Introdução
O presente trabalho tem o objetivo de expor de forma resumida todos os estágios do ciclo de políticas públicas.
Política Pública corresponde ao Estado em ação, executando medidas para garantir o interesse público, em regra.
Para Howlett e Ramesh (2013), existem cinco fases do ciclo de políticas públicas: formação da agenda, formulação da política, tomada de decisão, implementação e avaliação. Na prática os estágios não são sequenciais ou obrigatórios em sua plenitude. Tudo vai depender da situação política e econômica. É comum que se pulem fases, sendo a formação da agenda a fase mais difícil de perceber.
Em síntese, existem diversas classificações das fases da política pública (Baptista, 2011):
Quadro 1 – As fases do processo decisório em diferentes estudos sobre análise de política[1].
Estudos |
Fases definidas |
HA Simon – Administrative Behaviour, 1947 |
Inteligência, Desenho, Escolha. |
HD Lasswell – The Policy Orientation, 1951 |
Informação, Promoção, Prescrição, Invocação, Aplicação, Término e Avaliação. |
R Mack – Planning and Uncertainty, 1971 |
Reconhecimento do problema, Formulação de alternativas, Decisão, Efetivação, Correção/Ajuste. |
R Rose – Comparing public policy, 1973 |
Reconhecimento público das necessidades existentes, Como os temas são colocados na agenda, Como as demandas avançam, Como o governo se envolve no processo decisório, Recursos e constrangimentos, Decisões políticas, O que determina as escolhas de governo, A escolha no contexto, Implementação, Resultados, Avaliação da política e Feedback. |
G Brewer – The policy sciences emerge, 1974 |
Invenção, Estimativa, Seleção, Implementação, Avaliação e Término. |
W Jenkins – Policy Analysis: a political and organizational perspective, 1978 |
Iniciação, Informação, Consideração, Decisão, Implementação, Avaliação e Término. |
BW Hogwood and LA Gunn – Policy analysis for the Real World, 1984 |
Definição de temas, Filtro de temas, Definição de temas, Prognóstico, Definição de objetivos e prioridades, Análise de opções, Implementação da política, monitoramento e controle, Avaliação e revisão, Manutenção da política, Sucessão e Término. |
Howlett e Ramesh, Studying Public Policy, 1993 |
Montagem da agenda, formulação da política, tomada de decisão, implementação e avaliação. |
Política pública corresponde à estruturação de decisões sistemáticas oriundas dos atores políticos (JENKINS apud HOWLETT; RAMESH, 1996).
Saraiva (SARAIVA apud RONCARATTI, 2008, p.4) traz as principais características das políticas públicas: institucional (oriunda do Estado positivado e legitimado), decisório (ocorre por meio de decisões estruturadas), comportamental (vai além da mera decisão, de forma a se materializar através de ações ou omissões) e causal (geram efeitos políticos e sociais).
O processo político para o surgimento de uma política pública inicia com inputs (demandas sociais) ou withinputs (demanda do próprio sistema político), de forma a acarretar respostas ou outputs (RUA, 2006).
1. Formação da Agenda
A formação da agenda pode se dar tanto por iniciativa governamental, quanto por iniciativa não-governamental. Para a formação da agenda determinados aspectos devem ser considerados, tais como: relação custo-benefício, análise social, viabilidade orçamentária, relevância política, etc.
Por ser o primeiro passo de uma política pública é o mais difícil e importante, pois a forma que a demanda for tratada inicialmente poderá ser determinante na condução das demais fases.
Quando um tema entra na agenda não significa que automaticamente será tratado pelo Governo. Na prática muitos assuntos e problemas entram na agenda mas são deixados de lado por diversos motivos.
As questões sociais são a fonte primária da formação da agenda. Por analogia, a partir da teoria geral do direito, podemos dizer que existem fontes formais e materiais para a formação da agenda. As fontes formais são as leis, jurisprudência e costumes jurídicos. As fontes materiais são os aspectos sociais, econômicos e culturais. As fontes formais e materiais são os elementos iniciais da formação da agenda, cabendo ao Governo analisar a relevância e viabilidade de solucionar tais problemas.
Numa perspectiva objetiva a agenda é pautada pela economia e pela política. Alguns especialistas apontaram uma correlação positiva entre industrialização dos países e a agenda pública. Infelizmente a amostra era ruim e se aplicava basicamente aos Estados Unidos da América e países similares.
Já uma perspectiva subjetiva analisa a atuação dos atores políticos. A corrente subjetivista entende que a formação da agenda ser dá no âmbito das teorias públicas e privadas e não nos processos sociais e econômicos.
Em se tratando de políticas públicas os problemas no âmbito político são criados a partir de questões sociais e políticas prévias, que servem como determinante de quais atores políticos são capazes de atuar. Assim, a criação da agenda não é um processo lógico-racional e sim um diálogo entre as fontes materiais sociais.
Os atores políticos disputam entre si qual solução ou abordagem prevalecerá, bem como qual ator dominará o debate. Nessa disputa os atores políticos se valem de elementos históricos, símbolos e estatística. Para a formação da agenda leva-se em conta os aspectos institucionais e ideológicos dos motivos dos atores políticos.
Entretanto, os modelos objetivista (positivista puro) e subjetivista (pospositivista puro) não são eficazes isoladamente. Ao fundir as duas propostas tem-se o modelo multivariável de montagem da agenda.
Na sistemática multivariável de montagem da agenda existem vários modelos: funil de causalidade, ciclos de visibilidade dos problemas,
O modelo funil de causalidade consiste em passar todas as variáveis da formação da agenda por um “funil”, uma vez que as pautas são moldadas pelos aspectos institucionais e socioeconômicos o “funil” permite aglutinar esses aspectos e identificar as influências sobre a sociedade.
O modelo ciclos de visibilidade dos problemas, criado por Anthony Downs, envolve a atuação dos atores, das instituições e ideias. É a atenção pública a principal catalizadora da formação da agenda, a partir do interesse da sociedade sobre um determinado problema é que o Estado vai se debruçar para analisar o fenômeno. Ocorre que muitas vezes o problema social é deixado de lado seja por descontinuação do interesse público, seja por elevada complexidade e consequente ausência de solução viável. Segundo Downs, os políticos podem ignorar as demandas públicas, mas isso pode esbarrar no accountability e gerar prejuízos para a classe política.
No tocante à montagem da agenda, nos anos 70, Cobb, Ross e Ross, criaram uma distinção entre agenda pública sistêmica ou informal e agenda de Estado ou institucional. A agenda informal é tudo aquilo que está sendo debatido pela sociedade ou é de interesse público. A agenda de Estado é quando um tema da agenda informal passa a ser incorporado pelo Estado iniciando, assim, a ação do Estado.
Cobb, Ross e Ross, também apresentaram três fases da montagem da agenda, quais sejam: início dos debates, apresentação das soluções, apoio à causa, acesso ou não à agenda institucional.
Para essa montagem da agenda os autores apresentam 3 modos: modelo de iniciação externa, modelo de mobilização e modelo de iniciação interna (RONCARATTI, 2008, p. 32).
O modelo de iniciação externa é inerente as sociedades pluralistas liberais. O debate inicia nos grupos não estatais e havendo força chegam à agenda informal. Através de grupos de influência/lobby os temas da agenda informal passam a ser da agenda formal.
O modelo da mobilização existe em regimes totalitários. A agenda formal é formada inicialmente cuja única deliberação ocorre no âmbito do próprio Estado para depois ser colocada ao público. Entretanto, o apoio social continua sendo importante para o sucesso da política pública, que em alguns casos é obtido por meio de ações publicitárias.
No modelo de iniciação interna há forte influência de determinados grupos junto aos atores políticos responsáveis pelas decisões.
Quando um problema é incluído na agenda pública ele passa a ser um problema público relevante, neste momento se inicia a análise técnica e política.
A agenda pode ser pública ou institucional (RONCARATTI, 2008, p. 31), sendo esta do próprio governo e aquela da sociedade em geral. Por vezes, a agenda pública ou social faz parte da agenda institucional ou governamental. Vale ressaltar que a principal característica da agenda pública é o debate, enquanto a característica mais marcante da agenda institucional é a ação do Estado diante do problema.
A partir dos problemas, das políticas públicas e da política, é possível estabelecer a agenda governamental (KINGDON, 2006).
Mais importante do que definir a agenda pública é saber o momento exato (janela) para iniciar o debate.
A literatura indica, ainda, quatro modelos de tomada de decisão: racional, incremental, análise misturada e irracional. O modelo racional (Simon) estabelece a razão como premissa maior da inferência lógica, de forma a primeiramente fixar a solução para o problema e depois desenvolver as estratégias através de nova política pública, por meio de análise plena e considerando as consequências. O modelo incremental (Lindblom) busca fazer ajustes na política pública para que se atinja o objetivo inicial, uma forma de adaptação da estratégia. O modelo de análise misturada (Etizioni) é uma síntese dos modelos racional e incremental, onde se pondera a possibilidade de ajustes sem romper e criar uma nova política. O modelo irracional ou lata de lixo (Cohen, March e Olsen) traz um modelo dúbio, onde a inferência lógica inicia com o problema para depois se chegar a solução. As decisões surgem de forma desorganizada e aleatória, busca-se em vários lugares de forma casual.
2. Formulação de políticas públicas
O primeiro passo para a formulação da política pública é escolher a(s) alternativa(s) possíveis para solucionar o problema. Neste momento o governo considera todas as perspectivas possíveis: política, social, econômica, pragmática, etc.
A depender do contexto social, político e econômico a formulação de uma política pública pode ser lenta, rápida, reformulada ou abandonada. Por se tratar de uma formulação teórica, a fase de formulação pode adentrar na fase de implementação, objetivando uma adaptação à problemas práticos (RONCARATTI, 2008, p. 35).
Segundo Hill (2006), existem razões que levam a uma nova formulação da política pública durante a implementação, quais sejam, novos problemas, novos fatos, algumas decisões devem ser tomadas pelos executores das medidas, etc.
Para Howlett (2013) o elemento subjetivo na formulação da política pública apresenta quatro aspectos. O triângulo de ferro tem como atores os grupos de interesse, comissões parlamentares e agências governamentais. A rede em torno de questões é formada por grupos temáticos com vários membros e que atuam junto ao triângulo de ferro. As comunidades de políticas públicas são formadas por pessoas ligadas pela epistemologia compartilhada. A coalização de advocacia é formada por um subgrupo de atores governamentais e particulares que se organizam para atingir determinado fim.
Ainda é possível que a fase de decisão se alongue demasiadamente e que haja profundas modificações. Isso ocorre com certa frequência quando se trata de um projeto de lei que é amplamente debatido e/ou modificado nas Casas legislativas.
3. Implementação das decisões
A implementação de uma política pública consiste em planejar, estruturar a máquina pública e provisionar todos os insumos necessários a execução (RONCARATTI, 2008, p. 38). Esta fase é regularmente influenciada por problemas de implementação e por aspectos sociais, econômicos, políticos, etc.
Decidir o momento para implementação de uma política pública exige muito dos atores políticos, pois é fundamental identificar a janela de oportunidade para que se tenha sucesso.
Há de se ponderar nesta fase a constante falta de recursos no Estado, o que pode comprometer a implementação de uma política pública.
No tocante a execução de uma política pública a literatura indica dois modelos. Ambos os modelos têm como referencial o elemento subjetivo da implementação. No modelo de cima para baixo a hierarquia institucional é importante, uma vez que as decisões são tomadas pelos superiores, sendo que os subordinados são meros executores. A contrário sensu, o modelo de baixo para cima é mais pragmático, a medida que torna relevante não só o público alvo, mas também a sinergia entre os indivíduos e as estruturas governamentais envolvidos na implementação da política pública.
Na fase de implementação o animus do agente público pode variar entre realmente querer pôr em prática uma política pública ou apenas realizar um gesto político/eleitoral (RUA, 2006).
4. Monitoramento e avaliação
O objetivo dessa fase é aferir a execução da política pública, de forma a possibilitar a confirmação da política, correção da implementação ou cancelamento.
A avaliação, segundo Roncaratti (2008, p. 42), é definida como: “o exame objetivo, sistemático empírico dos efeitos da política pública sobre suas metas em termos de objetivos que pretendiam alcançar.”.
Roncaratti (2008, p. 43) elenca quatro razões para a ocorrência da avaliação. Pode ser utilizada para fundamentar uma justificativa ou satisfação perante a sociedade. Satisfazer exigências institucionais, que exigem a análise da política pública. Serve como elemento fundamentador de uma decisão estratégica da política pública. E para possibilitar o aprendizado por parte dos gestores, que saberão os impactos da política pública implementada.
A avaliação pode ser em razão do tempo, ocorrendo antes da implementação da política pública (ex-ante) ou depois da implementação (ex-post). Em razão do objeto tem-se a verificação dos insumos, a verificação da estrutura ou a verificação da grandeza dos resultados. Em razão da execução a avaliação pode ser interna (dentro do órgão responsável, realizada por órgão diferente do executor, mas pertencente a própria administração) ou externa (realizada por terceiros).
Por fim, há de se falar em fim da política pública, que segundo Giuliani (2005), podem ser a resolução do problema, ineficácia da política pública ou perda da relevância social e política.
Referências
BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. REZENDE, Mônica de. A ideia de ciclo na análise de políticas públicas. Disponível em http://www.ims.uerj.br/pesquisa/ccaps/?p=432 Acesso em 30/01/2017.
GIULIANI, M. Policy termination. In: CAPANO, G; GIULIANI, M. Dizionario di Politiche Pubbliche. Roma: Carocci, 2005.
HOWLETT, Michael; RAMESH, M; PERL, Anthony. Política Pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem integral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
RONCARATTI, Luanna Sant’Anna. Caderno de Políticas Públicas. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília, 2008.
RUA, Maria das Graças & AGUIAR, Alessandra. A política industrial no Brasil,1985-1992: políticos, burocratas e interesses organizados no processo de policy-making. In SARAVIA & FERRAREZI, Políticas Públicas, Enap, 2006.
Nota
[1] Quadro eleborado por Baptista, 2011, http://www.ims.uerj.br/pesquisa/ccaps/?p=432