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Regime constitucional da liberdade de expressão

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06/02/2017 às 14:49
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4. Limites da liberdade de expressão

A Constituição Federal proíbe que a liberdade de manifestação do pensamento, de expressão, de criação e de informação sujeitem-se a censura ou licença, bem como sofram qualquer restrição que não esteja fundada na própria Constituição (art. 5o, IV e IX c/c art. 220). E, efetivamente, a Constituição estabelece limites ao exercício da liberdade de expressão, que não constituem cerceamento ao direito, mas garantia de que o exercício desse direito não seja abusivo.

Neste sentido, o art. 220, parágrafo 1o, prevê que a liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social deverá observar o disposto no art. 5o., IV (vedação do anonimato), V (direito de resposta proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem), X (inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas), XIII (liberdade de exercício profissional, com atendimento das qualificações profissionais que a lei estabelecer) e XIV (resguardo do sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional).

A proibição do anonimato garante a identificação do comunicador, ou seja visa a identificar “a autoria do produto do pensamento manifestado, para, sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros”[17]

“O direito de resposta ou direito de retificação é a faculdade que a lei dá ao interessado de corrigir uma publicação ou transmissão errônea ou ofensiva, que contra ele foi divulgada pelos veículos de comunicação, como jornal, periódico, emissora de rádio e televisão, cinema, agência de notícias. Quer dizer, o direito de resposta – e vamos frisar, direito de retificação – acode ao interessado mesmo quando erroneamente ele seja elogiado, porque o objetivo é restabelecer a verdade que não foi colocada na versão publicada ou transmitida pelo meio de comunicação.”[18]

Com relação aos chamados direitos de personalidade, direitos fundamentais invioláveis inscritos no art. 5o., X, estes são considerados como componentes da dignidade humana, que por sua vez, é fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro (art. 1o , III, CF). Tanto o direito à liberdade de expressão como os direitos de personalidade têm o status de princípio constitucional, positivado como direito fundamental.

Quando o exercício do direito à liberdade de expressão conflita com o direito à honra, à intimidade, à vida privada ou à imagem das pessoas, ocorre o que a doutrina chama de colisão de direitos fundamentais. Os critérios clássicos para solução de antinomias, a saber: (a) cronológico – lei posterior revoga a anterior, (b) hierárquico – lei superior revoga a inferior e (c) especialidade – lei especial revoga a geral, não podem ser utilizados neste caso, pois tratam-se de normas de igual hierarquia, de igual valor, de igual importância no sistema jurídico.

Deve-se ter em mente o princípio da unidade da Constituição, segundo o qual as normas constitucionais devem ser interpretadas em relação ao conjunto, que constitui um todo harmônico; pois, tratando-se de resultado de uma vontade unitária (a popular), voltada para o mesmo fim de desenvolvimento humano, a Constituição não pode conter contradições, devendo suas normas serem harmonizadas ou otimizadas, para produzir um equilíbrio, sem comprometer a eficácia de qualquer delas.

“Havendo colisão entre valores constitucionais (normas jurídicas de hierarquia constitucional), o que se deve buscar é a otimização entre os direitos e valores em jogo, no estabelecimento de uma concordância prática, que deve resultar numa ordenação proporcional dos direitos fundamentais e/ou valores fundamentais em colisão, ou seja, busca-se o ‘melhor equilíbrio possível entre os princípios colidentes’(LERCHE)”[19]

Não se trata, pois, de estabelecer um peso, ou uma prevalência absoluta de um valor em detrimento de outro, mas de buscar, diante das peculiaridades de cada caso, atendendo ao princípio da proporcionalidade[20], a solução que se mostre mais adequada ao caso concreto, com o menor prejuízo possível aos direitos em colisão.

No que tange à expressão por meio dos veículos de radiodifusão de sons e de sons e imagens (rádio e televisão), a Constituição estabelece, ainda, no art. 221, princípios que devem ser seguidos na sua produção e programação: ”(I) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; (II) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; (III) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; (IV) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”

Além disso, ainda sobre a tutela dos veículos de radiodifusão, a União detém a titularidade dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens, que pode explorar diretamente ou por delegação à iniciativa privada, mediante autorização, concessão ou permissão (CF, art. 21, XII, a). A propriedade das empresas é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 anos ou empresas brasileiras constituídas sob as leis brasileiras, co sede no país, aos quais caberá a responsabilidade por sua administração e orientação intelectual (art. 222). Compete ao poder público outorgar e renovar a concessão, permissão ou autorização, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal (art.223). A outorga e a renovação da concessão ou permissão deverão passar pelo crivo do Congresso Nacional (art. 223, parágrafos, 1o, 2o e 3o). A Concessão ou permissão terá prazo de 10 anos para emissoras de rádio e de 15 anos para as emissoras de televisão (art. 223, parágrafo 5o.)

A informação divulgada através dos meios de radiodifusão de sons e imagens constitui forma de comunicação entre “interlocutores ausentes”[21], qualificando-se pelo potencial conhecimento da informação por um grande número de pessoas indeterminadas (que podem possuir menor maturidade ou discernimento). Desta forma, mostram-se pertinentes as disposições constitucionais no sentido de regulamentar a atuação dos veículos de radiodifusão enquanto difusores e formadores de opinião, de maneira a preservar a cultura nacional e os valores ético-sociais.

No parágrafo 3o do art. 220, a Constituição autoriza a lei federal a (I) “regular diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendam, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada”; (II) “estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariarem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.”

E no parágrafo 4o, afirma a Constituição que “a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios que decorrem de seu uso.”

Nota-se que a norma constitucional que estabelece a liberdade de expressão é norma de eficácia contida, ou seja, é norma “em que o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos a determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência do Poder Público, nos termos que a lei estabelecer e nos termos de conceitos gerais nela enunciados.”[22]

Sobre a eficácia das normas constitucionais, cumpre ainda lembrar que o parágrafo 1o. do art. 5o. da Carta Constitucional estatui que “as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, sendo capazes de produzir efeitos jurídicos, regulando, desde a edição da Constituição, as relações jurídicas que lhe são submetidas.

O caso da liberdade de expressão, entretanto, possui uma peculiaridade, pois a norma constitucional estabelece quais as hipóteses em que poderá ser estabelecida norma restritiva do direito à liberdade de expressão, sendo vedado ao legislador infraconstitucional estabelecer qualquer limite fora dessas hipóteses.

Em relação às disposições contidas no art. 220, parágrafos 3o, II, e 4o, interessa ainda notar que não está autorizada a atuação direta do Estado para a defesa dos interesses referidos no parágrafo 3o, mas tão somente a criação de mecanismos que possibilitem que os indivíduos se defendam; ao contrário, no parágrafo 4o, estabeleceu atuação positiva do Poder Público, que além de impor restrições legais à propaganda de determinados artigos, poderá determinar a divulgação de advertências sobre os malefícios decorrentes de seu uso.

No mesmo sentido, a Constituição estabeleceu a competência da União para exercer a classificação, com caráter indicativo, de diversões públicas e programas de rádio e televisão (art. 21, XVI), o que significa que as empresas concessionárias de rádio e televisão poderão discordar da classificação efetuada pelo poder público, exibindo programas em desacordo com aquelas orientações, pois a expressão “indicativo” tem o significado de facultativo, não obrigatório. Não obstante, as emissoras deverão informar aos telespectadores sobre a natureza do programa, podendo, ainda, sujeitar-se a responsabilização por desrespeito aos princípios constantes do art. 221. Saliente-se que a concessão ou permissão de emissoras de rádio e televisão pode ser cancelada, antes de vencido o prazo, por decisão judicial (art. 223, parágrafo 4o)

As limitações de que tratamos até agora referem-se a estados de normalidade, mas em estados de exceção, como o estado de defesa e estado de sítio, a liberdade de expressão poderá sofrer outras restrições, enunciadas nos art.136, parágrafo 1o, I, c – “o decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de duração , especificará as áreas a serem abrangidas e indicará,nos termos da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I-restrição aos direitos de:(...) c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica” e art. 139, III – “na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137,I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: (...) III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei”

A liberdade de expressão é, pois, a regra, e sua limitação, a exceção. Assim,

“o Poder Público, ao pretender restringir o âmbito de proteção dessa liberdade para atender os limites supracitados, terá que justificar a necessidade da intervenção e só poderá efetivar a restrição por meio de lei (reserva de lei explícita ou implícita autorizada pela Constituição). A restrição deverá ainda satisfazer a máxima da proporcionalidade, de forma que resulte intacto o núcleo essencial da liberdade de expressão e informação.”[23]


5. Controle Jurisdicional da Liberdade de Expressão

A Constituição Federal previu a liberdade de expressão, independente de censura ou licença, mas não a concebeu como direito absoluto, comportando restrições fundadas na própria Constituição. Essas restrições decorrem do exercício de outros direitos fundamentais, bem como de valores coletivos consagrados na Constituição, e seu alcance varia de acordo com o conteúdo da expressão e do meio que utiliza.

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Havendo violação, por parte do transmissor da informação ou expressão, dos limites constitucionalmente impostos à liberdade de expressão, qualquer pessoa que se sentir lesada está legitimada a pleitear a reparação do dano. ( art. 5o, V)

O meio de controle por excelência dos indivíduos que se sintam lesados em decorrência do exercício do direito à liberdade de expressão é o Poder Judiciário, pois, conforme prevê o art. 5o, XXXV da Constituição, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

“O exercício da liberdade de expressão pode, em diferentes situações, violar a ordem jurídica e afetar a esfera de direitos de outrem, sujeitando o agente a conseqüências jurídicas de natureza civil ou penal. O controle judicial singulariza-se pela independência e imparcialidade do órgão que o exerce, e obedece a um devido processo legal , que inclui o direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5o, LIV e LV)”[24]

Questão que se coloca, quanto à apreciação pelo Poder Judiciário dos abusos cometidos no exercício da liberdade de expressão está em saber se este Poder poderá agir antes de acontecido o dano, impedindo a veiculação de informação lesiva ao direito de terceiros ou se somente poderá verificar a ocorrência de danos após a difusão da informação, quando a reparação deverá converter-se em perdas e danos.

Há, na doutrina pátria, opiniões em ambos os sentidos. Transcrevemos algumas manifestações

Entendendo que a tutela jurisdicional somente poderá ocorrer após a divulgação da informação:

“Não pode o Estado impedir uma informação ou idéia de circular, ainda que essa informação ou idéia afronte direitos fundamentais. A pessoa ou órgão que, no exercício de seu direito de expressão ou informação, violar direitos de terceiros deverá responder civil, penal e mesmo administrativamente pelo abuso, nos termos da legislação infraconstitucional em vigor. A indenização expressamente prevista no art. 5o, V e X, da Constituição terá nessa hipótese uma dupla função: a satisfação material e moral do ofendido e a punição do infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima.”[25]

“Qualquer restrição deve ser determinada por ordem judicial, mediante o devido processo legal. E, mesmo o Poder Judiciário só deve impor qualquer restrição à liberdade de expressão quando for imprescindível para salvaguardar outros direitos que não possam ser protegidos ou compostos de outro modo menos gravoso. Especialmente, a concessão de liminares só deve ocorrer em casos muitíssimos excepcionais. Na maioria das vezes, o direito invocado pode ser perfeitamente composto com a indenização por dano moral, o que é melhor solução do que impedir a livre expressão.” [26]

Em sentido contrário, entendendo que a atuação do Poder Judiciário poderá ser anterior à divulgação da informação:

“Os direitos de personalidade não podem ser garantidos adequadamente por uma espécie de tutela que atue somente após a lesão do direito. Admitir que tais direitos apenas podem ser tutelados por meio da técnica ressarcitória é o mesmo que dizer que é possível a expropriação destes direitos, transformando-se o direito ao bem em direito à indenização. Não é preciso lembrar que uma tal espécie de expropriação seria absurda quando em jogo direitos invioláveis do homem, assegurados constitucionalmente.”[27]

“O Poder Judiciário pode intervir previamente, de modo cautelar na liberdade de informação jornalística, sem que tal atuação se confunda com a censura prévia. O cidadão não pode ser obrigado a aguardar a efetivação do dano nem pode ficar inerme diante de uma ameaça a um direito, ainda que essa ameaça provenha do exercício da liberdade de informação jornalística. Assim, o controle jurisdicional prévio dos abusos da liberdade de imprensa, exercido sempre e exclusivamente pelo Poder Judiciário, é cabível e admissível pela ordem constitucional democrática vigente.” [28]

Além da hipótese de violação de direitos individuais, se os direitos lesados ou sob ameaça de lesão forem direitos coletivos, como por exemplo, no caso de desrespeito aos princípios constantes do art. 221, é cabível ação civil pública para tutelar esses direitos.

A ação civil pública vem prevista constitucionalmente no art. 129, III, que estabelece entre as funções institucionais do Ministério Público a promoção desta ação “para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”. A ação civil pública encontra-se regulamentada pela Lei n. 7. 347/85, para a tutela dos direitos metaindividuais ali nominados (meio ambiente, direitos do consumidor, etc.) e de “outros interesses difusos e coletivos” (art. 1o, IV). Por sua vez, o art. 81,I, da Lei n. 8.078/90 dá o conceito legal de interesse difuso, como “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”

Como vimos, o direito à informação é direito coletivo e, assim, a ação civil pública constitui remédio idôneo para a proteção deste direito.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Camila Cardoso. Regime constitucional da liberdade de expressão . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4968, 6 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55276. Acesso em: 4 mai. 2024.

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