Capa da publicação Luz, câmera, legislação! De Pixote ao ECA: o que mudou para jovens em situação de risco?
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Luz, câmera, legislação! A delinquência juvenil retratada no filme "Pixote, a lei do mais fraco".

Os reflexos da infância marginalizada no município de Castro Alves (BA)

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo primordial da pesquisa foi a de possibilitar a identificação entre o personagem principal do Filme "Pixote, a lei do mais fraco" e os menores infratores da atualidade.

Esta intenção foi contemplada na medida em que o filme foi amplamente apresentado, trazendo as características mais essenciais de seus personagens, além do contexto histórico, econômico e social do Brasil na época em que a obra cinematográfica foi produzida, e, sobretudo por ter sido este filme, em especial, um recurso capaz de fazer, através do neorrealismo, uma maneira artística de retratar as mazelas brasileiras relacionadas a marginalização de crianças e adolescentes no país.

É importante destacar que esta forma de retratar fatos do cotidiano das cidades que contribuem para discussões do âmbito jurídico também foram evidenciados ao longo do texto quando se apresenta, não só a relação entre o Direito e a Arte, mas também, ao fato de que se pode relacionar através das lentes do cinema o que se discute na sociedade sobre o olhar do Direito.

Desta maneira é que se organiza o fundamento do Direito como Cinema, ou seja, o cinema como fonte capaz não só de refletir o Direito, mas principalmente de inferir acerca das discussões que o permeiam como a exemplo de “Pixote, a lei do mais fraco” quando traz a sociedade um chamado às discussões acerca da infância e da adolescência marginalizada.

O presente trabalho também insere os aspectos retratados no filme relacionando-os a legislação vigente, in casu, o Código Mello Mattos de 1927 e o Código de Menores de 1979. Destes, depreendemos as suas concepções, lacunas e formas de atuação quanto aos menores infratores, como também, como estes foram retratados nestas legislações e quais os resquícios que esses códigos deixaram enraizados na contemporaneidade.

O fomento e a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente é fonte primordial de toda a narrativa, na medida em que trouxe as influências internacionais através da Declaração dos Direitos da Criança, bem como os aspectos da estrutura socioeconômica do Brasil, que passava pelo período de redemocratização, porém ainda com resquícios de um final de Ditadura Militar principalmente relacionados à censura, aspecto também relacionado à Pixote, na medida em que, em meio a esta transformação histórica para o país, ainda sofreu com mais de trinta cortes em suas cenas.

Mas, não somente, visto que a apresentação do Estatuto também possibilitou a percepção de como as crianças e adolescentes, mesmo sob a vigência de um novo panorama legislativo e ainda ressaltados como sujeitos de direito, através da Doutrina da Proteção Integral, ainda vivenciam, através de inúmeros fatores, situações de risco e abandono moral, que vem a desencadear em processos de delinquência e marginalização. Estas decaem, sobretudo, no caminho dos crimes contra o patrimônio, em sua grande maioria fruto de uma sociedade onde cada vez mais o ter é mais do que o ser.

Como forma de exemplificar a relação existente entre o Pixote da década de 80, um menino da periferia de São Paulo que foi escolhido pelo diretor do filme para ser o seu protagonista, sem nunca ter pisado num set de produção de um filme e de E.A.S, um menino do interior do Recôncavo Baiano, da cidade de Castro Alves que, deixado aos cuidados do pai e com uma mãe que um dia chegou a sentá-lo num formigueiro para castigá-lo, foram utilizadas cenas e diálogos que fazem essa ligação entre ambos, na medida em que, pelas marcas das suas vidas, passaram a cometer delitos e que tem suas vidas retratadas de maneira tão semelhante.

O primeiro, fruto da “vadiagem” das ruas de São Paulo e sob a vigência do Código de Menores e o segundo, fruto dos seus atos infracionais reincidentes na cidade de Castro Alves, porém sob a vigência do ECA. Assim, responde-se o questionamento proposto na medida em que encontramos num personagem real que reflete não só a mesma identificação com os processos advindos da legislação anterior e do personagem central do filme de Hector Babenco, mas não somente, visto que, mesmo com a elaboração do ECA e de sua nova maneira de perceber os direitos das crianças e dos adolescentes, ainda encontramos inúmeros "Pixotes" na contemporaneidade, tanto em capitais, mas também nas cidades de interior, a exemplo de Castro Alves.

Por fim, não poderia concluir essa narrativa sem antes apresentar o desfecho desses dois Pixotes. O primeiro, o Pixote do filme, ator de nome Fernando, que por não mais encontrar trabalho acabou seguindo os passos do seu personagem, foi assassinado por policiais da cidade de São Paulo aos 16 anos com oito tiros A queima roupa. O segundo, o "Pixote Castroalvense", menino que uma cidade inteira aguardou o dia em que fizesse 18 anos para que pudesse cumprir pena, sobretudo, preso, por perceberem que o mesmo não “pagava” pelos seus atos infracionais, inspiração para a concepção desta narrativa, foi vítima de uma emboscada, na qual foi alvejado com quatro tiros e veio a falecer em 02 de novembro de 2016, em meio à elaboração deste trabalho, aos 18 anos de idade.


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Notas

1 O neorrealismo foi uma corrente artística de meados do século XX, com um carácter ideológico marcadamente de esquerda / marxista, que teve ramificações em várias formas de arte (literatura, pintura, música), mas atingiu o seu expoente máximo no Cinema neorrealista.

2 A FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor) foi criada em 01/12/64 pela lei federal 4.513 –em substituição ao Serviço de Assistência ao Menor (SAM). Em 1967 são criadas as chamadas FEBEMs (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor). Atualmente, por exemplo, no Estado de São Paulo a instituição chama-se Fundação CASA (Centro Atendimento Socioeducativo ao Adolescente).

3 Instância de apelação hierarquicamente superior, regulamentada em 1979 com o objetivo de principiar o desmantela­mento da DCDP.

4 D.P.F. - Divisão de Censura e Diversões. Censora: Maria Angélica R. de Rezende. Arquivo disponível em: <https://memoriacinebr.com.br/PDF/0080060C00501>. Acesso em 10 novembro de 2016.

5 A teoria lombrosiana do criminoso nato implicava que, mediante a direta análise das características puramente físicas, seria possível prever os indivíduos que se voltariam à vida criminosa, tendo a reincidência como um trajeto posterior e natural. Seria uma propensão congênita e irrenunciável à delinquência. BEZERRA, Eudes. O Criminoso Nato, a polêmica teoria de Cesare Lombroso. Disponível em: https://www.museudeimagens.com.br/criminoso-nato-cesare-lombroso/. Acesso em 10 de novembro de 2016.

6 Cândido Mello Mattos reuniu sua experiência como criminalista, filantropo e juiz de menores para sintetizar, em forma de lei, um novo projeto de institucionalização da infância e adolescência, que já estava presente em muitos discursos que circulavam, então, na sociedade. ALVAREZ, Marcos César. A emergência do Código de Menores de 1927. Dissertação (Mestrado) – Departamento de Sociologia – FFLCH/USP, São Paulo, 1989.

7 Duas categorias de crianças e adolescentes eram consideradas como em situação irregular: 1) delinquentes, isto é, aqueles que haviam cometido algum ato infracional; e 2) abandonados, ou seja, aqueles que eventualmente se encontravam sem moradia fixa ou cujos responsáveis legais tivessem condutas tidas como contrárias à moral ou aos bons costumes.

8 Os países signatários foram obrigados a adaptar as suas normas à legislação interna (MENDES, Moacir Pereira. A Doutrina da Proteção integral frente a Lei 8069/90. Disponível em: https://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp009234.pdf, Acesso em: 20 de novembro de 2016.

9 Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=290730. Acesso em 20 de novembro de 2016.

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CARVALHO, Fernanda Rodrigues Brito. Luz, câmera, legislação! A delinquência juvenil retratada no filme "Pixote, a lei do mais fraco".: Os reflexos da infância marginalizada no município de Castro Alves (BA). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4965, 3 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55502. Acesso em: 23 dez. 2024.

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