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Estado de Direito Político

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26/07/2004 às 00:00
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4. Política e Direito

Ao contrário do que possam parecer, essas alegações não nos desviariam do nosso curso e que deve ser a busca da verdade e da justiça, pois reconhecer as implicações da análise realista sobre a realidade é exatamente ajustar o curso da nave. E também por isso seria imprescindível reinventarmos hoje ao menos a vontade, o espírito que orientou este Estado de Direito Constituinte Originário. Pois, o único remédio jurídico que pode conter, revirar ou ajustar o poder político corresponde às medidas que provenham da ou na direção da soberania popular, da vontade (aí sim) da maioria. É quase como reinventar o pacto ou contrato constitucional que deu origem aos direitos e às garantias políticas que temos em vigor hoje (como o de controlar os poderes). É como reinventar, revitalizar a política para revigorar a lei hoje combalida, quase inerte, prestes a espirar.

No artigo, vimos que há uma crescente politização do Estado de Direito – ao menos desde que os direitos políticos foram recepcionados pelo ordenamento jurídico, especialmente no âmbito constitucional. Mas hoje, com a crescente judicialização da política (decorrente da jurisdicização), é como se o Estado de Direito estivesse privilegiando o direito político, assim como sua matriz teórica (no século XIX) privilegiava sobremaneira os direitos individuais – e mais sensivelmente o direito à propriedade privada.

O Estado de Direito, portanto, não pode ser tomado como um valor universal, dotado de um significado que lhe bastasse em si mesmo. Pois, em sentido contrário, o conceito jurídico necessita de complementos valorativos, adjetivos expressivos e, no caso do artigo, tomamos a política (Estado de Direito Político) como realidade e não só como apelido que lhe empresta algum pequeno sentido adicional.

Também vimos que, com o processo de judicialização, a política adquiriu novas regras e nova lógica – observando-se nesta fase que a política desembarcou nos meandros e faz uso dos meios e dos mecanismos do mundo jurídico estrito senso. Isto porque a política passou a fazer parte desse mundo jurídico, outros diriam que colonizando o Direito. Na verdade, "a Política fez-se Direito", a Política entranhou-se no Direito e engravidou-o de intenções, vocações, interesses e negócios nem sempre racionais, controlados, objetivos ou imparciais. Essa atividade migratória da política levou o Direito a relacionar sentidos controversos, como: indefinição, incerteza, idiossincrasias. Como sintetiza Calmon de Passos: "seria ingenuidade ou desinformação negar a crescente politização do jurídico e juridicização do político, fruto de um peculiar estado de coisas maximizado no segundo pós-guerra" (2000, p. 91).

E isso se dá dessa forma porque Direito é Poder, como binômios que são equivalentes, pontas alternadas da mesma inclinação social e política predominante em dado período histórico. De modo simples, Direito é Poder porque sempre se trata de uma decisão ou interferência no curso regular das coisas – o Direito é o poder de interferir. Como diz Calmon de Passos (2000):

O Direito, enquanto apenas enunciado, norma geral, juízo é de todo impotente e sua realização só se dá em termos de decisão no caso concreto, que reclama para sua fidelidade ao previamente enunciado, adequada integração entre enunciação/organização/processo/procedimento, com submissão dos envolvidos, no seu operar, aos postulados básicos do Estado de Direito Democrático (...) Nenhum de nós tem dúvida de que o Direito é indissociável do poder. Direito é decisão, mas decisão que necessariamente deve revestir-se de impositividade. Apto para dizer o Direito é o poder institucionalizado. Este dizer o Direito pelo poder político é algo, portanto, que integra o próprio "ser" do Direito (...) O perfil da organização política deixa de ser algo indiferente ou estranho ao ser do Direito, passando a integrá-lo e afeiçoá-lo (p. 80).

Um fenômeno que também nos permite perceber e analisar como esse efeito dúbio transparece no estudo do Direito. Afinal, o Direito é parte integrante e fundamental do processo civilizatório ou é mero mecanismo de dominação de classe?

Pois bem, do que já vimos, é possível perceber que, tal qual a Política, o Direito oscila como pêndulo diante dos valores: virtú ou fortú? Diante dos casos concretos, vendo de perto ou de longe, é assim que entenderemos melhor porque Direito é sinônimo de poder.


5. Visibilidade do Tema – a própria história do artigo

O artigo nasceu da minha necessidade de participar de um seminário de pesquisa 11, em que se tinha como objeto de pesquisa o tema do "controle externo do Judiciário, como fator preponderante de exercício do controle interno": o que, em tese, evitaria ou pelo menos inibiria os arroubos do poder (demonstrado pelos piores juízes). Em outro contexto, caracterizava-se esse processo de apequenamento do servidor público de síndrome do pequeno poder (se bem que o juiz não tem um pequeno poder).

Depois da leitura do trabalho, e antes da sua apresentação, fiquei impressionado pelo tema e pus-me a (re)ler alguns textos e anotar/descrever minhas posições e interpretações. Ao final de dois dias, mas antes ainda da apresentação, havia produzido a base estrutural do artigo – esse esforço valeu como suporte de minhas próprias argüições no seminário, na posição de orientador. No sumário final dos capítulos, que deverão ser produzidos, chegamos à seguinte visualização dessa politização do Poder Judiciário:

1º Capítulo: resgata a tese clássica de que a divisão do poder é o melhor meio de controle do poder. Subdivido, ficaria assim: 1. Locke e o Poder Judiciário como apêndice do Legislativo; 2. Montesquieu e a divisão dos poderes; 3. O Federalista e o embrião da Federação; 4. O sistema de freios e contrapesos.

2º Capítulo: Analisando-se a história e a estrutura do Judiciário no Brasil, chega-se à conclusão da necessidade de haver controle externo. Basicamente, corresponderia a: 1. História do Poder Judiciário no Brasil; 2. Estrutura do Poder Judiciário no Brasil; 3. Controle externo do Poder Judiciário; 4. Controle interno do Poder Judiciário.

3º Capítulo: A falta de qualquer controle sobre o poder, neste caso, do Poder Judiciário, pode resultar em delírio e corrupção. Pronto, ficaria assim: 1. Os arroubos do poder; 2. As demonstrações de poder dos juízes; 3. Casos concretos que caricaturam essa ausência total de controle do abuso de poder.

A idéia geral a prevalecer e a nortear a conclusão da dissertação de mestrado, ao que me parece, segue a mesma linha da notável visão de que "se o poder corrompe, o poder absoluto (sem controle externo e interno), corrompe absolutamente". O que ainda demonstra que hoje é imprescindível que haja abertura, transparência e correição de todo e qualquer ato administrativo, especialmente os provindos do Judiciário – uma vez que ainda é entendido como defensor do povo. Por fim, é evidente que esta estrutura dos capítulos não teria sido construída sem a formação da banca e sem a presença e a participação sempre brilhante dos professores: Oswaldo Giacoia Jr. e Ednilson Donisete Machado. Todo e qualquer mérito, portanto, tem que ser compartilhado.


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Notas

1 Mas é um claro herdeiro do Bill of Rights, do século XVII.

2 A Constituição Americana não deixa de expressar esse novo contratualismo: elaboração jurídica e política do Estado, da Federação e da União efetiva na ação direta/diretiva do colono americano.

3 A idéia de geração de direitos é tomada aqui como sendo o momento em que, da criação do próprio direito (demanda social/promulgação ou não) até a verificação de alguma impactação mínima dessa nova reserva jurídica, há um ganho sensível/significativo de qualidade nas relações jurídicas e políticas envolvendo os agentes sociais relacionados/enlaçados pelo novo corpo jurídico – sem esta alteração qualitativa não haveria mudança jurídica, social, política que demarcasse o terreno da própria luta jurídica.

4 Este foi, exatamente, o objeto de nossa tese de doutorado (Martinez, 2001).

5 Frisamos, ainda, que este período selecionado coincide com a formação/institucionalização do Estado Constitucional (séc. XVIII) – de certo modo, o precursor do próprio Estado de Direito (séc. XIX).

6 Ainda com Teixeira vê-se que: "Tribunais e juízes fazem ou ampliam sua participação no processo decisório referente à formulação e/ou implementação de políticas públicas". Teixeira denomina de decision-making esse processo político-jurídico em que surge a figura ímpar do juiz-administrador: o juiz que interfere cada vez mais na condução da Administração Pública (2001, p. 43).

7 É óbvio, mas é preciso frisar que o Poder Judiciário é parte do poder político que organiza o Estado-nação (onde há separação dos poderes), e que sendo poder faz-se por meio da ação política. Não é óbvio perguntar: sendo um poder, como pode o Judiciário ser neutro, imparcial?

8 Se bem que, neste caso, já dispomos do Mandado de Segurança Coletiva.

9 É de outra ordem e natureza, mas a idéia de que a judicatura é parte de uma missão gloriosa ou glorificada (característica que também já foi atribuída aos professores), aos poucos, vem sendo substituída pela consciência de que o juiz é um servidor público e, assim, um trabalhador. Essa situação, creio, traz inclusive o germe de uma consciência de classe e ultrapassa a consciência corporativa.

10 Para muitos, o erro involuntário ainda pode vir seguido de uma apelação em causa da virtude ou da virtualidade: "não queria, mas aconteceu". O mal menor corresponde apenas ao fato óbvio de que não houve intenção, isto é, na ausência da intenção, o autor tenta minimizar a extensao danosa de seus próprios atos e erros ou descuidos e despreparo. E isto não é imperícia?

11 Da professora e advogada Ana Cristina Tavares Finotti. O trabalho foi apresentado no Mestrado em Direito do UNIVEM/Fundação, no dia 27 de maio deste ano. Chamo a atenção para esse fato, porque julgo que ele corrobora as teses centrais do artigo.

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Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado de Direito Político. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 390, 26 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5496. Acesso em: 22 nov. 2024.

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