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A exigência de depósito recursal no contencioso previdenciário e o direito de petição

09/08/2004 às 00:00
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O presente estudo tem como objetivo, demonstrar que o § 1.º, do artigo 10, da Lei n.º 9.639, de 25 de maio de 1998, que institui a exigência do depósito prévio no percentual de 30% (trinta por cento) como condição de admissibilidade do recurso administrativo, afronta a Constituição Federal em razão de ferir o direito de petição.

Antes da análise da questão, é oportuno verificar o dispositivo que instituiu a obrigatoriedade do depósito:

"Art 10. O art. 126 da Lei nº 8.123, de 24 de julho de 1991, com a redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997, passa a vigorar com a seguinte alteração:

"Art. 126. omissis

§ 1º Em se tratando de processo que tenha por objeto a discussão de crédito previdenciário, o recurso de que trata este artigo somente terá seguimento se o recorrente, pessoa jurídica, instruí-lo com prova de depósito, em favor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, de valor correspondente a 30% (trinta por cento) da exigência fiscal definida na decisão."

Diante da supremacia da Constituição sobre as demais espécies normativas, é consagrado que a norma infraconstitucional, tem o seu fundamento de validade diretamente ligado ao cânone constitucional, não podendo contra ele se insurgir.

Dessa forma, a norma constitucional, de hierarquia inferior, só possui validade quando seus aspectos formais e materiais estão em conformidade com a Constituição.

A questão ora discutida necessita inicialmente, ser apreciada ao lume do art. 5.º, XXXIV, "a", da Carta Magna, que dispõe:

"Art. 5.º, Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a.o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa dos direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder."

A Constituição de 1967, no seu art. 153, § 30, deu positividade a duas garantias constitucionais autônomas: Direito de Petição e Direto de Representação. Os constituintes de 1988, com memorável técnica jurídica, consolidaram o art. 5.º, XXXIV, "a" da Constituição vigente, o direito aos dois institutos, sob a capa única do Direito de Petição.

O Direito de Petição propriamente dito, foi instituído com o objetivo de assegurar ao cidadão o direito de peticionar, ou seja, do direito de agir da pessoa física ou jurídica em face da Administração Pública, objetivando o reconhecimento de um interesse ou direito estabelecido no ordenamento jurídico.

A petição é via instrumental. Ela provoca e instaura o processo administrativo perante a autoridade estatal competente. Seu procedimento compreende uma série de atos e fases, tendo seu termo final na decisão administrativa.

Diante do ato decisório administrativo adverso à pretensão do peticionário, nasce o seu direito de recorrer, como expressamente assegurado no inciso LV do art. 5.º da Constituição.

O Processo Administrativo, quer na fase de conhecimento,como na fase recursal, deve se desenvolver em respeito ao princípio constitucional do devido processo legal (CF, art. 5.º, LIV), ao qual se vinculam de forma inafastável os princípios do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5.º, LV).

Exsurge, assim, o Direito de Petição como via deflagradora do direito de agir do administrado perante a Administração Pública. E mais: como alavanca constitucional instauradora do processo administrativo, cujo regular andamento exige plena conformidade com os princípios constitucionais supra mencionados.

Apresentada, embora em linha gerais, a feição constitucional do instituto do Direito de Petição, insta verificar se o § 1.º, do artigo 10, da Lei 9.639/98, que instituiu a exigibilidade do depósito prévio como condição de admissibilidade do recurso administrativo, guarda compatibilidade e, assim, se tem seu fundamento de validade nos mandamentos constitucionais contidos no art. 5.º, XXXIV, "a", combinado com os incisos LIV e LV do citado artigo da Lei Maior.

A Carta Magna em seu artigo 5.º, XXXIV "a", facultou o direito de agir do peticionário perante a Administração Pública, independentemente de qualquer despesa, ou seja, o direito de agir e recorrer do particular frente ao Poder Público, é amparado pela gratuidade. Instituída pois, a gratuidade como princípio-vetor do processo administrativo, mostra-se presente a proibição constitucional de se impor ao peticionário-recorrente a obrigação de antecipar valor de qualquer natureza e a qualquer título, como condição de admissibilidade do recurso administrativo. Isso, por si só, é bastante para demonstrar a desconformidade do § 1.º, do artigo 10 da Lei n.º 9.639/98, que obriga ao sujeito passivo a realização do depósito prévio calculado sobre percentual do montante do débito fiscal declarado pela autoridade administrativa, em relação à norma instituidora do Direito de Petição (CF/88, art. 5.º, XXXIV, "a").

Dessa forma, por ser defeso ao legislador ordinário criar obrigação pecuniária condicionadora do recebimento de recurso administrativo, em virtude de falta de previsão constitucional, deve-se reconhecer que a Lei instituidora da exigência do depósito, macula o texto constitucional, o que a torna inaplicável.

Sob outro ângulo, como antes anotado, o processo administrativo, rege-se segundo o princípio do devido processo legal, o que abrange o princípio da ampla defesa. A garantia constitucional da ampla defesa possui larga denotação que se aplica ao processo judicial, bem como ao processo administrativo.

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Afigura-se, pois, induvidoso que a normatividade contida no § 1.º do artigo 10, da Lei 9.639/98, ao obstar o livre direito do particular recorrer à instância administrativa superior, caso não efetue o depósito exigido, colide não só com o dispositivo constitucional do Direito de Petição, objeto desse estudo, como também não se compatibiliza com o princípio constitucional da ampla defesa, em virtude do notório cerceamento de defesa instituído em sua positividade.

O Supremo Tribunal Federal, embora tenha declarado a constitucionalidade da exigência do depósito prévio, voltou a analisar a questão no segundo semestre do corrente ano. A Primeira Turma daquela Colenda Corte, resolveu afetar novamente a questão ao plenário, para análise direcionada à afronta ao Direito de Petição. Iniciado o julgamento, o Ministro Marco Aurélio, foi o primeiro a votar, desprovendo os recursos apresentados pelo INSS. O julgamento restou suspenso em razão do pedido de vistas do Min. Joaquim Barbosa. Naquela ocasião, asseverou S. Exa., o Ministro Marcou Aurélio, ao proferir seu voto:

"Os pressupostos de recorribilidade estão atendidos. No julgamento dos Recursos Extraordinários nºs 210.246-6/GO, 210.234-2/GO, 210-369-1/MG, 210.380-2/MG, 218.752-8/GO, tive oportunidade de sustentar, no segundo semestre de 1997, a insubsistência do preceito do § 1º do artigo 636 da Consolidação das Leis do Trabalho. Parti da premissa segundo a qual a exigibilidade do depósito da multa acaba, em certos casos, em face do montante e da situação econômico-financeira do infrator, por inviabilizar o direito de defesa. Fiz ver a impossibilidade de o Estado dar com uma das mãos e retirar com a outra, pronunciando-me nos seguintes termos:

Senhor Presidente, entendo que o inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal viabiliza a ampla defesa à exaustão, ao preceituar:

"Art. 5º (...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

E o que se tem na espécie dos autos? Tem-se a previsão, na Consolidação das Leis do Trabalho, do recurso contra multas aplicadas pelos inspetores do trabalho. Todavia, essa previsão do recurso, que é algo da nossa tradição administrativa, no campo da fiscalização, está jungida ao depósito da totalidade da multa por aquele que foi tido como infrator.

O que isso representa, pelo menos sob a minha óptica? Representa um óbice, em alguns casos, até mesmo ao exercício do direito de defesa, inviabilizando-se, portanto, desde que aquele apontado como infrator não tenha meios suficientes para a feitura do depósito, a interposição do próprio recurso.

Não vejo como ter a previsão do § 1º do artigo 636 da Consolidação das Leis do Trabalho como harmônica com o princípio constitucional, com a garantia constitucional que assegura a ampla defesa, inclusive no processo administrativo.

O § 6º do artigo 636, revelando até mesmo a razão de ser do § 1º, contém uma outra regra que não está em jogo, mas que precisa também ser objeto de reflexão, segundo a qual diz:

"Art. 636 (...)

§ 6º A multa será reduzida de 50% (cinqüenta por cento) se o infrator, renunciando ao recurso," - o que demonstra, a mais não poder, que se trata de um direito do infrator, assegurado legalmente - "a recolher ao Tesouro Nacional, dentro do prazo de 10 (dez) dias, contados do recebimento da notificação ou da publicação do edital."

Senhor Presidente, não conheço do recurso. (Recurso Extraordinário nº 210.246-6/GO, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão, perante o Pleno, e julgado em 12 de novembro de 1997, conhecido e provido, por maioria, tendo sido Redator designado o Ministro Nelson Jobim).

Acrescento que o pleito administrativo está inserido no gênero "direito de petição" e este, a teor do inciso XXXIV, é assegurado independentemente do pagamento de taxas. Aqui se tem algo que pode inviabilizar até mesmo o direito de defesa, compelindo o interessado a prática incongruente, ou seja, de depositar, ainda que parcialmente, o que tem como indevido. Cumpre ter presente, também, o efeito suspensivo do recurso a alcançar o todo cobrado, não cabendo, ante o fenômeno da suspensão, exigir, embora sob a nomenclatura de depósito, o recolhimento de percentagem do tributo ou da multa.

Ora, assim como na hipótese na qual em jogo se faz a liberdade do cidadão, não consigo curvar-me, em face da força dos ditames de minha consciência, ao precedente do Plenário, razão pela qual conheço deste recurso extraordinário e o desprovejo. É como voto, na espécie dos autos." [1]

Dessa forma, a disposição contida no § 1.º, do artigo 10, da Lei 9.639/98, não retirou seu fundamento de validade do sistema constitucional positivo brasileiro, como à saciedade demonstrado, devendo pois, ser afastada a sua aplicabilidade, por ser constitucionalmente inexigível o recolhimento de 30% (trinta por cento) do débito para interposição de recurso administrativo no âmbito da Previdência Social.


Notas

1 STF. Plenário. Recurso Extraordinário n.º 389383-1. Rel. Min. Marco Aurélio.

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Sobre o autor
Pedro Melchior de Melo Barros

advogado em Recife (PE), membro do escritório Ivo Barboza Advogados Associados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Pedro Melchior Melo. A exigência de depósito recursal no contencioso previdenciário e o direito de petição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 398, 9 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5545. Acesso em: 23 dez. 2024.

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