Capa da publicação Protocolo da Las Leñas:  reflexos no Direito brasileiro
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Uma análise da aplicabilidade e eficácia do protocolo de Las Leñas no sistema jurídico brasileiro

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4. A EFETIVIDADE DO PROTOCOLO DE LAS LEÑAS NO BRASIL

Quando da entrada em vigor do Protocolo de Las Leñas no Brasil, em novembro de 1996, logo nas primeiras decisões pertinentes, se percebe qual seria a opinião do STF à respeito da extraterritorialidade das sentenças e laudos arbitrais advindos de países do MERCOSUL.

O Supremo Tribunal Federal no ano de 1997, em Agravo Regimental nos autos da Carta Rogatória nº 7613, sob a relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, emana o entendimento de que o Protocolo de Las Leñas não afetou a exigência do procedimento de homologação de sentenças e laudos arbitrais para torná-los exeqüíveis no Brasil, apenas inova ao prescrever no artigo 19, que a homologação de sentença provinda dos Estados partes se faça mediante rogatória 42 .

O STF reconhece apenas que o artigo 19 do acordo internacional introduz a simplificação do rito no processo de homologação de sentenças e laudos arbitrais estrangeiros emanados nos Estados membros do MERCOSUL através de Cartas Rogatórias. Isto por si só simplifica consideravelmente a concretização da prestação jurisdicional na medida em que dispensa prévia citação do requerido para a concessão do exequatur pela autoridade judiciária.

Porém, aqui reside o embaraço hermenêutico, que seria a possibilidade de haver dispensa ao procedimento de homologação, pois conforme se depreende do artigo 20 do Protocolo, que trata da eficácia extraterritorial, independentemente da homologação do STJ desde que inserta em algumas condições delimitadas no artigo 20 do Protocolo, a sentença ou laudo arbitral poderia ser cumprida diretamente perante um juiz de 1º grau, que conheceria do pedido de execução de sentença após a análise dos requisitos indispensáveis previstos no artigo 20, em especial se o direito estrangeiro ofende a ordem pública brasileira

Como se percebe, a opinião do STF não reconhece o caráter mais complexo descrito no texto do artigo 20, de onde se pode entender que a carta rogatória é via processual às medidas de simples trâmite e probatórias e de procedimento de reconhecimento/homologação de sentenças e laudos arbitrais, no entanto, podendo ser dispensado este trâmite na execução das sentenças e laudos cuja ‘nacionalidade’ já lhe é atribuída nos termos do artigo 20 do Protocolo.

Posteriormente, mas ainda no ano de 1997, em Despacho na Carta Rogatória nº 7899, onde o Ministro Celso de Melo discorre sobre a possibilidade de conceder exequatur às cartas rogatórias com cunho executório43, além de deixar evidente que a posição do STF era a de sempre denegar este tipo de exequatur, exceto àquelas expedidas com base em convenções internacionais, no que se insere o Protocolo de Las Lañas, no texto deste Despacho o Ministro faz menção de que se aplica ao reconhecimento e execução de sentença emanada dos Países do MERCOSUL o rito das cartas rogatórias, advertindo, porém, que para viabilizar-se o reconhecimento mediante simples carta rogatória, a sentença deveria, necessariamente, satisfazer as exigências do artigo 20 e 21 do Protocolo de Las Leñas.44

Nota-se, que esta interpretação do Protocolo foi ainda mais restritiva. Ou seja, pelo exposto, para a concessão do exequatur às sentenças e laudos dos países do MERCOSUL se faria necessário, também, que a sentença preenchesse os requisitos do artigo 20 e 21, porém, estas condições uma vez identificadas conferem a extraterritorialidade à sentença, não necessitando a mesma de homologação para ser executada.

Estas, além de não constituírem a melhor aplicação do Protocolo, pois não reconhecem a extraterritorialidade das sentenças de laudos arbitrais, não se coaduna, à época, com a então recente lei 9.307/96 – Lei de Arbitragem, trazendo à lembrança a questão do duplo exequatur.

Em verdade, o que o protocolo prevê é que as sentenças e laudos arbitrais que não estiverem revestidos das exigências do artigo 20 devam ser objeto de homologação com base no Trâmite iniciado pela Autoridade Central do país requerente que se comunica com a Autoridade Central do país requerido.

No Brasil, as cartas rogatórias recebidas pela autoridade central eram então encaminhadas para o STF. No entanto, atualmente, por força da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, são encaminhadas para o Superior Tribunal de Justiça para a outorga do exequatur, que segue as disposições da Resolução nº 9 do STJ45 de 04.05.2005.

Esta mudança de competência poderia ter levado a um avanço na jurisprudência pátria com uma nuance mais integracionista, mas como é da observância do Ministro aposentado do STJ, Raphael de Barros Monteiro Filho46, “não é demais lembrar que o STJ, em linhas gerais, manteve o acervo jurisprudencial de há muito construído pela Suprema Corte, que lhe tem servido de guia.” Assim, parece-nos, que no diz respeito à interpretação do Protocolo de Las Leñas quanto a questão da extraterritorialidade das sentenças e laudos arbitrais, a posição do STJ, em dias atuais, não diverge da opinião do STF.

Nos autos da Reclamação nº 2.645, de 16.12.2009, o Ministro Relator Teori Albino Zavascki emite o entendimento de que a relação entre os Estados soberanos decorrem do princípio da territorialidade da jurisdição, que é inerente ao princípio da soberania e assim a autoridade dos juízes não podem extrapolar os limites de seu próprio país. Enfatiza também que na competência do STJ para concessão do exequatur a Constituição se refere ao juízo de deliberação em aprovar ou negar decisão de juiz rogante.47

De fato, o artigo 105, I, i da Constituição é claro ao estabelecer a competência do STJ para a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias. Por este motivo e pelo fato de o protocolo de Las Leñas está inserido no sistema jurídico brasileiro no mesmo patamar de eficácia, autoridade e validade das leis ordinárias, como tal está sujeito ao controle de constitucionalidade. No entanto, no dispositivo constitucional não há a previsão de que todas as sentenças devam ser homologadas.

Esta tese se apóia na lição Magalhães48, através do disposto no artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispensa a homologação no caso das sentenças meramente declaratórias do Estado de pessoas. Além disto, o autor evidencia que a extraterritorialidade de que trata o Protocolo concilia-se com a norma do parágrafo único do artigo 4º da Constituição federal.

Essa questão a respeito da competência já foi alvo de discussão, o caso ocorreu anteriormente a Emenda constitucional 45, e foi decidido nos autos da Reclamação nº 717, proveniente do Estado do Rio Grande do Sul.

Foi cassada, em dezembro de 1997, a decisão do juiz de Santana do Livramento (RS) que determinou o cumprimento de uma carta rogatória encaminhada pelo juiz de Rivera (Uruguai), com base no Protocolo de Las Leñas. As duas cidades são separadas por uma avenida, mas o presidente do STF considerou que sua competência exclusiva para conceder o exequatur a uma carta rogatória foi usurpada. Primazia da velha doutrina sobre a nova realidade.49

Em seu despacho, o Ministro Relator Celso de Melo esboçou que a celebração do Protocolo de Las Leñas em nada alterou essa regra constitucional de competência, pois tratados ou convenções internacionais estão rigidamente sujeitos à supremacia e autoridade da Constituição Federal. Reafirmou que as sentenças advindas do MERCOSUL poderão submeter-se ao reconhecimento pela tramitação de simples carta rogatória, contudo esta simplificação não teve o condão de afastar o juízo de delibação do STF.50

Diante do exposto, vale salientar, porém, que conforme o artigo 12 do Protocolo,”a autoridade jurisdicional encarregada do cumprimento de uma carta rogatória aplicará sua lei interna no que se refere aos procedimentos.”

Partindo desta premissa, os procedimentos adotados pelo STF e atualmente pelo STJ não contrariam os regramentos do Protocolo. Mas ratificando o já dito acima, esta competência se refere àquelas sentenças ou laudos que necessitam de homologação, de modo que a suposta inconstitucionalidade de Las Leñas, a qual ofenderia a legislação brasileira e a soberania do país não se sustenta.

Ademais, como entende Magalhães, a Constituição Federal dispõe que “a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.” 51 Desta forma, não restam dúvidas de que a Carta Maior incentiva a integração regional.

Sobre a questão da ofensa à Soberania Estatal, este argumento não toma corpo, pois se aproxima da idéia de supranacionalidade, o que não se faz coerente no âmbito do MERCOSUL.

Doutra banda se faz aparente pelo disposto no próprio artigo 20, f, quando a sentença ou laudo a serem executados não devem contrariar a ordem pública do Estado em que se solicita seu reconhecimento/execução, pois o conceito de ordem pública se liga, indubitavelmente, ao de soberania, podendo atuar como limite na aplicação do direito estrangeiro. Porém, uma sentença que promovesse ofensas à ordem pública nacional, poderia ser afastada pelo juiz competente da execução.

Na melhor interpretação do protocolo, em que a parte imediatamente interessada52 na execução da sentença ou laudo a promovesse perante um juiz de 1º grau, este juiz poderia afastar sua execução se acaso identificasse ofensa à ordem publica brasileira. Seria na explicação de Maria Rosa Guimarães Loula53 o seguinte: “que do mesmo modo que cabe a qualquer juiz o controle difuso da constitucionalidade das leis, o mesmo poderia realizar o controle difuso da adequação das sentenças estrangeiras à ordem pública nacional”.

A este juiz competente entende-se como sendo até mesmo um juiz de direito estadual, a depender da natureza do direito da sentença ou laudo. Agora, encontra-se este entendimento na contramão não só da Constituição federal, em seu art. 109, inciso x, ao dispor que compete aos juízes federais processar e julgar (...) a execução da carta rogatória, após o exequatur; mas em dissonância com o Código de Processo Civil, mais especificamente com o artigo 474-N, que lista os títulos executivos judiciais e entre eles, no inciso VI, a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Tanto no primeiro como no segundo caso, a solução para o conflito acha alicerce apenas no argumento de que as sentenças ou laudos arbitrais proferidos no âmbito do MERCOSUL em atendimento ao artigo 20 não precisam de homologação, e, assim sendo, se encaixam nos incisos I ou IV do próprio artigo 475 – N54. Com isto, e de acordo com o artigo 475-P, a execução destas sentenças ou laudos se faz perante os tribunais, nas causas de sua competência originária (CF, arts. 102,I; 105,I;108,I e 125, §1º). Ou seja, de acordo com a natureza da sentença estrangeira, ‘naturalizada’ por força do acordo internacional, o seu cumprimento poderá ser realizado perante um juízo estadual.

Diante de toda esta divergência, parece-nos que, realmente, a intenção da Corte Suprema, assim como do STJ é a de que, de modo a defender a soberania do Estado brasileiro diante da eficácia extraterritorial conferida pelo protocolo de Las leñas e da possibilidade iminente de ser aplicado um direito estrangeiro no país, seja necessário o aval da autoridade judiciária brasileira. Este através do que se chama de exequatur.

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É inegável que esta situação provocada pela simplificação do rito para a homologação de sentença estrangeira proveniente dos Estados membros do MERCOSUL é responsável, em parte, por tantas divergências quanto a aplicabilidade do Protocolo referente a eficácia extraterritorial.

Isto porque o conceito de exequatur no Brasil difere dos outros países e por isso causa muita incerteza e confusão terminológica. Países que adotam código civil, com a França, exequatur é a sentença nacional que homologou a decisão estrangeira; no Brasil, o termo se refere exclusivamente a determinação para que se cumpra carta rogatória estrangeira.55

Esta afirmação é confirmada diante do disposto do artigo 2º da Resolução nº 9 do STJ, que assim estabelece: “é atribuição do Presidente homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur a cartas rogatórias (...)”.

Parece óbvio, principalmente após a Resolução nº 9 do STJ e nos dias atuais que, por força do artigo 7º da Resolução que trouxe a possibilidade de as cartas rogatórias terem como objeto atos decisórios e não decisórios, realmente o exequatur que é concedido em cartas rogatórias passivas advindas dos países do MERCOSUL com pedido de execução de sentença, realmente não passam de um “aval” para que prossiga a execução.

Analisando decisões recentes do STJ, nota-se que ao serem verificados os requisitos dos artigos 19 e 20 do Protocolo de Las Leñas, é concedido o exequatur remetendo-se os autos, em seguida, à primeira instância federal para cumprimento.

É exemplo desta situação fática, e seguinte decisão56:

1. O Juízo Nacional de 1ª Instância Comercial n. 9. de Buenos Aires, na República Argentina, solicita, mediante esta carta rogatória, que se proceda à execução da sentença proferida contra a empresa "Transportadora Matsuda Ltda.", segundo tradução do texto rogatório(fls. 27/48). Devidamente intimada, a interessada impugnou a presente carta rogatória (fls. 151/161) alegando que não foi devidamente citada"via carta rogatória para ciência da demanda processada junto ao Estado argentino, o que fere a ordem pública nacional, princípio do contraditório e ampla defesa, e a inobservância do requisito contido na Resolução 09/2005". O Ministério Público Federal opinou pelo não acolhimento da impugnação e pela concessão do exequatur (fls. 287/288).

2. Como bem asseverou o Ministério Público Federal, a impugnação não merece prosperar.O presente pedido rogatório fundamenta-se no Protocolo de Cooperação e Assistência em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa no âmbito do Mercosul – Protocolo de Las Lenas. O art. 19. do referido protocolo dispõe que o pedido de reconhecimento e execução de sentenças será transmitido por carta rogatória e por intermédio da Autoridade Central e o art. 20. do mesmo acordo traz elencadas as condições para a eficácia extraterritorial das sentenças objeto de reconhecimento e execução. Nesse sentido, as condições estabelecidas no protocolo em epígrafe foram atendidas, inclusive quanto à citação da interessada, conforme consta da tradução do texto rogatório à fl. 32, que diz que a interessada ingressou nos autos do processo no Juízo rogante requerendo incidente de nulidade, o que demonstra que a mesma tomou conhecimento da demanda.

Assim, o objeto desta carta rogatória não atenta contra a soberania nacional ou a ordem pública.

3. Ante o exposto, concedo o exequatur (art. 2º, Resolução n. 9/2005 deste Tribunal).

Remetam-se, portanto, os autos à Justiça Federal do Estado do Paraná para as providências cabíveis (art. 13. da mencionada Resolução).

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 04 de dezembro de 2006.

Ministro BARROS MONTEIRO

Presidente

(CARTA ROGATÓRIA Nº 1.709 - AR (2006/0067815-9)

Nota-se que está disposto na decisão que a sentença preenche os requisitos do artigo 19 e 20 do Protocolo de Las Leñas. Esta sentença, no melhor entendimento e aplicação do Protocolo poderia ter sido executada diretamente no juízo de 1º grau e notadamente na justiça estadual.57

Com isto, haveria maior celeridade devido a ampla simplificação dos atos processuais no aprofundamento da cooperação internacional. A análise para concessão do exequatur pelo STJ se resume em questões processuais que poderiam ser resolvidas pelo juízo de 1º grau. Com esta supressão do trâmite no STJ, ressalte-se novamente, seria de uma celeridade e economia processual muito satisfatória, sem indicar ofensa à soberania brasileira, pois a ordem pública seria defendida pelos juízes de 1º grau58.

É até razoável que se entenda esse posicionamento do STF anos atrás, na defesa da soberania e da ordem pública brasileira, pois o Protocolo de Las Leñas recém incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro, a princípio, poderia ter trazido consigo certa nuance de afronta à soberania do Estado brasileiro.

Desta forma houve por parte deste tribunal uma exacerbação dos princípios da autonomia e soberania da autoridade judiciária, mas seguindo as palavras do professor Luiz Olavo Baptista, “caracteriza-se a ordem pública pela sua dinâmica histórico-geográfica: ela é uma em determinado momento, para no momento seguinte deixar de ser a mesma.” 59

Assim sendo, considerando o momento atual, e a necessidade de harmonização das legislações dos Estados membros do MERCOSUL, é chegada a hora da mudança, da adaptação.

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Sobre a autora
Kathiana Isabelle Lima da Silva

Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGDIR-UFRN) em 2015, Área: CONSTITUIÇÃO E GARANTIA DE DIREITOS, Linha de Pesquisa 1: CONSTITUIÇÃO, REGULAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO. Especialista em Direito Internacional Público pela UFRN em 2011(CEDIP-UFRN). Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar - UnP, aprovada no exame de ordem 2009.2 (sem recurso) quando ainda cursava o 10º período. Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Seccional do Rio Grande do Norte sob o nº 8.530. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Internacional, Direito Tributário, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Ex-conciliadora Federal atuou junto a 3ª vara da JFRN. Também possui graduação incompleta em Administração de Empresas e Nutrição, ambas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo de Conclusão do Curso de Especialização em Direito Internacional Público.

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