular promova mandado de segurança, em caráter preventivo ou repressivo, visando a declaração do direito ao ressarcimento dos valores relativos ao crédito-prêmio no que tange a exportações passadas ou futuras, podendo cumular esse pedido com outras providências conexas, tais como cômputo de correção monetária e juros, aplicação de determinadas normas em lugar de outras etc. A mera declaração judicial, contudo, será insuficiente para que o particular obtenha a realização do ressarcimento, na medida em que essa providência deverá ser requerida pela via administrativa. E a autoridade administrativa competente deverá, obviamente, seguir os parâmetros da decisão judicial.
A ação declaratória também constitui instrumento hábil ao reconhecimento do direito ao crédito-prêmio, mas com uma vantagem em relação ao mandado de segurança que merece ser destacada: o procedimento ordinário, que é o adequado para a ação declaratória, comporta a produção de provas na fase de instrução, o que não é possível em se tratando do mandado de segurança. Nesse aspecto, a ação declaratória pode ser mais vantajosa. No mais, observa-se que a sentença de procedência produz essencialmente os mesmos efeitos daquela que concede o mandado, mormente porque gera efeitos mandamentais, elimina o estado de incerteza e fixa um verdadeiro enunciado prescritivo no que tange ao conflito de interesses levado ao processo. [49]
A sentença de procedência proferida em processo relativo a ação de repetição de indébito apresenta eficácia declaratória e condenatória. Assim, é declarada a inexistência ou existência de determinada relação jurídica e, via de conseqüência, condena-se a Fazenda Pública ao pagamento de soma em dinheiro, cuja execução será realizada por meio do precatório ex vi do artigo 100 da Constituição Federal. Por aí se vê que a ação de repetição de indébito apenas será rigorosamente apropriada se o particular comprovar que ele faz jus ao ressarcimento mediante pagamento. Do contrário, faltará interesse processual no tocante à condenação, dado que a ordem prevista pelo artigo 1º do Decreto-lei 491/69 é sucessiva, e o ressarcimento em moeda corrente apenas é cabível se as outras formas restarem frustradas.
Não pode ser ignorado que nossa jurisprudência, em homenagem aos princípios da instrumentalidade do processo e da efetividade da tutela jurisdicional, tem decidido que a sentença proferida em sede de ação de repetição de indébito pode ser utilizada com vistas à compensação de créditos e débitos do particular [50].
Outro meio posto à disposição do particular consiste na propositura de ação anulatória da decisão administrativa que denegar o direito ao crédito-prêmio do IPI. Mas nesse caso o prazo não será de apenas dois anos conforme prevê o artigo 169 do CTN, visto que não se trata de "repetição de indébito tributário" e assim não se aplicam as disposições desse estatuto, salvo em caráter supletivo. Então, o prazo é de cinco anos, a teor do art. 1º do Decreto 20.910/32.