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Estudo sobre a Reforma da Previdência.

Emenda Constitucional nº 41/2003

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30/07/2004 às 00:00
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18 - INCONSTITUCIONALIDADES

Com o julgamento das ADINs 926-5 e 939-7, restaram superadas quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de as emendas constitucionais sujeitarem-se ao controle de constitucionalidade. É inolvidável, a EC nº 41/2003 também deve passar por esse crivo, a fim de perquirir eventual colidência com o disposto no art. 60, § 4º da Constituição da República (núcleo constitucional intangível).

A finalidade precípua deste trabalho não é analisar os aspectos inconstitucionais da Emenda em comento, mas sim explicitar os efeitos decorrentes das suas normas exatamente como aprovadas no Congresso Nacional. Todavia, a título de informação, far-se-á pequena incursão acerca de pontos conflitantes com a Carta Política de 1988.

A Emenda Constitucional nº 41/2003 rompe com uma série de princípios até então respeitados pelo Poder constituinte derivado. Realmente, a presente Emenda olvida os princípios do ato jurídico perfeito, direito adquirido e irredutibilidade de vencimentos.

Bem por isso, a quase-unanimidade dos doutrinadores são veementes em acenar para a inconstitucionalidade de vários dispositivos da EC nº 41/03. Sob esse prisma, eis os principais itens a serem considerados:

18.1) REGRA DE TRANSIÇÃO

No tópico 13, fiz menção à estupidez da regra de transição prevista nesta Emenda, porque sequer houve possibilidade de levar a cabo as normas transitórias insertas na EC nº 20/98. Estas não chegaram a produzir seus efeitos, ou seja, não se completou o ciclo de transição, pois a maioria da atualidade dos servidores públicos estavam sob os efeitos jurídicos daquela Emenda. Com violência, sobreveio a EC nº 41/03 e alterou profundamente os direitos daqueles que estavam passando de um regime jurídico para outro.

Em Parecer elaborado pelo renomado constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA, a pedido da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB e Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, fica clara a inconstitucionalidade da alteração das regras de transição durante a transição.

Segundo o ilustre doutrinador, o direito adquirido não precisa ser ressalvado pelas leis novas ou emendas constitucionais para prevalecer, pois sua irretocabilidade decorre da regra constante do art. 5º, XXXVI. Portanto, há prevalência do direito adquirido, haja ou não ressalva a seu respeito.

De outro vértice, a lei nova, incluindo emendas constitucionais, podem ressalvar direitos que ainda não tenham sido adquiridos, vale dizer, proteger situações jurídicas subjetivas de vantagem que sequer tenham alcançado a configuração de direito subjetivo. Nesse caso, obtempera JOSÉ AFONSO DA SILVA, a ressalva de direito gera, em favor de seus titulares, um direito adquirido, porque a expectativa do direito integra o patrimônio de todos aqueles que se encontrem nas condições configuradas na regra de ressalva.

Como a EC nº 20/98 ressalvou expressamente os direitos ainda por serem adquiridos, já que estabeleceu regra de transição para aqueles que se encontravam no serviço público à época da sua promulgação, esta ressalva acabou por gerar direito adquirido à aposentadoria nos termos das normas transitórias da EC nº 20/98 – aposentar-se com idade mínima de 53 anos e 35 de contribuição, se homem, e 48 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher.

É, pois, inconstitucional o art. 2º, § 1º da Emenda nº 41/03, em relação aos servidores que ingressaram no serviço público até a promulgação da EC nº 20/98, por ferir o princípio constitucional do direito adquirido.

Não sendo esse o raciocínio, nova emenda constitucional pode vir e agravar mais e mais a transição ou, simplesmente, eliminá-la por completo. Aí, adverte o estudioso acima mencionado, "estar-se-á diante de uma verdadeira fraude constitucional, numa brincadeira de dar e retirar incessantemente, ao sabor dos detentores do Poder. Normas constitucionais, mesmo provenientes de Emendas à Constituição, não podem ser manobradas assim como um boneco de cera, ao sabor dos donos do Poder, em prejuízo de direitos constituídos".

18.2) TAXAÇÃO DOS INATIVOS

18.2.1) IMPOSTO SEM CAUSA

Consoante entendimento jurisprudencial e até do Supremo Tribunal Federal (RE 146.733/SP, Relator Min. Moreira Alves), a contribuição previdenciária tem natureza de tributo. Há, consenso a esse respeito, qual seja, a natureza tributária da contribuição previdenciária.

Embora intrigante, para os fins da tese em esboço, não se faz necessário enquadrar o tributo em um dos elencados no art. 145 da Constituição Federal. Importante para o entendimento da questão é saber que essa contribuição tem natureza tributária.

Entre outras classificações, os tributos se dividem em causais e não-causais, tendo em vista a finalidade de seu destino. Os impostos, por exemplo, não se prestam à retribuição específica e direta ao contribuinte. Tem caráter genérico, podendo o seu resultado socorrer as mais diversas necessidades do Estado. Conforme se infere do art. 16 do Código Tributário Nacional, imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.

Corolário dessa assertiva é que sendo a contribuição previdenciária uma espécie de tributo de natureza causal, a tributação dos inativos acaba por não ter causa, conforme verbera JOSÉ AFONSO DA SILVA no parecer citado. Sim, pois a contribuição à previdência tem o fim específico de alimentar um fundo, o fundo da seguridade social, vinculado a satisfazer as prestações previdenciárias. Por isso, sua arrecadação compulsória por si não é suficiente para legitimá-la, porque é ainda necessário que os recursos delas provenientes sejam destinados a satisfazer as prestações da seguridade social, porquanto só para tal destino a Constituição Federal fundamenta sua cobrança, e precisamente daí, também, é que se verifica o direito subjetivo do trabalhador às prestações, sempre que ocorrerem os pressupostos que justifiquem receber a vantagem previdenciária.

Se assim é, a contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria caracteriza-se como um tributo sem causa, sendo por essa razão ilegítima, porque as contribuições da seguridade social, como as previdenciárias, são formas tributárias necessariamente causais. Isto significa que sua razão de ser, sua fundamentação constitucional, assenta na causa em função da qual são instituídas, ou seja, tais contribuições têm sua justificação apenas na medida em que atendam a causa em razão da qual são criadas.

Segundo o princípio geral inserto no art. 40, § 1º da Constituição Federal, as contribuições previdenciárias só são legítimas enquanto sejam causais, enquanto vinculadas a uma contraprestação futura. Ora, se tais benefícios já se incorporaram no patrimônio do segurado, não haverá mais por que pagar algo, até porque isso já foi feito, precisamente para a aquisição dos benefícios de que se está gozando.

Em face da causalidade desse tributo, cujos tentáculos estão fincados na Constituição, o empréstimo de natureza não-causal às contribuições previdenciárias, conflita com a Carta Magna. Trata-se de exceção não contemplada pela Constituição Federal, afrontando por completo a natureza causal dessas contribuições.

18.2.2) DIREITO ADQUIRIDO

Mas não é só. A contribuição previdenciária de servidor aposentado também ofende os princípios constitucionais do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da irredutibilidade de vencimento. Há, pois, nesse particular, ofensa explícita ao disposto no art. 5º, XXXVI, 37, XV e 95, III da Carta Magna.

O direito adquirido pode ser visto como blindagem de determinado direito que segue e seguirá sempre envolucrado pela lei do tempo de sua constituição, de forma que estará, a qualquer época, protegido por aquela mesma lei vigente no momento de sua constituição imune, pois, a futuras alterações prejudiciais. Esse princípio constitucional permite um mínimo de segurança nas relações jurídicas, não estando estas ao sabor do Poder legiferante.

Pois bem, no ato em que o servidor obtém a aposentadoria e os respectivos proventos, respeitadas todas as normas legais e constitucionais da época, esse direito (o de aposentação com proventos integrais, sem taxação) passa a integrar seu patrimônio jurídico, não podendo, a partir daí, sofrer qualquer redução.

18.2.3) ATO JURÍDICO PERFEITO

Evidentemente, as aposentadorias uma vez deferidas, também se constituem em atos jurídicos perfeitos, a teor do estatuído no art. 6º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei nº 4.657/42). Não pode lei (ou emenda constitucional) posterior infirmá-lo, alterar esse ato jurídico, sob pena de ofensa ao art. 5º, XXXVI da Constituição Federal.

Deveras, no momento em que aperfeiçoados os requisitos para a aposentadoria, encerra-se qualquer possibilidade de alteração desses mesmos requisitos. Sela-se com o ato jurídico perfeito.

18.2.4) IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS

O art. 37, XV, da Constituição da República estabelece irredutibilidade de vencimento para os ocupantes de cargos e empregos públicos. Quanto aos magistrados, há norma específica inserta no art. 95, III, da Constituição.

Raciocínio idêntico se faz em relação aos proventos de aposentadoria, seja porque tem função alimentar, permitindo ao servidor aposentado manter o mesmo padrão da ativa, seja porque o art. 40, § 3º da Carta Política preconiza, sob outra forma redacional, a irredutibilidade dos proventos.

Ora, na medida em que se estabelece contribuição compulsória aos inativos, estes, por via oblíqua, acabam tendo redução em seus proventos, motivo pelo qual se invoca a garantia da irredutibilidade de vencimentos e proventos de aposentadoria.

18.3 - DO ABATE-TETO

Como ventilado alhures, a EC nº 41 estabeleceu um teto para servidores federais e subteto para os estaduais, como limite máximo a ser percebido por agente público de cada esfera de governo. Segundo o dispositivo constitucional pertinente (inciso X, do art. 37, com redação dada pela EC 41), a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento de subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos procuradores e aos Defensores Públicos.

Esse preceito constitucional, por si, não ofende nenhuma cláusula pétrea. No entanto, o constituinte derivado inseriu o art. 9º na EC nº 41, que manda aplicar o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, por sua vez, proíbe a invocação do direito adquirido quanto ao excesso em relação aos limites fixados na Constituição.

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O problema não está na repristinação do art. 17 do ADCT, eis que emenda constitucional pode fazê-lo, mas sim na ofensa aos princípios constitucionais do direito adquirido e irredutibilidade de remuneração.

Efetivamente, a EC nº 41/2003, art. 9º determina que qualquer valor excedente ao teto ou sbteto, conforme se trate de servidor federal ou estadual/distrital/municipal, será cortado automaticamente. A indagação é se emenda constitucional pode reduzir vencimentos ou proventos?

A resposta é negativa. Primeiro, por ter se incorporado ao patrimônio jurídico do servidor o direito (adquirido) de perceber o valor da remuneração em consonância com o ordenamento jurídico à época da promulgação da Emenda. Qualquer alteração desse quantum para menor, atenta contra a garantia constitucional do direito adquirido encravada no art. 5º, XXXVI da Constituição da República, que integra o núcleo constitucional imutável, conforme se dessume do art. 60, § 4º, IV, portanto, sem possibilidade de ser afetada por emenda constitucional.

Ademais, há indiscutível violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos. À evidência, o abate-teto, ou seja, o corte no limite do teto ou subteto, implica em redução dos vencimentos legal e constitucionalmente percebidos até então.

Conquanto a irredutibilidade de vencimentos não esteja elencada expressamente entre o direitos e garantias individuais, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento recente (RE nº 298.694 in http:/www.conjur.uol.com.br) entendeu tratar-se o princípio da irredutibilidade de vencimento uma forma qualificada de direito adquirido. Em conseqüência dessa posição da Corte Suprema, passa a irredutibilidade de vencimento a integrar as cláusulas pétreas, insusceptível de alteração por meio de emenda constitucional (art. 60, § 4º).

Além de esbarrar no direito adquirido (CF, art. 5º, XXXVI), a redutibilidade de subsídio ou remuneração encontra óbice em diversas normas constitucionais: arts. 7º, VI; 37, XVI, 42, § 1º c/ 142, § 3º, VIII; 95, III; 128, § 5º, I, c, e 142, § 3º, VIII.


19 – OBSERVAÇÕES FINAIS

A Reforma da Previdência que se iniciou com a Emenda Constitucional nº 20/98 e se consolidou na EC nº 41/2003, trata-se, em verdade de, de medida desacertada e com o intuito nítido de desmontar o Estado, de desestruturar as carreiras típicas de Estado e facilitar o ingresso de investimentos estrangeiros. Não visa, portanto, resolver suposto problema da balança orçamentária da Previdência.

Há sérias controvérsias sobre a situação deficitária da Previdência Social. No ano de 1997, por exemplo, a seguridade social apresentou saldo positivo de R$ 6,928 bilhões. Idêntica situação foi constatada no ano de 2001, com saldo positivo de R$ 31,464 bilhões, e o ano de 2002, no qual o superávit foi de R$ 36,308 bilhões, segundo dados da ANFIP – Associação Nacional dos Fiscais da Previdência. Ocorre que tais valores não foram, obviamente, aplicados no sistema de seguridade e sim utilizados na composição do orçamento fiscal para promover o superávit primário.

O governo explica o déficit à sociedade, partindo de uma premissa equivocada. No seu cálculo, estão incluídos os benefícios de natureza assistencial (LOAS) e outros benefícios sem a correspondente receita, como o pagamento de aposentadoria de 7 milhões de trabalhadores rurais. O rombo dessas despesas chega a mais de R$ 16 bilhões.

Afora isso e com a intenção de mascarar ainda mais os números debita-se à Previdência despesas com assistência social, benefícios previdenciários urbanos e rurais, renda mensal vitalícia etc, deixando, por outro lado, de computar como receita as provenientes da Cofins, CPMF e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Para justificar à sociedade o déficit da Previdência, a matemática apresentada pelo Governo é a seguinte: somam-se todas as despesas, incluindo as que não têm cunho propriamente previdenciário, mas considera-se receita tão-somente a contribuição líquida dos participantes.

Com essa metodologia tendenciosa, o governo manipula os números e passa à população a idéia de completa falência da Previdência Social, o que não é verdade. Tivesse havido transparência nas informações, a Emenda Constitucional nº 41 não teria sido aprovada com normas tão malévolas aos servidores públicos. Certamente, em médio prazo a sociedade vai se dar conta do erro cometido pelo Congresso Nacional em efetuar verdadeiro desmonte do Estado, desestimulando completamente o serviço público no Brasil.

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Sobre o autor
Éder Jorge

Juiz de Direito no Estado de Goiás. Professor-tutor da ENFAM.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORGE, Éder. Estudo sobre a Reforma da Previdência.: Emenda Constitucional nº 41/2003. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 388, 30 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5508. Acesso em: 22 dez. 2024.

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