Transparência e governo eletrônico

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3. Políticas Públicas:

3.1. GOVERNO ELETRÔNICO COMO POLÍTICA PÚBLICA DE INFORMAÇÃO

É sabido que a evolução das TICs e da internet não alcança a população dos lugares mais distantes do País, principalmente as camadas de baixo poder aquisitivo e os habitantes das áreas rurais. Eles não estão conectados e são considerados excluídos digitais.

A responsabilidade da inclusão digital é da Administração pública, promovendo projetos de incentivos e conhecimento para fomentar a utilização do governo eletrônico.

O Brasil possui hoje uma política de governo eletrônico em nível federal, explicitada através do programa Sociedade da Informação, cujos princípios podem ser encontrados na publicação Sociedade da informação no Brasil: Livro Verde (BRASIL, 2000b). Nesse documento estão as diretrizes, projetos prioritários, objetivos e metas para o governo eletrônico. O governo federal também criou um grande portal, chamado Rede Governo, que concentra os serviços e informações públicas do governo federal e apresenta links de acesso direto aos serviços e informações de outros websites governamentais.24

O Portal de Serviços e Informações da Rede Governo Brasileiro representa a principal iniciativa do Governo no sentido de democratizar o acesso à informações para o cidadão e se estabelecer como governo eletrônico. O Portal disponibiliza uma série de informações e serviços que visam facilitar a vida do cidadão, centralizando as informações em um único lugar e desburocratizando as transações com o governo. No entanto, acessar essas informações não é um processo fácil, muitas vezes nem mesmo para quem tem familiaridade com o uso das TICs. É preciso ter habilidades de acesso à informação no labirinto que pode se constituir um sítio na Internet25.

Atualmente, no Brasil, há uma série de ações de governo eletrônico em andamento no âmbito federal: certificação digital26; Receita Net27; e-CPF28; Portal Rede Governo29; Compras Eletrônicas do Governo – Comprasnet30; Sistema Integrado de Comércio Exterior - Siscomex31; Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal– SIAFI32; Rede Nacional de Informações em Saúde - RNIS33; informatização da Previdência Social34; Exporta Fácil35; e-Sedex36; Banco Postal37; Telegrama via Internet38; Modelo de Acessibilidade de Governo Eletrônico - e-Mag39; Tela Aberta40; Programa Cacic41; Interoperabilidade em Governo Eletrônico - e-Ping42 e Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização – Rede Infoseg43.

3.2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO DIGITAL

Em um país marcado por desigualdades sociais é necessário fomentar políticas públicas que contemplem as especificidades de cada região.

Segundo Mattos e Chagas (2008), as políticas públicas de inclusão digital devem se nortear por cinco aspectos fundamentais: (a) inserir no mercado de trabalho e gerar renda; (b) melhorar relacionamento entre cidadãos e poderes públicos; (c) melhorar e facilitar tarefas cotidianas das pessoas; (d) incrementar valores culturais e sociais e aprimorar a cidadania e (e) difundir conhecimento tecnológico.44

O Governo Brasileiro não tem uma Política Nacional de Inclusão Digital no sentido estrito, isto é, formalmente estabelecida através de um Ato específico, que oriente explicitamente as ações, recursos e agentes da inclusão digital. Considerado, contudo, o conjunto de ações e normas do governo, no que tange à implantação de Telecentros Públicos, ao apoio oficial ao Software Livre e à Informatização da Escola Pública, estes elementos delimitam razoavelmente um campo de ação que pode merecer a designação de política pública em sentido lato.45

Buscando atender a política pública de inclusão digital, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) desenvolveu um Programa de Inclusão Digital. O programa visa a implantação de Centros de Inclusão Digital priorizando municípios e áreas rurais com menor índice de desenvolvimento humano (IDH) além das comunidades tradicionais (MCT, 2011). O objetivo é implementar Telecentros em comunidades menos favorecidas, viabilizando o acesso à tecnologia, onde o público-alvo recebe capacitação em informática básica e navegação na rede mundial de computadores, o que contribui para a melhoria da educação e no aprimoramento das pessoas (MCT, 2011), conforme se observa na figura 146.

Fonte: (ONID)47 2011

Analisando o mapa acima, percebe-se que o Programa não atinge várias localidades que também necessitam profundamente de acesso à tecnologia. Por exemplo, os Estado do Acre, Amapá e Ceará não contam com previsão de telecentros, além do que, de todos os telecentros cadastrados, apenas um número reduzido foi atendido. Percebe-se também uma forte desigualdade regional em sua distribuição.

Contudo, a prestação do apoio será em conexão, computadores, bolsas de auxílio financeiro a jovens monitores e formação de monitores bolsistas e não bolsistas que atuem nos telecentros. O objetivo é oferecer condições ao aperfeiçoamento da qualidade e à continuidade das iniciativas em curso, assim como à instalação de novos espaços. Um dos critérios para ser monitor, entre outros, é o candidato estar estudando ou ter concluído o ensino médio, assim como demonstrar interesse em trabalhos voltados à melhoria de vida nas comunidades.48

3.3. Jurisprudência brasileira

Quanto a Jurisprudência pátria sobre o tema, interessante a discussão a respeito da recente lei de acesso à informação (LAI) no tocante à publicação dos contracheques dos servidores públicos.

Cuida-se de ação cível originária nº 2.14349 proveniente do Rio Grande do Sul, com pedido de antecipação de tutela, promovida pela Associação dos Servidores da Justiça do Rio Grande do Sul (ASJ) contra a União, pela qual se busca a anulação parcial da Resolução 151/2012 do Conselho Nacional de Justiça, na parte em que determina aos órgãos do Poder Judiciário, em cumprimento à Lei 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação), a publicação da remuneração de seus servidores, “com identificação nominal do beneficiário e da unidade na qual efetivamente presta os seus serviços”

Resolução 151/12 tem por escopo regulamentar, administrativamente, a Lei de Acesso a Informações (Lei 12.527/2011), a qual determina a publicação da remuneração dos servidores da Administração Direta e Indireta e, ao mesmo tempo, resguarda o sigilo de dados pessoais. Porém, o Estado do Rio Grande do Sul possui legislação específica, em plena vigência quando da edição do ato regulamentar contestado, vedando expressamente a publicação de dados sigilosos referentes aos servidores do Poder Judiciário.

Para o deslinde da questão restou decidir sobre o conflito aparente de normas verificado entre a Lei Estadual n° 13.507/2010 e a Resolução 151 do CNJ.

Na decisão monocrática sobre o pedido de antecipação de tutela o Ministro Gilmar Mendes foi incisivo ao afirmar que “de um lado, a publicidade e transparência inerentes à Administração Pública e, de outro, as garantias relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas –, a divulgação de nome, cargo, órgão e remuneração de servidores públicos não se mostra em dissonância com as diretrizes da Lei 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação)”.

E quanto ao pedido concernente ao aparente conflito de normas entre a citada Resolução e a Lei Estadual 13.507/2010, o mesmo afastou esta hipótese citando precedente do Plenário sobre a constitucionalidade de Resolução do CNJ sobre nepotismo, quando bem aclarada a competência daquele Conselho na concretização de princípios constitucionais alusivos à Administração Pública (ADC 12 MC/DF, Relator Min. Ayres Britto, Pleno, DJ 1.9.2006), finalizando com a explicação de que a orientação da Corte, no que diz respeito aos princípios constitucionais da Administração Pública, é bastante clara no sentido de que a competência dos Estados de organizar a sua própria Justiça não afeta a competência regulamentar do CNJ na concretização desses princípios, levando-se em conta o caráter nacional do Poder Judiciário. E assim sendo, foi negado seguimento à ação.

Nota-se que o STF se posiciona efetivamente em favor do Princípio da Publicidade e da Transparência com referência a publicação de salários dos servidores públicos. Isto até meso antes da edição de LAI e da Resolução 151 do CNJ.

Decisão de Agravo regimental no pedido de Suspensão de Segurança nº 3902 – São Paulo/SP50 de 06/06/2011, teve a seguinte Ementa:

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. ACÓRDÃOS QUE IMPEDIAM A DIVULGAÇÃO, EM SÍTIO ELETRÔNICO OFICIAL, DE INFORMAÇÕES FUNCIONAIS DE SERVIDORES PÚBLICOS, INCLUSIVE A RESPECTIVA REMUNERAÇÃO. DEFERIMENTO DA MEDIDA DE SUSPENSÃO PELO PRESIDENTE DO STF. AGRAVO REGIMENTAL. CONFLITO APARENTE DE NORMAS CONSTITUCIONAIS. DIREITO À INFORMAÇÃO DE ATOS ESTATAIS, NELES EMBUTIDA A FOLHA DE PAGAMENTO DE ÓRGÃOS E ENTIDADES PÚBLICAS. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE E SEGURANÇA DE SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVOS DESPROVIDOS.

O Relator, Min. Ayres Britto, invocou a 1ª parte do inciso XXXIII do art. 5º da CF em que a intimidade, vida privada, e segurança pessoal e familiar não se encaixam na parte final do mesmo dispositivo constitucional, em casos de exceção.


4. Conclusão

O governo eletrônico transparente tem demonstrado ser uma importante ferramenta no aprofundamento da democracia. A flexibilidade, transparência e acessibilidade que as novas tecnologias proporcionam são fundamentais para o fortalecimento da troca de informações e serviços, fomento das políticas públicas, e principalmente, a promoção da accountability - prestação de contas.

Sem esta transparência não se torna possível à sociedade avaliar as prioridades do governo, as políticas desenvolvidas e, sobretudo, avaliar o uso dos recursos públicos.

A participação popular é indispensável, por isso é preciso que se estimule o uso dos serviços já disponíveis, até mesmo com outras políticas de inclusão digital, se assim não for corre o risco de o acesso ficar restrito apenas a um estreita camada da população, o que não se afigura interessante em termos de desenvolvimento.

O Brasil precisa fomentar seu governo eletrônico em concomitância com políticas de inclusão digital de maneira planejada para garantir sua eficácia, de modo a elevar o índice que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cerca de 53% dos brasileiros ainda não têm acesso à internet. Estes dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) no ano de 2011, considerando pessoas de 10 anos ou mais de idade que não utilizaram a Internet, no período de referência dos últimos três meses, por Grandes Regiões.

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Outro ponto importante é que pouco contribuirá para a transparência fornecer uma informação que seja incompreensível pelo cidadão comum, com uso de linguagem rebuscada ou jurídica e de termos técnicos. Cabe ao governo a missão de utilizar bem as TICs em favor do povo, assim se estimula a cidadania e fortalece a democracia com legitimação do próprio governo.

O não uso da informação disponibilizada também é um problema aparente e isto é incompatível com a proposta dos governos eletrônicos, é preciso que haja disseminação das opções existentes, dos vários portais disponíveis e prontos para serem explorados e utilizados pelo cidadão em seu próprio favor e em favor do desenvolvimento.


REFERÊNCIAS

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SILVA. José Afonso da. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2006

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Sobre a autora
Kathiana Isabelle Lima da Silva

Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGDIR-UFRN) em 2015, Área: CONSTITUIÇÃO E GARANTIA DE DIREITOS, Linha de Pesquisa 1: CONSTITUIÇÃO, REGULAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO. Especialista em Direito Internacional Público pela UFRN em 2011(CEDIP-UFRN). Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar - UnP, aprovada no exame de ordem 2009.2 (sem recurso) quando ainda cursava o 10º período. Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, Conselho Seccional do Rio Grande do Norte sob o nº 8.530. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Internacional, Direito Tributário, Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Ex-conciliadora Federal atuou junto a 3ª vara da JFRN. Também possui graduação incompleta em Administração de Empresas e Nutrição, ambas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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