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Mercosul e a integração regional

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07/08/2004 às 00:00
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INTEGRAÇÃO POLÍTICA

Com o Protocolo de Ushuaia, de 24.7.1998, foi inserida, de forma solene, na estrutura normativa do Mercosul, a "cláusula democrática", o que se destaca como fato relevante para a experiência de integração regional prosperar, em todos os seus aspectos.

José Murillo de Carvalho [34] ensina que o México chegou mais tarde que o Brasil à política democrática, com a eleição do presidente Vicente Fox, em 2000, porém o México, assim como o Brasil, não foi capaz de construir uma sociedade democrática, isto é, aquela sociedade

"em que as desigualdades sociais são reduzidas e em que há uma ampla mobilidade social. A incorporação do México ao Nafta desde 1994 deu-lhe oportunidade única, abriu-lhe a porta de saída da América Latina. O PIB do México já superou o do Brasil. Mas o México ainda é América Latina."

Continua o professor explicando que Brasil, México e Argentina, apesar das diferenças, são todos partes do mesmo drama. Os três vivenciaram ditaduras mais ou menos violentas que não eliminaram – ou não evitaram – a desigualdade. "Depois de passar por regimes oligárquicos, populistas e ditatoriais, os três vivem hoje democracias políticas dissociadas de democracias sociais"...que não vêm acompanhadas de uma "cultura cívica democrática."


OS PROBLEMAS DECORRENTES DA INTEGRAÇÃO

Os blocos econômicos que se formam trazem em seu bojo conflitos de interesses que deverão ser dirimidos. Impõe-se a criação de um direito regional, supranacional, e o surgimento de tribunais supranacionais que solucionem tais problemas, como já ocorre na Europa.

No âmbito do Mercosul ainda não foi possível criar um direito próprio e um tribunal judiciário internacional – em razão das limitações impostas por nossa Constituição, que não reconhece jurisdição supranacional. Argentina e Paraguai estão à frente do Brasil e já mudaram suas leis. A consolidação econômica e política do Mercosul exigirá também a unificação judiciária. Os litígios entre os Estados-partes, nos termos do Tratado de Assunção, tornado explícito no Protocolo de Brasília de 1992, são submetidos a procedimentos diplomáticos para solução de conflitos.

Para Celso D. de Albuquerque Mello a Justiça brasileira precisa se familiarizar com o direito internacional público. Tivemos uma vida provinciana e a globalização ainda não chegou à Justiça brasileira, que não sabe aplicar as normas internacionais. Também os diplomatas brasileiros não são especializados em direito internacional do comércio.

A integração econômica se torna cada vez mais necessária para sobrevivência do 3º Mundo no âmbito de uma sociedade internacional estruturada de forma integrada. A nossa Constituição é omissa no tocante às relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno. Esta matéria só será esclarecida pela jurisprudência. A instabilidade política acarreta mudanças e cria obstáculos na política externa, e mudanças econômicas nas Grandes Potências se refletem no Cone Sul.

O que assusta é que o surgimento dos grandes conglomerados econômicos tem trazido também grande concentração de renda, e não tem solucionado problemas como o da fome, saúde e desemprego. A globalização permite a transferência de capitais de um país para outro, em poucos segundos. A noção de Estado está se diluindo e, segundo dizem os economistas, daqui a algum tempo teremos quatro ou cinco grandes blocos econômicos que monopolizarão as telecomunicações, a energia e outros bens de grande importância e extrema necessidade para as partes envolvidas. Com sua força, eles poderão derrubar governos que não sejam simpáticos a seus interesses e, dessa forma, acabar com as garantias dos direitos individuais, comprometendo a democracia, a soberania e qualquer conceito de Estado.

Diz a professora e economista Maria da Conceição Tavares [35] que o Brasil tem uma economia razoavelmente diversificada, "baixíssimo coeficiente global de integração ao comércio internacional e um sistema financeiro nacional (público e privado) capaz de financiar endogenamente a retomada do crescimento". Enfrentamos, neste momento, problemas cambiais "porque o aperto de crédito internacional provoca problemas de liquidez em dólar e a especulação pressiona a depreciação acelerada do real", mas isto ainda leva a professora ao que ela chama de "otimismo estrutural", baseado em que o Brasil tem condições de, pelas suas próprias forças, fazer mudanças.

O tipo de integração econômica regional que há no Mercosul é limitada e menos integrativo, uma vez que se trata muito mais da união aduaneira. Tem sua relevância pelo que vem se definindo como um espaço de aproximação e de negociação entre os quatro países envolvidos como membros plenos e mais Bolívia e Chile como membros associados.

Destaque-se a tendência positiva e crescente na solução de conflitos internacionais muito mais por meios diplomáticos do que jurídicos [36].


COMO CONCILIAR ALCA E MERCOSUL?

A Alca - Área de Livre Comércio das Américas - está sendo negociada pelos 34 países das Américas desde meados da década de 1990. A idéia é criar uma área de livre comércio e maior abertura em serviços, investimentos e compras governamentais. As negociações terminam em 2005. Até lá, nada do que for acertado entrará em vigor.

O atual governo brasileiro teve 45 dias, a partir da posse, para concluir, juntamente com os sócios do Mercosul a proposta preliminar de abertura de mercado nas áreas agrícola, industrial, de serviços, investimentos e compras governamentais.

A prioridade do Brasil é derrubar barreiras ao comércio agrícola durante a VII Reunião Ministerial da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). É no setor agrícola que se encontram os maiores entraves às exportações brasileiras e dos demais países do Mercosul, através de aumento de tarifas, imposição de quotas, medidas de defesa comercial, subsídios, pelos países importadores, em especial pelos Estados Unidos. O Brasil propôs o debate sobre subsídios domésticos, agravados, no entender do governo federal, pela aprovação da Lei Agrícola americana. Foram exigidas regras claras para a aplicação de medidas de defesa comercial – em particular o antidumping - e a inclusão de cláusula de nação mais favorecida entre as regras para o debate de ofertas de liberalização de mercados.

A cláusula de Nação mais favorecida exige que as ofertas de abertura de mercado sejam iguais para todos os sócios. A cláusula de Nação mais favorecida não está contida somente no GATT – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, figurando como dispositivo integrante de outros tratados internacionais. Por meio desta cláusula, cada contratante promete ao outro, ou outros, que os tratará como trata ou venha a tratar ‘a nação mais favorecida’, isto é, a nação por ele mais favorecida na matéria sobre a qual verse o acordo. Esta postura é diametralmente oposta à pretensão americana de realizar ofertas diferenciadas a cada país-membro da Alca.

A idéia do Brasil é trazer uma proposta de fortalecimento de posição com os países do Mercosul, formando um grupo homogêneo. Para isso, tem mantido entendimentos, em alguns casos até bastante avançados, com os países andinos, da América Central e Caribe. Neste bloco alguns estão tentando acordos em que se beneficiam e têm acesso mais rápido ao mercado americano. Este tipo de comportamento fragiliza o Mercosul e seus produtos terão acesso reduzido.

"O Brasil conta a seu favor, na defesa da cláusula de nação mais favorecida, com o apoio do Chile e do Canadá". [37] Outro ponto favorável aos sul-americanos é que todos os acertos são realizados conforme consenso dos 34 países membros.

"Ao Brasil não interessa negociar a Alca se os americanos persistirem em proteger seu mercado. Queremos uma negociação equilibrada que contemple a abertura de setores importantes para as exportações brasileiras." [38] O país, segundo o ministro, está envolvido em outras negociações tão importantes quanto a Alca, como junto à União Européia, organismos multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e até mesmo em regiões como a Ásia, que podem ser alternativas ao comércio regional das Américas. A visita do presidente Lula à China, acompanhado de um número significativo de empresários, demonstra isto.

Apesar da firmeza no pronunciamento, o ministro reconhece a importância da região para as exportações brasileiras, principalmente dos países que compõem o North America Free Trade Agreement (Nafta). Juntos, Estados Unidos, Canadá e México são destino de 28% das mercadorias nacionais exportadas. Somando-se a eles os demais países que irão compor a Alca, esse número sobe para 50%.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, [39] perante representantes de 27 países, 26 das Américas, e o presidente da Câmara dos Deputados da Itália, numa cúpula parlamentar de integração continental que reuniu representantes dos organismos regionais como o Mercosul, a Comunidade Andina e do Caribe e o sistema de integração centro-americano, fez a seguinte declaração, que define prioridades e sua linha de pensamento:

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"A integração da Alca deve ser precedida por um processo de integração política. A criação de um fórum parlamentar permanente das Américas servirá para retirar o caráter exclusivamente econômico e dar um caráter político à discussão da Alca, com a participação efetiva dos parlamentos."

Os americanos se fizeram representar pelo vice-ministro do Comércio Exterior, embaixador Peter Allgeier, que declarou: "Para os Estados Unidos, tudo pode ser negociado em termos de Alca."

Os sinais estão demonstrando que a prioridade é uma integração política em primeiro plano. O que se defende é a inserção soberana dos países da América Latina no cenário internacional e uma ampla discussão sobre a crise econômica, que se deve muito mais ao modelo imposto e adotado do que ao desajuste de uma economia nacional. A crise econômica empurra os governantes para a busca de uma solução política e evidencia o fato de que não há formas mágicas de soluções nacionais apartadas.

Eduardo Galeano [40] analisa "o mundo de pernas para o ar e o ‘circo’ da América Latina". O autor de "As veias abertas da América Latina" põe em xeque a divisão internacional do trabalho, afirmando que ficamos num "silêncio parecido com a estupidez", e prossegue:

"o mundo está organizado de um modo parecido com uma ditadura, mas não de uma ditadura militar folclórica, agora é uma ditadura exercida da maneira mais fria, brutal e eficiente, por organismos internacionais que respondem aos interesses de poucos países. O Fundo Monetário Internacional (FMI) está comandado por cinco países. O Banco Mundial (Bird) é um pouco mais democrático, tem sete diretores. E são os que decidem os níveis de salários e impostos, e o ritmo de vôo das moscas e a freqüência das chuvas. O mundo está governado por organizações stalinistas de poder, a serviço do capitalismo, em seu nível mais alto de desenvolvimento. Um stalinismo que confunde a unidade com a unanimidade. O mundo está unido numa unanimidade que nasce da obediência. E como dizia Nelson Rodrigues, "toda unanimidade é burra".

O comportamento dos americanos tem sido pragmático. Se não conseguem evitar que a América do Sul se unifique, sob a liderança do Brasil, e adquira sua própria identidade, tendem a aceitar a realidade. Adotam um discurso de que não se opõem ao Mercosul, desde que venha a funcionar como parceiro da Alca. A Alca sem o Mercosul e, especialmente sem o Brasil, o maior mercado da América do Sul, é irrelevante para os norte-americanos. O Brasil representa o décimo terceiro destino das exportações dos Estados Unidos, que por sua vez é o principal mercado de exportação do Brasil, depois da União Européia. Deve-se reconhecer que houve um fracasso das políticas neoliberais aplicadas durante os anos 90 na América Latina, o que resultou numa tendência à esquerda, favorecendo um Estado mais forte e intervencionista. Buscando evitar uma crise ainda mais profunda os Estados Unidos têm apoiado o governo Lula em sua intenção de amenizar a pobreza brasileira. O encontro de três horas entre os presidentes Bush e Lula, em 20 de junho de 2003, não foi meramente protocolar e rotineiro, como o demonstrou o fato de que os acompanhavam dez de seus ministros, para examinar e discutir os problemas, que afetam as relações entre os dois países, e fazer um balanço maduro de suas divergências e convergências, em busca de uma solução consensual. Mas existem profundas diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos no trato comercial, difíceis de resolver, porque não dependem da vontade do presidente Bush. As concessões feitas até agora pelos Estados Unidos relacionadas ao acesso ao mercado em igualdade de condições não são consideradas suficientes pelo governo brasileiro, que fala abertamente sobre a possibilidade de não participar do projeto da Alca. Ninguém pode desprezar um mercado como o brasileiro que, em um ano, vende 22 milhões de celulares. Compare: Genebra tem 350 mil habitantes. Observe-se ainda que somente em três países, Argentina, Brasil e Chile, a expectativa é de agregar ao mercado, até 2006, mais de 50 milhões de consumidores de classe média, o que equivalente a quase uma França, que tem 59 milhões de habitantes.

Em debate público no mês de fevereiro deste ano de 2004, o negociador dos Estados Unidos na Alca, Ross Wilson, e o embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, demonstraram claras divergências no que se refere a um acordo na segunda rodada de negociações em Puebla, no México, na primeira semana de março. Para os EUA é importante que o Brasil e seus vizinhos abram mão de suas restrições nas áreas de serviços, compras governamentais e propriedade intelectual. O Brasil exige flexibilidade dos Estados Unidos e não em relação ao Brasil, e nega qualquer possibilidade de uma "Alca light". Antes, defende uma Alca ampla, que inclua tudo, inclusive setores agrícolas e medidas antidumping, o que os americanos querem ver discutido apenas através da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A lógica do presidente Lula se parece com uma negociação sindical: entrar de cabeça erguida e endurecer para chegar a um acordo melhor. Ele sabe que dos EUA não virão benesses, nada será concedido, mas conquistado. Parece esperar dos EUA uma boa compensação, para um melhor acordo que inclua questões delicadas como serviços e compras governamentais. Também defende a união de todos os países da região, como única maneira de se ganhar força no mundo globalizado. Com este objetivo, o presidente não considera desperdício gastos com infra-estrutura para a região, de modo a facilitar a circulação de mercadorias e pessoas, tornando próspera a economia regional.

Há uma ponto consensual, que é a necessidade de o Brasil pelo menos dobrar sua participação no comércio exterior (de 1% para 2%), sem o que de nada adiantarão acordos comerciais. Deve-se levar em consideração que o Mercosul representa 10 a 15% do que o Brasil negocia com o exterior e a Alca é muito interessante porque metade das exportações brasileiras vai para o Hemisfério Norte.

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Sobre a autora
Alice Mouzinho Barbosa

professora de Direito Tributário da Universidade Santa Úrsula (RJ), mestre em Direito da Cidadania e Estado pela Universidade Gama Filho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Alice Mouzinho. Mercosul e a integração regional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 396, 7 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5531. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão da disciplina de Direito Internacional Econômico, ministrada pelo professor Celso D. Albuquerque Mello, no Mestrado de Direito da Universidade Gama Filho, tendo obtido nota máxima.

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