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As teorias da pena e sua evolução histórica

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O presente artigo tem por finalidade analisar a evolução das penas desde os tempos da mitologia grega até o vigente Código Penal e ponderar acerca das teorias penais quais sejam, a teoria absoluta, a relativa, a unitária e seus desdobramentos.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a analisar a evolução histórica das penas desde as sociedades primitivas, nas quais foi necessária a criação de regras de convivência e consequentemente para aqueles que as violassem, foram instituídas as penas, até o clássico modelo considerado atualmente, a aplicação da pena privativa de liberdade.

Ainda nesse contexto, brevemente serão demonstradas as finalidades das penas conforme os tempos, desde a mitologia grega, enfatizando o período do notável Código de Hamurabi, fase predominante da vingança privada, passando pelos hebreus, partidários de um direito religioso, e demonstrando também alguns povos e comunidades que aderiam a morte como pena.

Após o período da vingança divina, a punição passou a ser de responsabilidade do Estado, advinda a pena, agora, de uma aplicação impessoal pelo órgão responsável. Após décadas de execução das sanções que conservavam uma natureza desumana, ocorreu o chamado Período Humanitário do Direito Penal, consagrando sua importância, foi publicada a obra “Dos Delitos e Das Penas” do renomado jurista italiano Cesare Beccaria, que foi o ícone da expressão liberal ao cenário desumano das penas vigentes anteriormente.Nesse viés, instigado pelo pensamento positivista, decorre o Período Criminológico que teve como expoente Cesare Lombroso, afirmando a existência de um criminoso nato.

A pena é sem dúvida o ponto de chega e a própria partida do direito penal e no decorrer da evolução deste direito foram expandidas diferentes teorias que buscaram legitimar a intervenção estatal. Sobre isso, são encontradas controvérsias entre filósofos e doutrinadores, no entanto, tal questão é digna de discussão, uma vez que acaba por definir o papel de todo o sistema criminal.

A teoria absoluta, na qual a sanção se fundamenta no delito praticado, havendo a compensação do mal que foi causado pelo crime. A teoria relativa, que se respalda na ideia de evitar a ocorrência de novos delitos, subdivida em prevenção geral e prevenção especial, ambas com caráter positivo e negativo; e a teoria unitária, que faz jus ao nome e prevalece atualmente, a qual prevê a punição, mas também a ressocialização do indivíduo criminoso com intuito de prevenção de outros crimes.

Irrefutável é dizer que como o homem, também o Direito Penal e, consequentemente, as penas evoluíram, outrora como forma de vingança privada, intervenção divina, e ora, até nos dias atuais, como prerrogativa provida ao Estado cuja função é aplicá-lo. O tema remonta a corajosa assertiva de Ferrajoli: “A história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos...”


1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS

Os homens que pertenciam à sociedade que nos primórdios da humanidade era baseada na colaboração e na propriedade coletiva foram necessários se agruparem e viverem em comunidade, e constantemente, violavam as regras de convivência, lesando seus próximos e, por vezes, a comunidade onde pertenciam. Mas, para que fossem garantidos seus interesses e também os de seu grupo, interesses estes que culminavam em conflitos originados da competição e ambição inerentes do instinto humano, tornou-se necessário a instituição da propriedade privada, bem como a necessidade de defender os direitos individuais, não mais coletivos.

Neste sentido, Oswaldo Henrique Duek Marques alude:

[...] O homem primitivo encontrava-se muito ligado a sua comunidade, pois fora dela sentia-se desprotegido, à mercê dos perigos imaginários. Essa ligação refletia-se na organização jurídica primitiva, baseada no chamado vinculo de sangue, representado pela recíproca tutela daqueles que possuíam descendência comum. Dele originava-se a chamada vingança do sangue. (MARQUES, 2008, p. 9-10).

No entanto, para ser possível a convivência harmoniosa da sociedade civil da época, foi necessária a criação de normas e regras de convivência social e então, para aqueles que as infringirem, se deu o surgimento da pena.

O penalista austríaco Franz Von Liszt (apud OLIVEIRA, 2011, p. 122) afirma que a pena, desde suas origens históricas, foi uma reação social contra algum membro da sociedade que colocou em perigo os interesses da comunidade quando transgrediu as suas regras de convivência.

Nos tempos da mitologia grega, época de grande influência do misticismo,e antes ainda das teses cristãs,quando os súditos descumpriam uma ordem, as sanções eram determinadas por reis ou então estabelecidas por algum deus, servindo como vingança a uma ação contrária à sua vontade.

Diante disso, vale ressaltar o Código de Manu - coleção de livros bramânicos da antiga filosofia religiosa indiana - e o famoso Código de Hamurabi – com destaque para sua Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente” em que previa uma justa reciprocidade do crime e da pena além de uma proporcionalidade, mesmo que formal, ao tratamento entre autor e réu, segundo um critério quase matemático - os quais foram legislações ainda que antecessoras do cristianismo e caracterizadas por basearem num sentimento de vingança privada, atingindo todas as pessoas pertencentes ao grupo do infrator, na qual a justiça era feita pelas próprias mãos.

Isto é, o indivíduo delinquente era castigado pela vítima, pelos familiares e até mesmo pelo seu grupo social, sendo a pena distinta caso o infrator fosse membro da tribo ou estranho a ela, nesse último caso ocorria a “vingança de sangue”, concebida como uma obrigação religiosa e sagrada.A virtude da Lei de Talião era sua simplicidade, pelo fato de sintetizar o Código Penal: o réu sofrerá o mal que tem feito sofrer (BENTHAN, 1943, p. 49).

Logo depois da vingança privada, o apenado estava apto para adquirir sua liberdade mediante pagamento através de bens materiais, era a fase denominada de composição, admitida no Código de Hamurabi, no Pentateuco e no Código de Manu e considerada como um antigo pretexto da indenização, do Direito Civil, e da multa, no Direito Penal, utilizados hoje.

O princípio básico da restituição era estabelecido para o povo Hitita em seu Código, que incluía penas suaves e sem crueldades como havia no Código Babilônico, com exceção nos casos de estupro e bestialismo (obrigatoriamente se aplicava a pena de morte).

A obra clássica de Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, resguarda a utilização da pena de morte, uma vez que, para o filósofo, a pena em questão evitava a contaminação de outros indivíduos pelo mau comportamento do condenado:

[...] é louvável e salutar a amputação de um membro gangrenado, causa da corrupção dos outros membros. Ora, cada indivíduo está para toda a comunidade como a parte, para o todo. Portanto, é louvável e salutar, para a conservação do bem comum, por à morte aquele que se tornar perigoso para a comunidade e causa de perdição para ela; pois, como diz o Apóstolo, um pouco de fermento corrompe toda a massa. (AQUINO, 2001).

Os hebreus, em meados de 1300 a.C., eram partidáriosde um direito religioso, o qual a justiça era dada por Deus ao seu povo. Algumas das penas aplicadas na época era a lapidação, a morte pelo fogo, a decapitação, a prisão e a excomunhão. No direito deles,os acusados por delitos tinham tratamento jurídico com certa igualdade quanto às condições sociais, políticas ou religiosas.

O faraó, no Egito Antigo (1200 a.C.), era o responsável pela elaboração das leis, e como pena, a de morte era aplicada de diversas maneiras, por estrangulamento, com o uso de crocodilos, embalsamento em vida, dentre outras.

Na Grécia,semelhantemente, a pena dita e rotulada como referência era a morte, imposta inclusive de forma diferente para os cidadãos gregos e para os escravos, no entanto, eram distintos os sistemas penais cominados nas diversas cidades.

Em tempos posteriores, as Ordenações Filipinas, em Portugal, meados de 1580, refazendo a anciã Ordenação Manuelina com alento no Código Justiniano, essa vigente no período romano, havia penas de significante teor punitivo, como diz René:

As Ordenações Filipinas não passavam de um acervo de leis desconexas, ditadas em tempos remotos, sem conhecimento dos verdadeiros princípios e influenciadas pela superstição e prejuízos, igualando as de Drácon na barbárie, excedendo-se na qualificação obscura dos crimes, irrogando penas a faltas que a razão humana nega a existência e outras que estão fora do poder civil. (DOTTI, 2003, p. 288).

Contudo, conforme Julio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini:

No meio de tanta insensibilidade humana, porem, já pregava a idéia de que se deveria atribuir à pena finalidades superiores, como a defesa do Estado, a prevenção geral e a correção do delinquente e, na Grécia Clássica, entre os sofistas, surgiu uma concepção pedagógica da pena.”(MIRABETE; FABBRINI, 2011, p. 229-230).

Após ser a Igreja, órgão representante da divindade, responsabilizada pela punição e baseando-se no princípio da vingança divina, com respaldo de que toda sanção seria reflexo da vontade de Deus e possuindo as normas um caráter religioso,a vingança tornou-se pública, passando a atribuição da punição para o Estado.

Guilherme de Souza Nucci ilustra:

E desde os primórdios o ser humano violou as regras de convivência, ferindo os semelhantes e a própria comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de uma punição (...) Inicialmente, aplicava-se a sanção como fruto da libertação do clã da ira dos deuses, em face da infração cometida, quando a reprimenda consistia, como regra, na expulsão do agente da comunidade, expondo-o à própria sorte (...) Não houvesse a sanção, acreditava0se que a ira dos deuses atingiria todo o grupo. (NUCCI, 2001, p. 60).

Em consonância, na vingança pública, mesmo que de forma arbitrária, a pena era aplicada de forma impessoal pelo Estado, e ao povo, cabia aceitá-las. É fato constatar que desde a Antiguidade as penas tinham o caráter punitivo pago pelo corpo do agente.

Segundo René Ariel Dotti:

A ideia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade (grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos súditos. É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos costumes sociais e procura alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição. A expulsão da comunidade é substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens. (DOTTI, 1998, p. 31).

Sobre o enfoque negativo da vingança com ousadas repercussões para a sociedade, o filósofo francês René Girard adverte:

A vingança constitui, portanto, um processo infinito, interminável. Quando a violência surge em um pontoqualquer da comunidade, tende a se alastrar e a ganhar a totalidade do corpo social, ameaçandodesencadear uma verdadeira reação em cadeia, com consequências rapidamente fatais em uma sociedade de dimensões reduzidas. A multiplicação das represálias coloca em jogo a própria existência da sociedade. Por este motivo, onde quer que se encontre, a vingança é estritamente proibida. (GIRARD, 2008, p. 27).

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Em 1824, na Constituição Imperial, havia proteção às liberdades públicas e direitos individuais, abolindo as penas cruéis, como a marcação com ferro em brasa, os açoites e a tortura. O mesmo diploma dispunha acerca da higiene necessária às cadeias e estipulava a separação dos réus por “casa” conforme o delito que lhes fosse imputado. Manteve-se a pena capital e a morte, no entanto, as perseguições religiosas foram vedadas bem como a prisão de indivíduos sem culpa formada previamente. Ainda sobre essa Constituição, houve a manifestação da inviolabilidade de domicílio e do valoroso princípio da proporcionalidade da pena.

Sancionado em 16 de dezembro de 1830 e entrado em vigor no começo do ano seguinte, o Código Criminal do Império prestigiou, de forma até mesmo desejada por outros países, a dignidade e cidadania nacional. Observa-se que a pena privativa de liberdade estaria sendo utilizada, a partir de então, por mais vezes, como alternativa às sanções corporais. A pena de morte foi abolida no Código Penal, não mais chamado de Código Criminal, de 1890 com alicerce na Constituição Federal de 1891.

As penas previstas no Código Penal de 1890 eram classificadas em principais e acessórias, sendo respectivamente, as mais severas e as mais brandas, como por exemplo, a prisão celular, a reclusão, a prisão com trabalho obrigatório, perda de serviço público, multa e outras. As mesmas não poderiam ser afrontosas e tampouco ultrapassar o período de 30 anos. No tocante a princípios, com vigorosa ingerência do Positivismo Jurídico do século XIX, foram adotados osprincípios da personalidade e da personificação da pena.A supressão da pena de morte foi vista com diferentes percepções dentre juristas e penalistas da época, porém isso não interferiu nas punições já previstas. Penalistas e juristas os quais:

Entendiam que a eliminação da pena de morte pelo sistema anticriminalreclamava um sucedâneo adequado para proteger os interesses sociaislesionados pelos grandes assassinos, os delinquentes de índole ou estado,cuja incorrigibilidade e temibilidade se patenteassem. (DOTTI, 2003, p. 296).

Foi no século XVIII, período iluminista, também chamado de “Período Humanitário do Direito Penal”, contestando ideias absolutistas, que se teve a mudança do caráter desumano das penas, depreciando a violência, a intolerância religiosa e privilégios econômico-sociais eenfatizando o livre-arbítrio. Período esse, contemplado pelas ideias de Bentham (Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Beccaria (Itália), Feuerbach (Alemanha), dentre outros autoresiluministas e que houve a apreciação do contratempo penal como questão filosófica e jurídica.

A obra “Dos Delitos e das Penas” escrita pelo renomado jurista CesareBeccaria e publicada em 1764, destaca considerações acerca da pena, visto sua natureza, como já dita, desumana, baseada na vingança e que aflorava e condicionava a desarmonia com intuito apenas de promoção da intimidação da sociedade.

O autorpropõe que a pena seja ainda uma prevenção social que também recupere o delinquente:

Poderão os gritos de um desgraçado nas torturas tirar do seio do passado, que não volta mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime. Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável e, igualmente, menos cruel no corpo do culpado. (BECCARIA, 2014, p. 45).

Beccaria prezava pela prevenção da criminalidade, a qual surtia, com maior certeza e efeito, do que a aplicação de um castigo intenso, devendo a punição ocorrer, após o cometimento do delito, em um menor intervalo de tempo possível.

Nesse período, surgiu a Escola Clássica do Direito Penal, e as punições ainda foram baseadas na razão, deixando de lado os sentimentos e emoções, necessitando também de provas para que a pessoa recebesse sua condenação, verificando uma proporcionalidade entre o crime e a devida sanção. Acerca disso, Antonio Moniz Sodré de Aragão comenta:

O criminoso é penalmente responsável, porque tem a responsabilidade moral e é moralmente responsável porque possui livre-arbítrio. Este livre-arbítrio é que serve, portanto, de justificação da pena que se impõe aos delinquentes como um castigo merecido, pela ação criminosa e livremente voluntária. (ARAGÃO, 1977, p. 59).

Foi a partir das ideias e princípios da época do iluminismo, indubitavelmente, com a relevante influência de Beccaria que em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão assegurou a liberdade e igualdade perante a lei e também o direito de resistência à opressão e, diante disso, foi atribuída maior humanidade nas relações sociais, não obstante, duas guerras mundiais ocorreram em seguida.

Posteriormente, surge o chamado “Período Científico” ou “Criminológico”, persuadido pela corrente positivista, período esse que se leva em conta a preocupação com o homem delinquente e com a razão pela qual ele delinque.

Cesare Lombroso publicou em 1876 a obra “O homem delinquente” a qual marcou o pensamento da escola positiva ao assegurar que o homem seria um criminoso nato, ou seja, já nasceria delinquente. Dito isso, o crime era uma coisa que poderia se esperar de forma natural, sendo praticamente considerado como hereditário,portanto, negando-se o livre-arbítrio. Incontestavelmente, a escola positiva influenciou o cenário da individualização da pena ao considerar a personalidade e a conduta social do infrator quando a sanção fosse aplicada.

Conforme Roberto Lyra:

A Escola Positiva, também chamada italiana, nova, moderna ou antropológica (Lombroso, Ferri, Garofalo, Fioretti), é determinista e defensivista, encarando o crime como fenômeno social e a pena como meio de defesa da sociedade e de recuperação do indivíduo. Chama-se positiva, não porque aceite o sistema filosófico mais ou menos comteano, porém, pelo método. Inicialmente, sofreu a influência de Darwin, Spencer e Haeckel, com as novas concepções da natureza, do homem e da sociedade, mormente a doutrina da evolução. (LYRA, 1976, p. 28).

É válido ressaltar que em 1830 foi sancionado por Dom Pedro I o Código Criminal do Império, de caráter liberal, o qual já assegurava uma lei de individualização da pena e antevia as agravantes e atenuantes, como também estipulava um julgamento exclusivo para os menores de 14 anos de idade.

As penas, que antes possuíam um caráter aflitivo, foram dando lugar às penas privativas de liberdade, mesmo que fossem caracterizadas apenas como uma medida cautelar, uma vez que, sua essência era o aguardo da aplicação da pena corporal ao condenado e, após o cumprimento, esse era libertado.

Consequentemente, o modelo considerado como o clássico de aplicação da sanção penal para o ordenamento jurídico brasileiro e também para a maioria dos ordenamentos atuais, é a pena privativa de liberdade, que aboliu o emprego da pena capital, essa, que já demonstrara antes, inapta para redução da criminalidade.

Em contrapartida,pensamos que o atual estágio da sociedade entra em conflito com o que se busca na teoria, nessa, se almeja o banimento da imposição de penas que ferem a dignidade da pessoa humana. Mas, devido à insegurança e ao medo, a mesma sociedade em que tem interesse na redução da violência almeja penas mais severas para a punição dos criminosos.

Sobre isso, escreve Dotti que "A maior exigência da justiça penal é assegurar uma defesa social mais eficaz contra os criminosos mais perigosos e uma defesa mais humana para os criminosos menos perigosos, que constituem o maior número" (DOTTI, 2003, p.156).


2. O CÓDIGO PENAL DE 1940

Ainda vigente nos dias atuais, cabe aqui, brevemente, algumas ressalvas acerca deste dispositivo legal, Em meio à Ditadura Vargas foi nessa época em que o anteprojeto de Código Penal foi elaborado, um processo queperdurou cerca de dois anos, associou as recentes disposições jurídicas e humanistas com ideias de renomados penalistas do período.

Conforme Nelson Hungria, citado por René Ariel “houve no projeto a marginalização da criminologia em face de uma legislação nova que mandou para o limbo as denominadas ciências criminológicas” (DOTTI, 2003, p. 306). O Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, foi aprovado e sancionado por Getúlio Vargas, entrando em vigor em 1º de janeiro de 1942.

Esse diploma, outrora, com previsão da pena de reclusão, no máximo de 30 anos e de detenção – máximo de 3 anos – em diversos tipos penais, sendo essas suas penas privativas de liberdade. A pena de multa, ainda que em poucos casos, poderia substituir aquelas. Depois, em Decreto-Lei, a prisão simples era prevista para as Contravenções Penais.

As chamadas medidas de segurança, certamente em matéria penal, advindas no Código em questão, compreendiam medidas detentivas, sejam elas internação em manicômio judiciário, em colônia agrícola, em casa de custódia e tratamento ou em institutos de trabalho de reeducação e ensino profissional; e as medidas não detentivas se tratavam de liberdade vigiada, a proibição de frequentar alguns lugares e o exílio local. Frisa-se a prevalência do sistema duplo-binário, ou seja, era possível a determinação de uma pena e sucessivamente uma medida de segurança.

Através das Lei 6.416/77 e 7.209/84, o Código Penal foi totalmente modificado em sua parte geral bem como sofreu alterações em seu rol de sanções. No tocante às penas, foram amplamente definidas além da privativa de liberdade, procederam as restritivas de direitos (como prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços comunitários ou a entidades públicas e outras) e as penas pecuniárias, isto é, as multas. As mudanças não se extinguem somente nisso.

Insta lembrar no que tange ao princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI) com previsão implícita no art. 59 do Código Penal, o qual alude que o juiz deverá cominar as penas dentro dos limites previstos intentando pela necessidade e eficácia da “reprovação e prevenção do crime”. Tal garantia possui estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sobre isso, aborda Nucci:

[...] individualizar significa tornar individual uma situação algo ou alguém, quer dizer particularizar o que antes era genérico, tem o prisma de especializar o geral,enfim, possui o enfoque de, evitando a estandardização, distinguir algo ou alguém,dentre de um contexto (NUCCI, 2004, p.31).

Já Mirabete (2004, p.48) ressalta que “individualizar a pena na execução, consiste em dar a cada preso as oportunidades e os elementos necessários para lograr sua reinserção social,posto que seja pessoa, ser distinto”.

Algumas legislações específicas coadjuvam o Código Penal na incumbência de proteger bens jurídicos fundamentais, como a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso) e a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

É indiscutível a importância das inovações ocorridas na legislação penal no tocante ao dispositivo mencionado nesse tópico, porém ainda se pode considerá-la inadequada às demandas sociais do Brasil. O aumento nos índices de criminalidade, em geral, as medidas repressivas no combate aos delitos, o aumento da reincidência como consequência do desprezo social tido pelos apenados, são algumas causas que pleiteiam renovação na legislação para que, de forma eficaz, o Direito Penal exerça sua verdadeira função.

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Sobre os autores
Bruna Nascimento Machado

Graduanda em Direito na Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade Frutal/MG.

Fábio Ruz Borges

Atualmente é Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. Mestrando em Direito pela UNIVEM. Graduado em Direito pelo Centro Universitário da Fundação Educacional de Barretos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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