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Valoração da prova e livre convicção do juiz

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12/08/2004 às 00:00

Resumo:


  • O processo penal visa resolver uma lide penal, exercendo o Estado seu poder de punir contra o infrator de uma norma penal, submetendo-se a regras pré-estabelecidas para garantir a igualdade das partes.

  • No sistema acusatório misto, como o adotado em Portugal, os papéis de acusar, defender e julgar são desempenhados por agentes distintos, com o julgador buscando a verdade material e podendo determinar a produção de provas de ofício.

  • A valoração da prova pelo julgador evoluiu historicamente, passando do sistema de prova legal, onde o valor das provas era fixado pela lei, para o sistema da livre convicção, onde o julgador avalia as provas com base em sua consciência e fundamenta sua decisão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

VIII) CONCLUSÃO:

Todo o processo penal se desenrola com o objetivo único da decisão, do pronunciamento do estado-juiz, a pôr um fim à lide penal instaurada com o surgimento – pela infração à norma – do jus puniendi. Por isto mesmo é que toda a atividade desenvolvida pelos intervenientes no processo tem por finalidade trazer aos autos provas capazes de reconstituir historicamente o fato inquinado de criminoso, de tal maneira que seja possível criar, no espírito do julgador, uma clara certeza acerca dos acontecimentos.

Assim é que esta atividade instrutória há de ter regras rígidas de apreensão e controle das provas produzidas, no dúplice interesse da apuração dos fatos e também da garantia do direito de defesa de que goza o argüido. Esta rigidez possibilita uma garantia de que o órgão incumbido de proferir a decisão vai trabalhar a partir de premissas válidas, construindo sobre elas hipóteses o mais possível (ou tanto quanto possível) verdadeiras.

Por outro lado, acima aludiu-se, à guisa de comparação, à sistemática de produção de provas no sistema inquisitório de processo, onde, a rigor, não havia controle sobre a obtenção da prova que mais conviesse, a final, à decisão. Pode-se, então, fazer um paralelo entre sistemas de processo e sistemas de apreciação da prova:

a)no sistema inquisitório, em que, a rigor, a atividade de obtenção da prova conhecia menos limitações formais, o julgador proferia decisão tendo em conta valores pré-establecidos ao material probatório que tinha em mãos.

b)No sistema acusatório, em que a obtenção das provas segue regras rígidas para sua produção e apreensão, o julgador tem mais liberdade para valorar as provas de acordo com a sua consciência.

O acompanhar esta evolução de institutos de processo penal permite também acompanhar a evolução histórica em matéria de política criminal, porque se sabe que, em outras eras, o processo contra indivíduos acusados de subversão da ordem, seja a que título fosse, era um instrumento eficaz para sua eliminação. Hoje em dia, em que a simples persecução criminal contra um suspeito é passível de ser taxada de constrangimento, outra coisa não se pretende, ao menos oficialmente, que a apuração da verdade.

Portanto, sob este aspecto é que se há de considerar a prática da introdução, nas legislações processuais, de limitações ao livre convencimento do julgador na avaliação da prova: por um lado pode-se argumentar que estas representam resquício de uma sistemática já, por vários motivos, abandonada; por outro, não parece haver dúvida de que tal adoção se deve à necessidade de contenção do ato judicante em limites concretos, pré-estabelecidos, em nome da segurança do sistema.

Cremos que, se de antemão se sabe que o convencimento do julgador terá de respeitar a coisa julgada (em que interveio outro órgão judicante estatal), o valor probante dos documentos (em nome da presunção de veracidade e do princípio da fé pública), a confissão do argüido (em nome, até mesmo, de uma política de racionalização da administração da justiça criminal, pela agilização do julgamento dos delitos mais leves) e a prova pericial (pela presunção inequívoca de que se reveste o parecer do especialista), mais fácil se torna, pelo público, a aceitação da desincumbência da atividade de prestação jurisdicional pelos órgãos competentes do Estado.


BIBLIOGRAFIA

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CORREIA, Eduardo- "Les Preuves en Droit Penal Portugais"- RDES XIV, jan/junho 1967

DIAS, Jorge Figueiredo - Direito Processual Penal- Coimbra Editora, Coimbra, 1981

FERREIRA, Manuel Cavaleiro de – Curso de Processo Penal- Ed.Danúbio, Lisboa, 1986

LESSONA, Carlos- Teoria General de la Prueba en Derecho Civil- trad, espanhola de Enrique Saz – Instituto Ed. Reus, Madrid, 1957

MALATESTA, Nicola – A Lógica das Provas em Matéria Criminal- trad. brasileira Waleska Silverberg- Conan Editora, Campinas, 1995

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PERELMAN, Chaim –Ética e Direito – Martins Fontes, São Paulo, 1996

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SANTOS, Moacyr Amaral – Prova Judiciária no Cível e Comercial

SILVA, Germano Marques - Curso de Processo Penal- Ed. Verbo, Lisboa, 1993


NOTAS

1Curso de Processo Penal, vol. I, p.204

2 op. e loc. cit.

3 Sumários de Processo Criminal

4 Tratado da Prova em Matéria Criminal

5 De fato, em processo penal se trabalha não com conceitos, mas com fatos concretos. Trata-se, a final, da reconstituição de um fato inquinado de criminoso que é atribuído ao argüido, tanto quanto este fato se tenha passado na verdade.

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6Mas a verdade cuja busca a lei processual impõe não é uma verdade absoluta, é antes condicionada pelas limitações legais aos meios de prova – e de sua obtenção - admitidos aos autos.

7 A partir daí o que acontece é que, chegando a uma conclusão, deve o julgador justificá-la devidamente, de molde a lhe conferir validade jurídica.

8 Curso de Processo Penal, vol. I, p.

9 Prova Judiciária no Cível e Comercial

10 CAVALEIRO DE FERREIRA, op. cit., p. 205.

11 Elementos de Direito Processual Penal, vol. II, p.

12 No processo penal a questão do ônus da prova é resolvida, em última análise, pela aplicação do princípio indubio pro reo e por isto tem ebm menos implicações processuais.

13 Excetua-se aqui, não em termos de definição, mas de sua desnecessidade no processo, a prova dos fatos notórios (como uma calamidade pública ocorrida em tal ano).

14 Op. cit. p. 210.

15 MALATESTA, Op. Cit., p. 213.

16 Op. cit., p. 208.

17 Curso de Processo Penal, vol. II, p.

18 O que cabe às partes mas também, sob o sistema processual misto integrado pelo princípio da investigação, ao órgão julgador.

19 TORNAGHI, op. cit., p. 278.

20 Teoria General de la Prueba en Derecho Civil, p. 356.

21 Op. cit., p. 261.

22 Op. cit., p. 278.

23 Op. cit., p. 261.

24 Em tradução livre (op. cit., p. 357): "impor ao juiz um convencimento que não corresponde a sua consciência, e advirta-se, não a uma consciência que julga por impressão, mas pela razão vista e por motivos lógicos, é coisa estranha e que só deve consentir-se em casos excepcionais, por gravíssimos motivos de consciência, para não reduzi-lo à condição de autômato nem fazer normal o fato de que o Magistrado esteja convencido como juiz e não esteja como homem, ou esteja como homem e não esteja como juiz."

25 Il Principio del Libero Convencimento del Giudice, Milão, 1974.

26 Valoración de la Prueba, Motivación y Contról en el Processo Penal, p. 84.

27 RDES 14, p. 29.

28 Op. cit., p. 109.

29 Direito Processual Penal, vol. I, pp. 202/203

30 op. cit., pp. 211/212.

31 FIGUEIREDO DIAS, op. cit., p. 202.

32 Op. cit., p. 355.

33 Op. cit., p. 271/274.

34 Sobre o tema, especialmente no processo penal português, veja-se COSTA ANDRADE, "Sobre as Proibições de Prova em Processo Penasl".

35 Op. cit., pp. 204/205.

36 Neste sentido, de bipartição do ato decisório, veja-se MALATESTA (A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pp. 45 e ss.); PERELMAN (Ética e Direito, pp. 559 e ss.); SALAVERRIA (Valoración de la Prueba, Motivación e Contról en Proceso Penal, pp. 144 e ss.)

37 op. cit., p. 172.

38 Psicologia Judiciária, vol IV. Pp. 126 e ss.

39 Pp. 21 e ss.

40 São as seguintes as palavras de MALATESTA: "Que as disposições do nosso espírito, pois, possam influir sobre o convencimento, conduzindo a inteligência até o erro, surgirá claro quando se pensa que é a vontade que determina a atenção, fixação maior do pensamento numa consideração mis que em outra; é a vontade que, excluindo sem exame um argumento, pode firmar o pensamento sobre um argumento contrário; quando se pense, finalmente, que a vontade é exposta aos ventos de nossas paixões. A força do nosso temperamento, dos nosso hábitos, das nossas inclinações e prevenções, pode facilmente arrastar-nos a falsos juízos (op. cit., pág. 53).

41 Neste sentido PERELMANN (op. cit. Pp 559 e ss.); SALAVERRIA (op. citi., pp. 147 e ss).

42 FIGUEIREDO DIAS, op. cit., pp. 202/203.

43 BMJ 410/591.

44 Dispõe o art. 197 do CPP brasileiro: "O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com a demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe qualquer compatibilidade ou concordância".

45 Trata-se de matéria suscetível de gerar muita controvérsia. A respeito da adoção da suspensão provisória, veja-se Acórdão do TC nº 07/87, in DR, I série, n.º 33, de 09/02/97.

46Op. cit., p. 209; no mesmo sentido seus comentários ao Acórdão do STJ de 01/07/70, in RDES XVII, 1970.

47 "Acórdãos do STJ", II-189/190.

48 "Acórdãos do STJ", II-214/215.

49 "Acórdãos do STJ", III-211/212.

50 "Acórdãos do STJ", III-250/254.

51 SIMAS SANTOS e Outros, "Código de Processo Penal Anotado", p. 628.

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Sobre o autor
Getúlio Marcos Pereira Neves

juiz de Direito em Vitória (ES), mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Lisboa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Getúlio Marcos Pereira. Valoração da prova e livre convicção do juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 401, 12 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5583. Acesso em: 23 dez. 2024.

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