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Novas regras para acesso ao benefício de prestação continuada

11/01/2017 às 11:52
Leia nesta página:

Será preciso que o beneficiário do BPC esteja inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e mantenha seus dados atualizados, já que serão utilizados para composição do grupo familiar.

A Constituição Federal estabeleceu, em seu art. 203, que aqueles que precisam da proteção do Estado poderão receber, independente de contribuição à seguridade social, salário mínimo mensal. Veja:

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. [1]

Para regulamentar esse benefício, foi editada a Lei Federal nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Essa Lei segue a Constituição Federal e determina, em seu art. 20 que, “o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família”. [2] Note que a redação da Lei não inovou muito, visou apenas registrar novamente que o valor do benefício será de um salário mínimo.

Esse benefício não é vitalício nem transferível. O seu intuito é diminuir a pobreza e garantir a proteção social por meio de instrumentos que atendam às contingências financeiras daqueles que não possuem recursos.

Nesse mesmo sentido é o Decreto Federal nº 6.214/2007. Este também determina que o benefício será no valor de um salário mínimo, porém descreve as responsabilidades relativas à operacionalização do benefício pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, bem como trata sobre a habilitação e a concessão do benefício.

Ainda de acordo com o Decreto, o idoso que faz jus ao benefício é aquele com sessenta e cinco anos ou mais. Já a pessoa com deficiência é, segundo o inc. II do art. 4º: “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. [3]

Assim, os interessados em receber o benefício devem comprovar que são incapazes de prover a manutenção da pessoa com necessidades especiais ou a idosa que participem de família e que tenha a renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo, a teor do §3º do art. 20 da Lei Federal nº 8.742/1993.

A respeito desse valor, o Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF já afirmou que se trata de critério defasado no que se refere à caracterização da miserabilidade. Assim, declarou incidentalmente a inconstitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei Federal nº 8.742/1993, por meio dos Recursos Extraordinários nos 567985/MT e 580963/PR:

Dessa forma, o STF decidiu pela inconstitucionalidade do texto, de modo a permitir que não haja vinculação ao critério de renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo, porém não afastou a necessidade de demonstração de miserabilidade do núcleo familiar para que seja concedido o Benefício de Prestação Continuada — BPC.

Esclarecidas essas premissas, destaca-se que o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário estabeleceu novas regras e procedimentos para o requerimento, a concessão, a manutenção e a revisão do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social [4], por meio da Portaria Conjunta nº 01, de 03 de janeiro de 2017.

A Portaria inicia estabelecendo as etapas de operacionalização do Benefício e as divide em: requerimento; concessão; manutenção; e revisão. Assim, para receber o BPC, será preciso que a pessoa esteja inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e mantenha esses dados atualizados, já que serão utilizados para composição do grupo familiar. O idoso ou a pessoa com deficiência não precisa ser interditado judicialmente para que seja concedido o Benefício.

Ponto importante da norma é a que trata sobre denúncia. Caso haja a constatação de irregularidades, poderão ser feitas denúncias por qualquer pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, especialmente pelos Conselhos de Direitos, Conselhos de Assistência Social e organizações representativas de pessoas idosas e de pessoas com deficiência, em homenagem aos princípios do controle social e da transparência.

Nesse sentido, o INSS será responsável por apurar as denúncias e aplicar os procedimentos cabíveis. Se ocorrer restrição ao usufruto do Benefício, mediante a retenção do cartão magnético, o Ministério Público Federal deverá receber os documentos que tratam sobre a denúncia que originou essa situação para adotar as providências cabíveis. Repisa-se que a Portaria divulgada neste início de ano não alterou o valor concedido — de um salário mínimo. Até porque não poderia uma portaria, segundo a hierarquia das normas, criar ou extinguir direitos.

Ainda sobre o BPC, de acordo com informações do jornal O Globo [5], esse benefício soma gastos de mais de R$ 39 bilhões. Entre os anos de 2002 e 2014, o programa teve um grande crescimento: os gastos saltaram de R$ 7,5 bilhões para R$ 39,6 bilhões. O número de beneficiários também vem crescendo exponencialmente, o que se constata pelo aumento de gastos.

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Ademais, há disputas judiciais intensas de interessados em usufruir do Benefício. Como exemplo, cita-se o Processo nº 0061972-68.2011.401.9199/PI, analisado pela 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no qual foi negado pedido de pagamento do Benefício para pessoa que morava com os pais. De acordo com o processo, a mãe da autora do pedido era professora estadual aposentada e seu pai proprietário de serraria, além disso, possuía irmãos com renda mensal fixa. O relator do processo, então, entendeu que a autora não se enquadrava na condição de miserabilidade prevista na legislação.

O alto valor gasto com o BPC gera discussões sobre a efetividade do benefício no que se refere à redução da pobreza, da desigualdade e ao alcance das finalidades sociais. É de conhecimento notório que a Previdência Social precisa de uma reforma urgente, devido ao seu custo crescente. Para tanto, é preciso repensar a fórmula dos programas assistenciais.

Não se pode esquecer, também, que o país está passando por um processo em que as contas públicas estão desequilibradas e precisam de um ajuste fiscal urgente para conter dispêndios desnecessários. A situação financeira apertada não pertence somente a União e já se disseminou entre vários entes da federação, o que demonstra que é preciso uma atuação forte para diminuir o desemprego, equilibrar as contas, repensar as condições e programas para assistência social de longo prazo e criar uma política econômica focada no equilíbrio das contas.

Ressalta-se que, como o valor concedido pelo BPC está atrelado ao salário-mínimo, ano a ano o aumento impacta na renda daqueles que o recebem. O Governo Federal tem demonstrado que quer desatrelar o benefício do salário-mínimo. Para tanto, conforme divulgado pela Folha de S. Paulo, planeja enviar ao Congresso projeto de reforma da Previdência, que visa, entre outros aspectos, modificar as regras de concessão do Benefício [6].

A pretensão do Governo federal é modificar o critério de renda per capita estabelecido no §3º do art. 20 da Lei Federal nº 8.742/1993 e que foi declarado inconstitucional pelo STF. Assim, almeja-se aumentar o critério, considerar condição de habitação e incluir indicador socioeconômico na avaliação.

Ainda de acordo com matéria publicada na Folha de S. Paulo, o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim, defende que o beneficio deveria ter um valor equivalente à metade do salário-mínimo. Se for mesmo essa a proposta, será preciso antes modificar a Constituição Federal, que estabelece expressamente que o idoso ou a pessoa com deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção tem direito a um salário-mínimo.

Por fim, não se pode confundir o valor do benefício de um salário mínimo com o critério para recebimento previsto na legislação de um quarto da renda per capita.


Notas

1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988.

2 BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 dez. 1993.

3 BRASIL. Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. Regulamenta o benefício de prestação continuada da assistência social devido à pessoa com deficiência e ao idoso de que trata a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, acresce parágrafo ao art. 162 do Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 set. 2007.

4 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E AGRÁRIO et al. Portaria Conjunta nº 01, de 03 de janeiro de 2017. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 jan. 2017. Seção 1, p. 64-67.

5 BECK, Martha. Gasto com benefício para idosos e deficientes soma R$ 39 bilhões. O Globo. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/negocios/gasto-com-beneficio-para-idosos-deficientes-soma-39-bilhoes-19383417>. Acesso em: 04 jan. 2017.

6 ALEGRETTI, Laís. Benefício para idosos pobres e pessoas com deficiência pode ter nova regra. Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/01/1846792-beneficio-assistencialbrpode-ter-nova-regra.shtml>. Acesso em: 04 jan. 2017.

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Sobre a autora
Ludimila Reis

Advogada, bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. Pós-graduanda em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, autora de diversos artigos sobre licitações e contratos e Lei Anticorrupção. Participou dos cursos Processo no Tribunal de Contas da União: Base e Sistematização realizado pela Escola Superior de Advocacia/Distrito Federal, Contratação de Treinamento e Desenvolvimento, Gestão e Fiscalização de Contratos Administrativos – melhores práticas, realizado pela Elo Consultoria Empresarial e Produção de Eventos. Participou também do 14º Fórum Brasileiro de Contratação e Gestão Pública promovido pela Editora Fórum, Seminário de Contabilidade Pública – novas regras do orçamento público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Ludimila. Novas regras para acesso ao benefício de prestação continuada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4942, 11 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54956. Acesso em: 2 nov. 2024.

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