E a convivência compartilhada?

06/02/2017 às 23:58

Resumo:


  • Apesar da Lei 13.058/2014 prever a guarda compartilhada, apenas 12,5% dos casos no Brasil adotam esse modelo.

  • A maioria das decisões judiciais ainda concede guarda unilateral, sendo que 85% dos casos são concedidos às mulheres.

  • Existe uma tendência dos tribunais em fixar a residência da criança em apenas um dos genitores, o que vai contra o princípio da convivência equilibrada prevista na lei.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O texto trata da questão da convivência compartilhada que não é aplicada nos tribunais brasileiros entre outras situações irregulares das decisões a respeito da Lei 13058/14.

Os tribunais brasileiros têm adotado o modelo de guarda compartilhada de acordo com a Lei 13.058/2014, que entrou em vigência em 2015. Vale ressaltar que na atualidade são apenas 12,5 %[1] dos casos no país que adotam este protótipo. A maioria é ainda de guarda unilateral, sendo que destas o percentual de 85%[2] dos casos são concedidos às mulheres, ficando os homens com cerca de 4,9%[3] e o restante com os demais familiares a exemplo dos avós e tios.

Este modelo trouxe algumas modificações no Código Civil em relação às diretrizes de guarda e convivência. Ocorre que o judiciário não tem se atentado para o procedimento da convivência compartilhada que também é tratada na respectiva lei.

O que se vê neste curto lapso de vigência da norma são algumas incongruências da praxe dos tribunais com o propósito ideológico da lei. Uma das críticas é a fixação da residência da criança ou adolescente na casa de apenas um dos genitores. Percebe-se na prática a inclinação para a residência materna. Ocorre que a lei só menciona a fixação de residência apenas no caso dos genitores residirem em cidades distintas. É o que diz o atual texto do art. 1.583, § 3º do Código Civil: “Na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos”. O entendimento é que a residência do menor é em ambas as moradias. Em nenhum momento a lei determina a fixação de um local de residência no caso de progenitores que residam na mesma cidade, mas os tribunais e os operadores do Direito têm compreendido desta forma e acabam criando um sistema similar ao de guarda unilateral no que tange à convivência.

Na verdade, não há fixação porque o ideal é que a convivência seja equilibrada com ambos os genitores. A fixação só decorre de uma impossibilidade em que se verifica no caso de genitores morarem em cidades distintas, o que seria impossível de aplicar por dificuldade física em razão da distância e complicações em proporcionar esta divisão de convivência. Como se vê, são exceções da regra e justificáveis por não dispor de meios para efetivar tal convivência nestes casos.

O cenário atual do judiciário é adotar a fixação em uma residência, sem respaldo legal, baseando no modelo de guarda unilateral. Isso traz para a criança ou adolescente a ideia de que a casa do genitor que não detém a fixação da residência com o menor seja de mero local de visita, o que não foi o intuito da lei. Os filhos devem ser conviventes nas respectivas residências de ambos pais e não serem meros visitantes na casa de apenas um. Isso é um desestimulo para a convivência equilibrada dos filhos com ambos os genitores.

 Outra situação que merece crítica é a qualidade de convivência, pois determinam o encontro de uma ou duas noites durante a semana, além dos finais de semana alternados na casa daquele que não possui a residência do menor fixada conjuntamente. Isso implica em uma convivência desequilibrada e muitas vezes sem justificativa legal para isso. A lei preconiza a divisão de convivência igualitária dentro das possibilidades fáticas da relação familiar. O art. 1.583, § 2º do Código Civil diz que “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.

Não havendo motivos relevantes que justifiquem este desequilíbrio de convivência, o tempo será dividido entre ambos os pais: esta é a regra. No caso de bebês que amamentam, por exemplo, a guarda será compartilhada, ou seja, ambos decidirão sobre o pediatra do filho, diretrizes de formação moral, entre outras, mas a convivência maior será com a mãe, visto que nos primeiros meses de vida há uma dependência maior em relação à presença materna devido ao aleitamento. Este caso, portanto, será um período transitório de convivência desequilibrada.

O que se vê aplicando no país quanto ao modelo de guarda é um sistema em que ambos genitores são considerados aptos para tomarem as decisões de diretrizes da vida dos filhos, mas que não privilegia a convivência igualitária, o que seria de maior relevância para a criança ou adolescente. Isso acaba se aproximando ao modelo de visita da guarda unilateral, mantendo uma desproporção enorme na convivência compartilhada, o que não é salutar para os filhos.

Obvio que há genitores que não requerem ao judiciário este período maior de contato por não disporem de tempo ou não desejarem participar de uma convivência mais próxima e restringem-se apenas as decisões relativas às questões de guarda dos filhos, preferindo se delimitarem apenas a visitações com os filhos. Mas não foi o intuito da lei e esta não pode impor a este genitor que exerça esta convivência em maior período. É uma questão de escolha do genitor, infelizmente.

A guarda compartilhada é o poder de decisão e zelo pela vida do menor ou adolescente exercida por ambos os pais. Devem determinar as diretrizes da vida dos filhos conjuntamente. Este poder existe mesmo residindo um dos pais em cidade diversa do outro. É distinto do que seria a convivência compartilhada, ainda que estejam dentro do mesmo contexto jurídico. Conviver não é decidir sobre o rumo de determinadas situações dos filhos, como escolha de escola, atividades extras, tratamentos médicos, entre outras. Conviver é estar presente na vida dos filhos e não desempenhar apenas o papel de um mero visitante de finais de semana alternados e de encontros ínfimos durante alguns dias da semana. A convivência dos filhos com ambos genitores é de suma importância para o fortalecimento do laços afetivos e construção de uma estrutura psíquica melhor. É o ponto primordial a ser realmente respeitado e priorizado. Só deve ser minimizado em situações extremas que envolvem risco à criança ou por algum impedimento maior.

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O que se vê no contexto do Poder Judiciário é uma inclinação para impor uma convivência de um ou dois dias de contato dos filhos durante a semana com o outro genitor que não tem a residência fixada com o menor. E na maior parte são os homens que são prejudicados neste tipo de decisão. A criança fica mais tempo aos cuidados da mãe. Esta padronização judicial de relação familiar foge muito do que se chama de “convivência compartilhada”, sendo outro sistema diverso do que foi proposto pela lei.

Esta praxe jurídica em relação ao maior período de convivência dos filhos ser com as mães ainda demonstram resquícios da mentalidade de que o guardião deve ser a mulher. A tradição cultural de vergar a convivência dos filhos para o sexo feminino é a árdua tarefa dos operadores do Direito e profissionais que trabalham com questões de família em pleno século XXI. Este ranço cultural é o desafio para o Direito de Família da contemporaneidade e a praxe que os tribunais vêm adotando implica em reflexos negativos ao que se propôs a lei de guarda e convivência compartilhada.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei 13.058 de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Site Presidência da República. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm> . Acesso em 27 de novembro de 2016.

[1]  Número de casos de guarda compartilhada aumenta no Brasil: segundo pesquisa do IBGE registrou um aumento de 5,4% entre 2014 e 2015. Site Cidade Divinópolis. Publicado em 25 de setembro de 2016. Disponível em <http://cidadedivinopolis.com.br/numero-de-casos-de-guarda-compartilhada-aumenta-no-brasil/> . Acesso em 27 de novembro de 2016

[2] Guarda compartilhada é realizada por apenas 6% das famílias no Brasill.: Guarda compartilhada é realizada por apenas 6% das famílias no Brasil.  Profissão Repórter G1. Edição do dia 24 de março de 2015. Disponível em <http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2015/03/guarda-compartilhada-e-realizada-por-apenas-6-das-familias-no-brasil.html>  Acesso em 27 de  novembro de 2015.
[3]  Cresce a disputa entre os pais para ter a guarda dos filhos  : número de ações movidos pela defensoria pública aumentou 13% no ano passado. Site o Tempo. Publicado em 21 de janeiro de 2014. Disponível em <http://www.otempo.com.br/cidades/cresce-a-disputa-entre-os-pais-para-ter-a-guarda-dos-filhos-1.772289> Acesso em 27 de novembro de 2016.

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Sobre o autor
Cássio Augusto Barros Brant

Doutor e Mestre em Direito Privado pela PUC-MG, professor nível universitário, advogado

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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