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Estado Democrático de Direito não comporta operadores de direito que defendem os anos de chumbo

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O artigo questiona a liberdade de expressão de alguém operadores de Direito quanto ao defender os Anos de Chumbo.

Tenho me defrontado com operadores de Direito que externam seus pensamentos quanto à paz, à tranquilidade, o desenvolvimento brasileiro nos Anos de Chumbo (1964 a 1985). Diante disso, tive que enviar um e-mail para o Conselho Federal da OAB para obter resposta sobre o tipo de formação dos advogados.

Meu e-mail:

Senhores e senhoras. Vejo muito, em vários sites e blogues, operadores de Direito, dentre eles advogados, argumentando à favor dos Anos de Chumbo[1964 a 1985]. E necessária nova intervenção militar, contemporaneamente, para acabar com o crime em geral. Ou seja, uma intervenção militar aos moldes dos Anos de Chumbo. Gostaria de saber qual o posicionamento do Conselho sobre os advogados que defendem os Anos de Chumbo e/ou as atitudes antidesumanas dos militares. Há também discriminações quanto ao tipo de localidade e índice de crime [ex.: nas favelas só marginais]. Qual o comportamento que a sociedade deve esperar de qualquer advogado seja nas vias públicas, dentro dos Tribunais, nos sites e blogues? Obrigado


Transcrevo resposta da OAB:

Prezado Senhor.

Em resposta, agradecemos seu contato, registramos sua manifestação e informamos que a Ordem dos Advogados do Brasil é instituição que visa defesa do Estado Democrático de Direito, e mais do que uma entidade corporativa, a OAB se orgulha de seu envolvimento com as grandes questões do País para a melhoria das instituições da República, agindo de forma independente e apartidária, sendo a defesa da Constituição a pedra fundamental da OAB.

Ademais, informamos que os posicionamentos oficiais do Conselho Federal da OAB são amplamente discutidos e analisados pelos 81 Conselheiros Federais que representam cada Estado da Federação e que foram democraticamente eleitos por cerca de um milhão de advogados para compôr os assentos deste Conselho Federal.

De modo que os posicionamentos da OAB, além de técnicos, vislumbram soluções para o País nesse momento de crise institucional demonstrando mais uma vez que a Entidade busca atuar em defesa do fortalecimento das instituições nacionais.

A OAB respeita as opiniões de seus membros, independente de suas posições políticas, e tem como diretriz, o respeito a opiniões divergentes, por ser um dos pilares do Estado Democrático de Direito, sendo salutar que se mantenha sempre aberto um canal de comunicação entre os advogados, a Sociedade e a Instituição. (grifo)

Outrossim, esclarecemos que para apreciação específica da matéria, ventilada por meio das instâncias internas do Conselho Federal da OAB, sugerimos que apresente provocação formal dirigida diretamente à Presidência do Conselho Federal da OAB.

Atenciosamente,

Gerência de Relações Externas Ouvidoria­ Geral

Conselho Federal da OAB


Destaco:

(...) respeita as opiniões de seus membros, independente de suas posições políticas (...) respeito a opiniões divergentes, por ser um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e as seccionais do Amazonas e de Roraima irão acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro, pelo massacre nos presídios, logicamente a OAB não permitirá que os advogados façam manifestações pró 'ponta de baioneta'.

Quanto à liberdade de expressão dos membros da OAB. Acredito, por análise, que nenhuma OAB permitirá que quaisquer uns de seus membros façam apologias. Caso alguma OAB permita, Jair Bolsonaro não pode ser alvo de manifestações e pedidos de condenações.

O deputado Jair Bolsonaro utilizou-se de sua função pública para, diante da audiência de milhões de pessoas, aclamar um período de repressão violenta e suspensão dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, no qual mais de 500 pessoas foram mortas e mais de seis mil foram torturadas pelo Estado brasileiro. O Coronel Brilhante Ustra foi um dos representantes desse período de horror quando comandou o DOI-CODI na década de 70 e foi responsável por prisões e detenções ilegais, tortura, ocultação de cadáver e assassinatos, conforme apurado pela Comissão Nacional da Verdade e também reconhecido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Em 24 de outubro de 1983 a OAB/DF foi invadida pelos comandantes da ditadura militar. Quem sabe o gosto amargo do autoritarismo não pode se calar diante dos que oferecem glórias aos adversários da democracia. E é em nome de nossa história e de advogados heróis como Maurício Corrêa, Sobral Pinto, Raimundo Faoro e tantos outros que enfrentaram a ditadura e torturadores que repudiamos as palavras do parlamentar Jair Bolsonaro no último dia 17 de abril de 2016 na Câmara dos Deputados. OAB repudia apologia à tortura feita por Jair Bolsonaro


O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, afirmou nesta terça-feira, dia 19, que a Seccional recorrerá ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, se necessário, à Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, para pedir a cassação do mandato do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC/RJ).

Segundo ele, a Ordem entrará também com uma representação no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados para que apreciem o discurso de Bolsonaro na votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff no último domingo, dia 17. Em seu voto, o parlamentar exaltou a ditadura militar e a memória de Carlos Brilhante Ustra, que foi chefe do Doi-Codi de São Paulo, um dos mais sangrentos centros de tortura do regime militar, e sob quem pairam acusações de agressões das mais desumanas e de mortes no período. Há sete anos, Ustra é declarado torturador pela Justiça, após decisao do TJ de São Paulo. OAB/RJ vai ao STF para cassar mandato de Jair Bolsonaro


CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (1969) — PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e idéias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

(...)

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

(...)

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. (grifo)


ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB COMENTADA*

http://www.oabpr.org.br/downloads/ESTATUTO_OAB_COMENTADO.pdf

DA ÉTICA DO ADVOGADO

CAPÍTULO VIII – DA ÉTICA DO ADVOGADO

Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor desrespeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.

§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.

§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.


"Comentários por Rogéria Fagundes Dotti (OAB/PR 20.900)

Ética profissional

A ética profissional está diretamente vinculada ao respeito que o advogado consegue obter em seu dia a dia perante o mercado e perante a sociedade em geral. Dela decorrerão tanto o prestígio que poderá agregar à sua classe como, por outro lado, o descrédito e a desconfiança. Segundo De Plácido e Silva, ética profissional consiste na soma de deveres que estabelece a norma de conduta no desempenho das atividades profissionais, não apenas em suas relações com o cliente, mas com todos com quem possa ter trato.

Agir conforme a ética implica em adotar padrões de conduta aceitos pela generalidade das pessoas, em determinada sociedade e de acordo com as regras morais daquele tempo e lugar. A ética é percebida, portanto, através de uma noção objetiva e plural. Não guarda relação comas apreciações individuais ou com os juízos subjetivos de valor. Atitudes éticas são “lugares-comuns que se captam objetivamente nas condutas qualificadas como corretas, adequadas ou exemplares”. (GRIFO)

ÉTICA PROFISSIONAL E REGRAS MORAIS

Qual seria a conduta ética do advogado no contexto brasileiro contemporâneo (discriminações, preconceitos, neonazismo, corrupções diversas, machismo, homofobia)? Como, então, o advogado deverá se comportar?

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Simples, e serve para qualquer brasileiro, nato ou naturalizado, agentes público ou não, estrangeiro, de advogado até gari, trabalhador ou desempregado, analfabeto ou alfabetizado, não importa:

CRFB 1988

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II - prevalência dos direitos humanos;

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

CONCLUSÃO

Sendo possível admitir, ao pé da letra,  "Agir conforme a ética implica em adotar padrões de conduta aceitos pela generalidade das pessoas, em determinada sociedade e de acordo com as regras morais daquele tempo e lugar", os advogados que defenderam os presos políticos, ou melhor, aplicaram os direitos humanos, não agiram conforme a ética, pois não adotaram padrões de conduta aceitos pela generalidade das pessoas e de acordo com as regras morais daquele tempo e lugar.

Não há mais possibilidade de dicotomias folosóficas sobre aplicabilidade dos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro.

Sobre "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Atos aprovados na forma deste parágrafo)".

Vejam que a discussão é boa. Se eu analisar a Lei Maria da Penha e como ela foi criada no Brasil — Brasil só criou Lei Maria da Penha após sofrer constrangimento internacional — , o § 3º, do art. 5º da CRFB de 1988 pode muito bem servir para que os direitos humanos não evoluam no Brasil. Por exemplo, uma maior proteção ao grupo LGBTI não se faz pelo seguinte motivo: Bancada Religiosa. PL 222 de 2006, ou projeto de lei anti-homofobia, foi arquivado em 19/02/2015.

Há discussões calorosas de doutrinadores sobre a antinomia entre tratados internacionais de direitos humanos e o ordenamento jurídico brasileiro (dicotomia entre as escolas monista e dualista). Entendo que o HC 72.131-RJ (22.11.1995) observou o princípio da prevalência da norma mais favorável à dignidade humana. As intervenções humanitárias são realidades as quais defendem os direitos humanos; sejam eles violados em democracias, ou para que se firmem em localidade em transição — ditadura para democracia.

Admitir que a soberania de um país seja sua máxima proteção contra intervenções humanitárias, é esquecer das atrocidades da Segunda Guerra Mundial e a finalidade Tribunal de Nurember. Há interesses (neocolonialismo) por detrás das" intervenções humanitárias ", principalmente os econômicos (Iraque). Quanto ao que foi escrito neste parágrafo, necessário outro artigo sobre soberania e intervenções humanitárias.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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