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O princípio da monogamia e o concubinato adulterino

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23/08/2004 às 00:00
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03. O PRINCÍPIO JURÍDICO DA MONOGAMIA

Familiaristas de renome nacional têm defendido a adoção de um conceito extremamente amplo para a família, identificando a sua presença em toda e qualquer relação em que esteja presente o elemento afetividade. Buscam, destarte, afastar a utilização de qualquer critério que possa resultar em eventual discriminação [1]. Contudo, ao assim procederem, acabam desrespeitando limites impostos pelo próprio sistema. A lógica adotada pelos referidos autores autoriza a atribuição do status de família aos envolvimentos concubinários existentes em paralelo ao casamento ou união estável, afrontando, por conseguinte, o vigente princípio da monogamia.

Afastar os preconceitos que a tanto se encontram incrustados no Direito de Família é um compromisso que os estudiosos contemporâneos devem assumir. Todavia, tal máxima não deve legitimar comportamentos precipitados, os quais resultam no atropelo das normas jurídicas estabelecidas. Assim o é pelo fato de que algumas das limitações às quais o referido ramo do direito se submete não são fruto de preconceitos, e sim de princípios jurídicos vigentes, mais precisamente, no caso em apreço, do já citado princípio jurídico da monogamia.

Ao longo do processo evolutivo ao qual a família se submeteu, algumas das suas características se tornaram obsoletas, tendo, em razão disto, sido descartadas. Foi, por exemplo, o que ocorreu com a prevalência da figura masculina e com a visão matrimonializada da família. Por outro lado, determinados elementos, certamente por continuarem a se coadunar com os anseios sociais, foram mantidos pelo legislador. Dentre os elementos que foram mantidos, encontra-se a monogamia.

Com efeito, entende-se por monogamia o sistema de constituição familiar pelo qual o homem possui uma só esposa ou companheira e a mulher apenas um único marido ou companheiro.

Deveras, o princípio da monogamia consiste em uma premissa indiscutível, sendo que toda a estrutura do Direito de Família, ao ser construída, tomou-o como referência. Tanto é assim que a melhor doutrina sequer questiona a sua existência. [2] A título de ilustração, citam-se, respectivamente, Washington de Barros Monteiro e Rodrigo da Cunha Pereira, autores que, apesar de representarem gerações distintas, comungam o mesmo entendimento, senão vejamos:

Em todos os países em que domina a civilização cristã, a família tem base estritamente monogâmica, que, no dizer de Clóvis, é o modo de união conjugal mais puro, mais conforme os fins culturais da sociedade e mais apropriado à conservação individual, tanto para os cônjuges como para a prole. A monogamia constitui a forma natural de aproximação sexual da raça humana. (MONTEIRO, 2001, v.2, p.54)

Rodrigo da Cunha Pereira, por sua vez, defende:

Começa-se, então, a fazer distinções através das expressões "concubinato puro" e "concubinato impuro". Essas expressões veiculam estigmas morais com as quais não se pode concordar. Porém, é necessário fazer uma distinção entre concubinato adulterino e não adulterino. Tal distinção não tem a função de discriminar ou de "moralizar". A importância desta distinção está em manter a coerência em nosso ordenamento jurídico com o princípio da monogamia. Se assim não o fizéssemos, estaríamos destruindo um princípio jurídico ordenador da sociedade. Todo o Direito de Família está organizado em torno desse princípio, que funciona, também, como um ponto-chave das conexões morais. (DIAS e PEREIRA, 2002, p. 231)

Do exposto, constata-se que a monogamia, ao contrário do que alguns possam pensar, não consiste em simples regra atinente à moral. Trata-se, em verdade, de dogma imposto pelo próprio ordenamento jurídico, e, por conseguinte, não se resume a uma sugestão proposta aos indivíduos.

A moral, como é sabido, estabelece regras indicativas, cujo descumprimento resulta apenas em reprimendas por parte da sociedade ou em um possível desconforto pessoal, em razão de se estar agindo em desconformidade com o consenso individual e coletivo. As normas jurídicas, de outra parte, são impositivas, não sendo oferecida escolha, e a conduta que as afronte implica na configuração do ilícito, seja de natureza penal ou civil.

No que pertine à monogamia, a sua não observação resulta na violação de normas tanto de natureza civil, quanto penal.

No plano cível, o novo Código Civil estabelece, no seu artigo 1.521, VI, a existência de vínculo matrimonial anterior como impedimento para casar, ou seja, prevê que as pessoas unidas por vínculo matrimonial encontram-se impedidas de celebrar outro casamento. Ao se referir à união estável, o legislador, no artigo 1.723, § 1° do mesmo diploma legal, adota a mesma regra, ao estabelecer que "a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso da pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente". Observe-se a pertinente ressalva contida na última parte da norma citada, a qual permite o reconhecimento de união estável nos casos de separação judicial ou de fato. Fica evidente que se objetiva evitar apenas a ocorrência de envolvimentos concubinários concomitantes ao efetivo gozo do casamento ou da união estável, não se buscando tutelar, portanto, o matrimônio per si.

O desrespeito ao modelo monogâmico implica, nos casos de duplo casamento, a nulidade de pleno direito daquele realizado por último. Em se tratando de posterior envolvimento afetivo não oficializado, a existência e gozo efetivo de prévio casamento ou união estável desautoriza seja este envolvimento abarcado pelas previsões legais pertinentes à união estável.

No âmbito do direto penal, ramo reservado à tutela dos bens jurídicos tidos como fundamentais para a sociedade, mantêm-se as normas voltadas à preservação do modelo monogâmico. Malgrado os posicionamentos favoráveis à descriminalização da bigamia e do adultério, tais condutas continuam tipificadas, respectivamente, nos artigos 235 e 240 do Código Penal. Aquele artigo impõe uma pena de dois a seis anos de reclusão a quem, sendo casado, contrair novo casamento. Este estabelece que a violação da fidelidade conjugal implica uma pena de quinze dias a seis meses de detenção.

Em face do exposto, surge a necessidade de se compreender o instituto do concubinato, nos interessando, mais especificamente, o concubinato adulterino. Isto a fim de se definir, com coerência, a sua posição dentro do ordenamento jurídico.


04. O CONCUBINATO

4.1. CONCEITO

A expressão concubinato, etimologicamente, deriva do vocábulo latino concubinatus, o qual, ainda na antigüidade, significava mancebia, amasiamento, abarregamento. Verifica-se também uma influência direta do verbo concumbo, de origem grega, que indica a ação de dormir com outra pessoa, copular, ter relação carnal, estar na cama (AZEVEDO, 2001, p.2001).

Da referida definição etimológica derivam duas vertentes conceituais distintas. A primeira é dotada de um sentido lato, restando por abarcar todas as modalidades de envolvimentos afetivos, entre homens e mulheres, que não estejam lastrados no casamento. Ou seja, sob uma ótica mais abrangente, é considerado concubinato toda e qualquer forma de união sexual livre. Conforme salienta Moura Bittencourt (1969, v.1, p.63): "No sentido amplo do concubinato, que desde a posse do estado de casado, com notoriedade e de longos anos, até a união adulterina, tudo se inclui na conceituação. Tudo, nesta ou naquela condição é concubinato".

Ao se esmiuçar a citada definição, vem a lume, em um plano mais detalhado, a segunda vertente conceitual. Nesta, pode-se identificar a presença de dois subgrupos dotados de características próprias, quais sejam, o concubinato puro ou honesto e o concubinato impuro, abrangendo este último o incestuoso e o adulterino.

Entende-se por concubinato puro a modalidade de envolvimento afetivo, entre homem e mulher, que obedeça aos ditames sociais. Trata-se de verdadeiro casamento não oficializado, vez que atende a todas as condições impostas à sua celebração, os envolvidos se comportam como se casado fossem, lhes faltando apenas o reconhecimento estatal.

O concubinato impuro, por sua vez, refere-se a todo e qualquer envolvimento afetivo, entre homem e mulher, que se estabeleça em afronta às condições impostas ao casamento, condições estas materializadas nos impedimentos matrimoniais. Isto é, será considerado impuro o vínculo mantido entre ascendentes e descendentes; afins em linha reta; entre o adotante e o cônjuge do adotado e o adotado com o cônjuge do adotante; entre os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; e do adotado com o filho do adotante. Tais hipóteses, as quais encontram-se previstas no artigo 1521 do Código Civil, incisos I ao V, caracterizam o concubinato incestuoso.

Também é rotulada de impura a relação concubinária mantida entre o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte – Código Civil, art. 1521, VII. O mesmo ocorre em relação às pessoas que se encontrem no gozo de vínculo matrimonial. Estas, ao se relacionarem extramatrimonialmente, o farão pelo viés do concubinato impuro, mais especificamente, estarão a praticar o concubinato adulterino, isto em face da violação do impedimento previsto no artigo 1.521, VI do Código Civil.

Ressalte-se que, com o advento da Constituição Federal de 1988 e do novo Código Civil houve uma alteração na nomenclatura empregada às modalidades de concubinato. O concubinato puro passou a ser chamado de união estável, tendo sido elevado ao status de entidade familiar, restando o termo concubinato para todas as modalidades de concubinato impuro, conforme se depreende da análise do artigo 226, § 3º da Constituição Federal, combinado com os artigos 1.723, caput e § 1º; e 1.727 do Código Civil.

Mesmo tendo em vista a citada alteração de nomenclatura, para fins didáticos, é de grande valia a referência à classificação anterior, razão pela qual, ao longo do texto, será utilizada o termo concubinato adulterino.

Das diferentes modalidades de concubinato antes expostas, ter-se-á por objeto o concubinato adulterino.


05. O CONCUBINATO ADULTERINO

Já tendo sido abordadas, quando da conceituação do concubinato, as diferentes formas que este instituto pode vir a adquirir, cumpre, nesta oportunidade, nos atermos à questão controversa que se busca enfrentar, qual seja, a posição do concubinato adulterino – denominado apenas de concubinato pelo novo Código Civil – dentro do ordenamento jurídico pátrio.

Contudo, em face do emaranhado de casos concretos perceptíveis no meio social, os quais em muito se diferenciam, urge, de antemão, especificar qual o entendimento que se tem acerca do concubinato adulterino. Desta forma, espera-se obter uma clara individualização do tema sob análise, evitando que os casos variados, aos quais a doutrina e a jurisprudência fazem referência, possam vir a causar confusões.

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Entende-se estar configurada a existência do concubinato adulterino nos casos em que se verifique a presença de envolvimento afetivo, entre homem e mulher, em paralelo ao casamento ou união estável. Ou seja, será concubinato adulterino a relação amorosa com terceira pessoa, mantida por homem ou mulher que se encontre efetivamente em gozo de casamento ou união estável. Para tanto, faz-se necessário também que o terceiro envolvido no triângulo amoroso tenha consciência da sua condição de amante e que seja possível se identificar, dentre as relações paralelas, aquela que, devido às circunstâncias, represente o núcleo principal.

Destarte, não há motivos para se considerar adulterino o relacionamento afetivo no qual um ou ambos os envolvidos encontrem-se separados de fato ou judicialmente, inclusive devido à expressa previsão contida no artigo 1.723, § 1º, do Código Civil vigente. O referido dispositivo legal estabelece não ser óbice à configuração da união estável o fato do companheiro, apesar de casado, não se encontrar efetivamente em gozo da relação matrimonial.

5.1. NATUREZA JURÍDICA

A definição da natureza jurídica do concubinato adulterino consiste no ponto nevrálgico de toda a abordagem que ora se realiza. Em verdade, trata-se de condição indispensável para se identificar a posição do modelo de relacionamento afetivo em comento dentro do ordenamento jurídico pátrio. O principal desafio consiste em verificar se tal instituto pertence ao direito de família.

Iniciando a perquirição de respostas para as indagações acima apresentadas, faz-se oportuna a referência ao posicionamento externado por Carlos Cavalcanti Albuquerque (2002, p. 04 e 09),para quem o concubinato adulterino consiste em uma espécie de entidade familiar, considerando a sua exclusão como uma afronta aos preceitos constitucionais. Portanto, para ele, tal modalidade de relacionamento afetivo encontra-se inserido no âmbito do direito de família.

Paulo Luiz Netto Lobo (2002, p.53) também comunga do ponto de vista de que não se deve traçar distinções entre os núcleos fruto de envolvimento adulterino e as demais formas de entidades familiares. O referido autor, ao comentar acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça que determinou o fracionamento em partes iguais de indenização securitária entre a esposa e a concubina, as quais mantinham relacionamento concomitante com o de cujus, defendeu o acerto da decisão.

Na mesma linha de raciocínio, tem-se a tese recentemente defendida pela desembargadora Maria Berenice Dias ao apreciar a apelação cível n.º 70005330196, proveniente da comarca de Erechim/RS. Diante de um caso concreto em que restou comprovado o concomitante envolvimento afetivo do apelado com a sua legítima esposa e a sua amante, a magistrada, citando voto que proferira anteriormente, em julgamento no qual também fora relatora, defende a inclusão do concubinato adulterino como parte integrante do conceito legal de união estável, e, portanto, pertencente ao direito de família, nos seguintes termos:

Com o desenvolvimento da sociedade, o conceito de família sofreu uma profunda alteração, alteração esta a que foi sensível a jurisprudência que acabou se revelando como um fator decisivo para que as relações chamadas espúrias passassem a merecer o tratamento de concubinárias, sendo inseridas na órbita jurídica, acabando por serem alçadas à órbita constitucional como entidade familiar.

Ora, se agora ninguém mais identifica como família o relacionamento sacralizado pelo matrimônio, se o conceito de família alargou-se para albergar os vínculos gerados exclusivamente da presença de um elo afetivo, mister concluir que o amor tornou-se um fato jurídico, passando a merecer proteção legal.

Se agora mudaram os paradigmas da família, não mais se pode deixar de enlaçar no seu conceito todos os vínculos afetivos. Hoje, o toque que leva a inserir ou não o relacionamento no âmbito do Direito de Família é o afeto, independente da sacralização da união, da finalidade procriativa e até do sexo dos seus integrantes. Basta lembrar as famílias monoparentais para não se adentrar nos vínculos que prefiro chamar, não de homossexuais, mas homoafetivos.

Assim, merece ser reconhecido que se está frente a um novo conceito de família, em que basta a existência de um vínculo afetivo para assim nominá-la.

No entanto, para que se obtenha o reconhecimento de uma entidade familiar, nos moldes postos na lei, basta se identificar a presença dos pressupostos da lei, nos quais não se encontra nem a exclusividade e nem o dever de fidelidade para a sua configuração.

Sequer a Constituição Federal ou a legislação ora vigorante, que define a união estável (Lei 9.278/96), fazem qualquer distinção a respeito do estado civil do par ou estabelece a fidelidade ou exclusividade como pressuposto para o seu reconhecimento. Evoluiu o legislador ao não mais estabelecer como requisito à extração de efeitos jurídicos do vínculo afetivo a existência de impedimentos dos companheiros.

Igualmente, não distinguiu a lei o concubinato puro ou impuro, bem como jamais deixou de albergar este último, também chamado de adulterino, no conceito legal de união estável.

Portanto, nem a falta de convivência sob o mesmo teto nem a circunstância de um deles manter relacionamento, de qualquer natureza, com outra pessoa são impedientes para o reconhecimento da existência da união estável. (RIO GRANDE DO SUL.TJ/RS. 7ª Câmara Cível. Apelação cível n. 70005330196/2002. Relatora Des. Maria Berenice Dias. Porto Alegre, 07 de maio de 2003.)

Em que pese a autoridade da referida magistrada, com a devida vênia, não nos parece ser este o entendimento mais correto. Realmente, conforme antes exposto, o conceito de família vem sofrendo adaptações significativas, o que proporcionou o alargamento, mediante previsão constitucional, do rol dos modelos de relacionamentos tidos como pertencentes ao âmbito do direito de família, a exemplo do que ocorreu com a união estável e com os núcleos monoparentais. É certo também que o processo de transmutação pelo qual passa a família tem por principal justificativa a valorização do afeto, elemento este, atualmente, considerado fundamental. Todavia, tais premissas não possuem o condão de afastar a aplicabilidade do princípio jurídico da monogamia.

Com efeito, a conclusão a que chega a magistrada no voto acima citado – de que o ordenamento jurídico pátrio não estabelece como pressuposto para a configuração da união estável a exclusividade – soa um tanto descabida. Caso assim fosse, como se explicaria a previsão contida no artigo 226, § 3º da Constituição Federal de 1988, que determina que a lei deverá facilitar a conversão da união estável em casamento? Certamente não será possível – em respeito ao artigo 1.521, VI do Código Civil – converter uma relação afetiva concubinária em casamento, e, por conseguinte, não nos parece poder ser considerada união estável o que não se pode converter em casamento. [3] A não ser que se aplique a mesma lógica para se concluir que não há exigência de exclusividade em relação ao casamento, o que soaria ainda mais ilógico, afrontando todos os argumentos, já mencionados, que dão suporte ao princípio da monogamia.

A atribuição do status de família à união estável partiu do pressuposto de que este modelo familiar deve tomar por referência as relações matrimonializadas, dispensando-se apenas o formalismo próprio do casamento. Isto porque a intenção do constituinte foi adequar o direito à realidade nacional e não promover uma revolução, de forma implícita, em toda a base de sustentação do Direito de Família. Não há como se admitir que um novo modelo, que deve observar os princípio aplicáveis a um anterior, possa vir a desvirtuar por completo o instituto paradigmático.

Deveras, a quebra do modelo matrimonializado de família consiste em uma verdade insofismável. Entretanto, a superação deste modelo único não implica a exposição do Direito de Família a toda e qualquer demonstração de afeto. A família, ainda que tenha se desvencilhado dos elementos religioso e formalístico, ainda carrega no seu bojo o elemento estabilidade. Constituir uma família ainda significa optar por uma relação estável, a qual é marcada pela comunhão de esforços em prol de um núcleo que transcende ao plano individual.

Neste diapasão, sem sombra de dúvidas, as relações adulterinas são causa de desestabilização das relações familiares. Isto é, consistem na negação do que se entende, no mundo ocidental, por família. O concubinato adulterino representa a prevalência de interesses individuais, os quais muitas vezes não passam de mera satisfação sexual, em detrimento do grupo, frustrando-se as expectativas tanto do consorte – entenda-se em sentido lato, a fim de abarcar a esposa, o marido, o companheiro ou a companheira – quanto dos filhos. Assim sendo, não há espaço no Direito de família para o concubinato adulterino.

Tanto é assim que o voto antes transcrito restou vencido. O desembargador José Carlos Teixeira Giorgis manifestou-se nos seguintes termos: "Como sustentado em outros votos, não consigo admitir a ocorrência de duas entidades familiares legitimadas, ou seja, dois casamentos, duas uniões estáveis ou uma união estável concomitante ao matrimônio." Já o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, complementando o julgamento, aduziu:

...não cabe o reconhecimento de união estável, sendo qualquer dos integrantes da relação casado, na constância do casamento.

[...]

Veja-se o art. 550 do Novo Código, que veda doações do adúltero ao seu cúmplice, sendo o prazo de dois anos para a sua anulação; art. 1642, inc. V, que autoriza que o cônjuge reivindique os bens doados ou transferidos pelo outro ao concubino, sem que para esta reivindicação necessite de autorização do outro, e, terceiro dispositivo, o art. 1.801, inc. III, que proíbe expressamente que o concubino de testador casado seja nomeado herdeiro ou legatário.

Ora, se desses dispositivos não se extrai a vedação do concubinato, que no Código é o concubinato adulterino, não atino o que seja vedação.

São regras claramente sancionatórias do concubinato, agora visto, legalmente no Novo Código, apenas como relação adulterina típica pela definição do art. 1.727, e que, por isso, não pode ser confundida com a entidade familiar merecedora da proteção jurídica ordenada pelo art. 226, § 3º, da Constituição Federal, ao menos que seja alterado o modelo monogâmico de família vigente, não apenas no Brasil, como em toda a civilização ocidental. (RIO GRANDE DO SUL.TJ/RS. 7ª Câmara Cível. Apelação cível n. 70005330196/2002. Relatora Des. Maria Berenice Dias. Porto Alegre, 07 de maio de 2003.)

A decisão citada não consiste em julgamento isolado. Em verdade, em outras oportunidades este mesmo entendimento já fora externado por magistrados brasileiros, no sentido denegar a inserção do concubinato adulterino no bojo do Direito de Família. [4]

A tese ora defendida também encontra sustentação na doutrina, sendo compartilhada por expoentes do Direito Civil pátrio, a exemplo do Professor Álvaro Villaça de Azevedo (2001, p. 211), para quem "o concubinato puro deve merecer, por parte do Estado, completa proteção e regulamentação legal, já o impuro ou concubinagem, não deve merecer apoio dos órgãos públicos e, mesmo, da sociedade."

No mesmo sentido se manifesta Rodrigo da Cunha Pereira. Valorizando o princípio da monogamia, considera incongruentes os argumentos que buscam atribuir guarida ao concubinato adulterino dentro do direito de família, senão vejamos:

[...] o direito não protege o concubinato adulterino. A amante, amásia, ou qualquer outra nomeação que se dê à pessoa que, paralelamente ao vínculo de casamento, mantém uma outra relação uma segunda ou terceira [...] ela será outra, ou outro, que não tem lugar em uma sociedade monogâmica. Alguns autores preferem nomear essas relações como "concubinato impuro", em oposição ao "concubinato puro", ou "honesto" [...] ou aqueles em que não há impedimento legal para o estabelecimento da relação. É impossível ao Direito proteger as duas situações concomitantemente, sob pena de contradizer todo o ordenamento jurídico.(PERREIRA, 1995, p. 74-75)

Cumpre salientar, devido aos estreitos laços que o direito de família mantém com outras searas do conhecimento humano – a exemplo da sociologia, filosofia, moral e religião –, o caráter jurídico dos argumentos antes elencados. Não se trata de iniciativa saudosista, impulsionada por uma eventual identificação e valorização da moral e dos bons costumes. Pelo contrário, trata-se de reconhecer os pontos nos quais o Direito de Família legitimamente evoluiu e redefinir as suas novas fronteiras, não desconsiderando a existência de uma base de sustentação que lhe confere identidade. Tal base de sustentação, na qual se encontra inserido o princípio da monogamia, impede que a família seja confundida com determinados modelos de envolvimento afetivo, a exemplo do concubinato adulterino.

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Sobre o autor
Tiago de Almeida Quadros

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UNIFACS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUADROS, Tiago Almeida. O princípio da monogamia e o concubinato adulterino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 412, 23 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5614. Acesso em: 23 dez. 2024.

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