3 CONCLUSÃO
Intentou-se demonstrar, através do presente trabalho, a viabilidade da aplicação do novo instituto desenhado pelo parágrafo único do artigo 944 do Código Civil de 2002. Remando em sentido contrário àqueles que defendem a total ineficácia da figura jurídica sob análise, procuramos, de forma concisa, apontar meios e soluções que permitam a utilização plena do dispositivo legal, sob pena de sepultarmos, precária e antecipadamente, uma regra que visa dar concreção ao princípio da função social da responsabilidade civil.
É dever do estudioso, antes de tudo, procurar extrair da norma um significado que se compatibilize com os preceitos da Lei Maior, materializando os valores por ela encampados.
É nesse sentido que nos esforçamos para sugar do texto legal o máximo de efeitos possíveis, sempre tendo por desiderato concretizar os princípios basilares da Lex Legum. Qualquer posicionamento que transforme o artigo sob comento em letra morta deve ser repudiado, por constituir afronta direta aos princípios hermenêuticos que regem a atividade interpretativa.
É nesse sentido que pugnamos pela constitucionalidade do instituto, afastando as interpretações que vislumbram um vício material na norma, sob a alegação de que a utilização da equidade no presente caso macularia o princípio, erigido a patamar constitucional, da restituição integral. Em verdade, a solução não pode ser estabelecida abstratamente, como pretende parcela da doutrina que encampa tal tese.
Trata-se, em verdade, de um conflito de postulados a ser resolvido pela técnica de ponderação de interesses. De um lado, os princípios da isonomia substancial, da solidariedade e da justiça social, de outro, a regra da restituição integral. Assim é que a sobredita norma não padece, em abstrato, de qualquer vício de inconstitucionalidade, vez que o secular princípio da restitutio in integrum não restará banido do ordenamento jurídico, apenas será mitigado em certos casos, de forma excepcional e restrita, quando, numa ponderação de valores, se der a prevalência aos princípios da solidariedade e justiça social.
Quanto aos requisitos necessários à configuração da novel figura jurídica, entendemos que devem ser perquiridos os seguintes elementos: a) grau de culpa; b) dano de grande extensão; c) situação econômica do lesante e do lesado.
Quanto ao primeiro aspecto, divergimos da tese que parece prevalecer no direito brasileiro de que o instituto tem aplicação nos casos em que o infrator obra com culpa leve ou levíssima. A culpa leve, demonstração de desídia e falta de cuidado, não deve ensejar a redução equitativa da indenização, sob pena de a norma jurídica servir como proteção aos seres pouco diligentes, dando azo a uma diminuição injusta ao patrimônio da vítima.
Somente em casos em que o sujeito atua com culpa levíssima, desde que presentes os demais requisitos, é que se pode aplicar a diminuição equitativa da indenização, vez que a mesma em muito se assemelha à mera fatalidade.
Em relação ao dano de grande extensão, chegamos à conclusão de que qualquer definição abstrata mostrar-se-ia em descompasso com a regra da operabilidade, idealizada por Miguel Reale, mentor da nova codificação. Assim é que deve o intérprete, no caso concreto, conciliar as noções de culpa levíssima e dano de grande extensão, tendo sempre como parâmetro o princípio da proporcionalidade.
No que toca ao terceiro elemento, entendemos que, além dos requisitos já desdobrados, faz-se necessária a ocorrência de uma sensível desproporção entre os patrimônios do lesante e do lesado, a ensejar a redução indenizatória.
Assim, pugnamos por uma aplicação restrita do instituto estudado, limitando-o às hipóteses em que, além de preenchidos os requisitos da culpa levíssima e do dano excessivamente desproporcional, houver desequilíbrio entre os patrimônios do lesante e do lesado, de modo que os recursos deste superem sensivelmente os daquele.
Concluímos, outrossim, que a norma inserta no parágrafo único do artigo 944 tem plena aplicabilidade em relação aos danos materiais, pois, como já repetido à exaustão, o princípio da restituição integral não restará malferido ou banido do sistema jurídico pátrio, mas apenas afastado em casos pontuais e restritos.
O mesmo raciocínio se aplica em relação aos danos morais. Não vislumbramos qualquer razão séria para que o aludido artigo tenha sua aplicação restrita às hipóteses de dano material. Assim é que, presentes os requisitos acima mencionados, será possível a redução equitativa da indenização a título de danos morais, sejam em relação à parcela compensatória ou à parcela punitiva.
Pelo exposto, podemos concluir pela possibilidade de aplicação do instituto, restando esvaziadas as críticas formuladas pela doutrina. A utilização correta do instituto ensejará a materialização do princípio constitucional da função social da responsabilidade civil, privilegiando os postulados da isonomia substancial, justiça social, solidariedade e dignidade da pessoa humana.
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Notas
1 GAGLIANO, Pablo Stolze. A responsabilidade extracontratual no novo Código Civil e o surpreendente tratamento da atividade de risco. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4003>. Acesso em: 07.abr.08.
2 CANOTILHO, J. J. Gomes Apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 45.
5 GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Elementos de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pp. 66-67
6 KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
7 Id. Ibid.
8 RODRIGUES, Sílvio apud CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 67-68.
9 KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
10 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 67-68.
11 Id. Ibid., pp. 67-68.
12 ALVIM, Agostinho. Da equidade. In RT, v.797, mar.2002.
13 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 145.
14 CHORÃO, Mário Bigotte apud KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
15 NOGUEIRA, Rubem. Curso de Introdução ao Estudo do Direito. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 40.
16 ALVIM, Agostinho. Da equidade. In RT, v.797, mar.2002.
17 CAHALI, Yussef Said. Dano e Indenização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 136.
18 DINIZ, Souza apud KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
19 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 97.
20 KFOURI NETO, Miguel. Op. cit.
21 Id. Ibid.
22 STOCO, Rui. Responsabilidade civil no Código Civil francês e no Código Civil brasileiro. Disponível em: <http://aplicaext.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducacao/textos_fotos/bicentenario/textos/rui_stoco.doc>. Acesso em: 07.abr.08.
37 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 67.
38 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 48.
39 Id. Ibid., p. 48.
40 Id. Ibid., p. 48.
41 Id. Ibid., p. 48.
42 Id. Ibid., p. 48.
43 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 18. ed.. São Paulo: Saraiva, 2004, p.46.
44 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 49.
45 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 67-68.
46 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 56.
47 Id. Ibid., p. 57.
48 KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
49 Id. Ibid.
50 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op, cit., p. 57
51 KFOURI NETO, Miguel. Ibid.
52 KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
53 PIZARRO, Ramon Daniel apud STOCO, Rui. Responsabilidade civil no Código Civil francês e no Código Civil brasileiro. Disponível em: <http://aplicaext.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducacao/textos_fotos/bicentenario/textos/rui_stoco.doc>. Acesso em: 07.abr.08.
54 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 57.
55 KFOURI NETO, Miguel., op. cit.
56 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, pp. 67-68.
57 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 89.
58 KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
59 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Disponível em: <www.jusnaviogandi.com.br>. Acesso em: 06.ago.2005.
60 REALE, Miguel. Visão Geral do novo Código Civil. Disponível em: <www.jusnavigandi.com.br>. Acesso em: 13.mai.2006.
61 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 103.
62 STOCO, Rui. Responsabilidade civil no Código Civil francês e no Código Civil brasileiro. Disponível em: <http://aplicaext.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducacao/textos_fotos/bicentenario/textos/rui_stoco.doc> Acesso em: 07.abr.08.
63 DIAS, José de Aguiar Dias. Da Responsabilidade Civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, v.1, p. 225.
64 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 103.
65 KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
66 STOCO, Rui. Responsabilidade civil no Código Civil francês e no Código Civil brasileiro. Disponível em: <http://aplicaext.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducacao/textos_fotos/bicentenario/textos/rui_stoco.doc> Acesso em: 07.abr.08.
67 CASILLO, João. Dano à pessoa e sua indenização. 2.ed. São Paulo: RT, 1994, p. 87.
80 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 103.
81 KFOURI NETO, Miguel. Graus da culpa e redução eqüitativa da indenização. Disponível em: <www.tj.pr.gov.br/download>. Acesso em: 08.abr.08.
82 CUNHA, Leonardo Nascimento. A aplicabilidade do art. 944, parágrafo único, do Código Civil de 2002 aos danos materiais. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9568>. Acesso em: 09.abr.08.
83 CUNHA, Leonardo Nascimento. A aplicabilidade do art. 944, parágrafo único, do Código Civil de 2002 aos danos materiais. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9568>. Acesso em: 09.abr.08.
84 CARVALHO FILHO, Milton Paulo de. Indenização por equidade no novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 103.
85 STOCO, Rui. Responsabilidade civil no Código Civil francês e no Código Civil brasileiro. Disponível em: <http://aplicaext.cjf.gov.br/phpdoc/pages/sen/portaldaeducacao/textos_fotos/bicentenario/textos/rui_stoco.doc> Acesso em: 07.abr.08.
86 FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil: Teoria geral. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 34
87 Id. Ibid., p. 36.
88 BITTAR, Carlos Alberto. O Direito Civil na Constituição de 1988. 2.ed. São Paulo: RT, 1991, pp. 24 e ss
89 GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 11.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
90 FARIAS, Cristiano Chaves de. Op. cit., p. 35