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Aspectos quanto a rejeição da denúncia, ante a suspensão da pretensão punitiva, em decorrência da empresa, gerida pelo denunciado ter aderido ao Refis

07/08/2004 às 00:00
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Sobre a temática ora trazida à discussão, mister se torna tecer algumas considerações preliminares.

Com o intuito de regularizar os débitos das pessoas jurídicas, decorrentes de tributos e contribuições sociais devidos à União, vencidos e inadimplidos até 29 de fevereiro de 2000, foi editada a Lei n.º 9.964, de 10 de abril de 2.000, regulamentada pelo Decreto n.º 3.431, de 24 de abril de 2.000, que instituiu o Programa de Recuperação de Débitos Fiscais - REFIS. 

Tal programa, entretanto, a par dos dispositivos de natureza extra-penal que contêm, e cuja finalidade é a moralização e o saneamento do sistema de arrecadação, tem ensejado, na seara penal, inúmeras controvérsias a respeito de sua aplicabilidade.

A primeira delas, de cunho doutrinário e jurisprudencial, deve-se ao fato de constituir-se, o artigo 15, da Lei nº 9.964/2000, norma mista, já que, em seu caput, prevê a suspensão do jus puniendi estatal (regra de direito processual) e, em seu parágrafo 1º, a suspensão do curso do prazo prescricional (regra de direito material). Discute-se, então, se poder-se-ia aplicá-la a fatos ocorridos antes de sua vigência e eficácia, e, se tal aplicação, poderia se dar de forma fragmentada, já que, possuindo natureza mista, estar-se-ia podendo, tanto beneficiar, quanto prejudicar o réu.

Eis o que preceitua o artigo em comento:

"Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1° e 2° da Lei n° 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei n° 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º O disposto neste artigo aplica-se, também:

I – a programas de recuperação fiscal instituídos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, que adotem, no que couber, as normas estabelecidas nesta Lei;

II – aos parcelamentos referidos nos arts. 12 e 13.

§3º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal"

É sabido que, para que interpretemos devidamente tais comandos, é preciso que os examinemos em conjunto, para que verifiquemos o verdadeiro sentido de cada um deles. Essa norma, como qualquer outra, é uma unidade, e seu objetivo, como tal, traz benefícios àqueles a quem é dirigida.

Depreende-se, de sua leitura, que tem como escopo os contribuintes que se encontram em situação irregular para com os cofres públicos, visando lhes dar a oportunidade de saldar seus débitos. O que se pretende, em verdade, é promover a regularização de créditos tributários, obtendo-se, com isto, maior arrecadação.

Quanto aos seus ditames, ao contrário do que muitos alegam, não constituem afronta o ordenamento jurídico-penal vigente, senão vejamos.

Temos, no referido art. 15, caput, norma de direito processual (suspensão da pretensão punitiva) e, no seu parágrafo primeiro, regra de direito material (suspensão do prazo prescricional). Quanto a esta, não há dúvidas que se trata de lei penal mais severa, logo, num primeiro momento, descabida sua retroação. Já no tocante àquela, norma processual ligada ao próprio ius puniendi estatal, por mais benéfica ao acusado, poderia alcançar os fatos anteriores à data em que entrara em vigor.

Todavia, diante de tal contexto, é de se entender pela impossibilidade da aplicação parcial de tais preceptivos, ou seja, da retroatividade apenas da suspensão da pretensão punitiva, não sendo a solução mais justa, eis que restaria o Estado impedido de exercer a persecução pelo fato criminoso em tese configurado, ao passo que, a continuidade do curso do prazo prescricional levaria alguns agentes à impunidade. Faz-se imperioso, portanto, que passemos a uma interpretação coerente e justa.

Assim, se é certo que o artigo 15, em seu caput, prevê a suspensão da pretensão punitiva do Estado, determina, outrossim, que ela se dê pelo tempo que perdurar a inclusão do devedor no Programa. Já, quando, em seu parágrafo 1º, dispõe a respeito da suspensão da prescrição, reserva o direito de punição na hipótese de não cumprimento da avença.

Interpretando-se, sistematicamente, tais dispositivos, bem como o inserto em seu parágrafo 3º, o qual dispõe a respeito da extinção da punibilidade, afere-se que, de uma forma geral, acabam por se mostrar benéficos ao agente, eis que, preferível, a este, não sofrer os percalços de uma ação penal e, em cumprindo o parcelamento acordado, ver extinta a punibilidade de seus atos, do que se sujeitar a todo o processo judicial a fim de que não veja suspenso o prazo prescricional.

Tem-se, portanto, como a única solução possível, a aplicação integral do dispositivo em tela, seja porque expressa, a meu ver, a real vontade do legislador, e, beneficia, em sua essência, àqueles aos quais a norma foi destinada, ou, ainda, porque, se a decompuséssemos, estaríamos rompendo com sua sistematicidade intrínseca, alterando sua finalidade teleológica.

Diante disto, as disposições introduzidas pela Lei nº 9.964/2000 devem alcançar as condutas praticadas antes de 11/04/2000, pois representam, em seu conjunto, norma penal mais benigna, já que possibilitam ao agente não responder a uma ação penal, bem como estabelecem a decretação de extinção da punibilidade ao término do pagamento integral do débito (§3º, de seu artigo 15). Destarte, tratando-se de lei penal mais benéfica, possível é a sua retroação, nos termos do disposto no inciso XL, do art. 5º, da Constituição Federal e do art.2º, parágrafo único, do Código Penal.

Ademais, a jurisprudência, em reiteradas oportunidades, manifestou-se no sentido da adoção conjunta dos aludidos comandos, preponderando a vantagem proporcionada ao acusado em afastar a persecução penal sobre o desfavorável impedimento da fruição do prazo prescricional e sobre a retroatividade das regras jurídico-penais em discussão, conforme se depreende do julgado que abaixo transcrevo, in verbis:

"PENAL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NÃO RECOLHIMENTO. ART. 168-A DO CP. DOLO. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO COM BENEFÍCIO PARA O ACUSADO.

1. "Considerando que o débito a que se refere a denúncia oferecida contra os pacientes é o mesmo constante do termo de opção pelo Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, instituído pela Lei 9.964/2000, e de que essa opção se deu antes do recebimento da referida denúncia, a Turma, em face do disposto no art. 15 da citada Lei, deferiu o habeas corpus, para suspender a ação penal durante o cumprimento das obrigações do REFIS" – HC 81444, Rel. Min. NELSON JOBIM, julgado em 19.02.2002 – Informativo STF nº 257.

2. In casu, tratando-se de hipótese rejeição da denúncia, protocolizada em 19.12.2001, se dá com base no inciso III, do art. 43 do CPP, há que ser mantida a decisão hostilizada, visto que falta ao parquet interesse jurídico para denunciar enquanto estiverem suspensos a pretensão punitiva e o curso da prescrição. No caso de não pagamento, ou de exclusão do contribuinte do REFIS é que haverá legítimo interesse para oferecimento de nova peça acusatória.

3. A suspensão do curso da prescrição mostra-se benéfica, "porque além de envolver a própria pretensão punitiva, que obsta o oferecimento da denúncia, há previsão de extinção da punibilidade ao final do parcelamento. A aplicação retroativa da norma prevista no § 1º da Lei nº 9.964/2000, que prevê a suspensão do prazo prescricional, analisada isoladamente, conduz à conclusão de violação de direito fundamental do cidadão, mas a lei deve ser interpretada de maneira sistemática, levando-se em conta a previsão de extinção da punibilidade contida no parágrafo 3º, do artigo 15. Sendo, pois, a lei em exame de conteúdo misto, com repercussão na órbita do direito penal benéfica ao réu, deve retroagir".

4. Recurso em sentido estrito improvido" (RCCR 1177 – Processo nº 200202010118802/RJ, trf 2ª Região, 4ª Turma, Rel. Des. Federal Rogério de Carvalho, julg. 13/11/2002 e publ. 17/02/2003).

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Ressalte-se, por oportuno, também, que não há que se comparar a aplicação do mencionado art. 15 da Lei 9.964/2000 com o entendimento adotado em relação ao Art. 366 do CPP, com a redação dada pela Lei 9.271/96. Isto porque, a orientação que foi dada a este último, convergiu no sentido da não retroatividade do comando, prevalecendo o conteúdo material da norma, prejudicial ao réu. Já o artigo 15 da Lei 9.964/2000, ora em discussão, é, na sua integralidade, mais benigno, alcançando, portanto, fatos compreendidos antes do início de sua vigência. Nesta linha assim se decidiu, in verbis:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. REFIS. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO. INCIDÊNCIA DO ART. 15, CAPUT E §1º, DA LEI Nº 9.964/2000. RETROATIVIDADE. LEI MAIS BENÉFICA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

1. Em matéria de direito intertemporal, a regra geral é a da prevalência da lei do tempo do fato (tempus regit actum), salvo em se tratando de norma penal mais benigna, quando prevalece o princípio da retroatividade da lei (CF/88, art. 5º, XL e CP, art. 2º, parágrafo único).

2. Problema surge quando a norma posterior favorece o réu em parte, prejudicando-o, todavia, em outra. É o que ocorre no caso em tela, onde a Lei nº 9.964/2000 estabelece a suspensão da pretensão punitiva do Estado, com suspensão da prescrição, para aqueles que forem incluídos no REFIS antes do recebimento da denúncia, com a extinção da punibilidade ao final, quando quitado integralmente o débito.

3. Nestas hipóteses, a solução está em se traçar um paralelo entre a situação do réu antes e depois da lei nova, apurando-se quais seriam os resultados e conseqüências da aplicação da norma posterior, para, a final, verificar qual a menos gravosa ao acusado.

4. Na espécie, não restam dúvidas de que é muito mais benéfico ao réu não sofrer os percalços de uma ação penal e, em cumprindo o acordado, ter extinta a punibilidade de seus atos, do que sujeitar-se a todo processo judicial a fim de que não veja suspenso o prazo prescricional.

5. Não se pode dar ao art. 15 da lei do REFIS a mesma interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal quando do enfrentamento das inovações trazidas pela Lei nº 9.271/96, que alterou o artigo 366 do CPP. É que, diferentemente do disposto no artigo 366 da Lei Penal Adjetiva, o artigo 15 da Lei do REFIS (conjugadas as previsões do caput, §§ 1º e 3º) tem o condão de gerar a extinção da punibilidade do réu. Tal benesse não é, contudo, objeto do artigo 366 do CPP (Lei nº 9.271/96), que apenas assegura ao estado a manutenção de seu jus puniendi.

6. Recurso criminal em sentido estrito improvido.

(TRF 4ª Região – 7ª Turma – RCCR 2000.71.00.020732-2/RS – Rel. Juiz Fábio Rosa – DJ: 14/11/2001) (grifou-se)

Quanto à possibilidade de se vislumbrar possível inconstitucionalidade do artigo 15, do mencionado diploma legal, por ofensa ao princípio da moralidade administrativa, não há como cogitá-la. O Programa do REFIS faculta, ao contribuinte, a oportunidade de liquidar os seus débitos, tendo, como objetivo, a proteção das receitas públicas. Destarte, buscando-se obter uma maior arrecadação com estas receitas, que serão revertidas em benefícios para toda a sociedade, tal situação se compatibiliza, inteiramente, com a moralidade administrativa.

Tampouco há que se falar que a Lei n.º 9.964/2000 cria uma hipótese de crime imprescritível, porquanto, ainda que o lapso prescricional possa ficar suspenso por um longo período – enquanto a pessoa jurídica estiver incluída no REFIS – o fato é que em caso de descumprimento do acordado o prazo voltará a correr (in Recurso Criminal em Sentido Estrito n.º 2001.71.00.030635-3/RS, TRF 4ª Região, Turma Especial, Rel. Des. Federal FÁBIO BITTENCOURT DA ROSA, D.J. 23/01/2002).

Todavia, deve-se ressaltar por fim, que caso a empresa seja excluída do Programa - REFIS, conseqüentemente, retorna ao ente estatal a possibilidade de voltar a exercer a pretensão punitiva.

Transcrevo, nesta linha, e, por oportuno, o seguinte julgado, in verbis:

"PENAL – RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS -EXCLUSÃO

I- A empresa optante pelo Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, foi excluída do Programa, conforme a Portaria nº 069 de 17/12/01,por falta de pagamento.

II- A inclusão da empresa no Programa suspende a pretensão punitiva do estado e da mesma forma, a sua exclusão do referido Programa autoriza o prosseguimento da apuração da responsabilidade penal de seus dirigentes.

III- Recurso provido." (TRF – 2.ª Região. Proc. n.º 2002.02.01011881-4. Rel. Desemb. Fed. Tânia Heine. DJU: 28/11/2002)

Assim sendo, verifica-se que, consoante o art. 15, caput, da Lei n.º 9.964/2000, está suspensa, a pretensão punitiva do Estado enquanto a empresa estiver incluída no REFIS, desde que a opção no referido Programa ocorra antes do recebimento da denúncia, não podendo ser iniciada a ação penal, sob pena de configurar constrangimento ilegal.

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Sobre o autor
Pedro Melchior de Melo Barros

advogado em Recife (PE), membro do escritório Ivo Barboza Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Pedro Melchior Melo. Aspectos quanto a rejeição da denúncia, ante a suspensão da pretensão punitiva, em decorrência da empresa, gerida pelo denunciado ter aderido ao Refis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 396, 7 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5544. Acesso em: 2 nov. 2024.

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