Resumo: O objetivo deste ensaio é analisar a aplicação e a eficácia, no Brasil, do Protocolo de Las Leñas sobre cooperação e assistência jurisdicional em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa celebrado no âmbito do MERCOSUL, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento/homologação e a execução das sentenças e laudos arbitrais. Do estudo, constata-se que não prevalece em território brasileiro a extraterritorialidade das sentenças provenientes dos países membros do bloco, o que afasta a eficácia das mesmas. Em suma, isto se deve ao posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, na medida em que pontos importantes do Acordo Intencional não estão sendo observados no Brasil, o que vai de encontro a um dos princípios da Constituição Federal que é a busca pela integração da América Latina.
Palavras-chave: MERCOSUL; Cooperação; Homologação; Protocolo de Las Leñas.
1. INTRODUÇÃO
Com o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), bloco formado entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai2, cada vez mais se aprofunda o processo de integração entre estes países, principalmente no âmbito comercial. Nesta esteira não é incomum que com o aumento das demandas judiciais, haja a necessidade de que certas providências sejam tomadas em um Estado Parte a requerimento de outro.
Desta forma, houve a necessidade de se avançar na questão da cooperação internacional em seus Estados Partes através de Tratados Internacionais, que, uma vez, introduzidos no ordenamento jurídico brasileiro, devem ser seguidos.
Com o fito de fundar e/organizar as regras para a cooperação entre esses estados foram firmados o Protocolo de Medidas Cautelares de Ouro Preto e o Protocolo de Las Leñas 3, que foi celebrado visando à cooperação e assistência judiciária em matéria cível, comercial, trabalhista e administrativa entre as Estados partes do MERCOSUL, aprovado pelo congresso nacional em pelo Decreto Legislativo nº. 55/95 de 19 de abril de 1995 e promulgado pelo Decreto nº. 2.067. de 12 de novembro de 1996.
No entanto, no Brasil, existem divergências na interpretação do Protocolo e seu alcance, de modo que o direito desta fonte jurídica do direito de integração e cooperação pode estar sendo desrespeitada.
Por esta razão, o tema escolhido para o presente estudo foi a aplicabilidade e a eficácia do Protocolo de Las Leñas especialmente, no que se refere à dispensa da necessidade de homologação de sentenças advindas dos países do MERCOSUL.
Inicialmente, serão explanadas algumas considerações sobre a cooperação jurídica internacional e sua necessidade para os países membros do MERCOSUL com a formação do bloco.
Como suporte a um bom entendimento da sistemática de cooperação presente no Acordo, o estudo abordará os mecanismos de integração do Protocolo de Las Leñas, nos seus pontos considerados como os mais importantes, juntamente com as suas modalidades de cooperação interjurisdicional, que são as cartas rogatórias e o reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros.
Por fim, a esta última modalidade de cooperação será dada a ênfase principal do trabalho, por se tratar do ponto de maior relevância do Protocolo, pois aqui reside um entrave, que seria a possibilidade de haver dispensa ao procedimento de homologação das sentenças e laudos arbitrais estrangeiros emanados dos Estados membros do MERCOSUL.
Do confronto das possíveis interpretações do Protocolo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, cria-se um embate sobre uma possível inconstitucionalidade do Protocolo ou um extremo apego ao conceito de soberania por parte do judiciário brasileiro.
Desta forma, se buscará perceber se o protocolo de Las Leñas está sendo aplicado com efetividade Brasil ou se, em verdade, qualquer que seja a sentença ou laudo arbitral, estes terão que submeterem-se a homologação encaminhada do país de origem para o STJ.
Para tanto, a pesquisa se subsidiará, além da doutrina, em textos de documentos do MERCOSUL a partir do seu sítio oficial e decisões do próprio STJ e do STF sobre esta questão.
2. A COOPERAÇÃO JURIDICA NO MERCOSUL
Cooperação judiciária, conforme Maristela Basso, é “o intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais provenientes da judicatura de um outro Estado e para a execução extraterritorial da sentença estrangeira”.4
Neste contexto, com a formação crescente de vários blocos econômicos, principalmente após a eclosão de processos de integração econômica e política do pós- Segunda Guerra, esta necessidade de cooperação interjurisdicional passa a ser um verdadeiro imperativo, pois os objetivos maiores de formação de mercados comuns e mesmo de uniões mais profundas só seriam atingidos com o desenvolvimento deste tipo de cooperação.5
A tendência moderna mundial é a dilaceração das barreiras entre as nações, pois, de forma cada vez mais intensa se percebe a crescente circulação de bens e pessoas na sociedade, a criação de organismos multinacionais, estando, a globalização, nesse sentido, caminhando a “passos largos” em todos os setores6.
Desta forma, a cooperação deve reduzir ao máximo os entraves burocráticos característicos da comunicação judicial entre estes Estados e/ou Organismos Internacionais.
A eficácia da assistência no campo operativo se dá basicamente pela celeridade nas diligências que são solicitadas, fluidez de comunicação entre as autoridades envolvidas, sigilo ou reserva na realização dos atos e cautela na entrega de documentos.
Como fontes internacionais da Cooperação Jurídica Internacional têm-se os Tratados, sejam eles multilaterais ou bilaterais. Aliás, nas palavras de Susan Kleebank “o costume e a jurisprudência asseguram o compromisso moral de atendimentos das solicitações. Os atos internacionais, contudo, são as únicas fontes de direito que geram obrigações jurídicas aos Estados com relação ao encaminhamento das relações às justiças requeridas.” 7
Como assinala Rezek, “o acordo formal entre os Estados é o ato jurídico que produz a norma, e que, justamente por produzi-la, gera obrigações e prerrogativas, caracteriza enfim, na plenitude de seus dois elementos, o tratado intencional”.8
Nesse diapasão, a cooperação judicial num primeiro modelo associa-se à idéia de cortesia entre os Estados soberanos, estes sempre atentos à proteção de sua soberania; o segundo, é oriundo de convenções, que visam à uniformidade dos atos judiciais e o terceiro visa a integração supranacional com a uniformização da legislação de cooperação jurisdicional de forma comum aos Estados Partes de um bloco econômico, por exemplo.
No caso específico da cooperação no MERCOSUL, em que há incentivos e facilitadores para a realização de negócios internacionais intra-bloco, existem motivos ainda mais intensos para se estabelecer bases sólidas que assegurem a cooperação entre os Estados Partes. Além da recíproca cooperação, é preciso, ainda, afastar as discrepâncias das regras internas dos estados que compõem o bloco. Nesse sentido, para superar as divergências legais internas, faz-se necessária a elaboração de regras especiais, próprias para o bloco9.
Saliente-se ainda, que, com a nítida pretensão de harmonizar a legislação entre os Estados partes, o artigo 1º do Tratado de Assunção estabelece este compromisso como forma de fortalecer o processo de integração.10 11
E o Protocolo de Ouro Preto12, em seus artigos 41 e 42 respectivamente, lista as fontes jurídicas do MERCOSUL e estabelece que as normas emanadas sejam obrigatórias e devam ser incorporadas no ordenamento jurídico dos países membros.
Assim sendo, percebe-se que o MERCOSUL é uma organização de natureza intergovernamental e como tal, diferentemente da União Européia13, não possui instituições dotadas de supranacionalidade.
Desse modo, o mecanismo de direito internacional público e conseqüentemente do próprio MERCOSUL é pautado pelo sistema de coordenação de soberanias, ou seja, os Estados negociam as regras que devem vigorar no bloco econômico, obrigando-se a elas na medida em que venham a atender os interesses mútuos das partes. 14
Seguindo esta trilha, foram celebrados o Protocolo de Medidas Cautelares de Ouro Preto15 e o Protocolo de Las Leñas, com o fim de obtenção de maior segurança jurídica. Para tanto se utilizam da técnica do reconhecimento mútuo, que estabelece que determinada norma estatuída, por exemplo, na Argentina, será reconhecida como tal nos outros países integrantes do MERCOSUL.
No caso da cooperação judicial, utiliza-se esta técnica de modo a reconhecer como válida e eficaz uma prestação jurisdicional emanada de outro Estado, bem como cumprir atos oriundos de judicatura estrangeira. 16
Acerca da Cooperação e Assistência judiciária, o Brasil também firmou, bilateralmente, acordos semelhantes com países do MERCOSUL, são eles: Acordo de Cooperação em Matéria Cível, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República da Argentina (em 20 de agosto de 1991, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 47/95 e promulgado pelo Decreto nº 1560/95) e o Acordo de Cooperação em Matéria Cível, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre a República federativa do Brasil e a República do Uruguai (em 28 de dezembro de 1992, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 77/95 e promulgado pelo Decreto nº 1850/96).17
O Protocolo de Las Leñas não restringirá as disposições das convenções que anteriormente tiverem sido assinadas sobre a mesma matéria entre os Estados Partes, desde que não as contradigam.18 Com isto, os acordos citados acima continuam a ter validade no que não for de encontro ao disposto em Las Leñas.
Mais recentemente, no âmbito do MERCOSUL, foi firmado multilateralmente um Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa entre os Estados Partes do MERCOSUL, a República da Bolívia e a República do Chile, aprovado pelo Decreto Legislativo no 1.021, de 24 de novembro de 2005 e promulgado pelo Decreto nº 6.891 de 02 de julho de 2009.19
A respeito deste acordo vale ressaltar que o mesmo tem o texto idêntico ao do Protocolo de Las Leñas e desde a data de sua promulgação está em pleno vigor no Brasil já com a nova redação dos artigos 1, 3, 4, 5, 10, 14, 19 e 35 fruto da emenda ao protocolo de Las Leñas, aprovado pelo do Decreto Legislativo nº. 970/0320, mas que, no entanto, ainda não foi promulgado.21
Como se nota, os países do cone sul convergem para uma integração única, e neste percurso cabe aos Estados facilitar este processo, com esforço, adaptando suas regras internas levando em consideração esta integração regional econômica que segue a tendência mundial.
3. O PROTOCOLO DE LAS LEÑAS 22
3.1. Aspectos Gerais
Atualmente, no mundo, percebe-se que os Estados buscam a integração. E cada vez mais se criam acordos e convenções que visam a aceitação de judicatura de um em território de outro, são os acordos de cooperação interjurisdicional. Neste ínterim, vê-se nitidamente que o Protocolo de Las Leñas teve como base alguns destes tratados.
Destacam-se como as maiores influências do legislador do MERCOSUL, na elaboração do Protocolo de Las Leñas, a Convenção de Haia relativa à citação e notificação no estrangeiro de atos judiciais e extrajudiciais em matéria cível ou comercial de 1965; a Convenção de Haia sobre o acesso internacional à Justiça de 1980; a Convenção Interamericana sobre cartas rogatórias, do Panamá, 1965 e seu Protocolo adicional, de Montevidéu,1979; a Convenção Interamericana sobre obtenção de provas no exterior, do Panamá, 1975 e seu Protocolo adicional, de La Paz, 1984 e a Convenção Interamericana sobre prova e informação do direito estrangeiro, de Montevidéu, 197923
O Protocolo de Las Leñas, apesar de ter sido concebido de maneira intergovernamental, através de acordo internacional entre os quatro países, torna-se evidente a inserção do mesmo na busca de uma maior integração econômica. O artigo 33 do próprio protocolo de cooperação judicial estabelece que este é parte integrante do Tratado de Assunção, mostrando sua importância para a formação do Mercado Comum do Sul.24
Lãs Leñas é constituído por 36 artigos, sendo em seu artigo 1º25 estipulado o comprometimento dos Estados na cooperação em matéria cível, comercial, trabalhista e administrativa. Em conjunto com este artigo 1º é indispensável citar o artigo 18, pois por meio dele se insere ao direito material do Protocolo, para efeito de reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais, as sentenças em matéria de reparação de danos e restituição de bens pronunciados na esfera penal. Há em Las Leñas esta ampliação do âmbito de aplicação, porém, faltando regras específicas para uma cooperação em lides penais.
A assistência jurisdicional se dará através das Autoridades Centrais indicadas por cada estado Parte e o seu papel é de suma importância, pois fica encarregado de receber e encaminhar as petições de assistência jurisdicional,26 zelando pelos atos ordinatórios necessários para um eficiente trâmite entre os Estados. No caso do Brasil a Autoridade Central é o Ministério das Relações Exteriores27 ou o Ministério da Justiça28 (art. 14, Resolução nº 9 STJ).
O artigo 3º do protocolo dispõe sobre a igualdade de tratamento, que para o professor Beat Walter Rechsteiner, em relação ao Brasil, esse Protocolo não apresentou qualquer inovação em razão do disposto no artigo 5º, incisos XXXV, LIV e LV da Constituição de 1988.29
No entanto, há que se levar em consideração que o disposto na Constituição,30 como salientou Rechsteiner, equipara estrangeiros residentes no Brasil a brasileiros para efeito de acesso à justiça, mas a diferença existente em Las Leñas é que, em seu texto, o nacional de outro Estado Parte ou estrangeiro lá residente seria também equiparado à brasileiro.
Quanto ao que se refere o artigo 4º, está disposta a impossibilidade de se estabelecer qualquer caução ou depósito a um cidadão ou residente permanente de outro Estado Parte, estendido também às pessoas jurídicas. Desta forma, o art. 83531 do Código de Processo Civil Brasileiro fica derrogado para imperar o princípio da Igualdade de Tratamento visando maior segurança nas relações comerciais na medida em que não existam obstáculos ao acesso à justiça.
Na mesma esteira, o artigo 1532 prevê a isenção de custas desde que não haja solicitação de meios probatórios que ocasionem custas especiais ou necessidade de perícia. Ou seja, o objetivo é estabelecer a gratuidade para o procedimento habitual das cartas rogatórias.
Quanto à dispensa de acompanhamento a qual é prevista no artigo 17,33 fica estabelecido o impulso oficial das Cartas rogatórias, em que todos os trâmites devem ser praticados de ofício pela autoridade jurisdicional do Estado requerido, isto significa dizer que é dispensável a contratação de um advogado.
A informação do direito estrangeiro, desde que não contrariem a ordem pública, em matéria Cível, Comercial, Trabalhista, administrativa e de direito privado serão fornecidas pelas Autoridades Centrais de cada Estado, como se infere de artigo 28, com a possibilidade de ser realizada por meio das autoridades diplomáticas34, sem qualquer custo ou despesa.
O artigo 5º do protocolo delimita o objeto das cartas rogatórias de simples trâmite e probatória como sendo apenas as citações, intimações, citações com prazo definido, notificações ou outras semelhantes e recebimento ou obtenção de provas; Já o artigo 6º, estabelece o seu conteúdo obrigatório, sendo permitida a recusa do cumprimento na falta de algum dos itens.35
Os pontos expostos acima, não insurgem como tema primordial do presente trabalho, mas como necessários para um bom entendimento da sistemática de cooperação presente no Protocolo e do tema central do estudo.
Inclui-se entre eles, também o fato de o Protocolo de Las Leñas fazer a distinção entre “atividades de simples trâmite e probatórias” e “reconhecimento e execução de sentenças e laudos arbitrais,” embora determine que as duas espécies de providências sejam atendidas mediante cartas rogatórias e sempre por intermédio da autoridade central.36
É exatamente isto que se percebe da observância dos capítulos IV e V do Protocolo. No capítulo IV se verificam as regras sobre rogatórias; já no V, se verifica a mudança de conteúdo para tratar do reconhecimento e execução das sentenças e laudos arbitrais.
O fato interessante e inovador de Las Leñas é que da análise destes dois capítulos do Protocolo, eles se intercalam na medida em que conforme o artigo 1937 38, o meio escolhido para o processo de reconhecimento de sentença e laudos arbitrais é a carta rogatória.
Desta forma, fazendo existir dois tipos de carta rogatória, aquela para as atividades de ‘ato meio’, que tradicionalmente já são realizadas via carta rogatória; e as de ‘ato fim’, que na lição de André Carvalho Ramos, “são aquelas cujo cumprimento acarreta o próprio fim da prestação jurisdicional, que é o reconhecimento e a execução de sentenças e laudos arbitrais através do procedimento de homologação.” 39
Quanto à sentença e laudo arbitral, imprescindível detectar, que o texto do Protocolo também os divide em duas categorias, aqueles que necessitam passar pelo procedimento de homologação e aqueles, que devido a sua eficácia extraterritorial, não necessitam de reconhecimento.
O artigo 20 do protocolo estabelece que as sentenças e laudos arbitrais que reunirem as condições por ele fixadas terão eficácia extraterritorial.40
Isto significa que uma sentença ou laudo que contiver estes requisitos já se encontra ‘nacionalizada’, de modo que não há necessidade do procedimento de reconhecimento. Nos demais casos, as sentenças ou laudos devem ser submetidos ao reconhecimento/homologação via carta rogatória, encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça.
Esta situação posta no artigo 20 se torna simples na explicação de Magalhães:
Esse dispositivo, como se nota, contém uma alternativa: reconhecimento da sentença ou sua execução, contemplando duas situações distintas. Uma em que é o juiz que prolatou a sentença que requer sua homologação, por meio da carta rogatória; outra em que a parte interessada é que requer diretamente ao juiz da execução, de outro Estado do Mercosul, que a processe, independentemente do homologação, diante da eficácia extraterritorial conferida pelo Protocolo.41
Sem dúvida, seguindo esta linha estar-se-ia no caminho certo na busca pela eliminação de barreiras na solução dos conflitos, evitando demora e custos extras e, com isto, melhorando a qualidade da prestação jurisdicional no âmbito do MERCOSUL.