Paternidade socioafetiva e a sua impossibilidade de desconstituição posterior

28/02/2017 às 19:53
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Trata-se dos aspectos da impossibilidade da desconstituição da paternidade socioafetiva.

Da Paternidade Socioafetiva

A paternidade socioafetiva está intimamente ligada aos institutos tratados no capítulo anterior. Quando se fala em filiação voluntária, adoção e filho de criação pressupõe que nestas situações o vínculo que une filho e pai não é biológico e sim afetivo.

A máxima “pai é quem cria” saiu dos ditos populares e passou a compor o Direito de Família e os pais socioafetivos passaram a ser reconhecidos juridicamente e, portanto, a ganhar direitos e obrigações sobre os filhos afetivos. A tese sustentada pelos operadores do direito é aquela que afirma que há tempos a família deixou de ser uma instituição baseada na economia e concentração de bens, deixou de seguir o patrimonialismo e começou a difundir o princípio da efetividade e o maior interesse da criança e do adolescente.

O doutrinador Rolf Hanssen Madaleno deixa sua opinião sobre o assunto em tela,

(...) a paternidade tem um significado mais profundo do que a verdade biológica, onde o zelo, o amor paterno e a natural dedicação ao filho revelam uma verdade afetiva, uma paternidade que vai sendo construída pelo livre desejo de atuar em interação paterno-filial, formando verdadeiros laços de afeto que nem sempre estão presentes na filiação biológica, até porque, a paternidade real não é biológica, e sim cultural, fruto dos vínculos e das relações de sentimento que vão sendo cultivados durante a convivência com a criança.

Constatar a paternidade biológica é tarefa muito fácil nos dias atuais pelo grau de segurança do exame de DNA já a paternidade sociafetiva precisa ser analisada caso a caso e se sedimenta com o passar do tempo e a convivência dos afetados. Aquela figura masculina que deu educação proporcionou momentos de lazer, cuidou nos momentos de enfermidade merece sim ser reconhecido como pai sem nenhuma distinção.

O princípio da afetividade e da dignidade humana e o da pluralidade das formas de família contaminaram a doutrina brasileira, de forma que o princípio da afetividade é o grande balizador e sustentáculo do Direito de Família contemporâneo. Os filhos socioafetivos são filhos de coração, independentemente dos laços genéticos. As funções parentais são garantidas não pela relação genética ou derivação consanguínea, mas sim, pelo cuidado e desvelo dedicado aos filhos (PEREIRA, 2003, p.62).

É necessários 3 elementos para que reste configurado a paternidade sociafetiva e serão especificados logo abaixo.

 Elementos constitutivos da paternidade sociafetiva

Mesmo não especificado em nenhuma legislação brasileira, a doutrina considerou como necessário alguns elementos para que a paternidade socioafetiva pudesse ser reconhecida de fato. E são eles estudados pelo instituto denominado posse de estado do filho: nome, o trato e a fama.

O nome é quando o filho afetivo passa a usar o nome do pai afetivo por vontade deste, mas como vários doutrinadores explicam, esse elemento da posse de estado do filho é o menos importante dentre os três quando da fixação da paternidade até porque os requisitos não são cumulativos. Desde quando existe a aceitação de ser chamado de pai e filho o requisito nome configura-se estabelecido.

O trato configura quando a pessoa faz pela outra tudo o que um pai faria para um filho. A dispensação de amor, carinho, afeto, assistência emocional e também financeira configura o segundo elemento. Esse elemento é construído ao longo dos anos e se consolidando através da convivência. O bom trato do pai com o filho demonstra tacitamente a aceitação da filiação.

Não é de toda descabida a afirmação de que o elemento trato (tractatus) representa o “carro chefe” dos elementos constitutivos da posse de estado de filho. Tal assertiva encontra-se embasada no próprio conceito de filiação, sendo este único o de natureza socioafetiva, desenvolvido na convivência familiar, consolidando-se, portanto, na afetividade. (RAMOS, 2008, p.34)

Tal elemento é tão importante porque é muito difícil de ser forjado, pois o afeto é espontâneo e se não existe no plano real não pode ser mantido por muito tempo e está intimamente ligado com o terceiro elemento.

A fama ou como chamada reputatio, e configura-se pela notoriedade ou publicitação. As pessoas da família, os amigos, conhecidos e a sociedade convivente no mesmo meio são testemunhas oculares da paternidade sociafetiva estabelecida.

Há, pois, um estado, senão de continuidade, pelo menos de constância. A constância na posse de estado não é somente a permanência: é, antes de tudo, o seu caráter notório e incontestável. Ora, a continuidade entendida como a coerência dos fatos constitutivos da posse e ausência de contradição entre eles, aparece, sem dúvida, como uma condição da constância assim definida. (BOEIRA, 1999, p.78)

Assim, a opinião pública tem grande importância para o reconhecimento da paternidade, e, portanto, da junção do trato + fama presume-se filho e pai mesmo que o nome na certidão de nascimento não seja o mesmo. A jurisprudência nesses casos está optando por julgar seguindo a realidade dos fatos e disso surgem indagações sobre a prevalência da paternidade biológica em detrimento da socioafetiva.

Prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica

Muitos doutrinadores e dentre eles Maria Berenice Dias (2007) afirma com convicção que a paternidade socioafetiva se sobrepõe a biológica, pois o afeto não necessariamente vem junto com os genes, por isso existem diversos casos em que o genitor não tem nenhum vínculo afetivo com o filho e não pretende tê-lo. Nesses casos o maior prejudicado é o filho que na maioria das vezes são crianças ou adolescentes.

Mas, por outro lado, algumas correntes adotam um posicionamento mais reservado quando a paternidade socioafetiva, alegando a instabilidade que as relações pautadas no afeto podem sofrer.

O afeto não tem aceitação pacífica como elemento que legitime o reconhecimento jurídico do vínculo socioafetivo. Tal rejeição, em geral, se dá pela natural instabilidade das relações afetivas: findo o afeto, seria questionável o fundamento para a manutenção dos efeitos jurídicos. Não obstante alguns tribunais têm feito prevalecer o vínculo socioafetivo sobre o biológico. Este entendimento só considera, ou privilegia, o componente afetivo do vínculo, preterindo os efeitos sociais, por vezes irreversíveis, que a convivência gera. (BARBOZA, p.09)

A autora do fragmento acima alerta para a necessidade de uma sentença jurídica que confirme o grau de parentesco existente nessas relações de afeto para que o filho em questão não se veja desamparado legalmente se por ventura vier a romper os laços com o pai.

Mas, entendimento recente do STF que julgou o Recurso Extraordinário 898.060 e analisou a Repercussão Geral 622 e os ministros colocou fim na discussão suscitada acima e, entenderam que não existe prevalência entre a paternidade socioafetiva e a biológica, sendo permitido que nas certidões de nascimento conste o nome dos dois pais ou das duas mães, ou seja, o biológico e o socioafetivo, o que revolucionou o Direito de Família.

Desde que se estuda a família tem-se que toda pessoa tem o direito a ter um único pai e uma única mãe. Essa sempre fora a afirmação que ouvia ao longo dos anos e os cartórios de registro até podiam expedir certidão sem o nome do genitor, por exemplo, por este ser desconhecido ou não ter assumido a paternidade só que nunca havia se pensado na possibilidade de constar na certidão o nome de dois pais sob a alegação de um deles ser o pai socioafetivo. Com a modernização do conceito de família e o surgimento das famílias multiparentais agora já é possível essa realidade.

A questão da desconstituição posterior da paternidade socioafetiva

 

Em regra, a paternidade socioafetiva não pode ser desconstituída, sob o fundamento de que os Princípios do melhor interesse da criança e da Verdade Real devem prevalecer.

Nas linhas que se seguem serão trazidos casos em que os Tribunais entenderam pela possibilidade da anulação do registro e em outros que não foi concedido o ato.

 Possibilidade de anular o registro de nascimento em casos de adoção à brasileira

A questão suscitada aqui é bastante polemica e precisa ser decidida caso a caso. No que concerne à adoção, por exemplo, não pode ser revogada por força do art. 39, §1° do ECA que diz ser esse instituto irrevogável. Muito comum ver casos em que o pai que adotou a criança pelo instituto da adoção à brasileira e alega em ação anulatória que foi induzido ao erro ou coagida a registrar o filho. Mas, o que de fato ocorreu é que houve um rompimento entre ele e sua companheira e então ele acredita que sua obrigação de pai deva cessar também.

O entendimento do STF é pela impossibilidade de desconstituição

NEGATÓRIA DE PATERNIDADE - ‘ADOÇÃO À BRASILEIRA’ - CONFRONTO ENTRE A VERDADE BIOLÓGICA E A SÓCIO-AFETIVA - TUTELA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PROCEDÊNCIA - DECISÃO REFORMADA - 1. A ação negatória de paternidade é imprescritível, na esteira do entendimento consagrado na Súmula nº 149/STF, já que a demanda versa sobre o estado da pessoa, que é emanação do direito da personalidade. 2. No confronto entre a verdade biológica, atestada em exame de DNA, e a verdade sócio-afetiva, decorrente da denominada ‘adoção à brasileira’ (isto é, da situação de um casal ter registrado, com outro nome, menor, como se deles filho fosse) e que perdura por quase quarenta anos, há de prevalecer a situação que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. 3. A paternidade sócio-afetiva, estando baseada na tendência de personificação do direito civil, vê a família como instrumento de realização do ser humano; aniquilar a pessoa, apagando-lhe todo o histórico de vida e condição social, em razão de aspectos formais inerentes à irregular ‘adoção à brasileira’, não tutelaria a dignidade humana, nem faria justiça ao caso concreto, mas, ao contrário, por critérios meramente formais, proteger-se-ia as artimanhas, os ilícitos e as negligências utilizadas em benefício do próprio apelado (ApC 108.417-9, 2ª Camera Cívil, Rel. Accácio Cambi. DJ: 12.12.2001).

A criança e o adolescente têm proteção integral do Estado (Art.1°, ECA) e o mesmo tem que velar pela prevalência absoluta do melhor interesse deles (art. 227, caput, da CF), assim, como os menores ainda está em desenvolvimento da sua personalidade não podem viver em um ambiente instável, onde hora tem um pai que é sua referência e hora não o tem mais.

Ora, ao proceder ao registro de nascimento da criança em seu nome, o indivíduo praticou um ato jurídico que se perpetuou no tempo, produzindo efeitos não apenas em sua esfera jurídica, mas também na da criança, motivo pelo qual a desconstituição pleiteada não pode prosperar, sob pena de violação dos princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente (SANTOS, 2010, p.13).

Caso interessante julgado recentemente pela Relatora Ângela Maria Moraes Salazar em que a mãe adotiva ingressou com ação para retificar o registro civil do filho já falecido, sendo que a adoção ocorrera em 1973 e só em 2010 é que a mãe resolveu mudar o registro. A relatora entendeu que o desejo da mãe adotiva era receber sozinho seguro DPVAT.

Segue o Acórdão proferido

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECURSO IMPROVIDO. I - Comungo do entendimento do Juiz a quo, que acabou por dar primazia ao afeto para estabelecer a paternidade, considerando, ainda, que a autora/apelada não comprovou a origem genética do filho falecido. II - Ademais, causa estranheza o fato da apelante requerer a retificação do registro civil do seu filho, lavrado em 1973, somente no ano de 2010, logo após o falecimento do registrado, deixando claro que, na realidade, o seu intuito é receber sozinha, como única herdeira, a indenização do seguro obrigatório DPVAT. III - Recurso improvido (TJ-MA, APL n° 0136202012, Primeira Câmera Cível, Rel. Ângela Maria Moraes Salazar, DJe: 18/12/2104).

Observa-se que um dos argumentos usados fora o estabelecimento da paternidade pelo afeto, independentemente do vínculo biológico.

Exsurge claramente, de todo o exposto, que o reconhecimento voluntário de filho de outrem, isto é, a realização da adoção à brasileira, por estabelecer uma verdadeira filiação socioafetiva, deve ser equiparada à adoção judicial, produzindo os mesmos efeitos que esta, constituindo, portanto, um ato irrevogável, nos termos do artigo 39, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (SANTOS, 2010, p.25).

Ação Anulatória que desconstitui a paternidade socioafetiva com fundamento no erro

O Supremo Tribunal de Justiça sempre decidiu pela impossibilidade de desconstituição da paternidade socioafetiva. No REsp 10592014 a 4° Turma proferiu a seguinte ementa:

EMENTA: DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNANEGATIVO. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IMPROCEDÊNCIADO PEDIDO.

{C}1.       Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar, quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. 2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com os então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. 3. Recurso especial não provido.

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E foi assim nessa linha de entendimento durante muito tempo o que demonstrava estabilidade quanto a esse tema. Porém, decisão recente da Terceira Turma do mesmo órgão julgador entendeu diferente e concedeu ao pai o direito de desconstituir a paternidade, mesmo tendo vivido com a criança no mesmo lar por cinco anos.

No caso analisado pelo Tribunal, a genitora afirmou ao seu companheiro que o filho que gerava era dele e o pai por acreditar na palavra registra a criança, passando cinco anos descobre não ser pai biológico e ingressa com ação requerendo que o registro fosse modificado, alegou em defesa que incorrera no vício de consentimento e que a partir do momento que tomou conhecimento de que a criança não era sua biologicamente falando, rompeu todo e qualquer laço afetivo com a mesma.

 Para o ministro Marco Aurélio Bellizze esse caso difere dos demais porque o pai de fato foi induzido a erro. No momento que registrou a criança ele imaginava ser esta biológica e não afetiva, pois se na época do fato tivesse conhecimento que entre eles não havia traços biológicos que os unia não teria assumido a paternidade.

Infelizmente, dentro do próprio texto de leis existem brechas para que cada Turma do Tribunal entenda de forma diferente. O art. 1.604 do CC diz que: “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”. No caso supra o entendimento foi de que como houve erro, tornando possível que o pai reivindicasse o registro com fulcro no artigo citado.

Já o art. 1.605 do CC vem e diz: “Na falta, ou defeito, do termo de nascimento, poderá provar-se a filiação por qualquer modo admissível em direito: II-- quando existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”. Para muitos estudiosos do assunto e que acompanharam o julgamento do STJ, entendem que o artigo utilizado para a fundamentação seria este, pois a realidade, o fato, ou como muitos gostam de citar, a fama, configuraram a posse de estado do filho o que torna a desconstituição impossível no mundo jurídico.

A história do indivíduo, com todas as suas lembranças e recordações, e também a sua vida social e profissional, foram construídas em função da identidade que lhe foi conferida, não sendo justo ou razoável que todos esses elementos, que já se agregaram à própria vida, sejam descartados em função da vontade unilateral paterna. O estabelecimento do parentesco gerou para o perfilhado uma base sobre a qual foram construídas as suas relações, o seu convívio em sociedade e com os familiares, de modo que a sua proteção deve necessariamente ser privilegiada. Afinal, se o afeto venceu a falta de consanguinidade, não cabe à justiça desconstituir a paternidade socioafetiva que surgiu entre pai e filho (RAMOS, 2008, 46).

O melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer nesses casos, pois o abalo emocional que podem sofrer com essa ruptura de um vínculo de amor e confiança adquirido ao longo do tempo pode ser devastador, podendo refletir na construção do caráter, no rendimento escolar e na convivência em sociedade. Mas, a casos em que o melhor caminho encontrado pelo magistrado é realmente desvincular o pai do filho para que este não venha sofrer com a represália e consequentemente sofrer danos maiores.

O Supremo Tribunal de Justiça entendeu que em caso de erro o pai tem direito de anular o registro:

Direito civil. Família. Recurso especial. Ação negatória de paternidade. Exame de DNA. - Tem-se como perfeitamente demonstrado o vício de consentimento a que foi levado a incorrer o suposto pai, quando induzido a erro ao proceder ao registro da criança, acreditando se tratar de filho biológico. - A realização do exame pelo método DNA a comprovar cientificamente a inexistência do vínculo genético, confere ao marido a possibilidade de obter, por meio de ação negatória de paternidade, a anulação do registro ocorrido com vício de consentimento. - A regra expressa no art. 1.601 do CC/02, estabelece a imprescritibilidade da ação do marido de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, para afastar a presunção da paternidade. - Não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame genético pelo método DNA. - E mesmo considerando a prevalência dos interesses da criança que deve nortear a condução do processo em que se discute de um lado o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação, verifica-se que não há prejuízo para esta, porquanto à menor socorre o direito de perseguir a verdade real em ação investigatória de paternidade, para valer-se, aí sim, do direito indisponível de reconhecimento do estado de filiação e das consequências, inclusive materiais, daí advindas. Recurso especial conhecido e provido (STJ, REsp 878954, Terceira Turma, Rel. Nancy Andrighi, DJe: 28.05.2007).

A instabilidade observada na jurisprudência dos Tribunais e entre Câmeras dificulta o trabalho dos operadores do direito e traz insegurança jurídica. Oque se pode concluir acerca do assunto é que, a depender de prova testemunhal e do livre convencimento do juiz vai existir ou não a possibilidade de anulação do registro de nascimento com fundamento em erro.

Se comprovado que o laço afetivo se consolidou entre os interessados tem se o acordão pelo indeferimento do pedido de anulação, caso não estabelecida a posse de estado do filho, o pedido de anulação é aceito e no entendimento da ministra Nancy Andrighi a criança não ficará prejudicada nesse caso, pois a mesma pode continuar a investigação de paternidade.

Quanto à possibilidade de haver desejos ocultos que não a afetividade por parte do filho o STJ tem entendido que:

Ementa: CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PATERNIDADE. PECULIARIDADES DO CASO. VÍNCULO GENÉTICO AFASTADO POR EXAME DE DNA E INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL. PREVALÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Se, à época da realização do registro de nascimento, a filiação foi declarada tão somente com base nas afirmativas feitas pela genitora do menor, que induziram o declarante a acreditar ser o pai da criança, é possível questionar a paternidade em ação negatória, com base em vício de consentimento. 2. Se o vínculo biológico foi afastado por prova genética (exame de DNA) e, por depoimentos, comprovou-se a ausência de vínculo afetivo entre o declarante e o menor, não há como manter filiação em desacordo com a realidade. 3. Nas ações de estado, prevalece o princípio da verdade real, que deve ser afastado apenas em circunstâncias particulares e especiais, considerando-se o caso concreto. 4. Recurso especial desprovido (STJ-REsp 1362557, Terceira Turma, Rel. Nancy Andrighi, DJe: 09/12/2014).

Se ao analisar um determinado caso concreto e o juízo concluir que não ficou comprovada a filiação socioafetiva, estado de posse do filho e inexiste vínculo biológico, certo que seja deferida a desconsideração da paternidade até para que se evitem desejos e vantagens indevidas, como por exemplo, direito à herança.

A questão dos alimentos dentro do ordenamento jurídico brasileiro

Serão discutidas nesse tópico as questões pertinentes à fixação dos alimentos decorrente do parentesco com foco principal na paternidade. Assim, serão trazidos diversos posicionamentos a respeito desse assunto tão discutido dentro do Direito de Família, justamente pela suma importância que carrega.

A questão dos alimentos está inserida no Código Civil a partir do art. 1694 onde se interpreta como sendo obrigação dos parentes alimentarem uns aos outros quando alguém necessitar dos mesmos para conservar uma vida digna, dentro dos parâmetros sociais em que esta pessoa está inserida, abarcando também a educação.

Deste artigo extraímos a obrigação legal, ou seja, aquela imposta pela lei. Nos casos do parentesco pela consanguinidade; pela ocorrência do matrimonio ou união estável, representada pela palavra “companheirismo”.

Levando em conta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade o §1° do artigo mencionado acima afirma que a fixação do quantum dependerá da situação econômica do alimentando sem, contudo, deixar de respeitar as necessidades do alimentado.

Por conta do respeito aos princípios citados acima o art. 1699 do CC traz a possibilidade de mudança nos valores devidos: “Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo”. E por meio da ação revisional de alimentos, tanto o alimentado como quem é obrigado a alimentar pode pleitear a variação.

A possibilidade de alguém alimentar outro maior de idade advém do art. 1695 da qual se extrai as seguintes elementares: “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”. Ou seja, o ordenamento permite, por exemplo, que um cônjuge preste alimento ao outro mesmo depois de separação judicial, desde que comprovado que o reclamante não possui condições de prover o próprio alimento.

Existe a possibilidade de extensão da obrigação,

Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.

A base constitucional que esta obrigação carrega é muito forte e logo por ser percebida pelo art. 1° da CF onde o texto de lei diz que a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, sem dúvida o mais importante dos princípios porque dele derivam tantos outros importantíssimos para a sobrevivência humana. A pessoa enquanto cidadã tem direito a ter uma vida pautada na moral, sendo lhe concedida moradia, lazer, educação, saneamento básico, etc.

Assim, aquele que por lei tem obrigação de alimentar não está sujeito apenas a prestar alimentos no sentido literal da palavra, mas sim, também em moeda nacional, se necessário para efetivação do direito do alimentado. Se essa obrigação não nascer de um familiar, terá de ser provida pelo Estado.

O doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2012) algumas características do direito aos alimentos: “personalíssimo, incessível, impenhorável, incompensável, imprescritível, intransacional, atual, irrepetível, irrenunciável”. Portanto, a mãe não pode abrir mão da prestação de alimentos fornecida pelo pai ao filho, uma vez como já citado, o direito é exclusivo da pessoa e não pode ser renunciado, conforme dispõe art. 1707, CC.

A vida é o principal direito do Estado Democrático de Direito e se tal direito encontra-se ameaçado a lei tem o poder-dever de interferir e tomar decisões drásticas para que a ameaça cesse, sob esses argumentos o art.5, LXVII, da CF/88 permite a prisão civil em casos “do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia”, pois a falta de alimento leva a morte.

 Assim, entendimento jurisprudencial não admite, por exemplo, que o alimentando ingresse com ação requerendo a devolução dos alimentos fornecidos por ele ao filho no caso de descobrir que o mesmo não era seu filho biológico.

 A obrigação do pai socioafetivo de prestar alimentos

Como exposto acima o dever de alimentar decorre do parentesco, por isso a necessidade de comprovação do grau familiar para que nasça a obrigação. Assim, sabe-se que os filhos havidos dentro ou fora do casamento tem o direito constitucional de serem alimentados pelos seus pais. Nestes casos, o parentesco é comprovado hoje através do exame de DNA.

Contudo, mesmo o entendimento jurisprudência dos Tribunais já reconhecerem a paternidade socioafetiva o ordenamento jurídico não traz nenhum artigo em específico que trate do tema e muito se pergunta se o pai afetivo teria a mesma obrigação de prestar alimentos que o pai biológico.

Do Código Civil podem-se extrair artigos que confirme existir relação de parentesco na afetividade. O art. 1.593 do CC, por exemplo, diz: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” e por falta de um artigo em específico a doutrina tem usado o mesmo por analogia.

Na mesma linha de raciocínio tem-se o artigo 1.596 também do Código Civil e com base constitucional afirma que: “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. O termo adoção está citado neste artigo e já se sabe que a jurisprudência equiparou adoção à paternidade socioafetiva, assim, se o pai adotivo tem obrigação de alimentar o pai afetivo por analogia também tem.

O que os doutrinadores do assunto entendem é que presente os requisitos da posse de estado do filho configura-se a paternidade e, por conseguinte nasce a obrigação de alimentar, pois a figura da paternidade restou estabelecida quando o filho fora recebido do seio da família, onde registrado com o nome familiar e a sociedade convivente diretamente com eles pode atestar o vínculo familiar que os unia, conforme o já mencionado art. 1.605 do CC.

A jurista Maria Berenice Dias em seu artigo intitulado Alimentos, sexo e afeto, brilhantemente fala sobre a família afetiva:

Os relacionamentos afetivos geram obrigações mútuas, direitos e deveres de parte a parte. E, quando se fala em afeto e responsabilidade, sempre vem à mente a famosa frase de Saint-Exupéry: você é responsável pelas coisas que cativa! Não se pode deixar de visualizar nesse enunciado a origem do Direito das Famílias. Basta a existência de um comprometimento mútuo para se estar frente a um vínculo familiar. Assim, quem ama, seja quem for, assume deveres, encargos e obrigações. Quem é amado tem direitos. Como o afeto gera ônus e bônus, aí se situa a natureza da obrigação alimentar. Por isso se trata de obrigação recíproca, pois quem tem direitos também tem encargos. (DIAS,2010, p.17)

Os juízes das Varas de Família devem se ater mais para a realidade fática do que para um cunho jurídico, pois as relações interpessoais são muito voláteis e inconstantes e o Judiciário pela lentidão em que se processa não consegue acompanhar as mudanças que ocorrem dentro das sociedades.

O Código Civil de 2002 também não reconheceu, expressamente, o estado de filho afetivo. Entretanto, a filiação socioafetiva pode ser admitida com base nos seguintes artigos: a) art. 1593, que diz: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Esta outra origem de parentesco é justamente a sociológica (afetiva, socioafetiva, social, eudemonista); b) art. 1596, em que é reafirmada a igualdade entre a filiação (art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988); c) art. 1597, V, pois o reconhecimento voluntário da paternidade na inseminação artificial heteróloga não é de filho biológico, e sim de filho socioafetivo, já que o material genético não é do(s) pai(s), mas, sim, de terceiro(s); d) art. 1603, visto que, enquanto a família biológica navega na cavidade sanguínea, a família afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e da maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nascimento 76 emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração e da emoção, (re)velando o mistério insondável da filiação, engendrando um verdadeiro reconhecimento do estado de filho afetivo; e) art. 1605, II, em que filiação é provada por presunções - posse de estado de filho (estado de filho afetivo) (WELTER, 2003, ps. 161 e 162).

Por todo exposto, a de se entender que, estabelecida a paternidade socioafetiva obriga-se o mesmo a prestar alimentos ao filho afetivo, esse é o entendimento do STF e demais órgãos julgadores.

 Julgados

O ministro Luiz Fux manifestou sobre os conflitos entre paternidade biológica e socioafetiva no acórdão a seguir:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. PARADIGMA DO CASAMENTO. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO-POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES FAMILIARES A MODELOS PRÉ-CONCEBIDOS. ATIPICIDADE CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB). PARENTALIDADE PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU AFETIVA. NECESSIDADE DE TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS PARENTAIS. RECONHECIMENTO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL (ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE PARA APLICAÇÃO A CASOS SEMELHANTES.

15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que 5 merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais” (Rextraordinário, n 898.060/SP, Rel.Min. Luiz Fux, DJU 29-09-2016).

Ou seja, para o ministro, nada impede que seja reconhecida tanto a paternidade biológica quanto a afetiva. Mas, já o Desembargador Dárcio Lopardi Mendes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que, quando se tratar de tal situação a questão deve ser analisado caso a caso, afim de atender ao princípio norteador do ECA que é o melhor interesse da criança, como pode se ler no acórdão transcrito abaixo:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO DE FAMÍLIA - REIVINDICAÇÃO DA PATERNIDADE - EXAME DE DNA COMPROBATÓRIO - PATERNIDADE BIOLÓGICA X PATERNIDADE SÓCIO-AFETIVA - ALTERAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO - POSSIBILIDADE - GUARDA - PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. O reconhecimento dos filhos, por meio de registro público, é irrevogável, no entanto, tal fato não implica na vedação de questionamentos em torno da filiação, desde que haja elementos suficientes para buscar a desconstituição do reconhecimento anteriormente formulado. O exame de DNA, por ter como resultado um erro essencial sobre o estado da pessoa, é capaz de desconstituir o registro de nascimento, pois, derruba, por completo, a verdade jurídica nele estabelecida. Na hipótese de conflito entre a paternidade biológica e a socioafetiva, no que se refere à guarda do menor, deve-se priorizar aquela em detrimento desta, se, pelo conjunto probatório, o julgador não verificar caracterizada a relação de afeto, em atenção ao Princípio do Melhor Interesse da Criança (TJ-MG, AC n. 105250813368650011, Rel. Dárcio Lopardi Mendes, DJE: 30-03-2010).

Já quanto à questão da obrigação de alimentar o Tribunal de Justiça de Santa Catarina decidiu pela improcedência do pedido de desconstituição da obrigação:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. LAUDO PERICIAL CONSISTENTE EM EXAME DE DNA QUE EXCLUIU A PATERNIDADE. SITUAÇÃO ESSA QUE NÃO PRESSUPÕE NECESSARIAMENTE A EXCLUSÃO DAPATERNIDADE. INEXISTÊNCIA DOS VÍCIOS PREVISTOS NO ARTIGO 1.604 DO CÓDIGO CIVIL. NÃO COMPROVAÇÃO POR PARTE DO AUTOR DE TER SIDO ENGANADO PELA MÃE BIOLÓGICA DO REQUERIDO QUANDO DA GRAVIDEZ. CASAL QUE SE ENCONTRAVA SEPARADO E QUE REATOU QUANDO A MESMA JÁ SE ENCONTRAVA GRÁVIDA. PATERNIDADE SÓCIO AFETIVA RECONHECIDA ATRAVÉS DE PARECER PSICOLÓGICO E ESTUDO SOCIAL. REQUERIMENTO ANTERIOR DE GUARDA DO MENOR. EXCLUSÃO DA PATERNIDADE COM O OBJETIVO DE SE VER DESOBRIGADO DO PAGAMENTO DE ALIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. PATERNIDADE SÓCIO AFETIVA CONSIDERADA. AÇÃO INTENTADA QUANDO O MENOR JÁ SE ENCONTRAVA COM 09 ANOS DE IDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO (TJ-SC, AC 325824, Rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt, DJE: 06-09-211).

Caso peculiar foi o julgado pela 8ª Câmera Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul em que, a genitora ajuizou ação de investigação de paternidade, sendo que o filho já era registrado pelo pai socioafetivo. Feito o exame de DNA apurou quem seria o pai biológico da criança e, a partir disto a juíza do caso entendeu por reconhecer a paternidade do pai biológico somente para fins de custeio alimentício.

O pai biológico recorreu da sentença e a Câmera entendeu ser ilógica a sentença proferida em 1° instancia, pois, o dever do pai biológico não deve se ater apenas para fins financeiros e, no caso em tela, o pai socioafetivo já cumpria seu dever de cuidar do menor em todos os âmbitos da vida civil. O relator entendeu que neste caso a filiação afetiva se sobrepôs a biológico e assim desobrigando o pai biológico a prestar alimentos.

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CARACTERIZADAS. ALIMENTOS A SEREM PAGOS PELO PAI BIOLÓGICO. IMPOSSIBILIDADE. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento do autor, descabe a fixação de pensão alimentícia a ser paga pelo pai biológico, uma vez que, ao prevalecer a paternidade socioafetiva, ela apaga a paternidade biológica, não podendo co-existir duas paternidades para a mesma pessoa. Agravo retido provido, à unanimidade. Apelação provida, por maioria. Recurso adesivo desprovido, à unanimidade. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70017530965, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 28/06/2007).

Ao analisar todos esses julgados a conclusão que se chega é que os assuntos relacionados à paternidade socioafetiva e biológico são bastante polêmicos e incertos dentro do Direito de Família justamente pela diversidade de casos diferentes. Impossível determinar um julgamento, pois aquele que julga deve velar primeiramente pelas leis dentro do ordenamento jurídico, mas também tentar ao máximo buscar a verdade real.

Por isso a diversidade de pensamentos e de sentenças conflitantes. De um lado entende que a paternidade socioafetiva e a biológica podem coexistir inclusive quanto às questões patrimoniais trazendo a possibilidade da dupla paternidade; de outro lado entende que a paternidade afetiva deve prevalecer sobre a biológica e este por última fica desobrigado a prestar qualquer ajuda financeira ao filho biológico.

A muito que se estudar sobre o assunto em tela, visto a diversidade de caminhos que as relações interpessoais podem criar. Mas, não resta dúvida de que, independente do que ocorreu no seio da família ou das relações extraconjugais, o interesse do menor deve sempre prevalecer atrelado ao princípio da dignidade humana.

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