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Interpretação da Constituição:

método originalista e não-originalista

06/08/2004 às 00:00
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"Como é possível que um minúsculo grupo de juízes, que não sejam eleitos diretamente pela cidadania (como o são os funcionários políticos), e que não estejam sujeitos a periódicas avaliações populares (e portanto gozam de estabilidade em seus cargos, livres do escrutínio popular) possam prevalecer, em última instância, sobre a vontade popular?"

(Gargarella, - La justicia frente al gobierno)


1. INTRODUÇÃO

"Interpretar uma norma constitucional é atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos na constituição com o fim de se obter uma decisão de problemas práticos, normativo-constitucionalmente fundados" (CANOTILHO,2000, p. 143). Essa definição basta no sentido de explicar o que é interpretar, entretanto encontra dificuldades no como interpretar e sobre que aspectos é ou não livre o intérprete.

A forma de interpretação e entendimento do conteúdo da Constituição é objeto de muitos estudos. A Constituição estadounidense, por ser a mais antiga dentre as escritas, sempre aguça a curiosidade sobre como uma norma tão antiga ainda pode servir aos dias de hoje e, ser prestável à maior das potências econômicas diante do avanço tecnológico e social por qual o mundo passa nestes tempos de globalização intensa.

A interpretação histórica ou método histórico de interpretação segundo BONAVIDES (2003, p. 406):

O método traça toda a história da proposição legislativa, desce no tempo a investigar a ambiência em que se originou a lei, procura enfim encontrar o legislador histórico, como diz Burckhardt, a saber, as pessoas que realmente participaram na elaboração da lei, trazendo à luz os intervenientes fatores políticos, econômicos e sociais, configurativos, da occasio legis.

Este tipo de interpretação é gênero do qual faz parte o originalismo, defendido por Robert H. Bork e criticado no Brasil por Luís Roberto Barroso por defender decisões conservadoras por parte da Suprema Corte Americana.

ALBUQUERQUE explica o que vem a ser a interpretação teleológica ou não-originalista, defendendo que este método é menos apegado ao texto original e utiliza-se de fragmentos extratextuais para alcançar a finalidade da norma, vejamos:

Ao lado do método histórico-evolutivo, surge o método teleológico, que visa à interpretação do texto em função da finalidade da lei. Neste método é preciso, também, atender às relações da vida, da qual brotam as exigências econômicas e sociais, procedendo-se à apreciação dos interesses em causa, à luz dos princípios da justiça e da utilidade comum. E tal apreciação não deixa de exigir um certo poder criador, valorizador e vivificador, da parte do intérprete.

Decomposto didaticamente por Luís Roberto Barroso, o método de interpretar as normas conforme a Constituição é assim apresentado:

  1. Trata-se da escolha de uma interpretação legal que a mantenha em harmonia com a Constituição, em meio a outra ou outras possibilidades interpretativas que o preceito admita.

  2. Tal interpretação busca encontrar um sentido possível para a norma.

  3. Além da eleição de uma linha de interpretação, procede-se à exclusão expressa de outra ou outras interpretações possíveis, que conduziriam a resultado contrastante com a Constituição.

  4. Por via de conseqüência, a interpretação conforme a Constituição não é mero preceito hermenêutico, mas também um controle de constitucionalidade pelo qual se declara ilegítima uma determinada leitura da norma legal.

Assim como no Brasil, os Estados Unidos aceitaram que uma corte suprema pudesse rever todas as leis e atos presidenciais no tocante à legalidade (judicial review). Essa posição coloca A Suprema Corte como intérprete final da Constituição, posição símile à do nosso Supremo Tribunal Federal (embora não se trate de uma corte constitucional pura).

As constituições escritas estão sujeitas a desatualização e à impertinência de algum preceito diante de uma evolução social e, diante disto surgem as criações de direitos que não existiam no texto original. Diante disto inúmeras críticas surgem, porque ao final isto significa uma usurpação da função legislativa e uma atitude antidemocrática na medida em que ofende o princípio da separação dos poderes.

Estabelecer limites à criação em cima da Constituição parece tarefa árdua, mormente quando se observa a pluralidade de situações concretas e a redução dos casos previstos expressamente na Constituição. Porém isto não serve como justificativa para a usurpação de função legislativa.

O texto sob análise trata justamente disto, do confronto entre o atual e o que teria sido a intenção da constituinte originária. A principal motivação para o embate é que o verdadeiro intento constitucional não está sendo respeitado, o que faz surgir a idéia de controle sobre como se interpreta a o texto constitucional e que se deve obediência ao ideário original.

A teoria Originalista tem como finalidade principal a observância do que os constituintes originários empregaram de valor e de significado ao texto constitucional. Essa teoria é apenas mais um método interpretativo, que por sua própria definição é um molde no qual tenta-se colocar o conteúdo da norma, certamente imperfeito como todos os demais métodos porque é estanque, não evolui de modo satisfatório.


2. A TEORIA ORIGINALISTA E NÃO-ORIGINALISTA

A teoria originalista de interpretação do texto constitucional baseia-se na busca pelos intenções dos fundadores americanos que elaboraram a constituição (constituinte originária), de modo a evitar manipulações políticas e econômicas nos julgamentos da Suprema Corte americana, além de reduzir o subjetivismo das decisões que dão primazia às predileções pessoais dos juízes sobre os interesses da nação. Para tanto, o auxílio histórico é evidentemente necessário para abstrair-se, se é que isto é possível, o verdadeiro significado da Constituição e estendê-lo aos dias atuais, abarcando assim situações não previstas pelos fundadores no texto constitucional.

A Constituição Estadunidense é do século XVIII o que, por si só, torna a busca pelas intenções dos fundadores distante da atual realidade. Aliado a isto a vagueza proposital do texto estadounidense realça a necessidade de dimensionar as palavras utilizadas no tempo e no espaço. Com o passar do tempo as palavras mudam de significado e de abrangência. Não podemos esquecer que um dia os negros foram escravos, passaram a libertos, estiveram sujeitos à discriminação e hoje, numa situação um pouco melhor estão sendo razoavelmente respeitados, como conciliar toda esta realidade numa só palavra no texto ou num conjunto de palavras? É óbvio lulante que houve uma adaptação. O cerne de toda a discussão do texto é a forma utilizada para se chegar a isto e o modo de controlar o arbítrio judicial em torno disto.

Se através do originalismo conseguir-se alcançar a intenção dos constituintes originários, pode acontecer de que esta intenção choque com os padrões atuais de juridicidade e de legitimidade da norma, o que força uma interpretação contrária se o que se busca seja a justiça apoiada na legalidade (estrita e lato sensu).

A busca pela intenção não fica no subjetivismo de quem analisa os dados históricos, mas finca-se na direção que os escritos apresentam como correta, deixando de lado o que os precedentes jurídicos informam e o que aspira o povo naquele momento, principalmente em questões constitucionais, onde há de se ter um guia mais seguro que as paixões populares.

A intenção dos fundadores foi criar uma constituição que durasse muito tempo, deixando-a vaga intencionalmente. Entretanto, a vagueza não serve de mote para imprimir subjetivismo excessivo nas decisões, nem para justificar uma usurpação de poder e criação de uma "elite privilegiada" eis que a Suprema Corte torna-se a própria constituinte na medida em que cria uma nova constituição ao sabor de suas próprias convicções, desprezando o poder soberano do povo de se autogerir e de se auto-determinar.

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3. CONCLUSÃO

A controvérsia das teorias divide-se em: uma postura mais ativa por parte dos magistrados e, na tentativa de restringir a liberdade dos juízes. O originalismo acredita poder encontrar um sentido unívoco da Constituição, ao passo que o não-originalismo entende que não é possível alcançar esse sentido absoluto.

O primeiro refere-se à interpretação da Constituição que pode subdividir-se em dois ramos: o daqueles que acreditam ser possível extrair um significado unívoco da Constituição e, o outro, daqueles que entendem que a determinação desse significado unívoco é impossível de ser atingido.

Dworkin encontra dois tipos de valores na constituição: as concepções e os conceitos. Os conceitos são as intenções abstratas dos constituintes, caracterizados pelas expressões vagas, indeterminadas, as concepções são os preceitos mais concretos, claros e precisos, aos quais a literalidade basta para o entendimento. Para ele os tribunais tem margem dentro dos conceitos, porque estes são indeterminados, cabendo ao magistrado adequá-los à realidade, escolhendo o conceito moralmente correto. Esta escolha feita pelo tribunal é caracterizada pela filosofia moral aliada à filosofia jurídica, tudo encontrado dentro da Constituição, vista apenas com olhos ou lentes mais adequadas ao caso concreto e aos valores em discussão.

A idéia originalista, em primeira leitura, parece ser a única forma de fugir da "tirania dos juízes usurpadores" que fazem da Constituição um instrumento particular dos tribunais, retirando do povo uma carta de direitos que é sua, fazendo isto por meio da restrição do número de intérpretes da Constituição. Somente o embate de teses é meio realmente seguro de se evitar abusos por parte dos tribunais no poder-dever de interpretar a Constituição. A tese originalista parte do pressuposto que o texto da Constituição basta em si mesmo, o que parece e é falso.

Existe uma zona de nebulosidade em qualquer texto e se o leitor deste não buscar em outras fontes o significado do que lê e as implicações do seu raciocínio, certamente irá surgir uma interpretação esdrúxula e esta sim, totalmente fora dos padrões constitucionais intentados pelo legislador constitucional. O que macula o não-originalismo é que está sujeito à ditadura da maioria, que pode ser prejudicial ao povo porque a Constituição Democrática abarca valores de todos, inclusive as minorias.

Como caráter conclusivo acerca do texto, apresento-me a favor das duas interpretações: a originalista e a não-originalista, porque os limites são necessários, mas não ao ponto de engessar todo o processo de evolução dos valores sociais. O que deve ser a todo modo evitado são os excessos, estes traduzidos na supressão de direitos e nas tendências, sempre totalitárias, de se impor o pensamento majoritário como verdade absoluta e imutável. O subjetivismo é algo talvez insuperável em todas as duas teorias, porém as soluções que agradam a todos não são possíveis de serem alcançadas, ao passo que temos que conviver com uma margem de arbítrio em tudo, inclusive nas decisões judiciais. O que mitiga este arbítrio é a necessidade de motivação, esta sim essencial em todos os casos. O conteúdo jurídico das normas não é matemático, de forma que sua análise também não o é, então é necessário que a análise sobre a constitucionalidade seja sempre estendida ao maior número possível de intérpretes, de modo a viabilizar uma discursividade plausível e assegurar um processo democrático de constitucionalidade das leis.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ALBUQUERQUE, Mário Pimentel. O órgão jurisdicional e a sua função: estudos sobre a ideologia, aspectos críticos, e o controle do Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1997.

  • BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

  • BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

  • CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 2000.

  • GARGARELLA, Roberto. A Justiça frente ao governo. Barcelona: Editorial Ariel, 1996. Trad. José Rios Medeiros.


BIBLIOGRAFIA

  • BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1993.

  • BORK, Robert H. O que pretendiam os Fundadores. In Revista de Direito Público, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n.° 93, pp. 6-9, ano 23, janeiro- março 1990.

  • CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 2003.

  • CAPPELLETTI, Mauro. Juizes Legisladores?. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1993.

  • MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. A Constituição democrática. Jus Navigandi, Teresina, a. 1, n. 13, mai. 1997. Disponível em: <jus.com.br/artigos/84>. Acesso em 17 maio 2004.

  • MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001.

  • SANTOS, Osmane Antônio dos. Propedêutica sobre o controle de constitucionalidade e a interpretação constitucional nos EUA. Disponível na Internet: <http://www.neofito.com.br>. Acesso em 15 de maio de 2004.

  • SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. A Justiça frente ao Governo: Algumas notas. Disponível na Internet: . Acesso em 15 de maio de 2004.

  • SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2003.

  • SILVEIRA, Vilani Mendes. A interpretação constitucional americana e a intenção dos constituintes. Disponível na Internet: . Acesso em 15 de maio de 2004.

  • TRIBE, Laurence H. Os limites da Originalidade. In Revista de Direito Público. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, n.° 93, pp. 9-12, ano 23, janeiro-março 1990.

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Sobre a autora
Dayse Coelho de Almeida

Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe - UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados - ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Coautora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Dayse Coelho. Interpretação da Constituição:: método originalista e não-originalista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 401, 6 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5541. Acesso em: 22 dez. 2024.

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