Novo projeto de lei sobre terceirização: flexibilização das normas trabalhistas?

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Discute o novo projeto de lei 30/2015 que trata da terceirização, a luz do conceito de flexibilização das leis trabalhistas, atrelado ao princípio da proteção no direito trabalho.

Abstract:

Discusses the new bill 30/2015 which deals with outsourcing , the light of the concept of flexibility of labor laws , linked to the principle of protecting the right job. As a product of modernity in the management of companies, outsourcing provides the downsizing of organizations , decreased cost and increased productivity , however, from the employee's point of view, the model contributes wage devaluation, weakening of union representation and journey increase work. To this end it uses to literature and contribution of the authors Martins (2011 e 2015), Silva et Al (2011), Piccinini (2004) e Antunes & Druck (2013), theorists who have addressed the issue.

Key-words: Outsourcing, Principle of protection, Easing of labor laws.

Resumo

Discute o novo projeto de lei 30/2015 que trata da terceirização, à luz do conceito de flexibilização das leis trabalhistas, atrelado ao princípio da proteção no direito trabalho. Como produto da modernidade na gestão das empresas, a terceirização proporciona o enxugamento das organizações, diminuição do custo e aumento da produtividade, porém, sob o ponto de vista do empregado, o modelo colabora, entre outras perdas, com a desvalorização salarial, enfraquecimento da representação sindical e aumento de jornada de trabalho. Para tal, recorre-se a pesquisa bibliográfica e contribuição dos autores Martins (2011 e 2015), Silva et Al (2011), Piccinini (2004) e Antunes & Druck (2013), teóricos que se debruçam sobre o tema.

Palaras-chaves: Terceirização, Princípio da proteção, Flexibilização das leis trabalhistas.

Introdução

Em 2015 voltou a ser discutido o instituto da “terceirização” no congresso nacional, ocorrendo um resgate da regulamentação do instituto, uma vez que os projetos anteriores foram arquivados. O presente trabalho pretende discutir, sob o ponto de vista da flexibilização das leis trabalhistas e sobre a mitigação do princípio da proteção a aplicação desse instituto.

Para tal, nos valemos da pesquisa bibliográfica e colaboração de autores que se debruçam sobre o tema como Sérgio Pinto Martins (2011 e 2015), Silva et Al (2011), Piccinini (2004) e Antunes & Druck (2013 ).

O artigo foi organizado da seguinte forma. Além desta introdução, a seção 2 discute o princípio da proteção, flexibilização e a sua relação com a terceirização. A seção 3 tece comparações de como é regulada a terceirização nos moldes atuais e as consequentes alterações caso o PL 30/2015 seja aprovado. A seção 4 foi reservada às considerações finais.

2_ O princípio da proteção, flexibilização das leis trabalhistas e terceirização

O princípio da proteção, dada a sua consolidação na base de valores que compõem o direito do trabalho, ocupa uma posição de super princípio. O status conferido a esse princípio se justifica quando se leva em conta historicamente, a relação jurídica que se trava/ou nas arenas que envolvem o modelo econômico adotado, caracterizado pelas fortes “distorções” e falhas de mercado, e consequentemente, carente de intervenção estatal. Dessa feita, o Direito do Trabalho surge para limitar os abusos do empregador em explorar o trabalho e para modificar as condições de trabalho (Martins, 2015:9).  

Em razão desse Princípio, decorre a ideia circunstancial de que nessa relação jurídica o homem não se separa do objeto do contrato (trabalho humano), que se estabelecem regras, princípios e valores próprios. Assim, o Direito do Trabalho é o primeiro ramo do Direito Privado[1] a reclamar intervenção pública e o faz em razão da necessidade histórica de proteger o homem, impedindo que ele seja transformado em meio para o atingimento do resultado “lucro” (Silva et al, 2011). Por isso, a relação contratual estabelecida no direito civil em muito se diferencia da relação contratual exercida na seara trabalhista. Naquela, predomina a posição paritária entre as partes, regida pela “autonomia da vontade”[2], nesta, há a intervenção do estado, principalmente para realizar o bem-estar social e melhorar as condições de trabalho. O trabalhador passa a ser protegido jurídica e economicamente (Martins, 2015:7). Sendo que, a legislação trabalhista deve assegurar superioridade jurídica ao empregado em razão de sua inferioridade econômica (Folch apud Martins, 1936:16).

 Se por um lado, temos um sistema de leis trabalhistas, com institutos, que em sua maioria, funcionam em consonância com o princípio da proteção, por outro, este próprio sistema possibilita a ocorrência da chamada “flexibilização das leis trabalhistas”, dando ensejo a uma mitigação do princípio da proteção em situações extremas e pontuais[3].

Entendemos ser a “terceirização” uma espécie de mitigação desse princípio. A terceirização no direito do trabalho “vem a ser um conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho (Martins, 2011), ou seja, o instituto da flexibilização é uma espécie de “normalizador”, com vistas a tornar atualizadas as normas trabalhistas conforme as “variações” dos interesses do capital, quando a equação capital-trabalho está desproporcionalmente desfavorável. É também uma estratégia de poder. Viabilizada pela nova relação de forças entre capital e trabalho, ela aprofunda a desigualdade entre os atores sociais, minando a força do grupo e abalando os alicerces do próprio Direito (Silva et al, 2011: 7)

Obter uma organização flexível, ou seja, susceptível de se adaptar rapidamente às variações do mercado, é o objetivo maior das empresas. O que Boyer (1987) define a flexibilidade como sendo a aptidão de um sistema ou subsistema de reagir às diversas perturbações no meio ambiente, e esta adaptação se reflete, sobretudo, na flexibilização das leis do trabalho (Boyer apud Piccinini, 2004:4).

Explica Piccinini (2004):

As forças que põem em questionamento a forma de conceber e de funcionar as organizações criam uma pressão importante sobre as mesmas, e elas reagem defensivamente buscando adequar o seu modelo organizacional. Para tanto, interferem forças Econômicas, como a globalização das economias e o crescimento da concorrência, que impelem as organizações a utilizar medidas de ajustamento (downsizing, terceirização); - Políticas, como a desregulamentação dos mercados e a precarização das estruturas de controle antes detidas pelo Estado; - Tecnológicas, como as Novas tecnologias da informação e das comunicações; grandes redes comunicacionais, Gestão do Conhecimento; - Sociais, com uma modificação profunda do contrato social que liga a organização a seus trabalhadores (demissões em massa), a precarização do emprego (temporário, contratual, partilhado.), a polivalência funcional. (Piccinini, 2004: 70-71)

Importante remeter aos “primórdios” dos modelos influenciadores da prática de terceirização. Contribui a leitura de Antunes & Druck (2013) de que o capital deflagrou, então, várias transformações no próprio processo produtivo, através da constituição das formas de acumulação flexível, do downsizing[4], das formas de gestão organizacional, do avanço tecnológico, dos modelos alternativos ao binômio taylorismo/fordismo, nos quais se destaca especialmente o “toyotismo” ou o modelo japonês ideário empresarial (Antunes & Druck, 2013:214).

Conforme dito acima, as mudanças sofridas nas estruturas do capital influenciam diretamente as relações jurídicas que se constituem na seara trabalhista, o que justifica a remissão às contribuições do ramo econômico na compreensão do fenômeno da terceirização. As empresas do complexo produtivo toyotista têm uma estrutura horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista. Enquanto na fábrica fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a fábrica toyotista é responsável por somente 25% e a terceirização/subcontratação passa a ser central na estratégia patronal. Essa horizontalização estende-se às subcontratadas, às firmas “terceirizadas”, acarretando a expansão dos métodos e procedimentos para toda a rede de subcontratação (Antunes & Druck, 2013:216). O que se observa é que, essa tendência vem se intensificando ainda mais e nos dias atuais, nos quais a empresa flexível defende e implementa a terceirização não só das atividades-meio, mas também das atividades-fim, é o que prevê, inclusive, o projeto de lei- PL- nº 30/2015, ao resgatar o PL 4330 de 2004, e tramita atualmente no congresso nacional.

Não é incomum o discurso favorável a flexibilização ligado ao fator desemprego. O argumento é que se o contrato de trabalho for flexibilizado, e o Estado deixar de intervir com normas tão rigorosas nas relações de emprego, consequentemente mais postos de trabalho serão criados. Essa realidade “prometida” não é a que se tem observado nos países que possuem legislação trabalhista flexíveis, como é o caso da China, por exemplo, onde impera o regime de escravidão indiscriminadamente imposta pelo capital. Na prática, o trabalhador suporta duplamente as mazelas provocadas pelo acúmulo do capital de exploração da força de trabalho e exposição à precariedade humana, o que é gravemente condescendente com a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. A flexibilização repercute negativamente sobre a organização da força do trabalho e sobre a qualidade de vida do trabalhador.

3_ A terceirização nos moldes atuais e as propostas do PL 30/2015

Em regra, a relação do trabalho envolve, de um lado, a obrigação de um indivíduo em prestar determinado serviço, e de outro, uma pessoa física ou jurídica que se beneficia da força de trabalho mediante pagamento, assumindo os riscos pelo empreendimento. No entanto, há situações em que a relação bilateral é reconfigurada e passa a ser triangular, onde há o ingresso de um “terceiro”, denominado tomador de serviços, ocorrendo a terceirzação.

Como dito na seção anterior, a terceirização foi apresentada como uma moderna técnica de organização passível de tornar eficiente as práticas produtivas com a amparo na especialidade e tecnologia, visando a maior lucratividade com menor custo/tempo. Nessa relação triangular, o que o intermediário quer não é a mesma coisa que o empresário quer. Ele não utiliza a força trabalho para produzir bens ou serviços. Não se serve dela como valor de uso, mas de troca. Não a consome: subloca-a. O que ele consome, de certo modo, é o próprio trabalhador, na medida em que o utiliza como veículo para ganhar na transação (Viana et al, 2011: 6).

Atualmente a súmula 331 do TST regulamenta o instituto, definindo as possibilidades de incidência nas esferas da administração pública e privada (trabalho temporário, serviço de vigilância, conservação e limpeza, serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador), e ainda a hipótese de terceirização ilícita. Senão, vejamos:

Súmula 331, TST:

  • A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
  • A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vinculo de emprego com órgãos da administração pública, direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
  • Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
  • O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8666, de 21.06.1993).
  • Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
  • A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Conforme a aludida súmula, o conceito de terceirização estabelece critérios que instituem a licitude dos contratos celebrados com este fim: a existência de empresas prestadoras de serviço devidamente constituídas, para prestarem serviços auxiliares sem que ocorra a pessoalidade e subordinação direta de seus empregados com a tomadora de serviços. Consiste na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que não constituem o objeto principal da empresa.

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O novo projeto de lei que tramita atualmente no congresso nacional prevê, conforme art. 2º da minuta[5] da lei a possibilidade de execução por meio de empresa terceirizada a qualquer atividade, ou seja, o contrato de prestação de serviços abrange todas as atividades, sejam elas inerentes, acessórias ou complementares à atividade econômica da contratante.

A proposta prevê que os empregados terceirizados sejam regidos pelas convenções ou acordos trabalhistas feitos entre a contratada e o sindicato dos terceirizados. As negociações da contratante com seus empregados não se aplicariam aos terceirizados. Defensores argumentam que isso aumentará o poder de negociação com as entidades patronais, bem como será favorecida a fiscalização quanto à utilização correta da prestação de serviços. Os críticos apontam que ao direcionar a contribuição ao sindicato da atividade terceirizada e não da empresa contratante, o trabalhador terceirizado será atrelado a sindicatos com menor representatividade e com menor poder de negociação[6].

Nas palavras de Antunes & Druck (2013), esse enfraquecimento significa um apartheid que tem implicação direta sobre a potencialidade da ação coletiva e sindical, como um outro campo do trabalho, à medida que a terceirização impõe uma pulverização dos sindicatos, ocorrendo muitas vezes que numa mesma empresa os diferentes setores terceirizados, a exemplo da limpeza, vigilância, alimentação, manutenção, etc., congregam trabalhadores que estão enquadrados e representados por diferentes sindicatos.

O estudo de Vitor Araujo Figueiras (2015) revela que o maior índice de acidente do trabalho está no ramo de construção civil. As práticas de terceirização presentes, pautadas fundamentalmente na redução de custos da mão-de-obra, caracterizam-se por uma sequência de subcontratações, inclusive ilegais, que colocam os operários em condições e relações laborais cada vez mais precárias e menos protegidas socialmente. Se houver a regulamentação, certamente ampliará o número de empregados terceirizados e consequentemente de acidentes no trabalho.

4_Considerações finais

A tecnologia e a especialidade facilitaram o enxugamento das empresas, fazendo com que ocorra a transferência de qualquer “indisposição” que venha a ocorrer entre a empresa tomadora e o empregado terceirizado para a empresa contratante. Importa mais “o que” o trabalhador desempenha, e não o “vinculo” que se poderia ser criado entre ele e a empresa. Instituto como a participação nos lucros e plano de carreira, por exemplo, sequer poderia ser aplicado ao trabalhador terceirado, em virtude da sua relação não “vinculada” à empresa tomadora, o que de fato representa perdas ao empregado terceirizado.

Na prática, essas mudanças acarretam: desregulamentação das leis trabalhistas; alargamento das terceirizações para as mais diversas atividades; fragmentação da atuação sindical, e consequentemente o seu enfraquecimento; desvinculação total do empregado terceirizado à empresa tomadora, esvaziando os planos de carreiras; grande rotatividade de trabalhos parciais e temporários, entre outras. Pode-se afirmar que, na era da acumulação flexível e da “empresa enxuta” são merecedoras de destaque as empresas que mantém menor contingente de trabalhadores e, apesar disso, aumentam seus índices de produtividade, e logicamente, no menor tempo possível, o que não é por demais afirmar que o trabalhador é o que maior suporta com grande ônus os resultados “exitosos” dessa produção.

Referências

ANTUNES, Ricardo; DRUCK, Graça. A terceirização como regra?. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, 2013.

FILGUEIRAS, Vitor Araújo. Terceirização e acidentes de trabalho na construção civil. 2015. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/541982-terceirizacao-e-acidentes-de-trabalho-na-construcao-civil

MARTINS, Sérgio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 31 ed. São Paulo: Atlas 2015.

SILVA, Alessandro da, Oscar Krost, and V. Severo. "Fundamentos à responsabilidade solidária e objetiva da tomadora de serviços na “terceirização." Revista LTr 75.1 (2011): 66-79.


[1] Há discordância doutrinária em relação a essa classificação. Para Miguel Reale (1996), o direito do trabalho faz parte do ramo do direito público, por conta da imperatividade das normas. Sérgio Pinto Martins (2015) defende que seja de direito privado, embora reconheça a existência de normas de direito público e privado. Defende o autor que há uma predominância de regras de direito privado, principalmente em decorrência, por exemplo, as fontes autônomas do direito do trabalho (natureza privada.)

[2] Instituto que vem sofrendo mitigação em face da noção de “função social” do contrato trazida pelo fenômeno da constitucionalização do direito.

[3][3] É o caso da previsão no artigo 6º VI e XIV,  CF/88, o qual possibilita a redução salarial mediante convenção ou acordo coletivo. 

[4] enxugamento

[5] Documento disponível em: http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/120928

[6] É o que sustenta a central Única de trabalhadores em: 

http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/04/entenda-o-que-diz-o-projeto-de-lei-da-terceirizacao

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Sobre a autora
Heide Patricia Nunes de Castro

Graduação em Direito- Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará- UNIFESSPA. Gaduação em Letras- Universidade Federal do Pará- UFPA. Especialista em Gestão Publica- UFPA. Especialista em Direito do Trabalho - Instituto Pro-Minas

Informações sobre o texto

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