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Os aspectos doutrinários do termo de ajuste de conduta

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Termo de Ajuste de Conduta

Após concluídas as investigações atinentes à ocorrência do dano à direitos sociais ou individuais indisponíveis e constatada a responsabilidade do investigado, antes de ajuizada a ação civil pública, a lei prevê a possiblidade de oportunizar o autor do dano a anuir, ou não, à proposta apresentada pelo Ministério Público, ou por outro órgão legitimado, de ajustar sua conduta às normas legais.

O compromisso de ajustamento de conduta é conhecido como Termo de Ajuste de Conduta, uma vez que é tomado por termo, pelos órgãos legitimados, criando-se uma forma de solução alternativa para as lides que envolvem direitos coletivos.

Contexto Histórico

Segundo os ensinamentos de Geisa de Assis Rodrigues:

[...] o instituto surgiu na mesma ambiência social que gerou a Constituição Federal de 1988, um momento de redemocratização das instituições e de adaptação do ordenamento jurídico aos móveis políticos estabelecidos pela nova ordem.

O termo de ajuste de conduta, como forma alternativa na resolução de conflitos envolvendo direitos coletivos, foi introduzido na legislação brasileira pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) que complementou o artigo 5º da Lei nº 7.347/85, acrescentando-lhe novo parágrafo.

Contudo, esse instrumento de composição de conflitos na defesa do meio coletivo não é oriundo do Código de Defesa do Consumidor, tendo sido previsto anteriormente no artigo 211 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), cujo teor é idêntico ao do apresentado pela Lei nº 8.078/90 (FINK, 2002, p. 117), conforme transcrição do texto acima mencionado:

Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

A previsão do instituto no Estatuto da Criança e do Adolescente foi de fundamental relevância para a concretização do termo de ajuste de conduta no mundo jurídico, uma vez que foi o artigo 211 da Lei nº 8.069/90 que pela primeira vez mencionou a expressão “mediante cominações”. A aplicação das cominações representou um grande avanço para a consolidação do uso do termo de ajuste de conduta, trazendo-lhe, sobretudo, eficácia.

Sendo assim, o § 6º do artigo 5º da Lei de Ação Civil Pública é atualmente a principal norma que regula o chamado termo de ajuste de conduta, não restando qualquer dúvida quanto a sua vigência, tendo sido a mesma confirmada em diversas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça.

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. VIGÊNCIA DO ART. 5º, § 6º, DA LEI Nº 7.347/85. 1. Encontra-se em plena vigência o § 6º do art. 5º da Lei nº 7.347/85, de forma que o descumprimento de compromisso de ajustamento de conduta celebrado com o Ministério Público viabiliza a execução da multa nele prevista. 2. A Mensagem nº 664/90, do Presidente da República - a qual vetou parcialmente o Código de Defesa do Consumidor -, ao tratar do veto aos arts. 82, § 3º, e 92, parágrafo único, fez referência ao art. 113, mas não o vetou, razão por que esse dispositivo é aplicável à tutela dos interesses e direitos do consumidor. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido." (STJ, REsp 443.407/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 25.04.06)

PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPROMISSO DE ACERTAMENTO DE CONDUTA. VIGÊNCIA DO § 6º, DO ARTIGO 5º, DA LEI 7.374/85, COM A REDAÇÃO DADA PELO ARTIGO 113, DO CDC.1. A referência ao veto ao artigo 113, quando vetados os artigos 82, § 3º, e 92, parágrafo único, do CDC, não teve o condão de afetar a vigência do § 6º, do artigo 5º, da Lei 7.374/85, com a redação dada pelo artigo 113, do CDC, pois inviável a existência de veto implícito.2. Recurso provido.(REsp 222.582/MG, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/03/2002, DJ 29/04/2002, p. 166)

Natureza jurídica

No que diz respeito à natureza do termo de ajuste de conduta, as posições doutrinárias se dividem em dois grupos distintos. A primeira corrente entende o termo de ajuste de conduta como transação, a segunda percebe o referido instrumento como ato jurídico diverso, no sentido amplo do vocábulo.

Alguns autores ainda apontam uma terceira corrente de pensamento, enquadrando o termo de ajuste de conduta como ato administrativo. Segundo Fernandes (2008, p. 56-78), o termo de ajuste de conduta “responde satisfatoriamente à natureza jurídica de contrato administrativo típico, resultando na avença consensual, geralmente preventiva de litígio, na qual a Administração buscará a reparação do bem ambiental lesado. ”.

De forma semelhante ao pensamento acima exposto, Fink (2002, p. 119) entende o termo de ajuste de conduta como instituto que possui natureza jurídica de transação, cujo regime jurídico deve obedecer às regras do direito civil. Ainda segundo Fink, por ser bilateral, o termo de ajuste de conduta se constitui em contrato e sendo assim, devem ser aplicadas também as normas que regem o direito contratual.

Milaré (2005, p. 11-12) apresenta uma nova postura ao defender que o termo de ajuste de conduta é um mecanismo de solução pacífica de conflitos, uma vez que nele são estabelecidas obrigações a serem cumpridas pelo interessado, incluindo a adoção de medidas que se destinam à proteção do meio difuso atingido.

Dessa forma, o termo de ajuste de conduta se constitui em uma garantia mínima e benéfica para a proteção dos direitos da coletividade, tendo em vista que seu objetivo é proporcionar um ambiente de negociação, que visa melhores resultados na conciliação.

Importante destacar que os órgãos legitimados para proporem termo de ajuste de conduta podem dispor do conteúdo processual do referido instrumento, a exemplo, podem estipular prazo para cumprimentos das obrigações ou valores das multas por descumprimento das obrigações. Contudo, é vedado a eles disporem do conteúdo material do termo, uma vez que se trata de direitos da coletividade indisponíveis.

Por sua vez, Mazzilli (2006, p. 104 – 105) argumenta que o termo de ajuste de conduta não possui natureza contratual, uma vez que os órgãos públicos que o tomam não podem dispor sobre a obrigações a serem pactuadas, haja vista que a transação contratual necessita de poder de disponibilidade sobre o conteúdo material do que será assumido. Como já foi exposto, os legitimados para proporem termo de ajuste de conduta podem dispor apenas do conteúdo processual do termo, mas não detém disponibilidade sobre o próprio direito material controvertido. Portanto, Mazzilli entende que a natureza jurídica do termo de ajuste de conduta é de ato administrativo negocial (negócio jurídico de direito público), que consubstancia uma declaração de vontade do Poder Público coincidente com a do particular causador do dano, que concorda em adequar sua conduta às exigências legais.

Para Milaré (2007, p. 976 – 977):

A marca da indisponibilidade dos interesses e direitos transidividuais impede, em princípio, a transação, tendo em vista que o objeto dessa alcança apenas “direitos patrimoniais de caráter privado”, [...].

Diante, porém, de situações concretas de dano iminente ou consumado, em que o responsável acede em adequar-se à Lei ou em reparar a lesão, seria fechar os olhos à realidade e as exigências da vida recusar pura e simplesmente tal procedimento, numa incompreensível reverência aos conceitos.

Despertando para esta realidade [...] o § 6º [...] consagra hipótese de transação, pois destina-se a prevenir o litígio (propositura de ação civil pública) ou pôr-lhe fim (ação em andamento), e ainda dotar os legitimados ativos de Título executivo extrajudicial ou judicial, respectivamente, tornando líquida e certa a obrigação [...]

Portanto, aqueles doutrinadores que defendem a natureza jurídica do termo de ajuste de conduta com sendo uma transação, ensinam que não seria o caso de uma transação ordinária, mas, sim, uma transação especial, tendo em vista a indisponibilidade dos direitos transindividuais, bem como, da diversidade entre os legitimados a celebrar o compromisso e os titulares do direito material em questão. (RODRIGUES, 2006).

Para Carvalho Filho (2006, p. 211 – 212), o termo de ajuste de conduta é um “ato jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da adequação de seu comportamento às exigências legais.”.

“A natureza jurídica do instituto é, pois, a de ato jurídico unilateral quanto a manifestação de volitiva, e bilateral somente quanto à formalização, eis que nem intervêm o órgão público e o promitente. ” (CARVALHO FILHO, 2006, p. 212).

Legitimidade para tomar o compromisso

O parágrafo 6º do artigo 5º da Lei da ação civil pública não foi claro ao delimitar a legitimidade para tomar o compromisso através do termo de ajuste de conduta, em consequência disso, não há concordância na doutrina de quem exatamente seriam os “órgãos públicos legitimados” a “tomar dos interessados o compromisso do ajustamento de sua conduta às exigências legais”.

Mazzilli (2000, p. 251) relaciona três categorias dos legitimados ativos constantes do artigo 5º da lei da ação civil pública e do artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor:

a) a daqueles legitimados que, incontroversamente, podem tomar compromisso de ajustamento: Ministério Público, União, Estados, Municípios, Distrito Federal e órgão públicos, ainda que sem personalidade jurídica, especialmente destinados à defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos; b) a dos legitimados que, incontroversamente, não podem tomar o compromisso: as associações civis e as fundações privadas; c) a dos legitimados sobre os quais é questionável possam tomar compromissos de ajustamento de conduta, como fundações públicas e as autarquias, ou até as empresas públicas e as sociedades de economia mista.

Dos ensinamentos acima, observa-se que nem todos os legitimados para proporem a ação civil pública ou a ação coletiva são autorizados pela lei à tomar compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais. Inquestionavelmente, podem firmar termo de ajuste de conduta: o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e Órgãos Públicos sem personalidade jurídica.

Fink (2002, p. 128) esclarece que a expressão “órgãos públicos” constante no texto da lei expressa claramente a ideia de que o legislador quis que apenas partes públicas, voltadas à prestação de serviços tipicamente públicos, sem interferência de interesses privados, fossem legítimos para tomar compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais.

Importante destacar que não obstante a faculdade das associações civis, das fundações privadas e dos sindicatos de ajuizar a ação civil pública para defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, ainda assim não poderão firmar termo de ajuste de conduta. No tocante à exclusão dos sindicatos do rol de legitimados para proporem o termo de ajuste de conduta, Melo (2014, p. 112) discorre que:

Com efeito, sem razão a exclusão dos demais colegitimados do art. 5º, especialmente, na esfera trabalhista, os sindicatos, para tomarem termo de compromisso, porque se eles podem o mais – ajuizar Ação Civil Pública – também deveriam poder obter o referido ajuste, que é de suma importância para a sociedade, na busca de soluções extrajudiciais. Bastaria exigir a presença do Ministério Público na assinatura do termo. Aliás, entendemos que seria salutar a presença do Parquet na assinatura de todos os Temo de Ajuste de Conduta tomados pelos demais colegitimados, como segurança para a sociedade, além das razões seguintes: relevância dos interesses discutidos, envolvimento político dos demais legitimados e independência funcional do Ministério Público.

Quanto às autarquias, empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista, nada impede que tais órgãos tomem termo de ajustamento de conduta às exigências legais, mas somente quando sua atuação for na qualidade de entes estatais, como prestadores de serviços públicos, nos termos do artigo 173 da Constituição Federal. Nas situações em que os órgãos públicos exerçam atividade de caráter econômico em condições empresariais, não justo conceder-lhes a prerrogativa de tomar compromisso de ajustamento sob pena de serem estimuladas desigualdades afrontosas à ordem jurídica. (MAZZILLI, 2000, p. 253).

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Por fim, e como o presente trabalho monográfico se debruça nos termos de ajuste de conduta da esfera trabalhista, é de substancial relevância expor o pensamento de Melo no que diz respeito aos legitimados para proporem o instrumento em estudo. Assim, segundo Melo (2014, p. 111):

Na esfera trabalhista, entendemos cabível a tomada de Termo de Ajuste de Conduta pela União, pelo Ministério do Trabalho e demais órgãos públicos estaduais e municipais de fiscalização das relações de trabalho, pois quem tem competência e o poder de polícia para fiscalizar, impor multa, interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obras (CLT, art. 161), para resolver o conflito e aplicar a lei, também pode propor e tomar um Termo de Ajuste de Conduta, desde que o faça na forma prevista no § 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/85, estabelecendo prazo, modo e lugar para o cumprimento das obrigações ajustadas e cominação para o caso de descumprimento do termo acordado.

Aspectos formais e objeto do termo de ajuste de conduta

A doutrina classifica o termo de ajuste de conduta como título executivo extrajudicial, que por sua vez, deve manter a forma adequada, sobretudo no tocante às características, conteúdo e finalidades inerentes a qualquer título, para eventual execução das obrigações nele previstas perante o Poder Judiciário e, dessa forma, alcançar seu objeto.

A doutrina majoritária afirma que a lei, ao autorizar a celebração de termo de ajuste de conduta, pretende que o infrator dos direitos coletivos se disponha a cessar ou, se possível, recuperar os danos causados pela ilicitude cometida. Assim, denota-se que a real pretensão da norma não é tornar disponível aquilo que já foi determinado como indisponível, no caso, os direitos coletivos; mas sim que se negocie as condições de modo, tempo e lugar do cumprimento das obrigações que visam o reestabelecimento do interesse público.

O artigo 3º da Lei nº7.347, de 24 de julho de 1985, indica como objeto da ação civil pública como sendo a “condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. ”, logo, entendemos que o objeto do termo de ajuste de conduta é idêntico ao da ação civil pública, uma vez que a principal pretensão do termo de ajuste de conduta é evitar a judicialização de demandas.

O conteúdo mínimo deve ser bem claro no termo de ajuste de conduta, como forma de cumprir a sua finalidade, qual seja, a composição de conflitos que envolvam direito coletivos.

Fink (2002, p. 112-125) elenca os seguintes itens que devem estar presentes no termo de ajuste de conduta: preâmbulo, qualificando as partes e identificando o procedimento; descrição dos fatos e de suas circunstâncias; previsão de todas as obrigações e condições de seu cumprimento; prazos e cláusulas penais, prevendo cominações. Nesse sentido, esclarece Melo (2014, p. 118) tocando em pontos específicos da esfera trabalhista:

O Termo de Ajuste de Conduta deve ser obrigatoriamente escrito e dele constar de forma clara, objetiva e precisa todas as cláusulas ajustadas, de maneira que não reste dúvida sobre a proposição do órgão público e o que foi aceito pelo compromissário, para, assim, evitar divergências posteriores sobre o seu cumprimento.

Deve ser escrito também de forma precisa a sua abrangência, se o compromissário inquirido tiver atuação em mais de uma localidade onde ocorreu ou supostamente ocorreria o dano. Caso não conste nenhuma ressalva, o compromissário tem validade e aplicação em qualquer lugar território nacional onde o compromissário tenha atuação, quer seja a matriz da empresa ou suas filiais, uma vez que é característica dos direitos interesses difusos e interesses difusos e coletivos e coletivos a sua indivisibilidade.

Em relação às obrigações, poderão estas ser de três espécies: “a) obrigação de fazer, de não fazer ou de suportar alguma coisa, que constituem a regra geral; b) obrigações de dar/pagar; c) multa cominatória. ” (MELO, 2014, p. 113).

Com relação às primeiras, podemos exemplificar respectivamente, com a adoção, pela empresa, de determinada norma de proteção à saúde dos trabalhadores, de não discriminação em razão da raça ou opção política e da permissão de acompanhamento dos órgãos de fiscalização nas empresas representante dos trabalhadores.

Quanto às segundas, dois exemplos esclarecem a questão: além da obrigação de fazer concernente à implementação das normas de proteção à saúde dos trabalhadores, contatada a existência de insalubridade no setor de trabalho, pode-se incluir no Termo de Ajuste de Conduta a obrigação no pagamento, pela empresa, do respectivo adicional enquanto existentes os agentes insalubres. Em segundo, constatando-se a ocorrência de danos genéricos pretéritos aos direitos difusos e coletivos, além da obrigação inibitória e preventiva assumidas para o futuro, impõe-se a reparação mediamente pagamento de indenização coletiva ajustada entre órgão público e o compromissário. (MELO, 2014, p. 113)

Melo destaca, por fim, que também se constitui objeto obrigatório do termo de ajuste de conduta a fixação da multa de natureza cominatória, “com a finalidade de desestimular e desencorajar o compromissário quanto ao descumprimento das obrigações assumidas. ” (MELO, 2014, p. 114). O valor da multa será estabelecido de forma discricionária pela autoridade de que conduzir a celebração do compromisso, que deverá levar em consideração a relevância e repercussão do dano ou ameaça dos interesses protegidos, além da capacidade econômica da empresa e dos seus sócios.

Deverão ser observados, sob pena de nulidade do termo de ajuste de conduta, os seguintes requisitos de validade: a) agente capaz para formalizar e assumir compromissos; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; c) forma adequada, prescrita ou não defesa em lei; d) legitimidade do órgão público proponente; e) aceitação da proposta de ajuste pelo compromissário inquirido; f) não transação dos direitos metaindividuais, em razão da sua natureza indisponível; g) necessidade de integral reparação do dano, quando fizer parte do ajuste cláusula nesse sentido; h) obrigatoriedade de estipulação de multa cominatória para a hipótese de descumprimento das obrigações assumidas. (MELO, 2014, p. 119).

Publicidade e vigência do termo de ajuste de conduta

Por decorrer de ato administrativo, o termo de ajuste de conduta deve ser pautado no princípio da publicidade nos termos do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, de forma que todos os colegitimados tomem conhecimento de seu conteúdo, façam a análise de suas cláusulas em busca de uma eventual ilegalidade.

Ressalta-se que o representante do órgão público legítimo para tomar termo de ajustamento de conduta é um servidor público e, em decorrência disso, seus “atos têm fé pública, não sendo necessária, para validade do instrumento, a assinatura de testemunhas, mas apenas daquele e do representante legal do compromissário. ” (MELO, 2014, p. 127).

No tocante à vigência do termo de ajuste de conduta, é suscitado pela doutrina pátria a questão relativa ao prazo de validade das obrigações assumidas. Melo (2014, p. 127) esclarece de forma simples e brilhante a referida divergência:

[...] Depende da obrigação assumida. Se for uma obrigação de fazer, não fazer ou suportar, o prazo é indeterminado. Ou seja, a cláusula valerá enquanto não mudar a lei, ou então, se, eventualmente, outra forma de obrigação for assumida em substituição à anteriormente ajustada.

É o mesmo que perguntar por quanto tempo vale a lei. Ora, ela vale enquanto não for revogada, caso não seja uma norma com prazo de vigência, o que é raro acontecer.

O fundamento legal para a assunção das obrigações por prazo indeterminado é o § 6º do artigo 5º da Lei da Ação Civil Pública que determina que: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. ”

Com relação às obrigações de pagar e de dar, Melo (2014, p. 128) ensina que “[...] deve ser visto o que estipulado na respectiva cláusula, a qual, se não cumprida, dará ensejo à sua execução, contando-se o prazo prescricional da data em que a obrigação deveria ser cumprida. ”

A jurisprudência corrobora a ideia de que não há prazo prescricional nas obrigações de fazer, não fazer e de suportar assumidas em termo de ajuste de conduta, conforme ementas abaixo apresentadas.

APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – PRESCRIÇÃO AFASTADA – DIREITOS DIFUSOS INDISPONÍVEIS – OBRIGAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO – DEMONSTRADO ADIMPLEMENTO DE PARTE DAS OBRIGAÇÕES E MODIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE OUTRAS COM ANUÊNCIA DO PARQUET – ALTERAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ACORDO – POSSIBILIDADE – PROVIMENTO DO APELO – PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS EMBARGOS.

A Lei n. 7.347/85, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, não fixa um limite temporal de eficácia ao termo de ajustamento de conduta como título executivo, não se podendo, portanto, aplicar o prazo prescricional qüinqüenal para restringir o tempo para propositura de execução com o escopo de exigir as obrigações assumidas.

Na espécie, o ajustamento de conduta tutela direitos difusos pertencentes a crianças e adolescentes, de caráter indisponível, cuja proteção interessa a toda sociedade. Por isso, não seria razoável admitir que esses interesses pudessem ser atingidos pela prescrição, obstando a sua defesa e permitindo sua violação. Ademais, tratam-se de direitos cujo atendimento depende de prestações contínuas, de modo que sem elas sua violação igualmente é renovada constantemente.

Firmado termo de ajustamento de conduta, pelo qual o ente público assumiu obrigações que visam ao atendimento de direitos de crianças e adolescentes, é cabível a execução do título executivo extrajudicial quando descumprido o compromisso celebrado.

(TJSC, ACV n. 2006.025305-6, Rel. Des. Francisco Oliveira Filho, j. em 10.4.2007).

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INÉPCIA DA INICIAL INEXISTENTE. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. O DANO AMBIENTAL SE PERPETUA NO TEMPO, DE MODO QUE A OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO SE TORNA IMPRESCRITÍVEL. DESCUMPRIMENTO DO TAC DEMONSTRADA. CERTEZA E LIQUIDEZ DO TÍTULO. PRELIMINAR REJEITADA. APELO PROVIDO. EMBARGOS JULGADOS IMPROCEDENTES, NA FORMA DO ART. 515, §3º DO CPC.

(Apelação Cível Nº 70056021942, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em 20/11/2013)

Efeitos do termo de ajuste de conduta

Conforme discutido em outro momento deste trabalho, após a celebração do termo de ajuste de conduta, a investigação cessará e será, assim, arquivada, permanecendo a obrigação de acompanhamento do cumprimento das obrigações assumidas. Melo (2014, p. 129) esclarece que:

O órgão que tomou o compromisso tem a obrigação de acompanhar o seu cumprimento, pena de ser responsabilizado o seu representante legal, condutor do procedimento. Assim, não cumpridas as obrigações, deve ser ajuizada a competente medida judicial pedindo-se a sua satisfação, mais o pagamento dos valores das multas e de eventual indenização pecuniária ajustada no termo. O ajuizamento da ação de execução cabe, em primeiro lugar, ao condutor da investigação que tomou o compromisso, mas a sua omissão, os outros legitimados coletivos para o ajuizamento da Ação Civil Pública correspondente poderão agir para efetivar os direitos protegidos no acordo, sem prejuízo da responsabilização, no caso de omissão injustificada, de quem deveria agir, inclusive por improbidade administrativa na forma da Lei n. 8.429/92 (art. 11, inc. II)

Feitas essas observações preliminares, é substancial ressaltar que a celebração do termo de ajuste de conduta produz efeitos em quatro vias distintas, quais sejam, em relação ao órgão público que o toma, em relação aos demais colegitimados, em relação aos lesados individualmente e em relação à atuação dos órgãos de fiscalização das relações de trabalho. (MELO, 2014, p. 129)

Os efeitos da celebração do termo de ajuste de conduta em relação ao órgão público que o tomou não vincula “ao seu conteúdo os demais legitimados ao ajuizamento da ação civil pública nem o órgão público que o tomou. ” (MELO, 2014, p. 129). Em outras palavras, não é defeso ao órgão público que tomou o ajustamento de conduta às normas legais impugná-lo através do ajuizamento da ação civil pública, embora, se o fizer, afetaria a segurança jurídica e o prestígio do instrumento, devendo ser feito apenas em casos excepcionais.

Os demais legitimados não estão, por sua vez, vinculados ao termo de ajuste de conduta celebrado por outro legitimado. Dessa maneira, são autorizados pela lei a ajuizar a ação civil pública com objeto mais amplo que o contido no termo de ajuste de conduta ou quando seu conteúdo agredir os direitos e interesses da coletividade. Melo (2014, p. 130) completa afirmando que:

É certo, todavia, que o que ajustado no Termo de Ajuste de Conduta, se de forma a cumprir integramente a lei, não pode ser objeto de uma Ação Civil Pública ou mesmo de um outro ajustamento de conduta, por evidente falta de interesse processual e desnecessidade de um provimento jurisdicional. O processo, neste ponto, deve ser extinto se apreciação do mérito por falta de uma das condições da ação (CPC, art. 267, inc. IV). Cabe ao juiz, no caso, fazer um confronto entre o conteúdo do Termo de Ajuste de Conduta, o novo pedido judicial e alei regente da espécie, de maneira a ser respeitado o ordenamento jurídico protetivo dos direitos e interesses da coletividade, que é o maior desiderato a ser perseguido.

É certo que em alguns casos, o termo de ajuste de conduta venha a trazer prejuízos individuais. Considerando essa hipótese, em relação aos lesados individualmente, os efeitos da celebração de termo de ajuste de conduta são similares ao da sentença transitada em julgado da ação civil pública, com a diferença que aquele se trata de título executivo extrajudicial e esta, de título executivo judicial.

Portanto, em ambos a coisa julgada é coletiva e, dessa maneira, “somente se aplicam no âmbito individual para beneficiar e não para prejudicar, como decorre do chamado efeito in utilibus, que, mutatis mutandis também ocorre em relação às cláusulas ajustadas num TAC. ” (MELO, 2014, p. 130). Continua lecionando Melo:

Em outras palavras, com o intuito de preservar a sociedade como um todo, como regra geral, os efeitos de Termo de Ajuste de Conduta ou da coisa julgada em relação à tutela dos direitos e interesses coletivos lato sensu são in utilibus, ou seja, incidirão somente para beneficiar os titulares dos direitos transindividuais tutelados, mas não para prejudicá-los. (MELO, 2014, p. 131).

Por fim, os efeitos da celebração do termo de ajuste de conduta em relação a atuação dos órgãos de fiscalização das relações de trabalho é um assunto bastante escasso e divergente na doutrina e na jurisprudência, sobretudo no que tange à a atuação concomitante do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho, nos casos em que o Auditor Fiscal do Trabalho autua empresa pelo fato que ensejou a celebração do Termo de Ajuste de Conduta.

Melo destaca que na I Jornada de Direito e Processo do Trabalho, que foi promovida pela ANMATRA e pelo TST, em novembro de 2007, foi aprovado o Enunciado n. 55, que dispõe:

“TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA – ALCANCE. A celebração de TAC não importa em remissão dos atos de infração anteriores, os quais têm justa sanção pecuniária como resposta às irregularidades trabalhistas constatadas pela DRT. ” (MELO, 2014, p. 135).

De fato, a existência de termo de ajuste de conduta não impede que o Ministério do Trabalho e Emprego exerça seu poder de fiscalização naquelas questões não alcançadas pelo referido instrumento. Das irregularidades ajustadas através de termo de ajuste de conduta, deve ser ponderada a razoabilidade na punição da empresa infratora das normas trabalhistas, de forma que se garanta a segurança jurídica do compromissário do termo de ajuste de conduta. Dessa forma, se posiciona Melo (2014, p. 136):

Diante do exposto, numa primeira reflexão entendemos que, assinado um Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do Trabalho, a posterior atuação do Ministério do Trabalho somente é válida em relação às questões não abrangidas pelo ajuste, sob pena de tornar-se inócua e sem valor a atuação do Parquet, que é um órgão independente funcionalmente e tem por funções defender a ordem jurídica como um todo, o Estado Democrático de Direito e os interesses sociais e individuais indisponíveis na esfera trabalhista, portanto, com uma visão muito maior do que a do MTE, que é um órgão administrativo do Poder Executivo, submetido os seus Auditores Fiscais a poder hierarquizado.

Entendemos, portanto, de forma semelhante ao do ilustre autor. A fiscalização e os autos de infrações lavrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego que tratam de irregularidades já ajustadas por termo de ajuste de conduta devem se constituir apenas em prova do descumprimento do referido instrumento e não em dupla punição à empresa.

A evolução histórica do termo de ajuste de conduta também esclarece sua importância diante da crise do Poder Judiciário, que por fatores estruturais, é incapaz de solucionar com celeridade e eficiência todos os processos que chegam até ele. Nesse ponto, o termo de ajuste de conduta garante o direito constitucional de acesso à justiça de forma alternativa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre os autores
Rennata Pinto dos Santos

Estudante do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Reginaldo Ribeiro da Costa Junior

Estudante do curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Rennata Pinto ; COSTA JUNIOR, Reginaldo Ribeiro. Os aspectos doutrinários do termo de ajuste de conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4978, 16 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55690. Acesso em: 29 mar. 2024.

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