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Gravação da audiência cível sob a sistemática do CPC/2015: questões controversas

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01/03/2017 às 16:36
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4 – COMUNICAÇÃO PRÉVIA SOBRE INTENÇÃO DE GRAVAR A AUDIÊNCIA E A ANUÊNCIA DOS MEMBROS DA RELAÇÃO PROCESSUAL

Passemos à segunda questão levantada na introdução deste ensaio, referente à necessidade de comunicação prévia ao juízo e aos demais integrantes da relação processual sobre a intenção de gravar unilateralmente a audiência. Sobre o ponto, vejamos a lição de Fredie Didier Júnior, et al[23]:

“Essa gravação também poderá ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial. Nesse caso, ainda que não haja necessidade de autorização judicial, a parte deve informar a todos os participantes da audiência que procederá à gravação: essa é uma exigência ética que decorre do princípio da boa-fé e do princípio da cooperação (arts. 5º e 6º do CPC).”

Traduzindo esforço legislativo para concretização da efetividade processual, o novo CPC encampou expressamente a boa-fé processual (“Art. 5o. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”) e o princípio da cooperação (“Art. 6o. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”), este último um postulado há muito introduzido no Código de Processo Civil português (art. 7º), cujas diretrizes são destinadas aos juízes e às partes com a finalidade de se obter, “com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.

Em princípio parece louvável, do ponto de vista da lealdade e da transparência, que todas as pessoas que participam da audiência tenham pleno conhecimento de que o ato processual está sendo gravado em imagem e/ou em áudio. Assentindo com tal posicionamento doutrinário, cabe indagar: como e quando a parte interessada realizaria a comunicação?

Teríamos a via do simples peticionamento pela parte interessada, em momento procedimental anterior à audiência, ou durante a abertura do próprio ato, in loco.

Dois complicadores poderiam advir da comunicação prévia, em ambas as hipóteses. De um lado, a impugnação pela parte contrária. E aqui não importa conjecturar sobre a idoneidade do fundamento invocado para tanto. Sendo impugnada a pretensão, caberá ao juiz a última palavra sobre o ato de gravação unilateral.

Ou, sob outro prisma, o magistrado, supondo (erroneamente) tratar-se a prerrogativa de simples faculdade (sujeita, nesses termos, ao seu arbítrio), poderia indeferir oficiosamente a gravação.

A decisão de indeferimento da gravação não seria impugnável por meio de agravo de instrumento, já que ela não se enquadra no rol exaustivo do art. 1.015 do CPC/2015 (lembrando que o agravo retido foi extinto). Restaria ao interessado, havendo risco premente de dano, impetração de mandado de segurança ou ajuizamento de correição parcial, com todas as conhecidas dificuldades inerentes a tais instrumentos (Súmula 267 do STF e requisitos específicos para manejo da correição parcial, segundo regimentos dos Tribunais estaduais e federais, por exemplo).

Percebe-se, a partir de formulações hipotéticas singelas, que o zelo pela boa-fé e pela cooperação processual – na esteira da citada lição doutrinária – teria o condão de desencadear uma multiplicidade de fatos processuais passíveis de discussão (em graus distintos de jurisdição, inclusive), contribuindo, ao fim e ao cabo, para retardar consideravelmente a prestação jurisdicional. Inegável o contrassenso, na medida em que os citados princípios processuais (boa-fé e cooperação) existem para viabilizar a efetividade do processo, calcada justamente na sua duração razoável (cabe notar que o postulado previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal é apontado por Humberto Theodoro Júnior como subprincípio do devido processo legal).[24]

Sem prejuízo dos inconvenientes práticos salientados, a comunicação prévia poderia ainda comprometer a finalidade precípua da gravação unilateral da audiência, qual seja, o afastamento do arbítrio estatal. Explicamos: o tradicional e “pré-histórico” sistema da redução a termo por ditado não apenas contribui para atrasar a coleta da prova, mas, permite que se faça registrar versão fática dissonante da apresentada pela testemunha, dificultando sobremaneira a sustentação da matéria em grau recursal, pela parte prejudicada.

Se, porventura, a gravação for destinada a coibir tal comportamento, o elemento surpresa parece-nos indispensável. É pouco plausível que o magistrado, uma vez comunicado sobre a intenção de gravar o ato, mantenha o proceder arbitrário. Tal constatação nos remete à dúvida sobre a necessidade de anuência da(s) outra(s) parte(s) envolvida(s) na relação processual para registro da audiência pelo interessado. A resposta, aqui, só pode ser negativa.[25]

Em primeiro lugar, o dispositivo que franqueia a gravação (art. 367, 6º, do CPC/2015) constitui, segundo sublinhado, consectário de uma garantia processual de índole constitucional. Lidamos com um direito público subjetivo, portanto.

Em segundo lugar, ao juiz compete dirigir o processo e exercer poder de polícia, “requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais”. (art. 139, VII, CPC/2015).

Ora, se, por força da lei, a gravação da audiência independe da anuência do magistrado (esteja ou não o processo acobertado pelo manto do sigilo, conforme analisado anteriormente), seria incongruente solicitar permissão à parte contrária – que não controla a regularidade processual (via poder de polícia) – para exercer um direito subjetivo.

Registramos, ao cabo, que a gravação unilateral da audiência pode beneficiar não somente quem executa a medida, mas a(s) parte(s) contrária(s) e o próprio juiz.


5 – CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A partir do raciocínio exposto neste ensaio, ressaltam, como principais, as seguintes conclusões:

1) O novo CPC é regido expressamente pelas normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil (art. 1º). A publicidade processual (CR/88, art. 93, IX) impôs ao Estado o dever de se justificar e, nesse sentido, a disposição contida nos parágrafos 5º e 6º do art. 367 do CPC/2015 traduz a consequência, no plano legal, de um postulado hierarquicamente superior;

2) A interpretação literal do art. 93, IX, da Constituição Federal, elimina qualquer possibilidade de extensão do sigilo processual (porventura decretado pelo juiz) às partes e/ou aos seus procuradores. Nesses termos, a gravação unilateral da audiência pelo defensor público ou pelo advogado constitui exercício de um direito público subjetivo e meio eficaz de coibir o registro inexato de informações obtidas na instrução processual;

3) Se, de um lado, os procuradores possuem amplo acesso às informações extraídas do processo, não apenas eles, mas todos os demais integrantes do Sistema de Justiça (juízes, membros do Ministério Público e servidores) possuem o dever de não divulgar dados sigilosos, sob pena de caracterização de ilícito civil, criminal e administrativo;

4) Sob o ponto de vista da lealdade e da transparência (boa-fé e cooperação processual), é pertinente que o patrono da parte informe aos demais integrantes da relação processual sobre a intenção de gravar a audiência. Contudo, se a gravação unilateral tiver como escopo afastar conduta antijurídica praticada pelo juiz ou por outrem, a comunicação prévia poderá tornar inócua a medida;

5) De acordo com a lei, a gravação realizada diretamente por qualquer das partes independe de autorização judicial. Sendo o magistrado responsável pelo exercício do poder de polícia em audiência, afigurar-se-ia contraditório submeter o pleito de gravação do ato ao crivo da(s) parte(s) contrária(s);

6) A substituição do atual sistema de colheita de informações em audiência (redução a termo por ditado) pelo sistema de gravação audiovisual (ou outro método semelhante) não implicaria dispêndio público elevado e teria impacto direto na celeridade processual, na medida em que tornaria fluido, ininterrupto e espontâneo o recolhimento de prova oral pelo juízo;

7) O novo Código de Processo Civil não traz imposição legal, dirigida ao Judiciário, de gravação dos atos presididos pelo magistrado. A adoção de um modelo semelhante ao previsto no art. 155 do CPC português impulsionaria, a nosso ver, o investimento na modernização logística do procedimento e eliminaria as principais dúvidas que pairam em torno da aplicação do §6º do art. 367 do CPC/2015.


6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Gravação de audiência e o art. 417 do código de processo civil. São Paulo, Nov./2010. Disponível em: <http://www.aasp.org.br>. Acesso: 9.9.2016.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 93, n. 337, jan./mar. 1997.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao estado de direito. In: Temas de direito processual: segunda série, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

BONAVIDES, Paulo. Senado Federal e STF: queda e ascensão. Folha de S. Paulo. 26 out. 2007. Caderno 1, p. 3.

BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2.

LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. rev. e aum., com atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1997. t. III.

PORTUGAL, Centro de Estudos Judiciários. Caderno 1 – O novo Processo Civil: contributos da doutrina para a compreensão do novo código de processo civil. 2. ed. Lisboa, dezembro/2013. Disponível em: <http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil.pdf>. Acesso: 7.9.2016.

REICHELT, Luis Alberto. A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo. Revista de Processo. São Paulo, v. 234, p. 77, ago. 2014.

________. Sistemática recursal, direito ao processo justo e o novo Código de Processo Civil: os desafios deixados pelo legislador ao intérprete. Revista de Processo. São Paulo, v. 244, p. 15, jun. 2015.

SANTOS, Alberto Luís Marques dos. O registro fonográfico das audiências e o novo texto do art. 170 do CPC. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 715, p. 16, maio/1995.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito fundamental à duração razoável do processo. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, v. 29, p. 83, mar/abr. 2009.

VARGAS, José Cirilo de. Direitos e garantias individuais no processo penal, Rio de Janeiro: Forense, 2002.


Notas

[1] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 270.

[2] A regra que excepciona a publicidade processual está prevista no art. 189 do CPC/2015, in verbis: Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. § 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores.

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[3] TJRS, habeas corpus nº 70059391953, Terceira Câmara Criminal, j. 8.5.2014.

[4] SANTOS, Alberto Luís Marques dos. O registro fonográfico das audiências e o novo texto do art. 170 do CPC. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 715/1995, p. 19.

[5] No ano de 1995 Luís Marques dos Santos informou que “No Rio Grande do Sul, Estado pioneiro em tantas iniciativas de modernização do Judiciário, o registro fonográfico das audiências criminais é cotidianamente empregado, há mais de quatro anos, nas duas Varas do Júri de Porto Alegre. Os depoimentos são gravados, e a transcrição é feita depois, em Cartório, e apresentada em 48 horas aos interessados. A testemunha assina apenas o termo de audiência; o termo de transcrição é assinado apenas pelo escrivão, e encerrado por certidão de fidelidade da tradução. A experiência relatada pelos profissionais daquelas Varas dá conta do incontestável sucesso desse sistema. Como o CPP (LGL\1941\8), em sua redação atual, não dá permissão expressa para a utilização da gravação magnética, o registro é precedido de consulta às partes sobre sua anuência. Em mais de quatro anos de adoção do método, nenhuma impugnação ou objeção ao emprego da gravação foi registrada, nunca um Promotor ou advogado negou sua anuência ao emprego da gravação, e nenhuma transcrição datilográfica foi, até hoje, impugnada. Demonstração de que o MP e os advogados, desde o primeiro contato, percebem as inumeráveis vantagens do sistema fonográfico sobre o tradicional e "pré-histórico" sistema da redução a termo por ditado.” (SANTOS, Alberto Luís Marques dos. O registro fonográfico das audiências e o novo texto do art. 170 do CPC. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 715/1995, p. 20)

[6]A possibilidade de gravação de audiências em meio digital, por exemplo, faz com que seja derrubado um dos maiores obstáculos tradicionalmente associados à possibilidade de reexame em relação à valoração da prova em âmbito recursal, qual seja o argumento de que a inexistência de imediatidade do órgão recursal em relação à prova oral tornaria pouco recomendável fosse afastada a conclusão trazida pelo julgador de primeira instância. Ora, sob o pálio dos novos recursos tecnológicos, o julgador responsável pela análise de um agravo de instrumento ou de uma apelação (ou, ainda, de um recurso especial!) acaba tendo ao seu dispor toda a informação necessária para poder enfrentar o questionamento trazido pela parte em relação à correção ou não da valoração da prova estabelecida pelo juízo a quo. Por mais que a função dos tribunais superiores acabe sofrendo transformação em função do papel que se queira a elas atribuir ao longo do tempo, o fato é que nem mesmo perante tais órgãos haveria razão a justificar a proibição ao enfrentamento mais detido em sede de valoração da prova.” (REICHELT, Luis Alberto. Sistemática recursal, direito ao processo justo e o novo Código de Processo Civil: os desafios deixados pelo legislador ao intérprete. Revista de Processo. São Paulo, vol. 244/2015, p. 20).

[7] “O Estado contemporâneo se organiza e se rege por uma Constituição, dentro de uma estruturação jurídica que lhe permite a criação de órgãos para o desempenho de suas funções essenciais, que não são soberanos, pois é o Estado que detém a soberania em nome do povo, sem a qual lhe faltaria o poder de criação e de aplicação das normas que edita para composição do seu ordenamento jurídico, o qual lhe serve de diretriz obrigatória no desempenho de quaisquer de suas funções.(CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, p. 216).

[8] VARGAS, José Cirilo de. Direitos e garantias individuais no processo penal, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 52.

[9] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 93, n. 337, jan./mar. 1997, p. 107.

[10] LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 40. Trata-se da ‘função normativa própria’ ou ‘normogenética’ exercida pelos princípios, função esta “compreendida como informadora ou de fundamentação do ordenamento jurídico em toda sua extensão. (...) A partir dessa concepção teórica, tem-se o reconhecimento doutrinário da sua natureza normativa própria com força vinculante e não apenas simples enunciado programático.” (CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional, p. 122).

[11] GOYARD-FABRE, Simone. Les principes philosophiques du droit politique moderne, p. 78, apud CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional, p. 99.

[12] BONAVIDES, Paulo. Senado Federal e STF: queda e ascensão. Folha de S. Paulo. 26 out. 2007. Caderno 1, p. 3.

[13] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao estado de direito. In: Temas de direito processual: segunda série, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 89.

[14] REICHELT, Luis Alberto. A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo. Revista de Processo. São Paulo, vol. 234/2014, p. 80.

[15] Para o Professor Luis Alberto Reichelt “é possível identificar a opção da Constituição Federal por uma via semelhante à percorrida pela Corte Europeia de Direitos Humanos ao estabelecer que a publicidade dos debates em juízo se constitui em um princípio fundamental que protege os jurisdicionados contra uma justiça secreta, atuando fora das possibilidades de controle pelo público. Essa configuração da atuação do Poder Judiciário é vista como meio hábil a contribuir para a preservação da confiança nas cortes e tribunais, permitindo a construção de um modelo de processo justo. Essa diretriz pode ser vista, ainda, em outros documentos internacionais fundamentais, como o Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, de 19 de dezembro de 1966 (art. 14, § 1), a Convenção Europeia de Direitos Humanos (art. 6.º § 1), a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (arts. 8.º e 10) e o Pacto de San José da Costa Rica (art. 8.º, § 1.º)”. (A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo. Revista de Processo. São Paulo, vol. 234/2014, p. 79).

[16] Afirma o juiz português Artur Cordeiro que “Em todo o caso, a gravação revela-se, quase sempre, a melhor forma de documentação, especialmente no que toca aos actos de instrução do processo (ao nível da recolha da prova), propiciando a sempre desejada celeridade (o processo de recolha é fluido, sem interrupções e sem quebra de espontaneidade) e, primordialmente, a necessária fidedignidade (permitindo a total percepção do que é dito, do modo como é dito e das circunstâncias em que é dito, obstando ainda à invocação de desconformidades entre o que é dito e o que fica escrito).” (PORTUGAL, Centro de Estudos Judiciários. Caderno 1 – O novo Processo Civil: contributos da doutrina para a compreensão do novo código de processo civil. Lisboa, dezembro/2013, 2ª ed, p. 302.

[17] A função pedagógica da publicização dos atos processuais parece ser a tônica motivadora da atividade desempenhada pela TV Justiça, canal de televisão do Judiciário Brasileiro e administrado pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo estudo promovido pela Associação dos Advogados do Estado de São Paulo (AASP), “alastra-se a prática de gravações oficiais de sessões de julgamento, inclusive com transmissão para o grande público, seja pela televisão, seja   pela Internet, como no caso das sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), veiculadas pela TV Justiça, ou as gravações, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de todos os seus julgamentos. Medidas semelhantes estão sendo adotadas sponte propria por diversos Tribunais, em todo o país, no sentido de se aparelharem para proceder à gravação de audiências, visando a garantir não apenas a celeridade do processo, mas também a fidelidade do registro dos atos processuais e a inegável economia de recursos materiais e humanos que pode resultar da dispensa da transcrição em papel e seu consequente armazenamento”. (Associação dos Advogados do Estado de São Paulo. Gravação de audiência e o art. 417 do código de processo civil. São Paulo, Nov./2010, p. 8, disponível em: http://www.aasp.org.br, acesso em 9.9.2016).

[18] REICHELT, Luis Alberto. A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo. Revista de Processo. São Paulo, vol. 234/2014, p. 80.

[19] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. rev. e aum., com atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1997. t. III, p. 51.

[20] Colacionamos, para ilustrar o argumento, duas ementas de julgamentos realizados pelo Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, anteriores à vigência da Lei Federal nº 13.105/2015, in verbis: “GRAVAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PELO ADVOGADO POSSIBILIDADE LEGAL E ÉTICA. Não há infração ética por parte do advogado que grava audiência, independentemente de autorização ou prévia comunicação, mesmo nos processos que tramitam sob segredo de justiça. É lícita a gravação de audiência feita por advogado devidamente constituído nos autos a qual poderá ser devidamente utilizada para exercício do direito constitucional da ampla defesa a fim de confrontar eventuais erros na transcrição e comprovar a existência de equívocos. Importante ressaltar que a divulgação e utilização indevidas de tais gravações podem configurar infração ética e, em alguns casos, crime. Por fim, também é considerada lícita a gravação realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. v.u., em 15/10/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. Sylas Kok. Rev. Dr. João Luiz Lopes – Presidente Dr. Carlos José Santos Da Silva.” (Ementa aprovada pela Primeira Turma de Ética Profissional do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo – 588ª Sessão de 15 de outubro de 2015.) “ADVOGADO. GRAVAÇÃO DE DEPOIMENTO EM AUDIÊNCIA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO. PRERROGATIVA PROFISSIONAL. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E DO LIVRE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. LEALDADE PROCESSUAL E SIGILO QUE DEVEM SER OBSERVADOS PELO ADVOGADO. O advogado pode documentar, para posterior consulta, os depoimentos prestados em audiência, mediante equipamentos de gravação próprios. Para tanto, não há necessidade de prévio requerimento. Em observância à lealdade processual, a gravação deve ser ostensiva.” (Número do Acórdão: 211. Processo nº: 3914/2011. Relatora Vanessa Dias Simas Scholz, j. 05.10.2012.)

[21] MORAES, Maurício Zanoide de. Publicidade e proporcionalidade na persecução penal brasileira. In: FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de (Coords.). Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 43 apud Associação dos Advogados do Estado de São Paulo. Gravação de audiência e o art. 417 do código de processo civil. São Paulo, Novembro/2010, p. 12, disponível em: http://www.aasp.org.br, acesso em 9.9.2016.

[22] Associação dos Advogados do Estado de São Paulo. Gravação de audiência e o art. 417 do código de processo civil. São Paulo, Novembro/2010, p. 12, disponível em: http://www.aasp.org.br, acesso em 9.9.2016.

[23] DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2., p. 32.

[24] O professor aposentado da UFMG faz interessante ponderação sobre a duração razoável do processo: “É de observar que a duração razoável não foi propriamente introduzida em nosso processo pela Emenda Constitucional nº 45. Já havia um consenso de que sempre esteve implícita na garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Isto porque não se pode recusar à economia processual, em si mesma, a categoria de um dos princípios fundamentais do moderno processo civil, e, assim, a garantia de duração razoável do processo já seria uma garantia fundamental originariamente consagrada pela Constituição de 1988. Com efeito, por força do § 2º de seu art. 5º, os direitos e garantias fundamentais não são apenas os expressos nos diversos incisos daquela declaração, mas incluem, também, “outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (...) Além disso, e ainda por força do mesmo § 2º do art. 5º da Constituição, a garantia de duração razoável do processo já estava incorporada ao ordenamento positivo brasileiro, porque figurava entre os direitos do homem previstos no Pacto de São José da Costa Rica, subscrito pelo Brasil (Dec. 678/1992) antes da Emenda Constitucional nº 45/2004.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito fundamental à duração razoável do processo. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, v. 29, p. 83, mar/abr. 2009, p. 93).

[25] Cumpre registrar que a gravação unilateral de audiência pelo procurador da parte, mesmo em se tratando de conduta não comunicada previamente aos demais participantes do ato, não configura prova ilícita. A propósito do tema, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RExt. nº 583.937/RJ (sob a sistemática do art. 543 - B, §3º do CPC/73), com a expedição da seguinte ementa: “Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543 - B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.”

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Sobre o autor
Cirilo Augusto Vargas

Defensor Público do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Processual Civil pela UFMG. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUC-MINAS. Ex-integrante do Projeto das Nações Unidas para Fortalecimento do Sistema de Justiça de Timor-Leste. Exerceu as funções de clerk perante a Suprema Corte do Estado do Alabama/EUA e de Defensor Público visitante perante a Defensoria Pública Federal do Estado do Alabama/EUA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARGAS, Cirilo Augusto. Gravação da audiência cível sob a sistemática do CPC/2015: questões controversas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4991, 1 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55445. Acesso em: 20 abr. 2024.

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