O princípio da capacidade contributiva na Constituição Federal de 1988

02/01/2017 às 18:27
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1. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.

O princípio da capacidade contributiva faz parte do rol dos direitos e garantias fundamentais elencados na Constituição Federal como uma garantia de racionalidade da política fiscal.

1.1. ORIGEM DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.

A Origem do princípio da capacidade contributiva no Brasil é introdutória de uma Moral e preceito orientador do Direito Tributário Pátrio, tendo seu primeiro registro surgido na Constituição Imperial de 1824, mesmo que de forma subentendida e necessitando de aprimoramentos. Disciplinava em seu artigo 179, XV:          

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.

 [...]

XV. Ninguém será exemplo de contribuir para as despesas do Estado em proporção de seus haveres.

Na Constituição Republicana de 1891, o princípio não foi reproduzido, tendo sido retomado na Constituição de 1934, que disciplinava em mais de um artigo os seguintes assuntos: I) A progressividade de impostos incidentes nas transmissões de bens por herança ou legado (art.128); II) A proibição de que nenhum imposto poderia ser elevado além de 20% de seu valor no instante do aumento (art.185); além do III) A proibição de que as multas de mora impusessem ônus ao contribuinte superior a 10% do valor dos impostos ou taxas devidos (art.184, parágrafo único).

Na Constituinte de 1937, o seu texto não tratou do princípio, já a Constituição de 1946, trouxe de forma expressa o princípio da capacidade contributiva, consagrando em seu art. 202, prevendo que: “Os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”

Em 1965, artigo 202, foi revogado pelo art. 25 da Emenda constitucional n. 18, sendo ainda seguida sua abstenção sobre a matéria nas constituições de 1967 e 1969.

Na Constituição de 1988, após um período de ditadura militar, o princípio da capacidade contributiva reapareceu, agora de forma expressa no artigo 145,§ 1º, sendo praticamente reproduzido o mesmo texto do artigo 202 de 1946, com uma pequena alteração nos termos técnicos “tributos” para “impostos”, senão vejamos:

Art.145. [...]:

§1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultando à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Vale ainda destacar que o princípio da capacidade contributiva busca a capacidade efetiva e não meramente fictícia do contribuinte no momento da incidência da norma. Além de ser a que mais se aproxima do sinônimo de justiça tributária, igualdade, distributividade da carga tributária, principalmente porque consegue se amoldar a situações econômicas do contribuinte, buscando nas palavras de Quaresma:

O ideal da Justiça Fiscal, hoje, se realiza na investigação de quanto cada cidadão pode contribuir com as despesas públicas, à luz dos valores e princípios reatores do Estado Democrático Social. Portanto, as despesas públicas devem se limitar ao somatório da capacidade contributiva de cada um, sob pena de as prestações estatais serem realizadas à custa de parcelas indispensáveis à vida digna do homem. Resta-nos concluir que a Justiça é um valor que já deve ser concretizado no momento de se arrecadar o tributo, e não somente mediante prestações públicas, viabilizadas com recursos tributários. (QUARESMA, OLIVEIRA, 2006, p.472)

O que caracteriza que, a capacidade contributiva está intimamente relacionada com o patrimônio e a renda do contribuinte, orientando o legislador para que na medida das desigualdades, de cada contribuinte, ele possa concorrer, ainda que não seja beneficiário direto dessas despesas, com a manutenção do estado sem retirar o mínimo vital pessoal e familiar.

Para preservar o contribuinte de uma tributação excessiva, existem dois limitadores à atuação do fisco, sendo eles, o mínimo existencial e a não utilização da tributação com efeitos confiscatórios. Sendo respectivamente o seu limite inferior e seu limite superior.

O mínimo existencial ou mínimo vital encontrava-se expresso na constituição de 1946, conforme seu art. 15, § 1º:

Art. 15. Compete à União decretar imposto sobre:

§1º - São isentos do imposto de consumo os artigos que a lei classificar como o mínimo indispensável à habilitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica.4

O mínimo existencial visa preservar o contribuinte de uma tributação excessiva, com fundamentação na constituição de 88, que embora implícita caracteriza os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, quais sejam: construir uma sociedade livre, justa, solidária e a redução das desigualdades.

É dessa forma, existindo a compreensão de que o Estado deve isentar parte da renda do contribuinte, para que ele tenha uma condição de uma vida digna. “Na compreensão da jurisprudência alemã esse entendimento deriva do princípio do estado social, visto que p estado não pode privar o cidadão de sua própria renda até o limite do mínimo necessário para a existência”. (SILVEIRA, 2009, p.288)

A sua limitação ao poder de tributar está expressamente na CF/88, conforme o artigo 150, IV:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]                                     

IV – utilizar tributos com efeito de confisco;5

Diante do histórico das constituições em nosso ordenamento pátrio, pode-se perceber que o evoluir do princípio da capacidade contributiva teve momentos de evoluções e retrocessos, a depender do momento histórico, construídos a partir de definições usadas para moldar o poder de tributar, onde esse sentido em dados momentos apresentava-se com vagueza e hora com juridicidade, até o alcance de seu status constitucional no ordenamento brasileiro, o que reforça ainda mais o que o seu caráter de justiça social na tributação.

1.2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

No Brasil o princípio da legalidade tributária, com exceção da Constituição de 1937, sempre esteve presente nos textos constitucionais. A constituição de 1891 versava que:

Art.72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§ 30. Nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em virtude de uma lei que o autorize.6

A sua reprodução se dá pela importância para o direito tributário em decorrência do poder de tributar do Estado, sendo a baliza para o legislador, e o limite para a tributação ao contribuinte o qual tem o dever da solidariedade social na medida de sua capacidade contributiva.

O poder de tributar deve ser entendido como o modo de realização de políticas públicas, orientada pelo princípio da solidariedade e tendo em vista a efetivação da proteção dos direitos fundamentais, especialmente da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade.

A esse modelo de realização da tributação, leva-se em consideração a variável social com a mesma importância do plano individual considerando a solidariedade social como fundamento último da tributação.

A vigente Constituição Federal estabelece em seu princípio da legalidade que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão por virtude de lei, de acordo como inciso II, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Além da CF, houve também o disciplinamento do princípio da legalidade no Código Tributário Nacional o qual prevê que:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.

§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.7

Demonstrando que o princípio da legalidade carrega consigo verdadeiros “poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos”, (MAZZA, 2015, p.100) não podendo se transformar em legalidade libertação.

A orientação na qual para o particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, enquanto a Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza não pode servir de instrumento de bloqueio das ações do poder do estado contra as legalidades aparentes.

A liberdade plena do contribuinte levou a infinitas formas de atos e negócios jurídicos meramente fictícios, prevalecendo a forma, mas sem nenhuma força econômica ou tributária.

O princípio da liberdade, que também é um desdobramento do princípio da legalidade, no qual é permitido a cada cidadão fazer sua escolha e como serão realizados seus negócios e atos jurídicos, desde que seja permitido por lei, também deverá ser orientado pelo artigo 421 do Código Civil que descreve que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Dessa forma, percebe-se uma afronta à norma ética aplicada com coagibilidade jurídica, exultando assim em uma nova regra jurídica. Sendo a referência tida pelo aplicador uma suposta irregularidade no exercício do direito ou até mesmo prejuízo anormal.

Para alguns doutrinadores como Sacha Calmon Navarro Coêlho e Hugo de Brito Machado, em obediência ao princípio da legalidade em matéria tributária, quando o legislador cria um tributo se faz necessário suas especificações quanto ao fato gerador, sujeito ativo, sujeito passivo da obrigação tributária, base de cálculo e alíquotas.

Mas o que se pode perceber é que a introdução do parágrafo único do artigo 116 do CTN, não está autorizando a cobrança tributária, na realidade ela veio exaltar o princípio da legalidade quanto o princípio da tipicidade, também é o que aduz Marcos Aurélio Grego:

(...) Se não ocorreu o fato gerador (legalmente previsto e fatidicamente verificável) não se materializou a hipótese de incidência do parágrafo único do artigo 116 e os atos ou negócios praticados pelo contribuinte não poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativas” (GREGO, 2008, p.58)

Uma vez que, a introdução desse dispositivo pelo legislador não propicia nenhuma cobrança tributária que não tenha previsão legal, e muito menos cria fato gerador novo.

1.3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA TRIBUTÁRIA

O conceito do princípio da isonomia, também denominado princípio da igualdade tributária, encontra seu conceito na definição de Humberto Ávila, que diz que “a igualdade é uma relação entre dois ou mais sujeitos em razão de um critério que serve a uma finalidade”. (ÁVILA ,2007, p.123)     

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Ciente da importância do princípio da igualdade, o mesmo veio consagrado em dois momentos na Constituição Federal de 88. No Título dos direitos e garantias fundamentais, no caput de seu artigo 5º, descrevendo que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza;

Na seção II das limitações ao poder de tributar, assim estatui o art. 150:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; 8

Pode-se perceber que o princípio da igualdade teve um papel de destaque pelo constituinte originário, não só na igualdade de Estado de Direito, mas também no

princípio da igualdade de democracia econômica e mais social.

Pode-se perceber que o princípio da igualdade teve um papel de destaque peloconstituinte originário, não só na igualdade de Estado de Direito, mas também no princípio da igualdade de democracia econômica e mais social.

A função da igualdade não está em possuir um sistema rígido de classificação ao aplicar a igualdade, ou seja, não é uma igualdade formal, mas sim uma igualdade material, proibindo tratamento discriminatório.

A igualdade entre os contribuintes deve prevalecer, não podendo existir distinção em razão da profissão ou função e esse é o entendimento do STF - Supremo Tribunal Federal, quando publicou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4276/MT, em 18/09/2014, relatado pelo Ministro Luiz Fux, abaixo transcrito:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO INTERESTADUAL (CF, ART. 155, § 2º, XII, ‘g’). DESCUMPRIMENTO. RISCO DE DESEQUILÍBRIO DO PACTO FEDERATIVO. GUERRA FISCAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. CONCESSÃO DE ISENÇÃO À OPERAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEIS POR OFICIAIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA (CF, ART. 150, II). DISTINÇÃO DE TRATAMENTO EM RAZÃO DE FUNÇÃO SEM QUALQUER BASE RAZOÁVEL A JUSTIFICAR O DISCRIMEN. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional.

 2. In casu, padece de inconstitucionalidade formal a Lei Complementar nº 358/09 do Estado do Mato Grosso, porquanto concessiva de isenção fiscal, no que concerne ao ICMS, para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais sem o necessário amparo em convênio interestadual, caracterizando hipótese típica de guerra fiscal em desarmonia com a Constituição Federal de 1988.

3. A isonomia tributária (CF, art. 150, II) torna inválidas as distinções entre contribuintes “em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”, máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício da categoria dos oficiais de justiça estaduais.

 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, sob a Presidência do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por maioria de votos e nos termos do voto do Relator, em julgar procedente a ação direta, vencido o Ministro Marco Aurélio. Brasília, 20 de agosto de 2014. Ministro LUIZ FUX – Relator Documento assinado digitalmente

A CF veda o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, assim em matéria tributária o princípio da isonomia significa igualdade no sentido jurídico, excluindo qualquer vantagem ou privilégios entre os contribuintes e buscando colocar em prática a justiça fiscal pautada na capacidade contributiva.

Esse também é o posicionamento de Sacha Calmon, ao estabelecer que “o princípio da isonomia impõe ao legislador atenção à capacidade contributiva dos contribuintes” (COÊLHO, 1997, p.318) para que haja a discriminação adequada entre os desiguais e para que não haja a diferenciação entre os iguais, devendo, sim, receber o mesmo tratamento.

Assim se verifica que o princípio da capacidade contributiva e o princípio da isonomia tributária se completam. Os dois princípios são normas de preceitos fundamentais para a estrutura constitucional tributária e que não podem ser interpretados separadamente.

O princípio da igualdade tributária visa garantir uma tributação justa para todos, todavia poderá existir tratamento desigual à medida que houver justificação razoável para seu uso.

Assim a igualdade não pode ser imposta a todos, e de maneira natural sem que seja analisada cenários fáticos, ou seja, não pode haver exigência de que todos devam ser tratados rigorosamente da mesma maneira ou que todos devam ser iguais em todos os pontos.

O autor Humberto Ávila argumenta que:

A aplicação da igualdade depende dos seguintes elementos: duas ou mais pessoas ou situações; saber qual medida será empregada na comparação entre as pessoas ou situações e qual fim comparativo será utilizado na comparação (finalidade). (ÁVILA, 2004, p. 356)

A igualdade só poderá ser aferida quando tiver em vista um objeto determinada, assim poderá ser feita a diferenciação.E um dos fundamentos para essa diferenciação nesse tratamento será quando os contribuintes se encontrarem em condições economicamente diferentes.

No direito tributário pode sim, através da aplicabilidade do princípio da igualdade, ser permitido tratar desigualmente os desiguais, sem ofensa ao princípio da isonomia, entre esses casos podemos denominar o princípio da capacidade contributiva, as alíquotas diferenciadas de diversos impostos como o imposto sobre produtos industrializados, imposto sobre a propriedade territorial rural, imposto predial e territorial urbano, e o imposto sobre a propriedade de veículos automotores.

Havendo assim a necessidade de serem analisadas as condições econômicas, ou melhor, a capacidade contributiva dos contribuintes para que haja a segregação apropriada entre os desiguais e para que não haja a diferenciação entre os iguais, devendo sim, receber o mesmo tratamento.


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