3 A Lei de Alienação Parental e a Importância da Psicologia Jurídica
Com o intuito de coibir essas práticas e seus efeitos negativos sobre o efetivo desenvolvimento dos filhos, foi editada em 2010 a Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318), a qual trata especificamente acerca do tema e das possíveis punições para os pais que a realizam. O art. 2º estabelece uma delimitação do seu conteúdo, que deve ser considerado pelo Poder Judiciário ao julgar casos envolvendo a alienação parental, ao inserir os parâmetros objetivos que devem ser averiguados para se configurar a alienação, isto é “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós [...] para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. O referido dispositivo também elenca algumas hipóteses que incidem em alienação parental, como dificultar o exercício do poder familiar, o direito de visitas ou denegrir a imagem do genitor.
Ademais, consagra-se no art. 3º a concepção abordada anteriormente, de que a alienação viola o direito da criança ou do adolescente de estabelecer uma convivência familiar saudável e relações de afeto com ambos os pais, sendo as condutas que ferem esse direito consideradas como abusivas.
A supressão do convívio com o outro genitor fere, especialmente, o preceito constitucional previsto no art. 227 da Constituição Federal, o qual dispõe ser um dever do Estado, da família e da sociedade garantir à criança o direito à convivência familiar, além de violar o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a prioridade absoluta da criança em ser criada no ambiente familiar adequado.
Após a previsão legal acerca da definição da alienação parental, os demais artigos descrevem o procedimento a ser adotado quando se verifica a ocorrência desse processo e as punições adequadas conforme o caso concreto. É fundamental destacar ainda que, no âmbito da psicologia jurídica, o artigo 6º desta lei dispõe sobre a possibilidade de o juiz decretar, de acordo com a necessidade da situação, a realização de perícia psicológica e biopsicossocial.
Essas avaliações serão feitas por psicólogos ou demais profissionais habilitados para atuar em juízo, a fim de trazer dados relevantes para a decisão final do juízo, como entrevistas pessoais e um histórico sobre o relacionamento do casal com a criança.
Quando há indícios de práticas alienadoras, instaura-se o procedimento com tramitação prioritária, devendo a perícia psicológica ou biopsicossocial ser apresentada em 90 dias. Caso se averigue, ao final do processo, a efetiva ocorrência de alienação parental, o juiz pode decretar medidas de advertência sobre o genitor alienante, o pagamento de multa diária, a alteração da guarda, ou mesmo decretar a suspensão da autoridade parental (art. 6º desta Lei).
Como se inferiu, a alienação parental é tema que pode suscitar a intervenção do Poder Judiciário para garantir a integridade psicológica do filho, diante do risco de danos emocionais que lhe podem advir, razão porque se traz alguns entendimentos manifestados em decisões judiciais, diante de casos concretos.
4 Decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina
A alienação parental é um tema que provoca diversas discussões e divergências entre os tribunais brasileiros, visto que, no Direito de família, os conflitos envolvendo o divórcio e a guarda dos filhos produzem efeitos não apenas de natureza patrimonial, mas, sobretudo, psicológicos. Nesse sentido, apresentam-se alguns julgados proferidos no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, delimitando portanto o âmbito de análise, a fim de se compreender o modo como a questão é tratada pelo Poder Judiciário.
O primeiro exemplo abordado é a Apelação Cível n. 2015.085487-0, proferido na Vara da Família Órfãos, Sucessões, Infância e Juventude de Rio do Sul. Neste processo, o autor ajuizou ação de Medida Cautelar de Alteração e Regulamentação de Guarda de Menores contra seu antigo companheiro, com o qual teve um relacionamento moroso que resultou no nascimento de dois filhos.
Após o término da convivência, os filhos ficaram sob a guarda da genitora, e o casal firmou um acordo sobre os alimentos e o direito de visitas do genitor não guardião. Porém, este alega que a mãe dificultou o exercício do direito de visitas e o convívio com as crianças, conduta que constitui a alienação parental. Além desses fatos, o autor afirma que a mãe agrediu o filho, causando-lhe lesões leves, e, tendo em vista esse fato, pediu liminarmente a modificação da guarda dos filhos.
Ao longo do processo, foram realizadas audiências para ouvir o depoimento pessoal de ambas as partes, além da realização de laudos periciais e sessões de terapia com o psicólogo especializado. Ao final, o pedido foi julgado improcedente em sentença tendo em vista que não há nos autos do processo um suporte probatório mínimo para confirmar que a genitora não possui condições de exercer a guarda.
Em relação a agressão, este fato não impede que a mãe continue com a guarda, pois esta em depoimento arrepende-se da conduta e demostrou melhora em relação ao cuidado com seus filhos, conforme a análise do psicólogo e do assistente social.
Na Apelação Cível n. 2014.068352-2, da 1ª Vara Cível da comarca de Campos Novos, a autora ajuizou a ação de destituição do poder familiar, em que denunciou o genitor não-guardião e sua atual companheira por abuso sexual praticada aos dois filhos menores. A mãe busca reconhecer a suspensão definitiva do poder familiar por parte do réu (o pai), devido a um suposto abuso sexual cometido por este aos seus filhos, de apenas cinco e sete anos de idade, quando visitavam a residência paterna.
As crianças manifestaram, ao longo das sessões de terapia psicológica e análise pelo assistente social, sintomas de transtornos pós-traumáticos, o que indicaria, em tese, uma violência e agressividade por parte do genitor.
Entretanto, após a ideal instrução do processo, configurou-se o oposto. No voto do ministro relator, este destaca que verificaram-se “indícios da ocorrência de alienação parental por parte da genitora e, de forma contundente, da avó materna, bem como da indução dos infantes a acreditarem na existência do abuso, implantando-lhes falsas memórias”. Por decisão unânime, a câmara do tribunal negou provimento ao recurso sob o argumento de que houve prática de alienação parental e ausência de provas que confirmem a alegação de abuso sexual praticada pelo pai do infante.
Na Apelação Cível n. 2015.034356-6, da vara da família da comarca de Lages, a juíza fixou na sentença de primeiro grau a guarda definitiva à genitora, fixando ao pai e aos avós paternos o direito de visitas nos finais de semana e outras regras sobre como será exercido. Inicialmente a guarda era compartilhada igualmente pelos ex-cônjuges, porém suas constantes brigas e desentendimentos fizeram tornaram necessária a fixação da guarda unilateral.
O genitor recorreu da sentença proferida e requer a guarda unilateral do filho defendendo que possui melhores condições financeiras e psicológicas para a sua criação. A psicóloga que realizou o laudo pericial apontou para a necessidade de o filho permanecer sob os cuidados da mãe, mas o pai alega a alienação parental praticada pela mãe e a negligência.
Nesse caso, comprovou-se que a criança estava sofrendo com o conflito entre seus pais, as pessoas que servem como a base para a sua criação, e com a alienação parental praticada por ambos os genitores. Há, portanto, um desrespeito aos seus direitos constitucionais, como a dignidade, o direito à convivência familiar e a absoluta priorização de seus interesses. O tribunal decidiu pela instauração da guarda compartilhada entre o casal, tendo em vista o melhor interesse da criança e os dispositivos da Lei 12.318.
Considerações finais
Através desse estudo, compreende-se como a alienação parental é um tema todavia controverso, e sua análise pode variar conforme o caso concreto. Devido às diversas possibilidades fáticas, em especial no Direito de Família, há uma constante evolução e desenvolvimento de pesquisas sobre as práticas alienados, haja vista as possíveis consequências negativas causadas à prole.
Nesse contexto, a Lei de Alienação Parental constitui um marco na análise sobre a psicologia jurídica e o direito de família, visto que aborda diversas medidas para coibir tais práticas abusivas. Apesar de ainda existir um caminho a ser percorrido, a jurisprudência e a doutrina já avançaram em relação à comprovação da alienação praticada pelos pais, especialmente através de laudos periciais, e nas sanções a serem impostas aos que a cometem.
Haja vista esses preceitos, o guardião tem o dever de proporcionar o direito de visitas ao genitor não guardião, para assegurar as relações de afeto e convivência com ambos os pais, dividindo a responsabilidade e o respeito em relação ao filho. Esse preceito deve ser mantido mesmo quando os pais constituem uma nova família ou relacionamento, pois a efetiva formação da criança relaciona-se intrinsicamente com o diálogo estabelecido com a sua família, envolvendo nesta compreensão a convivência com ambos os pais.
Referências das fontes citadas
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