Os novos desafios regulatórios relativos ao exercício do poder de controle nas companhias de capital pulverizado do novo mercado da BM&FBovespa

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06/03/2017 às 04:33
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Saiba tudo que está por trás do complexo mercado de valores no mundo e como é feita a regulação do exercício do poder de controle nas companhias de capital pulverizado do Novo Mercado da BM&FBovespa, no cenário atual de novos desafios.

As profundas modificações econômicas ocorridas em nosso país

 têm uma significação particular para esta geração.

Elas nos armaram de um poder sobre o nosso destino

 que implica um desafio e uma responsabilidade.

 A nossa economia já não é comandada de fora, de fora para dentro,

 obrigando-nos a seguir, perplexos e impotentes,

 os zigue-zagues do destino de um povo dependente.

 Temos, em nossas mãos, os instrumentos de autodeterminação

 que até há pouco eram apanágio de uns quantos povos privilegiados.

 Estamos em face de um desafio cuja grandeza só é percebida

 por aqueles que têm intuição das potencialidades deste imenso país...

 De fato, nós somos senhores do nosso próprio destino.

Celso Furtado

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.. 6

2 O PODER DE CONTROLE NAS COMPANHIAS ABERTAS NO BRASIL.. 14

2.1 NOÇÕES PRELIMINARES. 14

2.2 CLASSIFICAÇÃO.. 17

2.2.1 Controle Externo. 17

2.2.2 Controle Interno. 18

2.2.2.1 controle totalitário. 18

2.2.2.2 controle majoritário. 19

2.2.2.3 controle minoritário. 22

2.2.2.4 controle gerencial. 24

2.3 DEFINIÇÃO LEGAL E REGULAMENTAR DO CONTROLADOR.. 25

2.4 FUNÇÃO SOCIAL DO PODER DE CONTROLE.. 30

2.5 ABUSO DO PODER DE CONTROLE.. 32

2.6 ACIONISTAS MINORITÁRIOS. 34

3 A DISPERSÃO ACIONÁRIA NO BRASIL E OS DESAFIOS REGULATÓRIOS. 36

3.1 O NOVO MERCADO DA BM&FBOVESPA E A DISPERSÃO ACIONÁRIA.. 36

3.1.1 Desenvolvimento do Mercado De Capitais. 36

3.1.2 Poder de Controle Pulverizado. 39

3.1.3 Cláusulas Estatutárias Limitativas da Aquisição de Controle. 40

3.2 DESAFIOS REGULATÓRIOS. 43

3.2.1 Quanto à Participação dos Acionistas. 43

3.2.2 Quanto à Estabilidade do Controle. 47

4  PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO ATUAL.. 51

4.1 QUANTO À PARTICIPAÇÃO DOS ACIONISTAS. 51

4.1.1 Assembleias Gerais Virtuais. 51

4.1.2 Redução do Quórum Qualificado de Deliberação. 58

4.1.3 Redução dos Percentuais para Direitos dos Minoritários. 63

4.2 QUANTO À ESTABILIDADE DO CONTROLE.. 69

4.2.1 Poison Pill x OPA por Atingimento de Participação Acionária Relevante. 70

5 CONCLUSÕES. 75

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 84


 

1 INTRODUÇÃO

A primeira década deste século se caracterizou (até a crise econômico-financeira simbolizada pela quebra do Lehman Brothers em 2008[1]) por um ambiente econômico mundial pujante, que permitiu o aporte de considerável volume de recursos financeiros na atividade produtiva.

Nesse contexto, especialmente em função de seu potencial de crescimento, o Brasil recebeu elevado fluxo de investimento, de grande relevância para o desenvolvimento pátrio. A perfeita simbiose entre o cenário nacional, marcado pela estabilidade econômica e pelo equilíbrio das contas públicas, e as alterações da legislação e da autorregulação do início da década passada[2], possibilitaram uma vertiginosa evolução do mercado de capitais brasileiro entre 2004 e o primeiro semestre de 2008 e, após um período de recuperação dos efeitos da crise, novamente a partir de 2009[3].

Em 2011, com o recrudescimento da crise na Zona do Euro, mormente com a desconfiança em relação às dívidas soberanas[4], houve considerável redução no ritmo de novas ofertas de ações no mercado bursátil brasileiro[5], contudo pode ser comemorado o recorde histórico tanto no volume financeiro total (o segmento Bovespa alcançou a cifra de R$ 1,61 trilhão – média diária de 6,49 bilhões, superando a marca de R$ 1,60 trilhão em 2010) quanto no número de negócios (total de 141.229.649, média diária de 567.187, em comparação com o total de 106.418.437 de 2010)[6].

De qualquer forma, protagonista no processo que estimulou o direcionamento de valores para as companhias (e que pode auxiliar na superação da desconfiança oriunda da crise), em razão de haver conferido a segurança necessária para os investidores, o Novo Mercado da BM&FBovespa[7], por meio do Regulamento de Listagem, consubstanciado na adoção de melhores práticas de governança corporativa[8], permitiu uma surpreendente ampliação do mercado de valores mobiliários negociados em Bolsa no país[9].

Atualmente, a única Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros do Brasil integra a elite bursátil mundial, classificando-se como a terceira maior em valor de mercado do mundo (US$ 13,2 bilhões), inferior somente à bolsa de Hong Kong (HKEx – Hong Kong Exchange and Clearing – US$ 18,7 bilhões) e à de Chicago (CME Group – Chicago Mercantile Exchange – US$ 16,3 bilhões)[10].

Esse dinamismo econômico-financeiro brasileiro, contudo, trouxe a lume novos problemas para os quais a regulação existente tem se mostrado inadequada à boa gestão empresarial que permita manter a confiança dos investidores. Um desses temas que desafia os operadores do Direito, ainda reduzido em termos quantitativos, mas de importância estratégica no Novo Mercado, diz respeito ao exercício do poder de controle das sociedades anônimas de capital pulverizado.

Com efeito, a evolução do mercado de capitais brasileiro despertou o interesse de novos investidores, tanto institucionais quanto individuais. No âmbito institucional, este fenômeno deflagrou um processo concorrencial entre as gestoras de recursos de terceiros, consubstanciado em um crescente ativismo societário (atuação coordenada dos minoritários).

Os fundos de investimento, com o desiderato de maximizar os rendimentos de seus clientes, passaram a exigir das companhias mais transparência e eficiência, na linha das práticas constantes na cartilha da governança corporativa. Esse crescimento dos investidores institucionais, auxiliado pela dispersão oriunda da presença dos individuais, provocou importantes transformações na realidade societária, por força das peculiaridades do Novo Mercado da Bolsa de Valores.

A esse respeito, faz-se mister salientar que as companhias de capital pulverizado podem ser conceituadas como aquelas em que nenhum acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de voto possui ações representativas de mais da metade do capital com direito a voto[11]. Ressalte-se, ademais, que o regulamento do Novo Mercado da Bolsa de Valores não permite a emissão de ações destituídas do direito de voto.

Dessarte, às escâncaras, percebe-se que essa nova configuração societária possui distinções fundamentais em relação àquele cenário do início da década passada, que ensejou uma legislação voltada para a criação de mecanismos de limitação e de fiscalização próprios para evitar a extração de benefícios privados por parte do acionista controlador majoritário.

Isso porque as possibilidades de abuso de poder e de desvio de finalidade foram deslocadas para as mãos de novos atores. Deveras, o controle das companhias de capital disperso, na prática, vem sendo exercido por acionistas detentores de expressiva participação no capital votante, embora minoritária[12].

Essa nova arquitetura traz à baila deficiências oriundas de atitudes naturais ao sistema que desequilibram as relações de poder na sociedade, tal como a tendência ao absenteísmo, nas assembleias gerais, de acionistas minoritários detentores de quantidade menos expressiva de ações, seja pela impossibilidade fática, em virtude de sua forma de atuação, no caso de investidores institucionais, seja em função da falta de estímulo decorrente da baixa representatividade na participação acionária, mormente em se tratando de pessoas físicas.

A sociedade anônima conduzida dessa maneira acaba por permitir o exercício do poder de controle minoritário sem qualquer tipo de limitação bem como carente de uma fiscalização efetiva. Não seria despiciendo sublinhar, neste sentido, que a dispersão do capital votante dificulta o alcance dos quóruns exigidos para o exercício de direitos dos minoritários.

De outro lado, em companhias com elevado grau de dispersão acionária, torna-se patente o risco do surgimento do poder de controle gerencial. Com efeito, fundamentando-se no art. 126, § 2º, da Lei de S/A e na Instrução CVM nº 481, de 17 de dezembro de 2009, os administradores da companhia podem, por intermédio de procurações (proxies) atendendo às suas recomendações de voto, adquirir o exercício do poder de fato. A ausência de uma fiscalização mais efetiva por parte de um controlador majoritário e a dificuldade de destituição dos conselheiros de administração pode ensejar os “conflitos de agência” (divergência de interesses entre os administradores e os acionistas), uma vez que a sua autonomia facilitará a persecução de interesses pessoais.

Desse modo, imprescindível a promoção de alterações regulatórias adequadas a essa nova conformação societária. Algumas propostas importantes já foram aventadas por Luís André N. de Moura Azevedo[13]. Defende, o autor, a aprovação de mecanismos que facilitem a ampliação de matérias a serem decididas pela assembleia geral (art. 136 da Lei de S/A), ao tempo em que estimulem a participação dos minoritários com o escopo de fiscalizar os acionistas que exercem o poder de controle minoritário e os administradores.

A rigor, a Comissão de Valores Mobiliários começou a adotar algumas medidas com vistas a reduzir os efeitos maléficos decorrentes do descompasso entre a legislação e as peculiaridades das companhias de capital pulverizado, como, à guisa de ilustração, podem ser citados o Parecer de Orientação CVM nº 36/2009 e a edição da Instrução CVM nº 481/2009. No opinativo, a CVM dispôs que não aplicará sanções aos acionistas que votarem no sentido da supressão das cláusulas de poison pills (pílulas de veneno)[14], que impedem a junção de grupos minoritários com capital elevado, ainda que eles não realizem a oferta pública prevista no estatuto. A seu turno, a referida instrução, regulamentando os encaminhamentos de pedidos públicos de procuração (proxies), facilitou a participação dos minoritários nas assembleias gerais.

Outras medidas, contudo, fazem-se necessárias para garantir o desenvolvimento sadio do mercado de capitais brasileiro. Com efeito, Luís André N. de Moura Azevedo ainda vislumbra a necessidade de a CVM adotar normas administrativas definidoras dos quóruns diferenciados para a deliberação, em terceira convocação, das matérias que exigem maioria qualificada, de acordo com a faculdade prevista no § 2º, do art. 136, da Lei de S/A. Para tanto, fundamental levar em consideração tanto o nível de pulverização do capital quanto a participação reduzida nas três últimas assembleias.

Outrossim, interessante medida sugerida pelo autor consiste na ampliação da prerrogativa dessa agência reguladora, constante no art. 291 da Lei de S/A, no sentido de utilizar como critério para a redução do percentual exigido para o exercício de alguns direitos dos minoritários o grau de dispersão do capital. Em princípio, entrementes, esta providência requer alteração legislativa, que deve ser antecedida necessariamente pelo debate dos especialistas com vistas a atender as peculiaridades do mercado.

Por fim, Luís André N. de Moura Azevedo defende a previsão de mecanismos de desburocratização das assembleias gerais, com o escopo de facilitar a participação dos minoritários, evitando, desta forma, o abuso do controle gerencial. A partir do exame das propostas do referido autor bem como de outras que já vêm sendo discutidas pela doutrina especializada, sustentarei as providências regulatórios propícias ao desenvolvimento do Novo Mercado.

Diante do exposto, esta pesquisa monográfica almeja perscrutar a atual disciplina jurídica acerca do exercício do poder de controle nas companhias de capital disperso, no âmbito do Novo Mercado da BM&FBovespa, identificando eventuais claudicações e sugerindo alterações regulatórias que possuam o condão de auxiliar no desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Imbuído deste propósito, no segundo capítulo, como impõe o rigor científico, definirei os termos utilizados no discurso, conceituando e classificando o poder de controle das sociedades anônimas no direito brasileiro bem como examinando seus aspectos mais relevantes.

No terceiro capítulo, tratarei do processo de dispersão acionária no Brasil e dos novos desafios regulatórios, discorrendo sobre as providências que foram adotadas para aperfeiçoar o exercício do poder de controle nas companhias de capital disperso do Novo Mercado.

No quarto capítulo, examinarei as alterações regulatórias, propostas pela doutrina especializada, vocacionadas para o incremento do mercado bursátil brasileiro, ou seja, com base nos problemas levantados, sustentarei as mudanças necessárias para a evolução dos negócios celebrados no âmbito do Novo Mercado da BM&FBovespa. Nas conclusões, apresentarei em apertada síntese os resultados alcançados com a pesquisa.

Por derradeiro, digno de registro que utilizei predominantemente os métodos indutivo e dedutivo para obter resultados satisfatórios neste trabalho monográfico. Com efeito, empreguei o método indutivo, tendo em vista que analisei a configuração atual das companhias de capital pulverizado para elaborar uma proposta teórica. Outrossim, o método dedutivo foi útil para compreender, a partir dos estudos doutrinários, a realidade do Novo Mercado da BM&FBOVESPA.

O objeto cognoscível deste trabalho de conclusão de curso, como visto acima, se encontra na ordem do dia, sem que haja qualquer resposta pronta capaz de debelar a insegurança que ocasiona. Eis as razões pelas quais me lanço neste desafio de investigar pormenorizadamente a disciplina jurídica do exercício do poder de controle nas companhias de capital pulverizado, no âmbito do Novo Mercado da BM&FBOVESPA, e apresentar alterações regulatórias adequadas para a matéria.

As soluções doutrinárias serão fundamentais para contribuir com o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, possibilitando os investimentos imprescindíveis para o progresso econômico nacional. Ressalte-se que o vigor econômico do Brasil é indispensável para o atendimento dos direitos fundamentais de toda a população (mormente os de natureza prestacional limitados pela reserva do possível), com o fito de garantir a todos existência digna, valor pinacular do ordenamento jurídico pátrio.

2 O PODER DE CONTROLE NAS COMPANHIAS ABERTAS NO BRASIL

2.1 NOÇÕES PRELIMINARES

As relações de poder encontram habitat nas mais diversas modalidades de interações humanas: políticas, sociais, econômicas, laborais, familiares, religiosas, científicas, entre outras[15]. Diante dessa multiplicidade de manifestações de poder, os juristas têm almejado capturar essa realidade fática inexorável, manejando seu instrumental normativo, e, com isso, fixar balizas com o condão de impedir o seu exercício arbitrário.

Dessa forma, na dimensão política, a partir da Revolução da Independência Americana (1776) e da Revolução Francesa (1789), foram desenvolvidos, com supedâneo na teoria da separação de poderes do Barão de Montesquieu, um arquétipo de repartição predominante de competências entre diferentes órgãos estruturais (Poder Executivo – função administrativa; Poder Legislativo – função legislativa; Poder Judiciário – função jurisdicional) bem como um mecanismo de freios e contrapesos (checks and balances) para que haja um controle recíproco: foi o advento do Estado de Direito e a decrepitude das monarquias absolutistas, consubstanciadas na concentração de poderes e no arbítrio dos governantes[16].

Nas sociedades anônimas[17], criou-se artefato semelhante de divisão de atribuições, mormente em decorrência da teoria da empresa, que ressalta a organização da produção ou circulação de bens e serviços. Dessa concepção, deflui imediatamente a noção de separação de funções com o desiderato de a companhia melhor atingir sua finalidade.

Assim, a Lei nº 6.404/1976 previu para as companhias abertas a existência e a competência indelegável dos seguintes órgãos sociais, sem prejuízo da criação de outros facultativos: a assembleia geral; o conselho de administração; a diretoria; e o conselho fiscal.

Incumbe à assembleia geral a função de deliberar acerca das matérias mais relevantes para a companhia, descritas no art. 122, LSA, tais como reforma do estatuto, eleição e destituição dos administradores e aprovação das demonstrações financeiras.

A seu turno, o conselho de administração é o órgão colegiado de deliberação situado, na estrutura orgânica empresarial, entre a assembleia geral e a diretoria, com funções programáticas (definição da orientação geral dos negócios da companhia), de fiscalização (controle dos diretores e exame dos livros, papéis e contratos da sociedade) e administrativas (eleição e destituição dos diretores), todas conforme comando do art. 142, LSA. Pelo arcabouço normativo do Novo Mercado (Item 4.3), o conselho de administração deve possuir no mínimo 5 membros, eleitos pela assembleia geral, dos quais 20% devem ser conselheiros independentes.

Ademais, o presidente do conselho de administração não poderá acumular o cargo de diretor presidente ou principal executivo da companhia (Item 4.4), a não ser em caráter transitório nos casos delimitados no Regulamento. No Novo Mercado, acrescente-se ainda que os membros do conselho de administração terão mandato de dois, sendo permitida a reeleição (Item 4.6). Essas regras visam exatamente à desconcentração de poderes.  

A diretoria diz respeito ao corpo executivo da companhia, com a tarefa de dirigir a atividade empresarial, coordenando os empregados, organizando as finanças, definindo estratégias de mercado, entre outras, de acordo com art. 144, LSA, ou seja, os diretores são os representantes da companhia; o diretor presidente ou presidente da companhia no jargão do mercado é denominado de CEO (Chief Executive Officer).

Por fim, o conselho fiscal possui a função de auxiliar a assembleia geral no mister de fiscalizar os administradores no controle da regularidade contábil bem como em qualquer ato da gestão, opinando e denunciando irregularidades[18]. No âmbito do Novo Mercado, os conselheiros fiscais devem aderir ao Regulamento de Arbitragem para resolver dessa forma todas as controvérsias surgidas nas relações societárias.   

Indubitavelmente, entre os órgãos sociais descritos acima há uma relação hierárquica. No ápice dessa estrutura se encontra a assembleia geral com poderes de eleição e destituição dos administradores e fiscais da companhia, sendo juridicamente o poder supremo da companhia. Sem embargo, inegavelmente, há um poder que se situa acima da assembleia geral: trata-se da figura do controlador.

Com efeito, a assembleia geral de acionistas em nada se assemelha à ágora na Grécia Antiga em que os cidadãos se reuniam há milhares de anos para deliberar democraticamente os assuntos da pólis. Ao revés, na assembleia geral, os interesses do acionista controlador, observada a legislação de regência, podem ser impostos aos minoritários e é normal que isso ocorra, mormente em virtude da, normalmente, maior exposição ao risco bem como pelos deveres que lhe são atribuídos. Mesmo quando o controle é titularizado por um grupo de pessoas, há uma reunião prévia em que são decididos os votos a serem proferidos na assembleia, conforme analisaremos mais a frente.

No bojo das transformações econômicas oriundas do processo de globalização, principalmente no que tange à competitividade mundial, e com vistas a obter maior confiança dos investidores, todavia, o controlador tem se despido parcialmente de parcela do seu poder a fim de angariar aporte de recursos, no mercado de capitais, imprescindível para os investimentos na companhia.

Nesse particular, adota boas práticas de governança corporativa aptas a propiciar o financiamento da empresa a baixo custo, estratégia, aliás, própria de todas as participantes do Novo Mercado[19]. De toda sorte, a despeito desse movimento de novo balanceamento de forças entre o risco assumido e poder de controle, percebe-se que o controlador permanece com a voz ativa no comando da companhia e possui o mais relevante feixe de competências (com poderes e deveres correlatos).  

Nesse contexto, constata-se que o poder de controle nas sociedades anônimas se revela ao mesmo tempo fenômeno fático e jurídico, na medida em que se caracteriza pela especial prerrogativa, possuída pelo titular de um poder superior, de impor sua vontade ao detentor de um poder de menor estatura.

Extrai-se dessa noção tanto a natureza jurídica consubstanciada na hierarquização de funções, quanto o viés fático retratado na relação de mando entre dois ou mais sujeitos. Dessarte, adotando o rico significado atribuído pela língua inglesa ao vocábulo “controle” de origem francesa, trabalharei neste texto com a noção de poder de dominação no sentido de comando das ações de outrem e de possibilidade de fiscalização[20].

Nessa linha de raciocínio, identificam-se diferentes modalidades de controle nas companhias. Inicialmente, percebe-se clara distinção entre controle externo e interno. Analisemos suas especificidades.

2.2 CLASSIFICAÇÃO

2.2.1 Controle Externo

O controle externo alude à relação estabelecida entre a sociedade empresária e pessoas (internas ou alheias ao corpo social) que, por condições peculiares, tornam-se controladores daquela. Essa forma de influência dominante é exercida por meios diversos do sufrágio. Os exemplos característicos remetem a fatores de ordem contratual relativos à exclusividade, endividamento ou intervenção do Estado no domínio econômico.

À guisa de ilustração, podemos citar a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio de sua subsidiária BNDESPAR, que tem ensejado o controle externo sobre diversas companhias[21]. Malgrado a relevância dessa temática, o controle externo desborda dos limites deste trabalho, tendo em vista que optei por perscrutar objeto de estudo contido no controle interno das sociedades anônimas.

2.2.2 Controle Interno

A seu turno, o controle interno se refere ao poder de comando exercido por alguém que atua dentro da companhia por meio das votações, principalmente valendo-se da propriedade acionária, e é subdividido em: 1) totalitário; 2) majoritário; 3) minoritário; e 4) gerencial[22]. Vejamos cada uma dessas modalidades.

2.2.2.1 controle totalitário

O controle classificado como totalitário encontra habitat nas sociedades unipessoais e nas familiares, marcadas pelo comando conjunto. Nessas companhias todos os acionistas participam do controle da empresa.

Essa espécie de controle não é muito comum e foge ao campo de pesquisa deste estudo, mesmo porque trataremos de sociedades anônimas com ações em circulação (free float), o que inviabiliza a sociedade unipessoal e também a sociedade familiar com controle totalitário, tendo em vista que não são consideradas em circulação as ações de propriedade do acionista controlador bem como dos diretores, conselheiros de administração e as em tesouraria (art. 4º-A, § 2º, LSA). Ressalte-se ainda que o Novo Mercado (segmento especial de que trata este trabalho) exige para os seus participantes o percentual mínimo de 25% do capital social da companhia de ações em circulação.

2.2.2.2 controle majoritário

De outra banda, o controle majoritário ocorre quando um acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de voto possui a maioria das ações com direito a voto. Designa-se por absoluto o controle majoritário em que as ações que não integram o bloco de controle não integram capital votante suficiente para interferir no comando da companhia. De outro lado, caso os minoritários alcancem os percentuais exigidos pela Lei nº 6.404/1976 para restringir o poder de controle, haverá o controle majoritário simples. Trata-se da minoria qualificada.

A rigor, a minoria qualificada poderá exercer suas prerrogativas legais também nos controles minoritário e gerencial (examinados abaixo), contudo concederei maior ênfase a elas nesse momento da explanação, em virtude de o legislador ter instituído os referidos direitos principalmente como forma de limitação do controle majoritário.

Dessarte, são exemplos de restrições ao bloco de controle a possibilidade outorgada aos detentores de 5% do capital social de: propositura da ação de responsabilidade civil contra os administradores, caso a assembleia delibere não promover a demanda (art. 159, § 4º, Lei das S.A.); convocação da assembleia geral, na hipótese de os administradores deixarem de atender, no prazo de oito dias, pedido fundamentado de convocação com a indicação das matérias a serem tratadas (art. 123, parágrafo único, c, LSA); requerer a exibição dos livros da companhia se for apontada violação da lei ou do estatuto ou haja fundada suspeita de irregularidades graves na companhia (art. 105 LSA); receber informações do conselho fiscal em se tratando das matérias de sua alçada (art. 163, § 6º, LSA); mover a ação de dissolução da sociedade quando esta não puder alcançar seu escopo (art. 206, II, b, LSA); obter do administrador na assembleia geral ordinária informações relativas aos valores mobiliários de emissão da companhia ou de sociedades controladas, ou pertencentes ao mesmo grupo, que tiver adquirido ou alienado no exercício anterior, às opções de compra de ações do exercício anterior, aos benefícios que recebeu da companhia e de sociedades coligadas, controladas ou do mesmo grupo, às condições de trabalho referentes aos diretores e altos executivos bem como a quaisquer fatos relevantes na sociedade (art. 157, § 1º, a a e, LSA); propositura da ação de reparação de danos pelos prejuízos que a sociedade controladora causar quando agir com abuso de poder (art. 246, § 1º, a, LSA – esse direito é extensível a qualquer acionista, desde que caucione as custas e os honorários advocatícios devidos no caso de improcedência – 246, § 1º, b, LSA).

Os acionistas que possuírem 15% das ações votantes e os que possuírem ações sem direito a voto ou com voto restrito representativas de 10% do capital social terão direito a eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação separada na assembleia geral, ressaltando-se ainda que, caso não sejam atingidos os quoruns previstos acima, os acionistas com e sem direito a voto ou com voto restrito poderão se juntar e exercer o direito de eleger um membro e seu suplente do conselho de administração, se alcançarem o quorum de 10% do capital social (art. 141, § 4º, I e II, e § 5º, LSA)[23].

Outrossim, os acionistas titulares de 10% das ações votantes poderão: exigir da assembleia geral a instalação do conselho fiscal nas companhias em que seu funcionamento não ocorrer de maneira permanente (art. 161, § 2º, LSA – esse direito potestativo se estende também aos detentores de 5% das ações sem direito a voto)[24]; requerer a adoção do procedimento de voto múltiplo para a eleição dos membros do conselho de administração (art. 141, LSA)[25]; eleger, em votação separada, um membro e respectivo suplente do conselho fiscal (art. 161, § 4º, a, LSA – idêntica prerrogativa se aplica aos titulares de ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito)[26].

Ademais, qualquer acionista poderá convocar a assembleia geral no caso de atraso, por prazo superior a 60 dias, da convocação por parte dos administradores (art. 123, parágrafo único, b, LSA). Do mesmo modo, poderão convocar a assembleia geral os acionistas com 5% do capital votante ou 5% dos acionistas sem direito a voto, no caso de os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, o pedido para convocação de assembleia com o desiderato de promover a instalação do conselho fiscal (art. 123, parágrafo único, d, LSA); os acionistas com esses mesmos percentuais poderão ainda requerer o funcionamento do Conselho Fiscal de companhia filiada a grupo de sociedades (art. 277, LSA).  

Acrescente-se ainda que o acionista detentor de ações, com ou sem direito a voto, representativas de 0,5% do capital social poderá requerer relação de endereços dos acionistas para envio de pedido de procuração – proxies (art. 126, § 3º, LSA). Não seria despiciendo observar que nas sociedades de economia mista, a minoria possui o direito de eleger pelo menos um dos membros do conselho de administração, sem prejuízo da quantidade de cadeiras que lhe caiba pelo processo do voto múltiplo (art. 239, LSA).

Por derradeiro, faz-se mister salientar que os detentores de 10% das ações em circulação poderão solicitar assembleia especial dos acionistas titulares de ações em circulação no mercado, com o desiderato de deliberar acerca de nova avaliação da companhia para os fins da oferta pública de aquisição da totalidade das ações em circulação no mercado, por parte da própria companhia, do acionista controlador ou da sociedade que a controle (art. 4º-A, LSA)[27].

2.2.2.3 controle minoritário

Como visto alhures, a terceira modalidade de poder de controle quanto à concentração da propriedade acionária é denominada de controle minoritário (working control na doutrina norte-americana). Caracteriza-se concomitantemente pela ausência de um acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de voto que detenha mais de 50% do capital votante e pela existência de um pequeno grupo organizado que assume de fato o poder de decidir os destinos da sociedade anônima.

Neste caso, salta aos olhos a distinção dos interesses dos acionistas, que são doutrinariamente classificados em empreendedores (desejam participar da gestão da companhia) e investidores (visam tão somente os rendimentos do negócio), estes subdivididos em rendeiros (com atenção voltada para os dividendos – investidores de médio prazo) e especuladores (preocupados com a cotação das ações – investidores de curto prazo)[28].

Naturalmente, o poder de controle minoritário exsurge em um ambiente com relativa dispersão acionária, de forma que nenhum grupo de acionistas possui mais da metade do capital votante da sociedade, fenômeno recente no cenário nacional como analisaremos adiante, mas ao mesmo tempo em que há um grupo com quantidade expressiva do capital votante.

Neste momento, basta assinalar que há previsão implícita na Lei das Sociedades Anônimas para o controle minoritário. Isso porque o regramento concernente ao quórum e à maioria exigida na assembleia geral deixa clara a possibilidade de um acionista titular de menos da metade do capital votante tomar as decisões mais relevantes para a companhia, ressalvando-se as exceções contidas no art. 136[29].

Com efeito, o art. 125 da Lei nº 6.404/1976 estabelece como regra geral a possibilidade de instalação da assembleia geral em primeira convocação com a presença de 25% do capital votante. Na segunda convocação, entrementes, a instalação ocorre com qualquer número.

Tratando-se de assembleia geral extraordinária com objetivo de reforma do estatuto, exige-se para a instalação em primeira convocação a presença de acionistas com 66,67% do capital votante; não obstante, na segunda convocação também será instalada com qualquer número, conforme dicção do art. 135 da LSA.

Desse modo, os controladores minoritários conduzirão os destinos da companhia de forma muito semelhante à praticada pelos majoritários. Contudo, a lei estabelece uma restrição importante, conforme mencionamos acima. O art. 136 da LSA prevê o quórum qualificado de 50% das ações com direito a voto para algumas matérias, tais como: redução do dividendo obrigatório; fusão ou incorporação; participação em grupo de sociedades; mudança do objeto da companhia; cessação do estado de liquidação; cisão e dissolução da companhia.

Todavia, antevendo o processo de pulverização acionária, o legislador dispôs no § 2º desse mesmo dispositivo que a Comissão de Valores Mobiliários poderá reduzir referido quórum quando se tratar de companhia com ações dispersas no mercado, sendo exigido que as últimas três assembleias tenham se realizado com a presença de acionistas titulares de menos de 50% do capital votante e que a deliberação apenas ocorra em terceira convocação.   

2.2.2.4 controle gerencial

A quarta modalidade de controle interno é identificada como gerencial ou administrativa (management control). Nesse modelo, percebe-se, às escâncaras, a separação entre a propriedade acionária e o controle da companhia. Ele ocorre quando há intensa dispersão acionária e é caracterizado pela assunção do comando de fato da sociedade por parte dos administradores, mormente por meio de procurações de acionistas, na forma do art. 126, § 2º, da LSA e da Instrução nº 481/2009 da CVM.

 O controle gerencial surgiu como uma tentativa de frear o abuso do poder de controle, acreditando-se que a atribuição de amplos poderes aos administradores atenderia com maior eficiência aos interesses de todos os stakeholders (conceito amplo a abranger todos os fornecedores de recursos e não somente os sócios), mormente em decorrência de sua neutralidade. Tratar-se-ia do desenvolvimento inicial da governança corporativa. Não obstante, alguns escândalos protagonizados pelos administradores de grandes companhias no Mundo, nas últimas décadas e mesmo recentemente, têm posto em xeque a completa isenção dos executivos[30].

2.3 DEFINIÇÃO LEGAL E REGULAMENTAR DO CONTROLADOR

Como forma de conferir maior segurança às relações societárias, o legislador optou por definir a figura do acionista controlador. Dessa forma, o art. 116 da Lei nº 6.404/1976 conceituou o controlador como a pessoa, natural ou jurídica, ou conjunto de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou que esteja sob controle comum, que detenha direitos de acionista suficientes para lhe assegurar, de modo permanente, maioria nas deliberações da assembleia geral bem como a possibilidade de eleição da maior parte dos administradores, e que utilize efetivamente esse poder para a direção das atividades sociais e orientação do funcionamento dos órgãos da companhia.

Essa definição é complementada pela previsão constante no art. 243, § 2º, do mesmo diploma legal, no sentido de que é controlada a sociedade quando a controladora, de forma direta ou por intermédio de outras controladas, possua direitos de sócio garantidores, de forma permanente, da preponderância nas deliberações sociais e do poder de eleger a maioria dos administradores.

Analisando-se esses dois dispositivos, percebe-se que não houve previsão do controle gerencial. Entrementes, ao que parece, o legislador se referiu a essa modalidade de controle interno ao tratar da competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de definição da abrangência das consolidações financeiras no art. 249, parágrafo único, alínea a, tendo em vista haver mencionado uma dependência administrativa, ainda que versasse sobre as relações entre duas sociedades empresárias[31].

Um dos elementos mais importantes do conceito visto acima concerne à permanência do poder de controle. Isso porque a dicção legal não exige para a configuração do poder de controle a titularidade de mais de 50% do capital votante, permitindo o surgimento do poder minoritário. Ao mesmo tempo, não se pode exigir lapso temporal extenso para a titularidade do poder de controle, haja vista que o acionista pode desejar mantê-lo por curto período.

Nesse sentido, o Regulamento do Novo Mercado trouxe à baila elementos mais precisos ao conceituar o poder de controle dispondo que ele diz respeito ao poder efetivamente utilizado de comando da companhia, seja de forma direta ou indireta, de fato ou de direito, sendo irrelevante o grau de propriedade acionária.

Outrossim, estatuiu uma presunção relativa da ocorrência de poder de controle com relação aos acionistas que tenham logrado obter a maioria absoluta dos votos nas três últimas assembleias gerais, ainda que não possuam a maioria absoluta das ações com direito a voto[32]. Esta presunção foi inaugurada na Resolução CMN (Conselho Monetário Nacional) nº 401/1976 (revogada pela Resolução CMN nº 2.927/2002) e elegeu um importante parâmetro para identificar o controle minoritário.

O Estatuto Social de algumas companhias do Novo Mercado caminhou no mesmo sentido. Deveras, o art. 54, § 1º, do Estatuto da Eternit S.A. estabelece a mesma presunção relativa supracitada com relação às três últimas assembleias gerais. Ademais, o parágrafo único do art. 59 deste Estatuto previu o controle difuso, definindo-o como aquele exercido por acionista detentor de menos de 50% do capital social bem como o que seja exercido por acionistas com mais de 50% do capital social, mas que individualmente nenhum deles possua mais de 50% do capital social e não haja acordo de votos, não estejam sob controle comum e não atuem representando interesse comum[33].

A seu turno, o art. 10, § 1º, do Estatuto Social da Gafisa S.A. definiu poder de controle de forma idêntica ao Regulamento do Novo Mercado, ou seja, com a mesma presunção relativa da maioria absoluta dos votos nas três últimas assembleias gerais. De outro lado, fez referência à situação caracterizada como poder difuso pelo Estatuto da Eternit S.A., porém mencionado-o como hipótese de inexistência de acionista controlador (art. 55)[34].

Na mesma linha, o Estatuto da Lojas Renner, malgrado não estabeleça a referida presunção, define o poder de controle ressaltando os seus elementos fáticos, como poder efetivamente utilizado para orientar os órgãos da companhia e dirigir as atividades sociais, de forma direta ou indireta, de fato ou de direito. Observe-se ainda que, em seu art. 40, § 1º, definiu o poder de controle difuso como sendo o exercido por acionista detentor de menos de 50% do capital social da companhia[35].

De outra banda, faz-se mister salientar que o acionista detentor da maioria nas deliberações da assembleia normalmente consegue eleger a maioria dos administradores. Não obstante, pode ter havido um acordo em que essa prerrogativa tenha sido outorgada a um minoritário ou mesmo cláusulas estatutárias que outorguem vantagens políticas aos titulares de ações preferenciais. Eis a razão que justifica a cautela do legislador ao acrescer como requisito no conceito de controlador o poder de eleger a maioria dos administradores ao lado da titularidade de direitos de sócio que garantam a maioria nas decisões assembleares.

Não seria despiciendo observar ainda que a alínea b do art. 116 impõe como requisito para o conceito de acionista controlador o uso efetivo do poder para a direção das atividades sociais e orientação do funcionamento dos órgãos da companhia. Assim, mesmo o acionista majoritário, a despeito de possuir todas as condições para definir os rumos da companhia, acaso seja omisso nas deliberações, não será considerado controlador. Isso porque a legislação de regência realçou exatamente os aspectos fáticos do controle.

Outra questão relevante nessa temática diz respeito à possibilidade de inexistência de concentração de poder, em qualquer de suas modalidades (totalitário, majoritário, minoritário e gerencial)[36]. Com efeito, em algumas situações não se identifica o controlador de determinada companhia por diferentes razões.

A esse respeito, impende observar que a hipótese de ausência de controlador é expressamente prevista pela Lei nº 6.404/76, no art. 122, parágrafo único, e concerne ao pedido, em caso de urgência, de autofalência ou de recuperação judicial (a rigor, o artigo faz referência à concordata, mas a finalidade da norma permite sua inteira aplicação à recuperação judicial[37]) apresentado pelo administrador antes da deliberação pela assembleia geral, ressaltando-se, contudo, que essa será imediatamente convocada para se manifestar sobre a matéria.

Vale ressaltar que neste caso a dicção do referido dispositivo legal exige que o pedido apresentado pelo administrador conte com a concordância do acionista controlador, se houver, ou seja, o comando normativo deixa clara a existência de companhias sem acionista controlador.

Um caso típico de ausência de controlador ocorre quando dois grupos possuem metade das ações da companhia. Essa situação é comum nas companhias subsidiárias de duas outras sociedades bem como nas sociedades de família. Ocorre, então, o impasse do poder de voto e nenhum dos dois grupos titulariza o poder de conduzir os negócios da companhia[38].

Nesse raciocínio, cumpre observar que caso dois grupos detenham quantidade expressiva do capital votante e um terceiro grupo consiga o desempate nas deliberações, a aferição da presença de poder de controle bem como de sua titularidade, irá depender da análise apurada de cada caso concreto, não sendo possível apresentar uma solução apriorística.

Outra hipótese em que a companhia permanece temporariamente destituída de um comando diz respeito à transição de uma para outra modalidade de poder. Um exemplo ocorre com a pulverização de ações de um grupo de controle minoritário; até que se revele com nitidez o grupo que vai assumir a direção da sociedade (se outro minoritário ou se os administradores), a companhia navega sem um capitão determinado.

Ainda com relação ao conceito de acionista controlador, importante sublinhar que o multicitado art. 116 também alude à titularidade do controle exercida por grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto ou sob controle comum. O acordo de controle encontra guarida no art. 118 da Lei nº 6.404/1976 e consiste em uma comunhão para decidir os rumos da companhia.

Para viabilizar a definição da direção dos votos a serem proferidos nas assembleias bem como das opiniões a serem manifestadas pelos representantes do bloco de controle nas matérias extraordinárias ou relevantes nas reuniões do Conselho de Administração ou da Diretoria, amiúde, é criado um órgão deliberativo interno representante da comunhão, normalmente intitulado reunião prévia, em que os acionistas integrantes do bloco de controle decidem por maioria absoluta a orientação a ser seguida. Havendo na convenção a previsão da reunião prévia, que pode ser representada por um síndico (art. 118, § 7º, LSA), o acordo de controle recebe a denominação de acordo de controle com voto em bloco (pooling agreement)[39].

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A seu turno, a titularidade do controle exercida por grupos de pessoas que estejam sob controle comum aponta para a ocorrência de controle direto, tendo em vista que o indireto foi previsto pelo art. 243, § 2º, da Lei nº 6.404/1976, e pertence à sociedade controladora situada no mais alto escalão dentro da estrutura do grupo empresarial. O texto do art. 116, desta forma, complementa o do art. 243, estendendo o conceito de controlador ao grupo sob controle comum que não seja controlado por uma sociedade[40].

2.4 FUNÇÃO SOCIAL DO PODER DE CONTROLE

No tópico anterior, busquei estabelecer o conceito de acionista controlador e pudemos perceber a amplitude dos seus poderes, exercendo uma verdadeira soberania na companhia. Não obstante, é cediço que hoje não mais se admite o exercício dos direitos em total descompasso com as demandas sociais. Nesse sentido, pode-se falar na função social do poder de controle, que a rigor, trata-se de um poder-dever, uma vez que os grandes poderes do controlador emergem impregnados de idêntica responsabilidade perante toda a comunidade, senão vejamos.

A Constituição Federal de 1988, com o seu modelo econômico de bem-estar[41], previu como um dos princípios da ordem econômica a função social da propriedade (art. 170, III, CF). Nesse sentido, integrou na essência do direito de propriedade a obrigação de atendimento da função social, mencionando-a ainda tratando da propriedade individual (art. 5º, XXIII), da propriedade urbana (art. 182, § 2º, CF) e da propriedade rural (arts. 184/186, CF). Mas o legado deixado pela Assembleia Nacional Constituinte foi além e traçou parâmetros objetivos para a função social da propriedade rural, o que traz luzes para o intérprete no preenchimento do conteúdo desse conceito jurídico indeterminado com relação às demais relações de propriedade.

Com efeito, na propriedade rural o constituinte impôs o dever de o proprietário realizar um aproveitamento racional e adequado, ressaltando o aspecto da inserção da atividade na economia produtiva nacional (importância econômica), de forma a propiciar o abastecimento alimentar da população (interesse social).

A Carta Magna estabeleceu, do mesmo modo, a obrigação de utilização adequada dos recursos naturais e de preservação do meio ambiente, de modo a garantir a sadia qualidade de vida da população. Também salientou o respeito à legislação trabalhista e determinou uma exploração que possibilite o bem-estar dos proprietários e trabalhadores.

Com isso, percebe-se que o constituinte não se satisfez com o mero cumprimento das leis que disciplinam a relação laboral. Afinado com os influxos oriundos da axiologia constante nos fundamentos da República Federativa do Brasil, relacionados no art. 1º, o constituinte originário enfatizou os valores sociais do trabalho e estabeleceu limites claros à exploração da mais valia, equilibrando o embate capital-trabalho.

Trilhando esse mesmo caminho, a seu turno, a Lei nº 6.404/1976 se referiu explicitamente à função social ao tratar da responsabilidade do controlador de conduzir a companhia de forma a atender aos diversos interesses e valores que gravitam em torno dela, tais como os deveres perante os demais acionistas, os empregados e a comunidade.

A partir dos textos constitucional e legal (levando-se em consideração também a consagração da teoria institucionalista da companhia no ordenamento jurídico pátrio), podemos inferir que esses interesses dizem respeito, por exemplo, à finalidade lucrativa dos acionistas e da própria sociedade empresária, à relevância para a economia nacional da integração da companhia na cadeia produtiva de bens e serviços (relacionando-se com outros fornecedores), ao atendimento das necessidades dos consumidores, à promoção dos direitos sociais dos trabalhadores e prestadores de serviço da companhia, ao papel desempenhado no mercado concorrencial, à contribuição com as necessidades financeiras estatais por meio da tributação e à preservação do meio ambiente equilibrado[42].

2.5 ABUSO DO PODER DE CONTROLE

Reforçando o dever do controlador de seguir um modelo ético-jurídico de comportamento, a Lei das Sociedades Anônimas, em seu art. 117, estabeleceu a sua responsabilidade pelos atos praticados com abuso de poder e trouxe à baila, no § 1º desse dispositivo legal, um rol exemplificativo de condutas violadoras dos misteres próprios do titular do poder de controle, a saber: orientar a companhia para finalidade estranha ao objeto social ou ao interesse nacional; promover liquidação de companhia próspera bem como fusão, cisão, transformação ou incorporação para receber vantagem indevida; praticar atos em descompasso com o interesse da companhia, prejudicando acionistas minoritários, trabalhadores e demais investidores; eleger administradores ou fiscais inaptos, moral ou tecnicamente; induzir ou tentar induzir administrador ou fiscal a praticar ato ilegal bem como ratificar referido ato por ocasião da assembleia geral; contratar com a companhia, diretamente ou por terceira pessoa, física ou jurídica, em condições vantajosas não extensíveis a outros; aprovar contas irregulares, por favoritismos, ou deixar de apurar denúncias fundadas; e subscrever ações com bens estranhos ao objeto social da companhia.

Outrossim, a Comissão de Valores Mobiliários, por meio da Resolução nº 323/2000, definiu outras condutas caracterizadoras do abuso do poder de controle: denegação do direito de voto; reestruturação societária no interesse exclusivo do controlador; alienação ou gravame de bens e alienação de atividades lucrativas no interesse preponderante do controlador; obtenção de recursos por endividamento com empréstimo posterior para outra sociedade desvinculada da companhia, ou que seja coligada ao acionista controlador ou por ele controlada, em condições desfavoráveis; celebração de contratos de prestação de serviços com sociedades coligadas ao controlador ou por ele controladas, em condições desvantajosas; utilização gratuita, ou em condições privilegiadas, pelo controlador ou por pessoa por ele autorizada, de recursos, serviços ou bens da companhia ou de sociedades por ela controladas; utilização de sociedades coligadas ao controlador ou por ele controladas como intermediárias na compra e venda de produtos e serviços junto aos fornecedores e clientes da companhia, em condições desfavoráveis; a promoção de diluição injustificada dos acionistas não controladores; a alteração do estatuto da companhia para inclusão do valor econômico como critério de determinação do valor do reembolso das ações dos dissidentes, de forma a causar prejuízo àqueles que exercerem direito de retirada nos doze meses seguintes por força de nova decisão assemblear do controlador; obstaculizar a assembleia geral convocada por iniciativa do conselho fiscal ou dos acionistas não controladores; a promoção de grupamento de ações que resulte em eliminação de acionistas; a instituição de plano de opção de compra de ações, para administradores ou empregados da companhia, em detrimento da sociedade e dos acionistas minoritários; compra ou venda de valores mobiliários de emissão da companhia, beneficiando um único acionista ou grupo de acionistas; compra ou venda de valores mobiliários pelo acionista controlador ou por pessoas a ele ligadas visando o cancelamento do registro de companhia aberta; aprovação pelo controlador da constituição de reserva de lucros sem o atendimento dos pressupostos da sua constituição bem como a retenção de lucros sem um orçamento capaz de justificá-la.

Ressalte-se que esse rol é exemplificativo e no caso concreto poderão ser identificadas outras condutas abusivas. A rigor, qualquer desvio de finalidade na condução da companhia capaz de violar o atendimento de sua função social caracteriza o abuso. Ademais, não se exige prova do elemento subjetivo (dolo ou culpa) para a deflagração do dever de indenizar; basta a comprovação do dano[43].

Em síntese, para a identificação do abuso do poder de controle, faz-se mister a existência de três elementos: efetivo exercício do poder de controle; antijuridicidade da conduta; e o prejuízo decorrente[44]. Esse entendimento foi consagrado na decisão do Colegiado da CVM no PAS CVM 23/99, Rel. Diretor Joubert Rovai, j. em 26.10.2000[45].  

2.6 ACIONISTAS MINORITÁRIOS

Após a análise dos vários aspectos que circundam o conceito de acionista controlador e antes de prosseguir no estudo dos novos desafios impostos à regulação do poder de controle, imprescindível uma noção da definição de acionista minoritário. Nesse sentido, vale ressaltar que a Lei nº 6.404/1976 trata como minoritários todos os acionistas que não pertencem ao bloco de controle, possuam ou não direito a voto.

Não obstante, tecnicamente, a definição de acionista minoritário remete aos detentores de ação ordinária que não integram o bloco de controle[46], enquanto que o preferencialista titulariza ações destituídas do direito de participar das votações[47]. Ambas as categorias podem ser abrangidas pela noção genérica de não controladores. De toda sorte, como esta pesquisa examina o Novo Mercado da BM&FBovespa, essa questão se apresenta como de somenos importância, tendo em vista que todas as ações das companhias listadas nesse segmento outorgam ao titular o direito de voto, ou seja, todos aqueles que não integraram o bloco de controle são minoritários.

Visto esse panorama do poder de controle nas companhias abertas no Brasil, neste momento, passarei a tratar do processo de dispersão acionária ocorrido no Brasil nos últimos anos e, principalmente, dos novos desafios regulatórios decorrentes.

  

3 A DISPERSÃO ACIONÁRIA NO BRASIL E OS DESAFIOS REGULATÓRIOS

3.1 O NOVO MERCADO DA BM&FBOVESPA E A DISPERSÃO ACIONÁRIA

3.1.1 Desenvolvimento do Mercado de Capitais

A história da pulverização da titularidade das ações das companhias brasileiras está umbilicalmente ligada ao sucesso do Novo Mercado da BM&FBovespa. Com efeito, no início da década passada a economia mundial viveu um período de grande prosperidade e o Brasil recebeu expressivo fluxo de investimentos. Parcela desse aporte de capitais ocorreu na aquisição de ações das companhias listadas no Novo Mercado.

O Novo Mercado da BM&FBovespa foi lançado em 2000 e consiste no segmento especial de listagem, destinado para sociedades anônimas brasileiras de capital aberto, de adesão voluntária, caracterizado pela adoção das regras mais rigorosas de governança corporativa, outorgando maiores direitos aos investidores do que os constantes na legislação de regência, tais como: exclusividade de ações ordinárias[48] (3.1, vii, do Regulamento do Novo Mercado, versão válida a partir de 10/05/2011); tag along de 100%, isto é, na alienação de controle todos os acionistas possuem o direito de vender suas ações pelo mesmo valor obtido pelo controlador (8.1); conselho de administração composto por cinco membros, sendo 20% independente (4.3); manutenção de no mínimo 25% de ações em circulação – free float (2.1); divulgação de demonstrações financeiras mais completas bem como relatórios financeiros traduzidos para o inglês (Seção VI); divulgação mensal dos negócios com valores mobiliários por parte dos controladores (9.1); adoção da arbitragem para solução dos litígios (13.1); no caso de saída do Novo Mercado para negociação das ações em outro segmento de listagem, o controlador deverá realizar oferta pública de aquisição das demais ações, no mínimo, pelo valor econômico (11.2), entre outros. Para integrar esse grupo, a companhia deve celebrar contrato com os controladores, administradores e com a BM&FBovespa se comprometendo a cumprir as disposições do Regulamento do Novo Mercado. Ressalte-se, por fim, que o Regulamento do Novo Mercado estimula a dispersão acionária, prevendo, em qualquer oferta pública de distribuição de ações, a garantia de acesso a todos os investidores e a distribuição a pessoas físicas ou investidores não institucionais de, no mínimo 10% das ações (7.1).

A rigor, o sucesso do Novo Mercado e a pulverização da propriedade acionária ocorreram a partir de 2004 com a IPO (Initial public offer, ou seja, Oferta Pública Inicial) da Natura Cosméticos S/A[49]. Deveras, até 2004 o controle das companhias no Brasil era extremamente concentrado e o mercado acionário era incompatível com o porte da economia brasileira. Todavia, superando todas as expectativas, o mercado de capitais nacional deslanchou com um aumento expressivo no número de ofertas públicas de ações nos últimos anos[50], auxiliando a BM&FBovespa a se tornar atualmente a terceira maior bolsa em valor de mercado do mundo[51].

No dia 26 de maio de 2004, após um longo período de incorporação de práticas de governança corporativa iniciado na década de 90, a Natura Cosméticos S/A abriu seu capital por meio de uma IPO e de uma oferta secundária de ações (block trade) dos papéis de seus controladores (30% do bloco de controle foi alienado).

A oferta atraiu número expressivo de interessados, inclusive, pela primeira vez no Brasil, de pequenos investidores. A empreitada exitosa da Natura chamou a atenção dos controladores de inúmeras outras companhias para a possibilidade de obter liquidez e financiamento a custo baixo, desde que se comprometessem a adotar condutas de governança corporativa, respeitando os direitos dos minoritários[52].

Assim, seguindo o exemplo da Natura, diversas outras companhias decidiram ingressar no Novo Mercado. Com efeito, até a IPO da Natura, havia apenas duas companhias no Novo Mercado: CCR Rodovias (ingressou em novembro de 2001) e SABESP (listada em abril de 2002). No final de 2009, já havia 105 companhias nesse segmento de listagem[53]. Atualmente, 125 companhias estão listadas no Novo Mercado (representando 26,8% do total de 466 listadas na BM&FBovespa), 18 estão no Nível 2 (3,9%), 38 no nível 1 (8,2%) e 285 no Básico e BDRs[54] (61,2%). A esse respeito, faz-se mister salientar que as companhias do Novo Mercado responderam por 41,8% do volume financeiro de janeiro de 2012[55].

3.1.2 Poder de Controle Pulverizado 

A exclusividade de ações ordinárias no Novo Mercado, contudo, conferiu direito de voto a uma gama expressiva de acionistas, alterando profundamente o quadro do controle acionário brasileiro. No caso da Natura, a companhia apenas deixou de ser controlada por um grupo multi familiar.

Não obstante, em diversas outras companhias o controle passou ou para as mãos de acionistas minoritários ou para os administradores[56]. Modesto Carvalhosa noticia o surgimento da crise, a partir de 2006, da instituição do controle, em virtude da dispersão acionária, mormente no Novo Mercado da BM&FBovespa, tendo em vista que diversas companhias deixaram de ter um acionista controlador majoritário.

Nesse sentido, aponta que, em 2007, nas companhias do Novo Mercado, 47 possuíam controlador com a titularidade da maioria das ações, enquanto que 42 não detinham essa figura. No mês de outubro de 2010, havia 107 companhias listadas no Novo Mercado, das quais 41 não possuíam controlador majoritário[57]. Na prática, muitas companhias com controle minoritário, atualmente, ainda estão sob o comando do antigo controlador majoritário.

Um exemplo emblemático dos novos moldes de poder pôde ser visualizado no acordo de acionistas celebrado, em março de 2006, por fundos de pensão de estatais que possibilitou o exercício do poder de controle minoritário da Perdigão S.A.[58]. Ressalte-se que, posteriormente, em julho de 2006, em virtude da dispersão acionária, houve uma tentativa fracassada de aquisição (takeover) hostil do poder de controle da Perdigão S.A. pela Sadia S.A. Já em 2009 ocorreu a incorporação da Sadia pela Perdigão e a criação da Brasil Foods S.A.

 De outra banda, o primeiro caso de corporation no Brasil ocorreu, em 1º de julho de 2005, com a venda de 100% das ações da Lojas Renner, de forma pulverizada, pela antiga controladora, a norte-americana J.C. Penney. Como esta sociedade empresária desejava direcionar seus esforços no mercado dos Estados Unidos, decidiu sair do Brasil e de outros países da região e, aproveitando a euforia do mercado de capitais brasileiro, alienou 100% das ações de forma dispersa. O sucesso do negócio foi evidente com o valor de mercado saltando de R$ 900 milhões em 2005 antes da dispersão do capital para R$ 7,8 bilhões, em 2010[59]. Atualmente, o fundo Abeerden Asset Management PLC é o maior acionista com 14,54% das ações, seguido pelo BlackRock Inc. com 7,33%, pelo TRowe Price com 5,60% e pelo Schroder Investment Management Limited com 5,02%. Os demais acionistas possuem participação acionária inferior a 5% das ações ordinárias[60].

3.1.3 Cláusulas Estatutárias Limitativas da Aquisição de Controle

  

Entrementes, a peculiaridade da exclusividade de ações com direito a voto e o intuito dos controladores de manter o comando das companhias, a despeito da alienação de ações do bloco de controle, ensejou no mercado de capitais do Brasil o surgimento de cláusulas estatutárias limitativas da aquisição de controle, tais como: cláusulas com restrição do direito de voto a determinado percentual de capital; poison pills; e cláusulas pétreas.

No que tange à restrição de voto, a versão atual do Regulamento do Novo Mercado (em vigor desde 10/05/2011), por meio do item 3.1.1, estabeleceu a vedação das disposições estatutárias que limitem o número de votos em percentual inferior a 5% do capital social.

A disposição que limita a quantidade máxima de votos por acionista, independentemente da participação acionária, encontra amparo legal no art. 110, § 1º, da Lei nº 6.404/1976, malgrado restrinja a regra geral da proporcionalidade no Novo Mercado (one share one vote). Os objetivos precípuos da sua instituição são conferir estabilidade à administração, evitar ofertas hostis, manter a dispersão do capital e proteger os minoritários, reduzindo o poder dos grandes acionistas[61].

 Poucas companhias do Novo Mercado adotam referida limitação; alguns exemplos são a própria BM&FBovespa S.A. (7%)[62] e a Embraer S.A. (5%)[63]. Inclusive a administração da Gafisa propôs uma limitação de voto para algumas hipóteses de alterações estatutárias na assembleia geral extraordinária de 9.6.2011, porém a proposta foi rejeitada por maioria[64]. Os acionistas entenderam que havia um risco de concentração excessiva de poder nos diretores bem como que a proposta prejudicaria o direito de aumento da participação acionária com maior capacidade de influência nas decisões[65].

Com relação às poison pills, cumpre observar que elas são instituídas de modo a impor ao adquirente de determinado percentual de ações, a obrigação de realizar uma oferta pública para compra dos valores mobiliários dos demais acionistas, com pagamento de prêmio entre 20% e 50% do valor de mercado, ainda que não haja transferência de controle, ou seja, estabelecem uma hipótese de tag along estatutário (o tag along legal é previsto no art. 254-A da Lei nº 6.404/1976). Ademais, as poison pills são classificadas em tipo A e tipo B.

As designadas por tipo A disparam o gatilho da oferta pública assim que alguém adquire determinado percentual de ações, normalmente entre 10% e 35%, tornando-se obrigado a propor oferta para comprar a totalidade das ações em circulação, constituindo-se condição resolutiva. A seu turno, as poison pills tipo B aludem à situação em que um acionista, após adquirir predeterminado percentual de ações, variando na prática entre 5% e 30%, deseja efetuar nova compra. Neste caso, deverá observar um procedimento que culmina com a realização de um leilão[66].

Outrossim, diversas companhias passaram a prever em seus estatutos as denominadas cláusulas pétreas, que punem os acionistas que votarem no sentido de alterar ou excluir as poison pills, impondo como sanção o dever de realizar oferta pública para aquisição de todas as ações emitidas pela companhia.

Todavia, a Comissão de Valores Mobiliários, por intermédio do Parecer de Orientação nº 36/2009[67], declarou que não aplicará penalidades aos acionistas que votarem de modo a suprimir ou retirar as cláusulas de proteção à dispersão acionária, ainda que não realizem a OPA (oferta pública de aquisição de ações) e o item 3.1.2 da versão atual do Regulamento do Novo Mercado (ii) proibiu a instituição das cláusulas pétreas.

Essas cláusulas limitativas foram previstas sob a justificativa de impedir expressivas aquisições acionárias pela mesma pessoa, garantindo maior estabilidade à administração e evitando tomadas hostis de controle. Todavia, a instituição delas provocou muita celeuma e, em relação às poison pills, ainda hoje reina acesa divergência sobre o seu custo-benefício para os minoritários, haja vista que se, por um lado, a sua previsão pode conferir maior estabilidade para o exercício do poder de controle da companhia, por outro, dificulta operações societárias rentáveis para todos os acionistas[68].

  

3.2 DESAFIOS REGULATÓRIOS

Visto acima um breve resumo do processo de pulverização do capital nas companhias listadas no Novo Mercado, importante agora a análise das possíveis deficiências regulatórias decorrentes desse novo quadro acionário. Analisemos, pois, os principais desafios regulatórios existentes atualmente e algumas medidas que foram adotadas para possibilitar o incremento do mercado bursátil brasileiro, separando o estudo em dois grupos: quanto à participação dos acionistas e quanto à estabilidade do controle.

3.2.1 Quanto à Participação dos Acionistas

Um problema da configuração societária marcada pela pulverização do capital salta aos olhos: a ausência de mecanismos próprios de fiscalização para evitar a extração de benefícios particulares pelos controladores minoritários bem como pelos administradores. Deveras, a dispersão acionária muitas vezes representa um fator de desestímulo ao ativismo societário, tendo em vista que dificulta o alcance dos quóruns exigidos para o exercício dos direitos legais dos minoritários que não integram o bloco de controle, principalmente com relação às matérias mais relevantes, impedindo uma participação mais ativa.

Ademais, os custos envolvidos no constante acompanhamento da companhia muitas vezes não compensam os ganhos incertos daí advindos para investidores com reduzida participação acionária ou com um portfólio de investimentos muito diversificado. Acrescente-se ainda que a passividade da maioria dos acionistas se reflete no absenteísmo nas Assembleias Gerais.

A título de ilustração, impende ressaltar que a Lojas Renner encontrou dificuldade na realização da sua primeira assembleia geral após a pulverização do capital, em 2005, principalmente por possuir grande quantidade de pessoas físicas como acionistas. Apenas na segunda convocação, após considerável esforço dos administradores, foi obtido quórum de instalação de 27%[69] (os quóruns exigidos para instalação em primeira convocação são de 1/4, com base no art. 125 da Lei de S/A, e de 2/3, no caso de reforma do estatuto, de acordo com o mesmo diploma legal).

Passado algum tempo, a dificuldade permaneceu, e em março de 2009 a companhia não conseguiu novamente instalar sua assembleia geral em primeira convocação[70]. Para sanar o problema, os administradores da Lojas Renner foram os primeiros a lançar mão do pedido público de procuração, regulamentado pela Instrução CVM nº 481/2009, e obtiveram o quórum de 37,68%, em primeira convocação, na assembleia geral de 22 de abril de 2010[71]. No Brasil, indubitavelmente, ainda há uma cultura de absenteísmo. A despeito do crescente ativismo dos investidores institucionais, a titularidade de pequena participação acionária e a intensa pulverização do capital são fatores que desestimulam uma participação mais efetiva.

Na maior parte dos casos a pulverização do capital ensejou o surgimento do poder de controle minoritário exercido por acionista detentor de participação acionária expressiva (normalmente o antigo majoritário compõe com um investidor institucional o bloco de controle minoritário). Nessa modalidade, o efetivo acompanhamento pelos demais acionistas da atuação do controlador depende, na prática, da existência de um acionista, ou grupo de acionistas que atue conjuntamente, titular de quantidade considerável de ações.

Caso as demais ações estejam intensamente pulverizadas, a coordenação dos acionistas se torna mais difícil e o controlador minoritário, muito provavelmente, agirá livremente no comando da companhia, nomeando e destituindo os administradores bem como orientando o funcionamento dos órgãos sociais ao seu alvedrio.

O prosseguimento do processo de dispersão acionária e um cenário de baixa estabilidade do controle minoritário, ademais, poderão dar azo ao surgimento do poder de controle gerencial, alterando o tradicional conflito majoritário-minoritários para acionistas-administradores. Com base no art. 126, § 2º, da Lei de S/A e na Instrução CVM nº 481, de 17 de dezembro de 2009, os administradores da companhia podem, por intermédio de procurações (proxies), atendendo às suas recomendações de voto, adquirir o poder de fato, ensejando os conflitos de agência, tendo em vista a dificuldade de sua destituição.

Para possibilitar a participação do maior número de acionistas na assembleia geral, evitando a concentração excessiva de poderes nas mãos dos executivos e dos controladores minoritários, a Lei nº 12.431/2011 inseriu um parágrafo único no art. 121 da Lei de S.A. com uma previsão de extrema relevância. Com efeito, referido dispositivo legal assegurou o direito ao acionista de participar e votar a distância em assembleia geral, de acordo com a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários. Esta regulamentação, contudo, ainda não foi editada.

Do mesmo modo, a Comissão de Valores Mobiliários vem adotando providências no sentido de estimular a participação dos minoritários, facilitando o acesso à listagem dos acionistas (Parecer de Orientação nº 30/96[72]), regulamentando os pedidos públicos de procuração bem como permitindo a participação e o voto do acionista que comparecer à assembleia ainda que não tenha depositado previamente os documentos exigidos na convocação (Instrução CVM nº 481/2009[73]), autorizando as procurações eletrônicas e a transmissão ao vivo das assembleias pela internet[74] e outorgando um poder mais amplo de representação aos minoritários nas eleições do conselho de administração e do conselho fiscal[75].[76]

A esse respeito, faz-se mister salientar que a regulação das proxies (pedidos públicos de procuração) foi de fundamental importância para estimular a participação dos minoritários, mesmo que com reduzida participação acionária, por haver reduzido os custos de tempo e de dinheiro para participar das assembleias.

Outrossim, facilitou a obtenção de quórum para instalação de assembleias em primeira convocação, evitando gastos desnecessários para a companhia. Não seria despiciendo observar ainda que não será mais tão difícil atingir-se o quórum necessário (50%) para a deliberação das matérias mais relevantes constantes no art. 136 da Lei nº 6.404/1976.

Outra medida importante para o estímulo à participação dos minoritários diz respeito à introdução no Regulamento do Novo Mercado, no item 3.1.2 (i), da proibição de previsão de quórum qualificado não exigidos na lei ou na regulamentação aplicável para deliberação de matérias na assembleia geral. Com esta medida, os minoritários terão maiores condições de promover alterações nos destinos da companhia, reduzindo os riscos de uma manutenção inflexível e prejudicial do status quo.

De qualquer forma, tanto nas companhias com poder de controle minoritário quanto naquelas caracterizadas pelo controle gerencial, ainda há grande preocupação com relação aos abusos pelo desequilíbrio das relações de poder na sociedade, e outras medidas fazem-se necessárias. A inatividade dos acionistas que não possuem expressiva participação acionária, sem dúvidas, representa atitude natural ao sistema pelos custos envolvidos na fiscalização constante e pelo pensamento de que outros acionistas realizarão esse acompanhamento que beneficiará a todos, mesmo porque na hipótese de o acionista estar insatisfeito com a gestão, poderá simplesmente alienar suas ações. Assim, cada vez mais, devem ser pensadas soluções regulatórias com o condão de estimular a participação do maior número de acionistas.

3.2.2 Quanto à Estabilidade do Controle

O processo da dispersão acionária no Brasil trouxe à baila o debate acerca da necessidade de mecanismos capazes de conferir estabilidade à administração da companhia e evitar tomadas hostis de controle. Como vimos, algumas companhias têm se protegido por meio de cláusulas estatutárias limitativas, tais como a limitação de voto, as poison pills e as cláusulas pétreas.

Com relação à limitação de voto, já destaquei que na atual versão do Regulamento do Novo Mercado, foi proibida a previsão de cláusula estatutária que estabeleça limite ao direito de voto em percentual inferior a 5% (item 3.1.1). De fato, o instituto da limitação de voto pode ensejar algumas deficiências nas relações de poder na companhia e, eventualmente, não cumprir o seu desiderato. Isso porque possibilita uma grande concentração de poder nas mãos dos administradores e põe em risco a valorização da companhia por afastar ofertas de aquisição de controle benéficas aos acionistas.

Ademais, pode ser burlada com certa facilidade por meio da cessão das ações a outras pessoas. Acrescente-se ainda que não observa o princípio da igualdade e cria uma exceção perigosa ao princípio da proporcionalidade[77]. Não obstante, malgrado as objeções que podem ser opostas à limitação de voto, a restrição imposta pela nova versão do Regulamento do Novo Mercado impediu a utilização indiscriminada dessa cláusula e compatibilizou bem os interesses dos acionistas e dos administradores, garantindo a necessária autonomia para que na assembleia geral seja deliberado qual o melhor caminho para a companhia, evitando o excesso de regulamentação.

Outra questão que tem suscitado dúvidas na doutrina especializada diz respeito à incidência das poison pills. Ressalte-se que na audiência restrita para a última revisão do Regulamento do Novo Mercado uma das propostas tratava exatamente da proibição dessas pílulas de veneno. Com efeito, o projeto inicial estabelecia na Seção IX a obrigatoriedade de inclusão nos estatutos das companhias da previsão de OPA no caso de ser atingido o percentual de 30%.

De outra banda, no item 3.1.2, estabelecia a vedação de se prever outra forma de disparar o gatilho da oferta pública de aquisição de ações que não a contida na Seção IX. Havia ainda o item 15.5, dispensando as companhias que já possuíam cláusulas de poison pills de retirá-las bem como a definição da “OPA por Atingimento de Participação Relevante”[78].

No final do processo, todas essas propostas foram rejeitadas e a nova versão do Regulamento do Novo Mercado não previu qualquer tipo de restrição para a inclusão nos estatutos de oferta pública de aquisição de ações para o alcance de qualquer participação acionária relevante, inclusive com o pagamento de prêmio. Não obstante, a celeuma permanece e não faltam críticas doutrinárias às poison pills[79].

Uma objeção contundente diz respeito à antijuridicidade de referidas cláusulas em virtude de elas estabelecerem um nítido e injustificável regime discriminatório, consubstanciado no privilégio outorgado ao titular de participação significativa do capital social no momento da instituição da pílula. Isso porque somente ele poderá possuir participação acionária superior ao percentual estipulado para deflagrar o gatilho da oferta pública, e sem que precise realizá-la. Ressalte-se que, na prática, os percentuais previstos para ensejar a obrigação da oferta são inferiores aos titularizados pelo bloco de controle.

Ademais, no Memorando para Audiência Pública endereçado para o Colegiado da CVM, com data de 14.4.2008[80], os diretores daquela autarquia, Marcos Barbosa Pinto e Otávio Yazbek, realizaram uma análise muito interessante acerca dos custos inerentes às poison pills, a despeito de entenderem que um modelo equilibrado consistiria na autorização dessas cláusulas, porém com a possibilidade de alteração ou supressão, isto é, sem as cláusulas pétreas. Com efeito, os referidos diretores da CVM argumentaram que as poison pills, em determinadas situações, podem impedir a celebração de negócios vantajosos para todas as partes por causa do elevado prêmio de controle.

Acrescentaram ainda que a possibilidade de uma oferta hostil de controle é um fator fundamental para reduzir os custos de agência (despesas dos acionistas voltados à convergência dos interesses dos administradores com os seus) oriundos de uma administração ineficiente, tendo em vista que as companhias nessa situação se tornam vulneráveis a aquisições de controle por causa da redução do valor de mercado. Diante de todos esses fundamentos que, no mínimo, provocam insegurança jurídica, entendo que uma solução regulatória definitiva para as pílulas de veneno seria de grande relevância.  

Por derradeiro, a questão das cláusulas pétreas, a seu turno, já foi devidamente solucionada no âmbito do Novo Mercado da BM&FBovespa. Com efeito, além de a Comissão de Valores Mobiliários, por intermédio do Parecer nº 36/2009, haver declarado que não irá punir os acionistas que votarem favoravelmente à supressão ou alteração das pílulas de veneno, a nova versão do Regulamento do Novo Mercado estabeleceu, no item 3.1.2 (ii), a vedação de previsões estatutárias que impeçam o exercício de voto favorável ou que imponham ônus aos acionistas que votarem no sentido de suprimir ou alterar regras constantes no Estatuto Social.

   

4  PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO ATUAL

Após o estudo do conceito e das formas do poder de controle no Brasil bem como das alterações advindas do processo de dispersão acionária com a identificação das deficiências regulatórias, proponho-me neste capítulo a sugerir as alterações necessárias para auxiliar no desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Para tanto, analisarei criticamente algumas propostas sugeridas pela doutrina especializada.

Nesse sentido, da mesma forma como procedi no capítulo anterior, destacarei o exame das propostas em dois grupos: quanto à participação dos acionistas (assembleias gerais virtuais; redução do quórum de deliberação dos temas constantes no art. 136 da Lei nº 6.404/76; e redução da participação para o exercício de direitos dos minoritários, conforme art. 291 da Lei de S/A); e quanto à estabilidade do poder de controle (poison pills e OPA por participação acionária relevante).

4.1 QUANTO À PARTICIPAÇÃO DOS ACIONISTAS

No capítulo anterior, sustentei que um dos problemas crônicos provocados pelo quadro acionário pulverizado diz respeito à falta de mecanismos adequados para a fiscalização dos controladores minoritários e dos administradores, em decorrência da apatia dos acionistas minoritários. Nesse sentido, noticiei diversas providências já adotadas com o desiderato de sanar essa deficiência, porém essas medidas, a despeito de sua grande relevância, não foram capazes de estimular uma participação efetiva dos minoritários nas decisões sociais. Dessarte, analisemos novas propostas que podem incentivar o ativismo societário.

4.1.1 Assembleias Gerais Virtuais

Nos escaninhos da Comissão de Valores Mobiliários, aguarda regulamentação um dos dispositivos legais mais relevantes para reduzir sensivelmente o absenteísmo nas assembleias gerais (no segundo semestre de 2012 deve ser realizada uma audiência pública tratando do projeto), contribuindo substancialmente com a sua desburocratização (na linha de proposta a que me referi na introdução desta pesquisa e que foi apresentada por Luís André N. de Moura Azevedo[81], malgrado o autor não se refira diretamente à assembleia virtual).

Com efeito, o parágrafo único inserido no art. 121 da Lei de S.A., pela Lei nº 12.431/2011 (que entrou em vigor em 27.6.2011), eliminará um dos maiores vilões para a participação dos minoritários nas deliberações sociais: o dispêndio de tempo e de dinheiro decorrentes da necessidade de deslocamento para a cidade em que ocorrerá a reunião mais importante dos acionistas. Isso porque referido dispositivo instituiu o direito do acionista de participar e votar a distância em assembleia geral, em um modelo denominado de assembleia virtual.

A rigor, o formato dessa nova modalidade assemblear ainda será objeto de regulamentação por parte da CVM. Não obstante, pode-se adiantar que a dicção legal não se limitou em possibilitar o voto do acionista a distância, mas falou em participação, o que implica na ideia de interferir ativamente nos debates. De toda sorte, com vistas a aprofundar o estudo de algumas questões relativas ao tema, no dia 8/12/2011, a BM&FBovespa realizou o seminário “Participação e Votação a Distância em Assembleia Geral de acionistas”, tendo como expositores os sócios Marcos Pinto, da Gávea Investimentos, Nelson Eizirik, do Carvalhosa e Eizirik Advogados, e Paulo Aragão, do Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados[82]. Vejamos alguns pontos importantes analisados nesse evento, em entrevista concedida por Luciana Dias, diretora da CVM, à Revista Capital Aberto e em importante reportagem desta publicação[83].

A primeira questão que vem à mente nessa temática alude à possibilidade de ser realizada a assembleia virtual antes da regulamentação, mesmo porque não há óbice legal. Nesse sentido, Luciana Dias não vislumbra a falta de regulamentação como empecilho para o emprego da assembleia virtual.

A companhia que desejar testar o procedimento, contudo, deve submeter a proposta à aprovação da Superintendência de Relações com Empresas (SEP). Ressalte-se que nos Estados Unidos são os conselhos de administração os encarregados de decidir acerca das assembleias virtuais e na Europa exige-se a previsão estatutária. No Brasil, todavia, o legislador não impôs essas condições, podendo as companhias gozar de maior liberdade para definir a utilização da nova tecnologia.

Outra questão fundamental a ser definida concerne à natureza jurídica da participação e do voto a distância: se se trata de direito do acionista ou de mera ferramenta de voto à disposição da companhia. Não há consenso nesse ponto. Nelson Eizirik advoga a tese de que o voto remoto não é um direito do acionista e que o legislador apenas equiparou a presença virtual à física. De outro lado, o advogado Marcos Pinto firmou entendimento no sentido de que foi instituído um novo direito ao acionista.

A meu sentir, a razão se encontra com a segunda corrente, tendo em vista que o teor da regra dispõe que “o acionista poderá participar e votar a distância em assembleia geral”. Ademais, a norma poderá atingir a finalidade de estimular a participação dos acionistas e até mesmo o desenvolvimento do mercado de capitais, uma vez que reduzirá os custos de acompanhamento, principalmente dos investidores que residem fora do eixo Rio-São Paulo.

Outrossim, as companhias mais distantes dos grandes centros atrairão maior número de investidores pela facilidade de participação nas assembleias. Desta forma, até a regulamentação da CVM, a adoção da assembleia virtual é facultativa até mesmo pela insegurança decorrente da falta de parâmetros, todavia, após a normatização daquela autarquia, passa a ser dever das companhias e direito dos acionistas a utilização dessa modalidade.

Acrescente-se a esse respeito que a mera disponibilização de uma plataforma para conferência de quórum e envio de voto não cumprirá integralmente o mandamento legal. A regra valeu-se dos vocábulos “participar” e “votar”, extinguindo qualquer dúvida que pudesse haver. A rigor, nem precisaria o legislador ser tão explícito, uma vez que o direito de voto abrange um complexo de atos próprios à formação da convicção e exercício do sufrágio, atribuindo prerrogativas classificadas em três tipos: 1) direito de estar presente à assembleia, caracterizado pela entrada no recinto e pela validação da presença na formação do quórum; 2) direito de participar da assembleia (deliberar) com a possibilidade de uso da palavra, registro de manifestações, perguntas, debates, apresentação de questões de ordem, pedidos de informação à mesa ou diretoria, sustentação de posições (influenciando os votos dos demais acionistas), mobilização de acionistas para alteração da pauta, entre outros; 3) direito de votar propriamente dito, que se refere à possibilidade de o acionista ter sua manifestação de vontade contabilizada no escrutínio destinado à composição das decisões coletivas na companhia[84].

Assim, imprescindível o emprego de uma plataforma que permita a intervenção dos acionistas durante a assembleia, não sendo suficiente o modelo empregado nos Estados Unidos, que apenas transmite as reuniões pela internet e permite votos por procuração eletrônica. Nesse sentido, Paulo Aragão sugere um formato semelhante ao utilizado na Índia, com os centros de participação remota. A companhia, desse modo, escolheria os centros que transmitiriam ao vivo as assembleias por meio de uma estrutura capaz de organizar as intervenções dos acionistas durante o evento.

A utilização desses centros de participação remota, contudo, enseja outra discussão quanto à obrigatoriedade ou não de que a assembleia seja realizada no edifício sede da companhia, conforme previsão do art. 124, § 2º, da Lei nº 6.404/1976. Esse mesmo dispositivo autoriza em situações excepcionais a realização em outro recinto desde que na localidade da sede. Todavia, indubitavelmente, a adoção dos centros de transmissão remota não infringe esse regramento quando é utilizado o modelo híbrido, com a realização da assembleia presencial na sede da companhia e a transmissão, com possibilidade de participação, nos referidos centros.

As opiniões dos operadores do direito e do mercado, entretanto, divergem com relação ao modelo unicamente virtual. No mesmo sentido de Luciana Dias, diretora da CVM, entendo que o art. 124 não representa impedimento para a realização de assembleia exclusivamente virtual. Isso porque o § 2º do art. 124 da Lei de S.A. agora deve ser interpretado sistematicamente com o novo parágrafo único do art. 121 bem como com o parágrafo único do art. 127 (também inserido pela Lei nº 12.431/2011), ambos do mesmo diploma legal.

Este último dispositivo equipara a presença registrada à distância com a física, de acordo com a regulamentação da CVM. Diante desse quadro, importante delimitar o âmbito de incidência do § 2º, do art. 124, isto é, definir se ele se aplica a toda e qualquer assembleia ou apenas àquelas realizadas em um espaço físico.

A meu ver, o legislador, ao equiparar tanto a presença quanto o direito de voto virtuais e físicos, previu uma modalidade de assembleia que não sofre a restrição relativa à localidade. Na verdade, a assembleia que conta com a participação efetiva de pessoas situadas em localidades distintas não se realiza em um único lugar físico, mas em vários.

Seguindo esse raciocínio, não há dúvidas de que os recursos tecnológicos relativizaram a noção de espaço físico, podendo este ser substituído, no caso sob análise, por um espaço virtual, sem qualquer tipo de prejuízo e com inúmeros benefícios. Registre-se ainda que a assembleia exclusivamente virtual ainda apresenta uma vantagem com relação à mista, que diz respeito à igualdade de condições entre todos os acionistas.

O modelo de assembleias exclusivamente virtuais não seria novidade no mundo, tendo em vista que a interpretação do ordenamento jurídico de alguns países tem autorizado a sua utilização, como, por exemplo, Itália (art. 2.370, 4, do Codice Civile[85]) e Portugal (art. 377º, 6, b, do Código das Sociedades Comerciais[86]). Ademais, com o intuito de superar os óbices legais existentes na legislação de alguns países, a Diretiva 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da União Européia[87] estabeleceu diretrizes a serem seguidas pelos Estados-membros com relação à utilização de meios eletrônicos, tais como permitir a intervenção nas assembleias a partir de um local distante (art. 8º, 1, b) e possibilitar o voto sem a necessidade de nomeação de um procurador que esteja fisicamente presente na assembleia (art. 8º, 1, c) [88].

Acrescente-se ainda que nos Estados Unidos, dos 34 estados que possuem regulação acerca de assembleias eletrônicas, 21 permitem assembleias exclusivamente virtuais, inclusive Delaware, sede de grande parte das companhias do país[89].

Como já adverti no capítulo anterior, não seria despiciendo observar que, a despeito da sua relevância, a regulamentação dos pedidos públicos de procuração (Instrução 481/2009) não atende satisfatoriamente ao direito de o acionista participar ativamente das deliberações. Inclusive as proxies também não resolveram o problema da apatia dos acionistas.

Do mesmo modo, as procurações eletrônicas autorizadas em decisão do Colegiado da CVM em 2008[90] não lograram sanar a baixa participação nas assembleias. Atualmente, somente 14 companhias disponibilizam esse serviço, 12 utilizando o Assembleias Online (MZ Consult) e 2 com o Assembleia na Web (Firb)[91].

Desta forma, a utilização das assembleias virtuais constitui a proposta mais relevante para estimular efetivamente a participação do maior número de acionistas e extinguir o absenteísmo nas assembleias gerais, uma vez que acabará com os custos de tempo e de dinheiro relacionados com o deslocamento para comparecimento na sede da companhia.

Ressalte-se que o êxito das assembleias virtuais poderá debelar o problema da falta de mecanismos adequados para a fiscalização dos controladores minoritários e dos administradores, tendo em vista que todos os acionistas terão condições de acompanhar melhor a gestão da companhia e os quóruns para exercício de direitos dos minoritários serão alcançados com maior facilidade.

A regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários, portanto, deve extrair a maior amplitude possível do comando do parágrafo único do art. 121 da Lei de S.A. de modo a assegurar o direito dos acionistas de participar e votar a distância, ficando a critério da companhia optar pelo modelo de assembleia parcialmente virtual (formato híbrido com manutenção do espaço físico aliado aos centros de transmissão remota), ou de assembleia exclusivamente virtual.

Por fim, impende sublinhar que, para render homenagem fiel ao referido dispositivo legal, a normatização da CVM deve seguir o espírito do art. 8º, 2, da Diretiva 2007/36/CE[92], no sentido de apenas impor à utilização dos meios eletrônicos nas assembleias os requisitos e as condições indispensáveis à identificação dos acionistas e à segurança nas transmissões eletrônicas e desde que sejam proporcionais.

4.1.2 Redução do Quórum Qualificado de Deliberação

A segunda proposta que analisarei é defendida por Luís André N. de Moura Azevedo[93] e diz respeito à edição de norma da Comissão de Valores Mobiliários com o objetivo de reduzir o quórum para aprovação das matérias constantes no art. 136 da Lei de S.A. Deveras, o referido dispositivo legal exige a votação favorável de acionistas titulares de no mínimo 50% das ações da companhia aberta com direito a voto para os relevantes temas que relaciona (mudança do objeto, cisão, dissolução, fusão, incorporação, redução do dividendo obrigatório, participação em grupo de sociedades, cessação do estado de liquidação, entre outros).

Todavia, já prevendo as dificuldades de alcance do quórum qualificado nas companhias de capital pulverizado, o legislador, no § 2º desse mesmo artigo, outorgou à CVM competência de natureza discricionária para autorizar a redução do quórum previsto acima quando a companhia possuir capital disperso e nas três últimas assembleias houverem comparecido acionistas representando menos da metade das ações com direito a voto. Ademais, exige que a autorização da CVM conste nos editais de convocação bem como adverte que a redução do quórum apenas ocorre na terceira convocação.

Moura Azevedo, então, argumenta que essa competência da CVM foi utilizada poucas vezes e levando em consideração as peculiaridades dos casos concretos, não tendo sido definidos critérios objetivos para permitir a identificação das circunstâncias que criariam essa possibilidade para a companhia, ocasionando um cenário de insegurança jurídica. Dessarte, sustenta que a CVM deveria editar normatização estabelecendo previamente os parâmetros a serem seguidos na análise da redução do quórum, mormente o nível de pulverização e o absenteísmo nas assembleias gerais, e definindo o rito a ser seguido.

Corroborando seu raciocínio, demonstra que o Colegiado da CVM no Processo CVM nº 2006/3453, em 18.05.2006, determinou à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado (SDM) daquela autarquia a elaboração de estudos relativos à edição um ato de autorização genérica para as companhias enquadradas na situação descrita no § 2º do art. 136 da Lei de S.A.

Não obstante, a despeito das vantagens que podem ser trazidas pela implantação da proposta para o ativismo societário, entendo que há um risco inerente que impõe uma maior reflexão sobre o tema, principalmente nessa fase em que são aguardados os desdobramentos da autorização das assembleias virtuais.

Com efeito, uma permissão genérica para a redução do quórum em relação às matérias do art. 136 pode retirar das companhias a necessidade de envidar esforços para estimular a participação do maior número possível de acionistas nas assembleias. Isso porque o quórum qualificado seria atingido com maior facilidade, demandando, para matérias da mais alta relevância na vida da companhia, a aprovação de acionistas representativos de percentual menos expressivo do total.

Entendo que autorização para redução do quórum somente deve ser emitida após a demonstração de que a companhia não poupou esforços para estimular o comparecimento dos acionistas na assembleia e que a análise das medidas adotadas pela companhia nesse sentido apenas tem como ser realizada à luz do caso concreto. Mormente com a possibilidade atual de realização de assembleia virtual, não basta o mero preenchimento de formalidades legais para o preenchimento desse pressuposto.

Inclusive o baixo quórum das últimas assembleias pode ser resultado exatamente do comodismo da companhia em incentivar o comparecimento dos investidores. Importante destacar que a CVM construiu na sua jurisprudência balizadores para a outorga da autorização (nível de dispersão acionária, número de ações dos maiores acionistas, quórum das últimas assembleias, esforços realizados para estimular a participação, entre outros) e um dos mais relevantes alude exatamente às providências com o condão de ensejar um maior comparecimento por parte dos investidores.

A edição de ato com fórmula de autorização genérica, a rigor, também poderia ser considerada subversão da vontade do legislador, uma vez que alteraria a natureza da competência de natureza discricionária para vinculada. A todas as luzes, não é esse o propósito do dispositivo. A competência discricionária é deferida à Administração exatamente em virtude da impossibilidade de previamente se identificar a solução ótima a ser adotada.

Malgrado discricionariedade não implique, a meu ver, em liberdade do administrador, uma vez que se encontra sempre obrigado a optar pela melhor alternativa expressando na motivação os elementos fáticos e jurídicos que justificam a escolha, a sua existência é fundamental exatamente para que seja realizado o juízo de conveniência e oportunidade capaz de apontar, no caso concreto, a solução que melhor atenderá a finalidade legal.

Note-se que a CVM vem exercendo essa competência com muita prudência e critério. Além disso, apesar de haver entendido no julgado referido acima, em 18.05.2006, que deveriam ser elaborados estudos com vistas à edição de um ato de autorização genérica conferindo grau maior de autonomia para as companhias se utilizarem da prerrogativa constante no § 2º do art. 136 da Lei de S.A., o extenso lapso temporal transcorrido até os dias atuais (2012), sem qualquer notícia a respeito, parece denotar que houve mudança de entendimento do Colegiado daquela autarquia quanto à necessidade de normatização. Naturalmente, contudo, a falta de regulação, para não causar insegurança jurídica, deve ser compensada com grau razoável de uniformidade nos julgados da CVM, o que vem ocorrendo nos últimos anos.    

Outrossim, não se pode olvidar que o quórum de deliberação mais rigoroso do art. 136 não foi exigido sem razão. Trata-se das alterações mais relevantes na vida da companhia, que devem ser precedidas de razoável ponderação, atitude ínsita aos rituais mais solenes.

Assim, faz-se mister uma aprovação robusta por parte dos acionistas de forma a conferir legitimidade à decisão, reduzindo o risco de precipitações em um ambiente marcado pela volatilidade. Torna-se imprescindível, portanto, um exame criterioso com o objetivo de que a autorização apenas seja concedida nos casos em que se faz realmente necessária para não engessar a companhia no momento de tomar uma decisão importante na condução dos seus negócios.

Ressalte-se que a CVM vem adotando postura rigorosa para a emissão da autorização no que tange ao pressuposto dos esforços realizados com a finalidade de estimular a participação dos acionistas nos conclaves passados.

No Processo CVM RJ nº 2011/9443 (Relator Otávio Yazbek, Reg. nº 7836/11, Ata da Reunião do Colegiado nº 44, de 08.11.2011[94]), ainda que tratando de assembleia de preferencialistas (o fundamento é o mesmo com base nos §§ 2º e 3º do art. 136 da Lei de S.A.), o relator entendeu que a companhia não realizou os esforços adicionais para elevar o comparecimento dos investidores, ressaltando que este é um critério consolidado nos precedentes da CVM. Todavia, observando as especificidades do caso concreto, o relator considerou possível uma solução intermediária, aceita pelo Colegiado, no sentido de autorizar a redução do quórum para 25% das ações preferenciais.

 Interessante observar que o processo supracitado tratava de pedido da Mundial S.A. para realizar, com redução de quórum de deliberação, assembleia com o fito de converter a totalidade das ações preferenciais de sua emissão em ações ordinárias a fim de possibilitar seu ingresso no Novo Mercado.

Seguindo a decisão da CVM, a companhia, então, realizou no dia 19/01/2012 sua assembleia especial de preferencialistas e a proposta de conversão das ações preferenciais em ordinárias obteve aprovação de 30,12%[95]. Na mesma data, foi realizada a assembleia geral extraordinária e o ingresso no Novo Mercado foi aprovado pela unanimidade dos presentes (79,36% dos detentores das ações ordinárias emitidas pela companhia)[96].

Observe-se que também no Processo RJ 2010/17233 (Relator SEP/GEA-3, Reg. nº 7450/10, Ata da Reunião Extraordinária do Colegiado de 20.12.2010[97]), a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) entendeu que para a redução de quórum faltaram esforços para alcançar a maior presença possível de acionistas. O pedido de redução do quórum, neste caso, foi indeferido pelo Colegiado, em virtude da falta de preenchimento dos pressupostos.

Outrossim, no Processo RJ 2010/10723 (Relator Alexsandro Broedel Lopes, Reg. nº 7166/2010, Ata da Reunião do Colegiado nº 34, de 31.08.2010[98]), o relator indeferiu o pleito de redução do quórum qualificado, sob o fundamento, entre outros, de que não foram demonstrados os esforços empreendidos para se alcançar o quórum mínimo. Do mesmo modo, no Processo RJ 2008/9337 (Relator Sérgio Weguelin, Reg. nº 6235/08, Ata da Reunião do Colegiado nº 42, de 04.11.2008[99]), o relator, malgrado tenha deferido parcialmente o pedido, entendeu que a companhia deixou de adotar alguns procedimentos capazes de estimular a participação dos acionistas.

Na análise desses julgados, percebe-se, que há considerável recorrência quanto à falta de medidas para se alcançar uma maior participação dos acionistas, e este requisito, a meu ver, apenas pode ser verificado com base nos elementos do caso concreto.

Ademais, com a autorização da realização de assembleia virtual, os esforços adicionais exigidos para incentivar a participação dos acionistas serão ainda mais rigorosos, não sendo mais suficientes a utilização dos pedidos públicos de procuração, a elaboração de manuais bilíngües, ou mesmo as publicações de edital com maior antecedência. Principalmente após a regulamentação pela CVM, não se justificará a redução do quórum de deliberação sem que se tente aumentar a presença dos acionistas por meio da realização da assembleia virtual.

Desse modo, entendo que a edição de norma da CVM fixando os parâmetros de uma autorização genérica de redução do quórum com relação às matérias constantes no art. 136 da Lei de S.A. não é medida adequada para possibilitar uma melhor fiscalização do controle minoritário ou gerencial, tendo em vista que pode ensejar o desinteresse das companhias em estimular uma maior participação dos acionistas. Essa providência permitiria o atingimento do quórum qualificado com menor representatividade da composição acionária e poderia comprometer a legitimidade de uma decisão de grande relevância para todos os acionistas.

Deveras, o exame dos procedimentos empreendidos a fim de se alcançar o quórum especial deve ser realizado de acordo com as peculiaridades do caso concreto, principalmente após a autorização legal para a realização das assembleias virtuais. A jurisprudência da CVM tem demonstrado a falta de empenho por parte das companhias em estimular o comparecimento do maior número possível de acionistas. Portanto, a meu sentir, o melhor caminho neste momento permanece sendo o exercício da competência discricionária da CVM de redução do quórum em cada caso, aplicando as balizas impostas pela lei bem como pelos precedentes da própria autarquia. Por derradeiro, sublinhe-se que para não dar azo à insegurança jurídica, o Colegiado da CVM deve manter razoável grau de uniformidade nas suas decisões, como, aliás, tem procedido nos últimos anos.    

4.1.3 Redução dos Percentuais para Direitos dos Minoritários

A terceira proposta relativa à participação dos acionistas que analisarei também foi apresentada por Moura Azevedo[100] e alude à redução da titularidade acionária para o exercício de direitos dos minoritários, por meio de uma alteração no art. 291 da Lei de S.A. Deveras, referido dispositivo legal autoriza a Comissão de Valores Mobiliários a reduzir, por meio de fixação de escala baseada no valor do capital social, os percentuais para o exercício de direitos de minoria constantes no art. 105 (exibição judicial dos livros e documentos – 5% do capital social), na alínea c do parágrafo único do art. 123 (convocação de assembleia geral extraordinária – 5% do capital social), no caput do art. 141 (requerimento de adoção do processo de voto múltiplo nas eleições dos conselheiros de administração – 10% do capital social com direito a voto[101]), no § 1º do art. 157 (requerimento ao administrador de informações sobre fatos relevantes da companhia bem como acerca de sua remuneração e de suas operações com ações – 5% do capital social), no § 4º do art. 159 (propositura da ação de responsabilidade civil contra o administrador – 5% do capital social), no § 2º do art. 161 (pedido de instalação do conselho fiscal – 10% das ações com direito a voto ou 5% das ações sem direito a voto[102]), no § 6º do art. 163 (requerimento de informações ao conselho fiscal – 5% do capital social), na alínea a do§ 1º do art. 246 (propositura da ação de responsabilidade civil contra a sociedade controladora – 5% do capital social) e no art. 277 (pedido de funcionamento do conselho fiscal de companhia filiada a grupo – 5% das ações ordinárias ou das ações preferenciais sem direito de voto), todos do Estatuto de S/A.

Moura Azevedo argumenta que a finalidade da Lei nº 6.404/1976 era possibilitar maiores condições para que os minoritários pudessem fiscalizar o poder de controle nas companhias de capital pulverizado. Todavia, imaginando, o legislador, que o fenômeno da dispersão acionária ocorreria nas companhias de maior porte, elegeu o parâmetro do capital social para a redução dos percentuais.

Não obstante, a realidade brasileira trilhou caminhos distintos e as companhias abertas nacionais de capital pulverizado ainda não são as de maior porte. Portanto, a autorização legal acaba não sendo direcionada para companhias em que os minoritários mais enfrentam dificuldades para exercício dos direitos.

Assim, o autor sustenta a inserção de outro critério, que possa ser utilizado isoladamente pela CVM para redução dos percentuais, fundado na própria pulverização do capital. Por fim, defende a inclusão no art. 291 de outros direitos dos minoritários previstos na Lei de S.A. que dependem do alcance de determinado percentual de participação acionária, citando como exemplos: art. 4º-A (requerimento de convocação de assembleia para nova avaliação no fechamento do capital – 10% das ações em circulação); art. 123, parágrafo único, d (convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal – 5% do capital votante ou 5% das ações sem direito a voto); art. 126, § 3º (requerimento de relação de endereços dos acionistas – 0,5% do capital social); art. 141, § 4º, I e II (eleição e destituição de um membro do conselho de administração e do seu suplente, com votação separada – 10% do capital social no caso de companhias do Novo Mercado[103]); art. 161, § 4º, a e b (eleição de um conselheiro fiscal e do seu suplente – qualquer quantidade de ações ordinárias no caso de haver em circulação ações ordinárias representativas de 10% do capital social[104]).

A proposta, sem sombra de dúvidas, é muito interessante, porém demanda aprofundamento. Na sua análise dois aspectos distintos se destacam: inserção no artigo 291 de um critério para redução dos percentuais relacionado com a dispersão acionária e desvinculado do tamanho da companhia, a ser utilizado de forma alternativa com o do capital social; e ampliação do rol dos direitos previstos no art. 291 para mais alguns cujo exercício depende do atingimento de determinado percentual.

No que tange à previsão de um critério alternativo ligado à pulverização do capital e desvinculado do porte da companhia, uma questão importante deve ser suscitada. A redução dos percentuais exigidos para os direitos de minoria em companhias de menor porte pode ensejar um cenário propício para uma conduta ainda pouco estudada no direito societário brasileiro: o abuso de minoria. Ressalte-se que a despeito de a doutrina nacional ainda não haver construído os alicerces de uma teoria do abuso de minoria, os problemas dessa natureza vêm aumentando no ritmo do desenvolvimento do nosso mercado de capitais.

O abuso de minoria ocorre quando um sócio minoritário age em descompasso com o interesse social (dos demais sócios), buscando satisfazer tão somente benefício próprio, e conspurca o dever de lealdade societária, por meio de atos emulativos prejudiciais aos interesses legítimos dos demais sócios ou da companhia[105].

Especificamente com relação às prerrogativas exercidas fora das assembleias gerais e outorgadas com base em percentuais da representatividade do capital, esse abuso pode ser exemplificado pela propositura infundada de medidas judiciais (ação de responsabilidade civil contra administrador – art. 159, § 4º, LSA; ação de reparação de danos em face do controlador – art. 246, § 1º, LSA; ação dissolução da companhia – art. 206, II, b, LSA), e convocação de assembleias gerais desnecessárias (para deliberar sobre matérias específicas – art. 123, parágrafo único, c, LSA; com o objetivo de instalação do conselho fiscal – art. 123, parágrafo único, d, LSA; e intentando revisão da oferta pública no caso de fechamento de capital – art. 4º-A, LSA).

Outrossim, nesse contexto não deve ser desprezada a atuação da figura conhecida como minoritário profissional, que busca causar embaraços ao regular desenvolvimento dos negócios da companhia, com o desiderato de alienar suas ações por preços superiores aos de mercado, recebendo o que se convencionou denominar “prêmio de sossego”[106]. Ainda que o minoritário que exorbite do seu poder possa ser responsabilizado com supedâneo no art. 115, § 3º, da Lei de S/A, não é fácil a comprovação de que a atuação foi abusiva e não genuíno direito de proteção em face do controlador.

O risco do abuso de minoria ou mesmo da atuação dos minoritários profissionais se eleva desproporcionalmente nas companhias de menor porte em virtude de o atingimento dos percentuais impostos para o exercício de alguns direitos requerer menor investimento. A desvinculação da redução dos percentuais em relação ao tamanho da companhia poderá desequilibrar a equação montada pelo legislador para impedir que um acionista com reduzido investimento e, portanto, menor compromisso com os destinos da companhia, tenha poder de prejudicar os negócios sociais.

Aliás, a meu sentir, esse foi o propósito do legislador ao inserir o dispositivo sob comento. Na Exposição de Motivos da Lei nº 6.404/1976, a fundamentação para as reduções dos percentuais não aponta no sentido de que o âmbito de incidência normativo seria restrito às companhias de grande porte por serem as que possuem o capital pulverizado. Na justificativa, o legislador apenas menciona direcionar a regra para as companhias de grande porte, de capital amplamente pulverizado, em que pese a dicção do artigo não haver se reportado à dispersão acionária.

Todavia, as razões legislativas para uma aplicação do dispositivo restrita às sociedades empresárias de grande porte não foram destituídas de sentido. Isso porque nas grandes companhias o atingimento dos percentuais necessários ao exercício dos direitos dos minoritários demanda um aporte de capital muito superior e a dificuldade, naturalmente, aumenta na medida em que o capital se dispersa.

A regra, desta forma, foi mesmo prevista para ser aplicada tão somente às grandes companhias, em função da dificuldade de um acionista alcançar os percentuais exigidos e, consequentemente, de fiscalizar os atos dos controladores. Além disso, não se pode esquecer que o art. 291 foi revisado na Lei nº 10.303/2001, que reformou a Lei de S/A, tendo sido mantido praticamente o mesmo texto. Desta forma, para evitar um desequilíbrio nas relações de poder dentro das companhias de menor porte, em virtude do risco do abuso de minoria e do ativismo dos minoritários profissionais, entendo que o capital social deve permanecer sendo o parâmetro utilizado na redução dos percentuais constantes no art. 291.

De outro lado, com relação à proposta de ampliação do rol do art. 291 da LSA para os direitos de minoria constantes nos arts. 4º-A (requerimento de convocação de assembleia para nova avaliação no fechamento do capital), 123, parágrafo único, d (convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal), 126, § 3º (requerimento de relação de endereços dos acionistas), 141, § 4º, I e II (eleição e destituição de um membro do conselho de administração e do seu suplente, com votação separada) e art. 161, § 4º, a e b (eleição de um conselheiro fiscal e do seu suplente), entendo que a medida seria salutar para elevar a capacidade de fiscalização da minoria nas grandes companhias de capital pulverizado.

Ademais, não me parecem haver razões fortes o suficientes para que esses direitos não estejam à disposição da avaliação discricionária da CVM, a fim de que esta autarquia estabeleça uma redução nos percentuais, facilitando o seu exercício nas companhias de grande porte. Conforme demonstrei alhures, o atingimento dos percentuais exigidos para o exercício dos direitos de minoritários nas grandes companhias é mais difícil em função da necessidade de grande aporte de capital. Portanto, com o intuito de melhor balancear as relações de poder nas companhias de capital disperso, deve haver a alteração do art. 291 da LSA, inserindo-se no seu texto as prerrogativas da minoria descritas acima, que poderão ter os seus percentuais reduzidos de acordo com a análise discricionária da CVM.

4.2 QUANTO À ESTABILIDADE DO CONTROLE

No capítulo anterior ressaltei que o processo da pulverização do capital nas companhias brasileiras provocou o surgimento de mecanismos estatutários para manter a estabilidade da administração e impedir tomadas hostis de controle. Naquela ocasião, tratei das limitações de voto, das cláusulas pétreas e das poison pills. Destaquei, então, que as medidas regulatórias adotadas com relação às duas primeiras cláusulas estatutárias limitativas da aquisição de controle foram satisfatórias, contudo que o debate relativo às poison pills não arrefeceu, gerando um cenário de insegurança jurídica.

Nesse contexto, relatei que na audiência restrita versando sobre a última revisão do Regulamento do Novo Mercado surgiu uma proposta com vistas a, na prática, substituir as polêmicas poison pills brasileiras[107] pelas cláusulas que deflagram a OPA por atingimento de participação acionária relevante (30%, no mínimo). Todavia, a ideia foi rejeitada e permaneceram sem regulamentação as cláusulas que impõem ao adquirente de determinado percentual de ações (geralmente entre 10% e 35%), a obrigação de realizar uma oferta pública para aquisição dos valores mobiliários dos demais acionistas, com pagamento de prêmio entre 20% e 50% do valor de mercado.

Entrementes, essa proposta rejeitada poderia trazer alguns benefícios importantes para o mercado de capitais nacional e, por isso, entendo que o debate em torno dela deve ser retomado. Aprofundemos a questão.

4.2.1 Poison Pill X OPA por Atingimento de Participação Acionária Relevante

A proposta que analisarei neste tópico, como já adiantei, foi apresentada na audiência restrita para última revisão do Regulamento do Novo Mercado da BM&FBovespa, em 2010. Deveras, o projeto inicial, de um lado, previa a inclusão obrigatória nos estatutos da “OPA por Atingimento de Participação Relevante”, ou seja, passaria a ser impositiva a oferta pública no caso de ser atingido o percentual de 30%, e, de outro lado, vedava a previsão estatutária de qualquer outra cláusula que instituísse OPA por aquisição de participação acionária relevante, isto é, proibia as pílulas de veneno[108].

No final do processo, contudo, todas essas propostas foram rejeitadas e o Regulamento do Novo Mercado permaneceu sem qualquer regramento relativo às poison pills. Não obstante, como relatei, há fundadas objeções às poison pills, tanto de ordem jurídica (discriminação entre acionistas) quanto econômica (impedem negócios vantajosos para todos e elevam os custos de agência) que dão azo a um cenário de incertezas prejudicial ao mercado de capitais brasileiro, demandando uma adequada solução regulatória. Por isso, retomaremos a análise daquela proposta.

A esse respeito, imprescindível observar que nos esclarecimentos que a BM&FBovespa prestou para justificar a proposta de substituição das poison pills pela OPA pelo alcance de percentual acionário relevante, foram relacionados alguns argumentos importantes[109]. Com efeito, a principal instituição brasileira de intermediação no mercado de capitais sustentou que a pílula venenosa institui uma obrigação sem justificativa econômica que impede uma maior participação dos acionistas nas decisões, ensejando ainda a perpetuação dos administradores.

Isso porque o prêmio imposto eleva consideravelmente o valor pago pelas ações, praticamente inviabilizando a mudança na forma de condução da companhia e no quadro acionário[110]. Ademais, observou que as referidas cláusulas violam a isonomia entre os acionistas.

De outra banda, a BM&FBovespa justificou a opção pela cláusula que estatui a OPA por atingimento de participação acionária relevante em virtude de ela não estabelecer um prêmio adicional ao valor das ações na oferta pública, uma vez que sua instituição é vocacionada para preencher uma lacuna existente na Lei de S.A. relativa à aquisição de participação acionária relevante em companhias de capital pulverizado (a OPA seria dispensada no caso de existir controlador majoritário, nos termos do item 9.2, i, da Minuta da Proposta do Regulamento do Novo Mercado).

Ressaltou, outrossim, que a regra proposta consta na Diretiva Européia, sendo adotada, inclusive, em diversos países da União Européia, e que, portanto, os investidores estrangeiros estão acostumados com aquela regulamentação. Por essas razões, a BM&FBovespa defende que adoção do modelo europeu contribuiria para o financiamento das companhias brasileiras a um custo mais baixo. Por fim, destaca que os acionistas teriam liquidez garantida por ocasião de uma alteração relevante na companhia.

A meu sentir, a proposta apresentada pela BM&FBovespa seria de importância singular para pôr uma pá de cal sobre as discussões relativas às impropriedades das poison pills. Isso porque a medida resolveria de forma equilibrada o problema da estabilidade da administração e das ofertas hostis de aquisição do controle.

Além disso, a regra concederia maior flexibilidade e autonomia para os acionistas decidirem no caso concreto se aquela oferta é vantajosa ou não, visto que o item 9.2.1 da Minuta do Regulamento previa que a assembleia geral poderia deliberar pela dispensa da realização da oferta pública, destacando que estariam impedidos de votar os adquirentes e alienantes da operação de aquisição da participação.

Desse modo, ao mesmo tempo em que haveria um regramento capaz de garantir a liquidez dos acionistas em uma operação de aquisição acionária relevante, os administradores se sentiriam pressionados a manter a eficiência da companhia, já que as ofertas hostis de controle se valeriam do preço de mercado (a rigor, o preço da ação seria o maior pago pelo adquirente nos 12 meses que antecederam o alcance da participação acionária relevante, ajustado por eventos societários, conforme o item 9.1.1 da Minuta do Regulamento), sem o acréscimo do prêmio, que hoje torna muito difícil o sucesso de uma oferta hostil, ainda que seja benéfica aos acionistas. A solução, indubitavelmente, seria adequada para resolver o problema das poison pills de, eventualmente, impedir negócios vantajosos para os acionistas e de reduzir os custos de agência.

O direito de os acionistas decidirem caso a caso, em assembleia geral, se a OPA seria ou não exigida em determinada oferta hostil também contribuiria para a evolução do nosso mercado de capitais. A importância do negócio para a vida da companhia aponta no sentido de se exigir a deliberação da assembleia geral, nos termos do art. 121 da Lei nº 6.404/1976. Não se pode subtrair dos acionistas o poder de definirem na instância soberana da companhia, com base nos elementos específicos da oferta, se ela deve se submeter ao regramento da oferta pública para aquisição de todas as ações.

Essa prerrogativa, ademais, segue a trilha das melhores práticas de governança corporativa, concedendo aos acionistas o poder de participar das decisões corporativas mais importantes, e evita o desvio de poder por parte dos executivos. A legitimidade da deliberação repousa no voto consciente dos titulares das ações, que, para tanto, devem se encontrar repletos de informações imparciais prestadas pelos administradores. Indubitavelmente, trata-se de mais um mecanismo propício de uma maior fiscalização nas companhias caracterizadas pelo controle pulverizado.

Com relação à igualdade entre os acionistas, outrossim, entendo que o mecanismo poria fim à antijuridicidade das pílulas de veneno, tendo em vista que o discrímen entre o acionista que detivesse 30% ou mais de participação acionária antes da inserção da obrigatoriedade de OPA e o que titularizasse percentual inferior passaria a ser razoável.

A despeito de o titular de participação igual ou superior a 30% não haver realizado a OPA para adquirir um percentual relevante, qualquer outro acionista poderia lograr ultrapassar referido percentual, uma vez que a oferta pública ocorreria pelo preço de mercado. O maior problema nesse aspecto das pílulas de veneno é que o prêmio adicional, por questões econômicas, esvazia o conteúdo do direito de aquisição de considerável percentual de ações, ou seja, o controlador à época da inserção da poison pill se perpetuará no poder de controle devido ao preço proibitivo das ações com o acréscimo do prêmio.

Dessarte, a substituição das poison pills pela OPA por atingimento de participação acionária relevante, da forma proposta pela BM&FBovespa, representa medida da mais alta relevância para o regular desenvolvimento do mercado de capitais nacional. Assim, sua discussão deve ser retomada na próxima audiência pública tratando do Regulamento do Novo Mercado.

Nesse momento, contudo, para sanar os aspectos antijurídicos das pílulas de veneno, entendo que a Comissão de Valores Mobiliários deveria avançar mais na sua posição de proibir as cláusulas pétreas e declarar: a ilegalidade da previsão do prêmio nas poison pills, de forma a retirar o sobrepreço que inviabiliza a importante possibilidade de ofertas hostis de controle; o direito dos acionistas de, em assembleia geral, deliberarem pela dispensa da OPA por atingimento de participação acionária relevante no caso concreto.      

5 CONCLUSÕES

Ao cabo desta pesquisa acerca dos novos desafios regulatórios relativos ao exercício do poder de controle nas companhias de capital pulverizado do Novo Mercado da BM&FBovespa extraio as seguintes conclusões:

(Capítulo 1: Introdução)

  1.  A primeira década deste século foi marcada por grande prosperidade econômica mundial e o Brasil recebeu expressivo aporte de recursos direcionado para o seu mercado de capitais, mormente pelo advento do Novo Mercado da BM&FBovespa, todavia esse desenvolvimento trouxe consigo importantes transformações na configuração acionária das companhias, ensejando novos desafios regulatórios referentes ao exercício do poder de controle nas companhias de capital pulverizado, já que surgiram nesse contexto o controle minoritário e o controle gerencial sem que a regulação existente apresente mecanismos de limitação dessas novas formas de poder, principalmente em função da falta de participação dos acionistas minoritários;

(Capítulo 2: O Poder de Controle nas Companhias Abertas no Brasil)

  1.  Traçando um panorama do poder de controle nas companhias abertas no Brasil, observei inicialmente que ele diz respeito a um fenômeno tanto fático quanto jurídico, que pode ser classificado em externo (quando exercido por meios diversos do sufrágio) e interno (nos casos em que seu titular atua por intermédio das votações), bem como que este se subdivide em totalitário, majoritário, minoritário e gerencial;
  2.  Ressaltei, outrossim, que o art. 116 da Lei nº 6.404/1976 define a figura do controlador como sendo a pessoa, natural ou jurídica, ou conjunto de pessoas vinculadas por acordo de voto, que possua direitos de acionistas capazes de garantir permanentemente maioria nas deliberações da assembleia geral e a possibilidade de eleição da maior parte dos administradores, utilizando efetivamente esse poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos sociais, bem como que o Regulamento do Novo Mercado definiu de forma mais precisa o poder de controle, tendo em vista que realçou o seu aspecto fático, destacando a irrelevância do grau de propriedade acionária e consagrando uma presunção relativa da ocorrência de poder de controle fundada na maioria absoluta das três últimas assembleias gerais;  
  3.  De outra banda, sustentei que, em decorrência da função social do poder de controle, o controlador deve conduzir a companhia de modo a atender aos diversos interesses e valores que gravitam em torno dela, tais como o lucro dos acionistas e da companhia, a integração da sociedade empresária na cadeia produtiva de bens e serviços, as necessidades dos consumidores, os direitos sociais dos trabalhadores, o papel no mercado concorrencial, a tributação e o meio ambiente equilibrado, e que o art. 117, § 1º, da Lei de S/A, estabelece a responsabilidade pelos atos praticados com abuso de poder por parte do controlador, sendo suficiente para a configuração das condutas vedadas o efetivo exercício do poder de controle, a antijuridicidade da conduta, e o prejuízo;  
  4.  Ademais, destaquei que, malgrado a Lei nº 6.404/1976 considere como minoritários todos os acionistas que não pertencem ao bloco de controle, possuam ou não direito a voto, tecnicamente a definição de acionista minoritário diz respeito aos detentores de ação ordinária que não integram o bloco de controle;

(Capítulo 3: A Dispersão Acionária no Brasil e os Desafios Regulatórios)

  1.  Analisando o processo de dispersão acionária no Brasil, constatei que a pulverização do capital nas companhias está intimamente ligado ao sucesso do Novo Mercado da BM&FBovespa, com diversas companhias ingressando nesse segmento especial de listagem (desde a IPO da Natura em 2004) de forma a obter liquidez e financiamento a baixo custo;
  2.  Entrementes, as peculiaridades do Novo Mercado, principalmente a exclusividade de ações com direito a voto, promoveram profundas transformações na configuração societária no Brasil, tendo o poder de controle de inúmeras companhias sido passado do antigo acionista majoritário para um bloco de controle minoritário ou mesmo para os administradores;
  3.  Nesse cenário, com o desiderato de garantir grau razoável de estabilidade na administração bem como evitar tomadas hostis de controle, foram introduzidas nos estatutos das companhias cláusulas limitativas do direito de voto, poison pills e cláusulas pétreas, tornando-se essas disposições objeto de acesos debates dos operadores do direito e do mercado;
  4.  Passei a examinar, então, os principais desafios regulatórios recentes e as medidas que foram adotadas para permitir o desenvolvimento do mercado de capitais, valendo ressaltar que, com relação à participação dos acionistas, observei que os principais problemas giram em torno da falta de mecanismos apropriados para impedir a obtenção de benefícios particulares pelos controladores minoritários e pelos administradores, uma vez que a dispersão acionária dificulta o alcance dos quóruns exigidos para o exercício dos direitos dos minoritários e os acionistas com baixa representatividade no capital não possuem estímulos para fiscalizar, em virtude dos custos envolvidos no acompanhamento, o que resulta no absenteísmo nas assembleias gerais;
  5.  Diante desse quadro, algumas providências importantes foram adotadas para estimular a participação dos minoritários, podendo ser citadas a instituição do direito do acionista de participar e votar a distância em assembleia geral (parágrafo único do art. 121 da Lei de S.A. inserido pela Lei nº 12.431/2011), nos termos de regulamentação a ser editada pela Comissão de Valores Mobiliários, e os atos desta autarquia, tornando mais fácil o acesso à lista dos acionistas (Parecer de Orientação nº 30/96), regulamentando as proxies (pedidos públicos de procuração) bem como autorizando o voto do acionista que não depositou antecipadamente os documentos exigidos (Instrução CVM nº 481/2009), permitindo a veiculação da assembleia pela internet e conferindo maior representação aos minoritários nos conselhos de administração e fiscal;
  6.  Com o mesmo propósito, a versão atual do Regulamento do Novo Mercado da BM&FBovespa proibiu a fixação de quóruns qualificados para deliberação sem previsão legal ou regulamentar (item 3.1.2, i) de forma a impedir uma manutenção inflexível do status quo, entrementes todas essas medidas não foram suficientes para debelar o descompasso das relações de poder nas companhias de capital disperso, sendo imprescindível a adoção de novas providências com o condão de incentivar a participação de um maior número de acionistas;
  7.  No que tange à estabilidade do controle, demonstrei que muitas companhias se protegeram das tomadas hostis de controle por intermédio de cláusulas estatutárias limitativas da aquisição de participações acionárias, que podem ser exemplificadas com a limitação de voto, as poison pills e as cláusulas pétreas, e que na atual versão do Regulamento do Novo Mercado restou vedado o estabelecimento de limite ao direito de voto em percentual inferior a 5%, sendo essa restrição apta a compatibilizar os interesses dos acionistas e dos administradores, com base na autonomia da companhia;
  8.  Em relação às poison pills, destaquei que na audiência restrita para a última revisão do Regulamento do Novo Mercado havia proposta no sentido de proibi-las e, ao mesmo tempo, para garantir a estabilidade da administração, criar a OPA por atingimento de participação acionária relevante, deflagrada a partir da aquisição de 30% do capital social, contudo essas propostas foram rejeitadas e as “pílulas de veneno” permanecem sem regulamentação, dando azo à insegurança jurídica, sendo necessária uma solução regulatória para definir a questão;
  9.  Sustentei ainda que as divergências relativas às cláusulas pétreas foram adequadamente dirimidas pelo Parecer nº 36/2009 da CVM, com a declaração de que não aplicaria sanções aos acionistas que votassem no sentido de suprimir ou alterar as poison pills, e pela nova versão do Regulamento do Novo Mercado, que proibiu a previsão estatutária impeditiva do exercício de voto favorável ou que imponha ônus ao acionista que votar no sentido de suprimir ou alterar regras estatutárias, ou seja, vedou a instituição de cláusulas pétreas;

(Capítulo 4: Propostas de Alteração da Regulação Atual)

  1.  Nesse ponto da exposição, passei a cuidar das propostas regulatórias apresentadas pela doutrina especializada com vistas a permitir o regular desenvolvimento do mercado de capitais nacional, distinguindo o exame das sugestões relativas à participação dos acionistas (assembleias gerais virtuais, redução do quórum de deliberação em relação aos direitos contidos no art. 136 da Lei de S.A. e redução dos percentuais exigidos para o exercício dos direitos dos minoritários) e referentes à estabilidade do controle (poison pills e OPA por atingimento de participação acionária relevante);
  2.  Com relação à assembleia geral virtual, destaquei que o novo direito do acionista, inserido no parágrafo único do art. 121 da Lei de S.A., de participar e votar a distância em assembleia geral constitui uma medida fundamental para resolver o problema do absenteísmo por acabar com o dispêndio de tempo e de dinheiro para comparecimento nos conclaves, que a falta de regulamentação não representa óbice legal para a utilização da nova tecnologia pelas companhias, que o emprego da ferramenta eletrônica possui natureza jurídica de direito do acionista (a sua adoção pelas sociedades empresárias será, contudo, facultativa até a regulamentação), que para cumprir integralmente o mandamento legal, imprescindível a utilização de uma plataforma que permita a intervenção dos acionistas durante a assembleia (em um formato semelhante ao utilizado na Índia, com os centros de participação remota) e que a interpretação da legislação societária brasileira permite a realização da assembleia exclusivamente virtual;
  3.  Desse modo, a Comissão de Valores Mobiliários deve regulamentar o referido dispositivo, extraindo-lhe a maior amplitude possível, de forma a permitir a efetiva interferência dos acionistas nos debates (deixando a critério da companhia a opção pelo modelo parcialmente ou exclusivamente virtual), já que as assembleias eletrônicas poderão debelar o problema da falta de mecanismos adequados para a fiscalização das companhias de capital pulverizado, em decorrência de possibilitarem o acompanhamento da gestão por todos os investidores e facilitarem o alcance dos quóruns exigidos para os direitos dos minoritários;
  4.  Quanto à proposta de edição de um ato normativo da CVM fixando balizas para a redução do quórum qualificado de deliberação do art. 136 da Lei de S.A. (estabelecendo uma autorização genérica) nas companhias de capital pulverizado, ressaltei que, a despeito de algumas vantagens inerentes, essa medida não seria adequada para o desenvolvimento do mercado de capitais, tendo em vista que poderia comprometer a legitimidade de decisões da mais alta relevância para a vida da companhia, que retiraria das sociedades empresárias a necessidade de não poupar esforços para estimular o comparecimento do maior número possível de investidores nas assembleias e que subverteria a natureza legal dessa competência da CVM de discricionária para vinculada,
  5.  Ademais, a análise dos mecanismos empregados pela companhia a fim de aumentar o comparecimento dos acionistas apenas tem como ser realizada à luz do caso concreto (mormente com a possibilidade da assembleia geral virtual), a CVM tem construído parâmetros jurisprudenciais suficientes para garantir a segurança jurídica no tema e os julgados dessa autarquia demonstram recorrência na falta de empenho por parte das companhias em estimular o comparecimento dos acionistas;
  6.  No que tange à proposta de redução da titularidade acionária para o exercício de direitos dos minoritários, por meio de uma alteração no art. 291 da Lei de S/A, separei a análise em dois aspectos (utilização de um critério relacionado com a dispersão acionária e desvinculado do porte da companhia; e extensão do rol dos direitos) e, no primeiro, sustentei que a medida não seria adequada, uma vez que ensejaria um cenário propício para a ocorrência do abuso de minoria (sócio que age em descompasso com o interesse social) e para a atuação do minoritário profissional (sócio que almeja o “prêmio de sossego”), pois um acionista com reduzido investimento (em relação ao capital exigido nas companhias de grande porte) e, portanto, menor compromisso com os destinos da sociedade anônima, teria poder de prejudicar os negócios sociais, ou seja, haveria um desequilíbrio nas relações de poder dentro da companhia;
  7.  No exame do segundo aspecto, todavia, defendi a tese de que a ampliação do rol do art. 291 da LSA para os direitos de minoria constantes nos arts. 4º-A (requerimento de convocação de assembleia para nova avaliação no fechamento do capital), 123, parágrafo único, d (convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal), 126, § 3º (requerimento de relação de endereços dos acionistas), 141, § 4º, I e II (eleição e destituição de um membro do conselho de administração e do seu suplente, com votação separada) e art. 161, § 4º, a e b (eleição de um conselheiro fiscal e do seu suplente), constitui medida salutar para elevar a capacidade de fiscalização da minoria nas grandes companhias de capital pulverizado, visto que o atingimento dos percentuais exigidos para o exercício dos direitos de minoritários nas companhias de grande porte é mais difícil em função da necessidade de elevado aporte de capital;
  8.  Tratando da proposta concernente à manutenção da estabilidade do controle (substituição das poison pills pela OPA por atingimento de participação acionária relevante), argumentei que a sugestão, apresentada na audiência restrita (2010) para reforma do Regulamento do Novo Mercado e rejeitada pelas companhias, consistia em providência essencial para o mercado de capitais nacional, uma vez que as pílulas de veneno violam a isonomia entre os acionistas (privilegiando excessivamente o controlador à época de sua instituição), impedem a celebração de negócios benéficos para todos os acionistas e elevam os custos de agência, sendo certo ainda que a sua previsão garante a perpetuidade dos administradores, já que o prêmio eleva consideravelmente o valor pago pelas ações, inviabilizando alterações relevantes no quadro acionário e no comando da companhia;
  9.  Além disso, a OPA por atingimento de participação acionária relevante (modelo europeu) preencheria lacuna da Lei de S.A., garantindo liquidez aos acionistas e solucionando de maneira equilibrada o problema da falta de estabilidade da administração e das ofertas hostis de aquisição de controle, já que exige a oferta pública, mas não impõe o pagamento de prêmio, valendo ressaltar ainda que referida cláusula garante o direito de os acionistas deliberarem em assembleia geral, no caso concreto, se aquela oferta deve disparar o gatilho da OPA, conferindo-lhe maior autonomia e flexibilidade;
  10.  Outrossim, essa medida torna razoável o benefício do titular de participação relevante anterior à previsão da cláusula (que não precisou realizar a oferta pública), uma vez que outros acionistas poderão adquirir percentual igual ou superior pagando o valor de mercado pelas ações, portanto, pelas razões expostas, torna-se fundamental que a proposta seja retomada na próxima audiência restrita para revisão do Regulamento Novo Mercado, todavia, para sanar imediatamente os aspectos antijurídicos das poison pills, a Comissão de Valores Mobiliários deveria avançar mais na sua posição de proibir as cláusulas pétreas, decretando a ilegalidade da previsão do prêmio nas poison pills, de forma a retirar o sobrepreço que inviabiliza a importante possibilidade de ofertas hostis de controle, e declarando o direito dos acionistas de, em assembleia geral, deliberarem pela dispensa da OPA por atingimento de participação acionária relevante no caso concreto;

(Capítulo 5: Conclusões)

  1.  Por derradeiro, em apertada síntese, cheguei à conclusão principal de que com o desiderato de possibilitar uma adequada fiscalização do exercício do poder de controle nas companhias de capital pulverizado do Novo Mercado da BM&FBovespa, mister a adoção das seguintes medidas regulatórias: a) normatização mais ampla possível, pela CVM, do novo direito do acionista de participar e votar a distância em assembleia geral (de forma parcialmente ou exclusivamente virtual); b) alteração do art. 291 da Lei nº 6.404/1976, no sentido de estender o poder discricionário da CVM, de redução de percentuais, para o exercício dos direitos dos minoritários contidos nos arts. 4º-A (requerimento de convocação de assembleia para nova avaliação no fechamento do capital), 123, parágrafo único, d (convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal), 126, § 3º (requerimento de relação de endereços dos acionistas), 141, § 4º, I e II (eleição e destituição de um membro do conselho de administração e do seu suplente, com votação separada) e art. 161, § 4º, a e b (eleição de um conselheiro fiscal e do seu suplente); c) reapresentação, na próxima audiência pública para revisão do Regulamento do Novo Mercado, da proposta concernente à substituição das poison pills pelas cláusulas que estabelecem a OPA por atingimento de participação acionária relevante; d) decretação, pela CVM, da ilegalidade da previsão do prêmio nas pílulas de veneno; e e) declaração, pela CVM, do direito dos acionistas de deliberarem, em assembleia geral, a dispensa da OPA por atingimento de participação acionária relevante no caso concreto.

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Sobre o autor
Gerardo Alves Lima Filho

Presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do DF e Oficial de Justiça do TJDFT. Bacharel em Direito pela UFBA, Especialista em Direito pela ESMA/DF e Mestre em Direito pelo UniCEUB. Foi diretor e gestor de diversas entidades representativas de servidores públicos, exerceu o cargo de Policial Rodoviário Federal e foi professor de diversas faculdades de Direito de Direito Empresarial, Civil, Processual Civil e Prática Civil. Publicou inúmeros artigos em sites e revistas jurídicas especializadas. Possui experiência em Direito Administrativo, Previdenciário, Constitucional, Empresarial, Tributário, Civil, Processo Civil, Trabalho, Processo do Trabalho, Penal e Processual Penal.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Monografia elaborada quando cursei a minha especialização na Escola da Magistratura do DF.

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