Parque Nacional do Caparaó: a invasão de áreas por indígenas

16/02/2017 às 11:43

Resumo:


  • O Parque Nacional do Caparaó é uma unidade de conservação integral criada em 1961, localizada entre Minas Gerais e Espírito Santo.

  • O parque abrange 31,8 mil hectares, possui o terceiro ponto mais alto do Brasil e protege espécies ameaçadas de extinção.

  • A presença de indígenas no parque, praticando atividades como caça e plantio, entra em conflito com a legislação de conservação ambiental.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este artigo tem como objetivo analisar o reflexo da invasão ação por indígenas em uma unidade de conservação integral, verificando a legalidade de tal ação e os direitos existentes dos indígenas e da instituição ambiental.

Palavras-chave: Unidade de Conservação. Invasão de Área. Ocupação Indígena.

Introdução

O presente trabalho tem como finalidade esclarecer o que é uma unidade de conservação integral, sendo esta a classificação em que o parque nacional se enquadra e analisar se a invasão praticada pelos indígenas é coerente sob a ótica da legislação brasileira.

Nesta perspectiva, surgem indagações acerca do tema:

  • O que é o Parque Nacional do Caparaó?
  • Qual a importância do parque?

O Parque Nacional do Caparaó, considerado uma unidade de conservação integral, foi criado em 24 de maio de 1961 pelo Decreto Federal nº 50.646 e esta localizado na Serra do Caparaó, na divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

O parque é propício para o montanhismo e é o terceiro ponto mais alto do país, o Pico da Bandeira, com 2.892 metros de altitude.

A unidade abrange um território de aproximadamente 31,8 mil hectares. Cerca de 80% está no estado do Espírito Santo. A Serra do Caparaó é uma das mais representativas áreas de preservação da mata atlântica em território capixaba.

O parque possui amostras raras de campos de altitude, ou seja, uma vegetação peculiar do clima Caparaó, relevante patrimônio geológico, além de proteger nascentes de três bacias hidrográficas: o rio Itabapoana, Itapemirim e Doce e diversas espécies endêmicas e ameaçadas de extinção da fauna e flora.

A unidade é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que é uma autarquia em regime especial, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama).

Cabe ao instituto executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as unidades de conservação instituídas pela União.

De acordo com o artigo 2º, I, da Lei 9.985/2000, entende-se como Unidade de Conservação um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivo de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

Para que seja criada uma unidade de conservação, é necessário um estudo técnico e uma consulta pública, sendo que esta não pode ser dispensada e que se possa identificar o local, limite e dimensões para o surgimento.

De acordo com o ICMBio, existem 326 unidades de conservação geridas pelo instituto e no enquadramento de parque nacional de proteção integral nod dois estados totalizam 10 parques.

As unidades de conservação passam a existir através do poder público, podendo ser por meio de lei ou decreto, mas a redução ou extinção ocorre somente por lei, conforme preconiza o artigo 225, § 1º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Neste contexto, o objetivo do estudo é analisar se a invasão pelos indígenas nas propriedades do parque é legal e se a permanência deles é permitida.

Para ter conhecimento do assunto, foi utilizado como fonte o processo administrativo do Parque Nacional do Caparaó, processo de nº 02080.000006/2013-92 e com autuação em 13 de junho de 2013, autorização essa concedida para a pesquisa através do ICMBio.

Foi utilizado também como fonte de pesquisa as legislações pertinentes sobre o assunto assim como doutrinas que discorrem sobre o tema.

Desenvolvimento

Em janeiro de 2010, dentro dos limites do parque, apareceram 28 indígenas da aldeia Boa Esperança, localizada em Aracruz-ES e da etnia Guarani onde se instalaram em local particular supostamente doado, onde praticaram roçada, construção de cabanas, caça de animais e utilização de fogo, o que ocasionou um incêndio que atingiu três hectares do parque, provocando a destruição dessa área.

É importante ressaltar, que os índios nunca tiveram nenhuma ligação com o parque, tendo sua morada em Aracruz-ES.

O pajé da tribo relata que eles saíram da Aldeia Boa Esperança, pois Caparaó foi indicado a eles por Deus, mostrando que precisavam ficar perto da “Montanha Sagrada” e da mata, ou seja, do parque nacional, daí a decisão de deixar o seu local de origem.

O motivo da permanência é justificado pelos indígenas por ser propício para viver e pelos motivos religiosos.

De acordo com a Lei 9.985/2000 e o Decreto 4.340/2002, os atos praticados pelos índios vão de encontro a legislação e a permanência nas áreas do parque.

Atualmente, o grupo fixo de indígenas são de quatro pessoas que permanecem no local e continuam com as áreas de plantio e caça de animais silvestres.

O suposto dono que permitiu a presença dos indígenas na sua propriedade particular dentro do parque, não era realmente o proprietário e ao descobrir-se o verdadeiro, foi instruído um processo de indenização que foi aceito, passando as terras a serem de fato da União.

A lei 9.985/2000 regulamenta o artigo 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal de 1988 e que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e estabelece os critério e as normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação que fora definidas:

“[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituídos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) é um conjunto de unidades de conservações federais, estaduais e municipais, composto de 12 categorias cujos objetivos específicos se diferenciam quanto à forma de proteção e usos permitidos.

As unidades são classificadas em dois grupos: unidade de proteção integral e de uso sustentável.

A unidade de conservação integral tem como objetivo preservar a natureza, livrando-a da interferência humana, sendo admitido apenas o uso indireto dos recursos naturais, ou seja, aquele que não envolve consumo, dano, coleta ou destruição com exceção dos casos previstos na lei do Sistema Nacional de Unidade de Conservação. Nessa categoria se enquadram:

  1. Parques Nacionais (PARNA)
  2. Reservas Biológicas (REBIO)
  3. Estações Ecológicas (ESEC)
  4. Monumentos Naturais (MN)
  5. Refúgio de Vida Silvestre (REVIS)

Na unidade de conservação sustentável o objetivo é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais, admitindo a exploração e aproveitamento desde que de forma planejada. Nessa categoria se enquadram:

  1. Áreas de Proteção Ambiental (APA)
  2. Áreas de Relevante Interesse Ecológico (ARIE)
  3. Florestas Nacionais (FLONA)
  4. Reservas Extrativistas (RESEX)
  5. Reservas de Fauna (REFAU)
  6. Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
  7. Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) tem os seguintes objetivos conforme preconiza o artigo 4º da Lei 9.985/2000:

  1. Contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais;
  2. Proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional;
  3. Contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais;
  4. Promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;
  5. Promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento;
  6. Proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
  7. Proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;
  8. Proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
  9. Recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
  10. Proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;
  11. Valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
  12. Favorecer condições e promover a educação e a interpretação ambiental, a recreação e contato com a natureza e o turismo ecológico;
  13. Proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando o seu conhecimento e a sua cultura e promovendo-as social e economicamente.

Nesta perspectiva, manter o povo indígena no parque causaria prejuízos futuros imprevisíveis pela incompatibilidade do regime jurídico de proteção da unidade de conservação com com os hábitos e culturas dos índios.

Os moradores em torno do parque também questionam as ações praticadas pelos indígenas, pois tais atos são proibidos de praticarem e diante das atitudes do indígenas, eles ameaçam também a provocarem incêndio e a caçar como forma de protesto.

Em contraste com o SNUC, o artigo 231, § 1º da CRFB dispõe que são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente e o § 5º dispõe que é vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras. Mas a Lei 9.985/2000 não definiu o que seria “populações tradicionais”.

O que caracteriza a população tradicional, pela lei, é a sua contínua habitualidade no local, vivendo em harmonia com os recursos naturais de maneira que suas atividades não causem impactos ambientais de grande monta. (SIRVINSKAS, 2013, p.547)

Normalmente essas práticas realizadas pelos índios são dispensadas de penalidade por crimes ambientais como caça e desmatamento. Assim, dá-se a liberdade para práticas de danos ambientais como também invasão de áreas de domínio público.

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Caso não fossem índios que praticassem tais atos, é certo que responderiam por suas ações e de maneira rigorosa de acordo com a legislação.

Quando grupos indígenas invadem unidades de conservação de proteção integral, a essência dessa conservação é rompida já que seus costumes e organização social afetam plantas, animais e o solo, podendo causar até mesmo uma extinção ecológica com a prática desses atos.

Com a exploração direta dos recursos naturais pelos, torna-se difícil manter uma unidade de conservação integral já que tais atividades causam danos permanentes para suprir necessidades transitórias que devem ser questionadas e revistas.

Conclusão

Diante do exposto, concluiu-se que os danos que estão sendo causados na unidade de conservação são de grande preocupação.

De acordo com a Constituição Federal, todos nós podemos impor ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente e são vedadas práticas que coloquem em risco a função ecológica e a extinção de espécies.

Portanto, não se pode permitir que os indígenas pratiquem tais atos em uma unidade de conservação integral, até porque possuem ciência de que seus atos são vistos de forma negativa pela população e não são indígenas endêmicos do local invadido.

Os guaranis não podem se beneficiar do parque por meio da depredação, já que todos nós temos o direito de usufruir de maneira ecológica e equilibrada.

Nesses casos de invasão, as populações tradicionais que ocupam uma unidade de conservação integral e cuja permanência seja ilegal, torna-se necessários o realocados pelo poder público através de consenso entre as partes.

O processo administrativo, até o último andamento, foi solicitado que se dê prosseguimento para que haja uma nova tentativa de acordo entre a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o grupo de indígenas para que deixem o local espontaneamente, pois a última tentativa realizada não logrou êxito.

REFERÊNCIAS

Atlas das Unidades de Conservação do Estado do Amapá / Texto de José Augusto Drummond; Teresa Cristina Albuquerque de Castro Dias e Daguinete Maria Chaves Brito – Macapá: MMA/IBAMA – AP; GEA /SEMA, 2008.

Constituição Federal Interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo / Antônio Cláudio da Costa Machado, (organizador); Anna Candida da Cunha Ferraz, (coordenadora). - Barueri, SP: Manole, 2012.

Direito Ambiental / Antônio F. G. Beltrão; 2. Ed. Ver. E atual.  Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009 – Concursos Públicos).

Direito ambiental esquematizado / Frederico Augusto Di Trindade Amado.- 5ª ed.- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

Decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4340.htm>. Acesso em 27 de janeiro de 2015.

Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/I9985.htm>. Acesso em: 27 de janeiro de 2015.

Manual de Direito Ambiental / Luís Paulo Sirvinskas. - 11.ed. - São Paulo: Saraiva, 2013.

OLMOS, Fábio; BERNARDO, Christine; GALETTI, Mauro. “O impacto dos Guarani sobre Unidades de Conservação em São Paulo”. Disponível em: http://www.ambiente.sp.gov.br/wp-content/uploads/cea/Texto_Galetti.pdf. Acesso em 27 de janeiro de 2015.

PIRES, Danúbia. Um breve estudo de Educação Ambiental em Unidades de Conservação. Tese (de monografia) - Universidade Federal de Uberlândia / Instituto de Geografia, Uberlândia, 2010.

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