A redução da maioridade penal como medida de adequação social

07/03/2017 às 17:34
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No presente trabalho, o autor aborda a possibilidade jurídica da redução da maioridade penal para 16 anos diante das Cláusulas Pétreas da Constituição Federal de 1988, bem como seus prós e contras para a sociedade Brasileira.

RESUMO

No presente trabalho, o autor aborda a possibilidade jurídica da redução da maioridade penal para 16 anos diante das Cláusulas Pétreas da Constituição Federal de 1988, bem como seus prós e contras para a sociedade Brasileira, haja vista o número crescente de atos tidos como criminosos e praticados por adolescentes. Primeiramente, faz-se um breve estudo acerca da constitucionalidade da redução da maioridade, o trâmite da PEC 171/93 e os obstáculos inerentes a possibilidade de alteração do texto constitucional. Em seguida, analisa-se as questões referentes à Maioridade Penal, abordando imputabilidade, políticas públicas e, por fim, o possível resultado da implementação de tal medida no universo jurídico-social.

PALAVRAS-CHAVES: imputabilidade, redução da maioridade penal, princípios constitucionais, cláusula pétrea, PEC 171/93.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 6

JUSTIFICATIVA 8

METODOLOGIA DE PESQUISA 9

CAPÍTULO 1 – VIABILIDADE JURÍDICA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL 10

1.1 Cláusula Pétrea 10

1.2. A PEC 171/93 11

1.3 A constitucionalidade da redução da maioridade penal 13

CAPÍTULO 2 – MAIORIDADE PENAL E POLÍTICAS PÚBLICAS 16

2.1 O crescimento da delinqüência juvenil 16

2.2. A imputabilidade penal 17

2.3. Os Critérios da inimputabilidade penal 18

2.4. A Menoridade e o Estatuto da Criança e do Adolescente 19

2.5. A redução da menoridade como política de adequação social 20

CONSIDERAÇÕES FINAIS 23

REFERÊNCIAS 24

INTRODUÇÃO

A maioridade penal é a idade mínima a partir da qual uma pessoa pode vir a ser julgada criminalmente por seus atos, que no Brasil, em razão do disposto no art. 228 da Constituição Federal de 1988, ocorre no momento em que a pessoa completa 18 anos.

Tecnicamente chamada de imutabilidade penal, considera-se que, a partir desse critério biológico (idade de 18 anos), o indivíduo torna-se imputável, ou seja, adquire a capacidade de entender o caráter ilícito do fato que venha a praticar e é capaz de determinar-se a partir desse entendimento (Capez, 2002).

Em razão da ascendente onda de violência em que observamos jovens, ainda adolescentes, protagonizando de atos que beiram a barbárie, vitimando famílias e comportando-se como senhores do crime e herdeiros da impunidade, muito se discute sobre a necessidade da redução da maioridade como um mecanismo de defesa social e forma de punir, como adultos, aqueles que não o sendo, portam-se como tal.

Neste aspecto, é comum a afirmativa de que a menoridade penal – condição que impede a aplicação de pena ao adolescente infrator – seja fator de incentivo à delinquência. E, por isso, fonte de turbulência para a ordem pública e de descrédito para o Estado como agente de combate e repressão.

É notório o crescente do número de adolescentes na prática de atitudes consideradas criminosas pelo Código Penal. Os jornais e programas televisivos de conteúdo sensacionalista estão permeados de notícias e histórias sobre fatos graves, como comércio de drogas, homicídios, assaltos em todas as suas modalidades e violência sexual cuja autoria recai sobre adolescentes com idade média de 16 e 17 anos.

Mas o jovem nesta faixa etária possui plena capacidade de entender a gravidade e as consequências de seus atos? É capaz de determinar-se de acordo com esse entendimento? Ou seja, ele é realmente inimputável do ponto de vista psíquico?

A Constituição da República, chamada de Carta Maior e Constituição Cidadã, reconhece aos maiores de dezesseis a lucidez e a capacidade na tomada de decisões de relevante interesse ao conferir a eles o direito de eleger seus representantes políticos, segundo a norma insculpida no artigo 14, § 1º, inciso II, alínea c.

Assim, homens e mulheres, a partir dos 16 anos, estão aptos a votar em candidatos para qualquer cargo público eletivo (vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador e Presidente da República). Cuida-se, evidentemente, de responsabilidade só atribuída a quem possua elevado grau de maturidade.

Este é, sem dúvidas, um argumento vigoroso para a corrente defensora da diminuição da maioridade penal. Ainda sim, para alguns, a previsão de inimputabilidade pela Constituição constitui uma das garantias fundamentais da pessoa humana e, portanto, cláusula pétrea, mesmo não fazendo parte do seu art. 5º.

Tratando a questão desta forma, a maioridade penal não poderia sofrer qualquer alteração, nem mesmo por emenda constitucional.

Apesar de todos os aspectos levantados, materiais e adjetivos, a resistência quanto ao rebaixamento da maioridade penal parece incompreensível. Paira o discurso pela manutenção da regra atual que pode até ser politicamente defensável e romântico, porém completamente distante da realidade tendo em vista o amadurecimento do jovem entre 16 e 18 anos de idade para o crime e a violência tirana com que costumam agir.

Há diversos países onde a maioridade penal inicia-se aos 16 anos (p. ex: Argentina, Espanha, Bélgica e Israel); em outros, aos 15 anos (Índia, Egito, Síria, Honduras, Guatemala, Paraguai, Líbano); na Alemanha e Haiti, aos 14 anos. E por incrível que pareça, na Inglaterra a pessoa é considerada imputável a partir dos 10 anos.1

O crescimento exponencial da violência infligida pelos infratores adolescentes, a partir de toda a sorte de barbáries, é o que se pretende resolver com este trabalhado, abordando-se, como possível solução, a redução da maioridade penal e a viabilidade prática e jurídica desta media cuja polêmica transcende os dias atuais.

JUSTIFICATIVA

O tema do presente projeto, como se mencionou, foi escolhido em razão da notabilidade que se alcançou nos últimos tempos, em que a redução da maioridade penal divide a opinião de intelectuais e daqueles não tão devotos às luzes da inteligência.

Sua reconhecida relevância para a problemática da segurança pública tomou lugar no discurso de candidatos à presidência da República, enquanto lega sensível parcela da população a uma realidade de medo e tristeza.

Trata-se de um assunto atual e ao mesmo tempo remoto, eis que debatido desde o Brasil Império. Para Barreto2, tido como maior penalista daquela época, em sua obra “Menores e Loucos em Direito Criminal”, o direito penal deveria estabelecer uma relação direta entre a maioridade penal e o discernimento do agente, a despeito da idade. Nessa época, Barreto elogiava o Código penal francês, que trazia a maioridade penal aos 16 anos3.

O argumento maior de defesa da redução da maioridade penal é o grau de periculosidade alcançado por adolescentes com idade entre 16 e 17 anos, não só pela torpeza e crueldade que motivam a ação dos mesmos, mas pela tradição de impunidade que lhes acompanha.

Isso porque que o ato de passar no máximo três anos em um centro de recuperação cumprindo medida socioeducativa seria para eles, independente da natureza ou quantidade de atos delituosos praticados, compensatório.

Neste aspecto, a redução da maioridade penal para 16 anos seria medida capaz de conter o avanço da violência trazida pelos infratores a partir desta faixa etária e restabelecer a segurança público-social, bem como o crédito no Estado-Justiça como Poder Repressor.

METODOLOGIA DE PESQUISA

Faremos uso, no presente trabalho de pesquisa, do raciocínio dedutivo, o qual tem por objetivo explicar o conteúdo das diversas premissas, intermediado por uma corrente lógica de raciocínio.

Sabemos que argumentar é entrar em diálogo com os outros. Assim, a partir de premissas, alcançaremos os argumentos necessários para defender nossas conclusões.

Para que um conjunto de proposições seja um argumento é necessário que essas proposições exprimam a ideia que se quer sustentar (a conclusão).

Se nos limitarmos a apresentar ideias, sem as razões que as apoiem, não estamos a apresentar argumentos. E se não apresentarmos argumentos, não há razão para que estas ideias sejam aceitas.

O método indutivo também tem o seu lugar nesta pesquisa, por se tratar de conhecimento fundamentado na experiência, a revelia de princípios preestabelecidos. Neste tipo de raciocínio, chamado indutivo, a conclusão é chegada através da observação de casos da realidade concreta, vale dizer, as constatações particulares nos induzem a um conceito de generalizações.

CAPÍTULO 1 – VIABILIDADE JURÍDICA DA REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Embora muito se discuta sobre a necessidade, ou não, da redução da maioridade penal; apesar de significante parcela da sociedade bradar que a punição dos menores infratores é, ou será, a panaceia da segurança pública, de primeira necessidade é a análise sobre a possibilidade jurídica dessa alteração no ordenamento jurídico em relação à Constituição Federal de 1988 e as chamadas cláusulas pétreas nela insculpidas.

Cláusula Pétrea

Para se entender os argumentos dos que apoiam a redução da maioridade penal, mister a compreensão do que quer dizer cláusula pétrea.

As cláusulas pétreas são limites fixados ao conteúdo ou substância de uma reforma constitucional e que operam como verdadeira limitação ao exercício do poder constituinte reformador. Elas traduzem um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, impedindo que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudanças de identidade.

Mendes, Coelho e Branco (2010, p.218-219), destacam que:

O significado último das clausulas pétreas esta em prevenir um processo de erosão da Constituição. A cláusula pétrea não existe tão-só para remediar situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução e de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro.

A fixação de cláusulas pétreas é comum nas Constituições rígidas e nada mais faz senão adjetivar a rigidez constitucional, conferindo-lhe uma técnica ideológica da qual não se desvincula durante toda a permanência na vida do Estado.

O objetivo maior das cláusulas pétreas não é proteger a redação de uma norma constitucional, mas evitar a ruptura com princípios e estruturas essenciais à Constituição, sendo essas estruturas essenciais que se encontram ao abrigo de imutabilidade pelo poder reformador.

Dispõe o artigo 60, §4º, da Constituição Federal que:

§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Como se vê, o texto constitucional não veda, em sua literalidade, a alteração das regras relativas àqueles quatro assuntos ali enumerados. Ele veda, isso sim, que futuras alterações do texto constitucional tendam à abolição de algum daqueles quatro pilares da Lei Fundamental. Em outras palavras, viola o §4º do artigo 60 toda e qualquer emenda à Constituição que vá na direção da extinção daqueles valores básicos.

Assim, a cláusula pétrea protege os princípios constitucionais modelados na norma e não a norma em si.

  1. A PEC 171/93

Em 19 de agosto de 1983 foi apresentada pelo I. Deputado Federal Benedito Domingos a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 171/1993 que o altera o artigo 228 da Constituição Federal e fixa a responsabilidade penal os 16 anos.

Desde então, foram apensadas outras 38 propostas de emendas à constituição, entre elas: a PEC 260/00, que propõe a maioridade em dezessete anos; PEC's 37/95, 91/95, 426/96, 301/96, 531/97, 68/99, 133/99, 150/99, l67/99, 633/99, 377/01, 582/02, 179/03, 272/04, 48/07, 223/12 e 279/13, que propõem sejam fixadas em dezesseis anos; as PECs 169/99 e 242/04, que propõem sua fixação aos quatorze anos; a PEC 321/01, que pretende retirar a matéria do texto constitucional; e a PEC 345/04, que propõe seja fixado em doze anos o início da maioridade penal.

Ao longo dos anos, foram apresentados quatro pareceres na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania pelos relatores e Ilustres Deputados Federais José Luiz Clerot, Inaldo Leitão, Osmar Serraglio e Marcelo Itagiba pela admissibilidade da proposta de emenda. No entanto, tais pareceres não foram submetidos à apreciação.

Em 6 de março de 2015, nos termos do parágrafo único do art. 105 do RICD, foi deferido o pedido de desarquivamento da proposição e, ato contínuo, em 16 de março de 2015 foi apresentando o parecer pelo atual relator Deputado Federal Luiz Albuquerque Couto pela inadmissibilidade da PEC 171/1993, nos seguintes termos:

Pelas precedentes razões, por ofender a cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4°, IV, da Constituição Federal, bem como por violar o princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no art. 1°, III, também da Carta Política e, ainda, por ir de encontro ao que preceitua as normas das Convenções Internacionais, em que o Brasil é signatário, concluímos pela inadmissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição nº. 171, de 1993, principal, bem como das PECs nºs 37, de 1995; 91, de 1995; 386, de 1996; 426, de 1996; 301, de 1996; 531, de 1997; 68, de 1999; 133, de 1999; 150, de 1999; 167, de 1999; 169, de 1999; 633, de 1999; 260, de 2000; 321, de 2001; 377, de 2001; 582, de 2002; 64, de 2003; 179, de 2003; 302, de 2004; 242, de 2004; 272, de 2004; 345, de 2004; 489, de 2005; 48, de 2007; 73, de 2007; 87, de 2007; 85, de 2007; 125, de 2007; 399, de 2009; 57, de 2011; 223, de 2012; 228, de 2012; 273, de 2013; 279, de 2013; 302, de 2013 (devolvida); 332, de 2013; 382, de 2014; 438, de 2014 e a 349, de 2013 apensadas.

Entretanto, o parecer apresentado em separado pelo Deputado Marcos Rogério argumentou que a diminuição da maioridade penal não encontra embaraço na Convenção sobre os Direitos da Criança, no Pacto de São José da Costa Rica e tampouco fere cláusula pétrea constitucional, eis que, segundo ele, o “disposto no art. 228 da Constituição não se adéqua em nenhum dos quatro incisos do §4º do art. 60.”

Nesse ponto, consignamos excerto do mencionado parecer:

[…] registramos o pensamento exposto pelo professor MIGUEL REALE JR. em audiência pública realizada por esta CCJC em novembro de 1999: “Entendo, por outro lado, que não se estabelece no art. 228 um direito e garantia individual fundamental que deva ser preservado como cláusula pétrea. Acredito que não exista no direito pétreo a inimputabilidade. Ou seja, não há nada que justifique que se deva considerar como imutável, como fundamental, além da estrutura do Estado Democrático, por que foi isso que a Constituição pretendeu fazer ao estabelecer as cláusulas pétreas. Isto é, além da proibição de abolição da Federação, da autonomia e da independência dos Poderes, o voto direto, secreto, universal e periódico e, ao mesmo tempo, falando dos direitos e garantias individuais enquanto estruturas fundamentais para a preservação do Estado Democrático. Não vejo, portanto, que no art. 228 esteja contido um princípio fundamental, um direito fundamental que deva ser basilar para a manutenção do Estado Democrático. Por esta razão não entendo que o preceito que está estabelecido no art. 228 venha a se constituir numa cláusula pétrea.”

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Este também foi o entendimento expressado pelo eminente ministro do STF Luís Roberto Barroso, na nota emitida em 14 de março de 2009, em atendimento à solicitação desta CCJC, segundo a qual:

“[…] parece mais adequado o entendimento de que o art. 228 da Constituição (“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos as normas da legislação especial”) não constitui uma cláusula pétrea, não descrevendo um direito ou garantia individual imutável, nos termos do art. 60, §4º, IV. A modificação ou não do dispositivo, portanto, dentro de certos limites, é uma possibilidade que se encontra disponível a avaliação política do Congresso Nacional.”

Senhores e Senhoras Deputadas, mesmo que o entendimento de Vossas Excelências seja no sentido apontado pelo relator (qual seja, considerar que o art. 228 da CF seja cláusula pétrea) é importante destacar que o §4º do art. 60 expressamente veda a edição de PEC tendente a abolir cláusulas pétreas. A proposta em exame não propõe abolir a inimputabilidade, propõe modificar. É de hermenêutica simples reconhecer que se trata de proposta de adequação do instituto da maioridade de acordo com os novos padrões da sociedade, considerando o amadurecimento do jovem.

Repito: é importante destacar que o §4º do art. 60 expressamente veda a edição de PEC tendente a abolir cláusulas pétreas. A Constituição Federal é feita para gerações, portanto, não pode ser fechada ao ponto de inviabilizar sua mutação conforme as exigências da própria sociedade.

Dessa forma, é forçoso reconhecer que reduzir a maioridade para 14, 15, 16 e, mormente, 17 anos (como pretende a PEC 260/2000), seja medida que tenda a abolir o instituto da maioridade penal.

Ademais, se se considerar que existe cláusula pétrea no art. 228, ela incide no instituto da maioridade penal, e não, como querem alguns, na idade de 18 anos. Explico: o que não se pode abolir (ou tender abolir) é o instituto da maioridade penal. A Constituição permite, sim, a alteração da idade mínima criminal, mas veda que essa alteração tenda a abolir o instituto da maioridade.

Os argumentos ali expendidos foram acolhidos pelo Plenário da Câmara dos Deputados e, desde então, aguarda apreciação pelo Senado Federal.

1.3 A constitucionalidade da redução da maioridade penal

O renomado jurista Luiz Flávio Gomes publicou em seu sítio da internet4, em 6 de abril de 2015, artigo a respeito da redução da maioridade penal, afirmando que:

além de ser uma medida inconstitucional (violadora do art. 228 da CF e tantos outros dispositivos que asseguram o tratamento diferenciado do adolescente que está em fase de desenvolvimento da sua personalidade), a redução da maioridade penal tende a ser inócua: de 1940 (data do Código Penal) até março de 2015 o legislador brasileiro reformou nossas leis penais 156 vezes. Nenhuma reforma legal jamais diminuiu qualquer tipo de crime no país, a médio ou longo prazo. Se 156 leis penais novas não funcionaram, qual a base empírica para se acreditar que uma nova lei, justamente a decorrente da PEC 171 (Proposta de Emenda Constitucional), seria diferente?

Como já se mencionou, a violação seria a do inciso IV do §4º do artigo 60, da Constituição Federal, ao argumento de que os direitos e garantias individuais protegidos não se encontram apenas no artigo 5º, da Lei Fundamental, mas por todo o texto da Carta, e até fora dele, conforme o § 2º do artigo 5º.

Sendo assim, o seu artigo 228 conteria um direito fundamental que, como tal, não poderia ser restringido sem violar as limitações materiais ao exercício do poder constituinte derivado. Em síntese este é o argumento pela inconstitucionalidade da PEC 171.

Apesar de sustentada com brilhantismo e solidez por muitos juristas e políticos brasileiros, a interpretação não faz consenso, e por boas razões.

O Supremo Tribunal Federal e a doutrina vêm, há anos, buscando essa conformidade de ideias, e a formularam ao redor da noção de núcleo essencial. Nas palavras de Paulo Gustavo Gonet Branco (2010), as cláusulas pétreas não têm “por meta preservar a redação de uma norma constitucional”, mas, sim, “imunizar o sentido dessas categorias constitucionais protegidas contra alterações que aligeirem o seu núcleo básico ou debilitem a proteção que fornecem”5.

Uma formulação prática dessa ideia pode ser encontrada na decisão da ADI 3.367, que impugnou a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pela PEC 45/2004, principalmente por violação ao princípio da separação de poderes. Embora aquele precedente trate de independência do poder Judiciário e de separação de poderes, a forma como a questão foi posta ali pode servir de guia na discussão da redução da maioridade.

Ali, antecipando-se à definição do que seria uma violação à cláusula pétrea, o relator, ministro Cezar Peluso, formulou a seguinte questão:

À luz permanente dessa ideia, analiso a alegação de que a criação do Conselho Nacional de Justiça, com a estrutura e as competências outorgadas pela Emenda nº 45/2004, atentaria, mais que contra a norma do artigo 2º da Carta, contra o autêntico sistema constitucional da separação dos Poderes. (ADI 3.367-1/DF, p. 205)

Portanto, para o relator, a verdadeira questão é de saber se a Emenda atentaria contra o próprio sistema da separação de Poderes, e não contra esta ou aquela regra. Em outras palavras, a reforma teria que ser de tal monta que solapasse as estruturas do sistema da separação de poderes.

Nessa linha, de se afirmar que a redução da maioridade penal violaria uma cláusula pétrea eventualmente contida no artigo 228, seria preciso perguntar-se o que, exatamente, no artigo 228, é um direito e qual o seu núcleo essencial, para depois analisar se alteração realmente ataca a proteção ali oferecida.

Começando novamente pelo texto, diz o artigo 228: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Trata-se, nos parece evidente, de uma regra sobre a inimputabilidade penal e outras formas de imputabilidade, que não a penal - “sujeitos às normas da legislação especial”. Os que estiverem abaixo da idade ali discriminada, estão sujeitos, mesmo quando cometam crimes, a um tipo especial de imputabilidade, enquanto os maiores sujeitam-se à imputabilidade penal. Em outras palavras, está-se a falar em dois regimes jurídicos distintos aplicáveis a inimputáveis e a imputáveis.

Nessa interpretação, o conteúdo normativo essencial do texto não está na idade ali fixada, mas sim na criação de um regime de imputabilidade distinto para os adolescentes, que, àquele momento, a Constituição estabeleceu que eram os menores de 18 anos. Alterações da norma que fossem no sentido de vulnerar estruturalmente ou abolir pura e simplesmente o regime da imputabilidade especial, aí sim, feririam cláusula pétrea, por atingir o núcleo essencial do artigo.

Com efeito, a redução da maioridade penal na forma proposta pelo texto da PEC 171/1993 que está para ir a votação foi bastante cuidadosa com o núcleo essencial da proteção conferida aos adolescentes.

Em primeiro lugar, ela limitou a inclusão dos menores de 18 e maiores de 16 anos no regime da imputabilidade penal aos casos em que o infrator tenha cometido crimes de gravidade aguda, em que quase sempre há atentado à vida ou à integridade física da vítima. Com isso, respeitou-se de forma bastante clara a razoabilidade e até a proporcionalidade na alteração da norma constitucional.

Em segundo lugar, ela prevê que os menores de 18 anos e maiores de 16, cumpram suas penas em estabelecimentos separados tanto dos menores de 16 quanto dos maiores de 18. Com isso, evita-se que os menores de 18 sejam subitamente misturados com adultos condenados criminalmente, como com aqueles que se inserem no regime da imputabilidade especial. Essa medida mantém a um só tempo a proteção aos que se enquadram no regime especial de imputabilidade e a proteção aos que passarão a ser enquadrados na imputabilidade penal.

Nesse ponto, com base na interpretação que defendi para o artigo 228, a PEC 171/1993 foi bastante razoável, limitando-se a alterar a idade de quem se enquadra no regime da imputabilidade penal, e mesmo assim restringindo esse enquadramento a crimes graves, mantendo ainda o cumprimento da pena em estabelecimento próprio.

Assim, se a redução da maioridade penal em si, não afrontaria cláusula pétrea, desde que sem reduzir demasiadamente a idade máxima, com as alterações trazidas pela PEC 171, moderadas, cercadas de cuidados e incontestavelmente preocupadas em preservar aspectos da proteção especial para os maiores de 16 anos, é quase impossível sustentar que ela viola o núcleo essencial da norma contida no artigo 228, da Constituição.

Portanto, a alteração pretendida pela PEC 171, de 1993, supera os argumentos contra sua constitucionalidade, com todas as vênias aos que pensam o contrário.

CAPÍTULO 2 – MAIORIDADE PENAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

O art. 228 da CF/88 instituiu que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas de legislação especial”. A partir deste tratamento especial dado aos direitos das crianças e adolescente, em consonância com a tendência mundial consagrada no art. 1º da Convenção dos Direitos da Criança, se estabeleceu, para nós, o limite biológico da chamada menoridade penal.

Desde então, ciclicamente, nos deparamos com a discussão sobre essa disposição constitucional, mormente sugerindo sua redução para os dezesseis anos, como meio necessário ao combate de uma violência crescente, descontrolada e difusa.

Alguns entusiastas dessa medida dão tanta ênfase à proposta de redução que levam a opinião geral a crer que seria ela a panacéia da segurança pública, capaz de trazer a paz social tão almejada por todos. Argumentam, em prol de sua certeza, não mais ser crível que menores de dezesseis ou dezessete anos, por exemplo, não tenham condições de compreender o caráter ilícito dos atos que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão natural da vida.

O certo é que o clamor social em relação ao jovem infrator - menor de 18 anos - surge da lamentável sensação de que nada lhe acontece enquanto autor de fato definido como crime. Seguramente, parte da noção de impunidade se tem revelado na ineficiência das políticas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente diante da crescente onda de violência.

  1. O crescimento da delinquência juvenil

Estudo revelando que a entrada de crianças e adolescentes no mundo do crime tem aumentado no país, sobretudo por meio do tráfico de drogas foimatéria do jornal O Globo, em sua edição eletrônica, publicada em 28/04/2013. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/brasil/cresce-participacao-de-criancas-adolescentes-em-crimes-8234349> Acesso em: 19 de outubro de 2015.

Segundo aquela publicação, dados estatísticos revelam que, em 2012, o crescimento no número de menores apreendidos foi mais de duas vezes superior ao de prisões de adultos. A conclusão é de que, a partir de dados oficiais obtidos com os governos de oito estados de diferentes regiões do país, houve um aumento, em relação a 2011, de 14,3% no número de apreensões de crianças e adolescentes por crimes como vandalismo, desacato, tráfico, lesão corporal, furto, roubo e homicídio. No mesmo período, a elevação no número de jovens e adultos que foram presos por crimes em geral foi bem menor: de 5,8%.

O levantamento foi feito em sete dos dez estados mais populosos do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará, Paraná e Santa Catarina. O Distrito Federal também foi incluído na pesquisa e em todos os estados pesquisados, foi observado aumento na apreensão de crianças e adolescentes em relação ao ano anterior, que representou 18% do total de prisões no período: 75.359 de 414.916. Em 2011, o percentual era de 17%.

O envolvimento de menores com o tráfico de drogas é apontado por especialistas em segurança pública como um dos maiores responsáveis pelo aumento nos últimos anos da entrada de crianças e adolescentes no mundo do crime. Na avaliação deles, a fragilidade do atual sistema de proteção social, a má qualidade dos ensinos fundamental e médio e a falta de iniciativas e programas governamentais para o atendimento de menores, tanto os que estão em situação de risco como os já inseridos no mundo do crime, são outros fatores que contribuem para o envolvimento de menores em crimes e delitos.

  1. A imputabilidade penal

O nosso Código Penal, a exemplo de outras legislações, não se preocupou em definir a imputabilidade, limitando-se a mencionar os casos em que ela não se verifica (arts. 26, caput, 27 e 28, §1º). A partir do conceito de inimputabilidade, formulado pelos mencionados dispositivos legais, extrai-se indiretamente a sua definição.

Segundo Flávio Monteiro de Barros (2003, p. 359), imputável “é o homem que, ao tempo da conduta, apresenta maturidade mental para entender o caráter criminoso do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento”. Damásio Evangelista de Jesus (1985 p. 407), menciona que imputar é o ato de atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa e, define imputabilidade penal, como sendo o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível.

A imputabilidade torna o agente responsável pela prática do crime, sujeitando-o à imposição da pena, desde que presentes os demais elementos da culpabilidade. No direito penal, o fundamento da imputabilidade é a capacidade de entender e de querer. Somente o somatório da maturidade e da sanidade mental confere ao homem a imputabilidade penal.

O seu reconhecimento depende da capacidade para conhecer a ilicitude do fato e determina-se segundo esse entendimento. Por isso, a imputabilidade não se confunde com a responsabilidade penal, que corresponde às conseqüências jurídicas oriundas da prática de uma infração. Responsabilidade, ensina Magalhães Noronha (2001, p. 164), “é a obrigação que alguém tem de arcar com as consequências jurídicas do crime. É o dever que tem a pessoa de prestar contas de seu ato. Ela depende da imputabilidade do indivíduo, pois não pode sofrer as consequências do fato criminoso (ser responsabilizado) senão o que tem a consciência de sua antijuridicidade e quer executá-lo (ser imputável)”.

  1. Os critérios da inimputabilidade penal

Três são os critérios que buscam definir a inimputabilidade6:

a) Critério biológico;

b) Critério psicológico;

c) Critério biopsicológico ou misto.

De acordo com o critério biológico, a inimputabilidade decorre da simples presença de causa mental deficiente. Não há qualquer indagação psicológica a respeito da capacidade de autodeterminação do agente. Estando presente uma das causas mentais deficientes (doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado e embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior), exclui-se a imputabilidade penal, ainda que o agente tenha se mostrado lúcido no momento da prática do crime.

Conforme o critério psicológico, a inimputabilidade só ocorre quando o agente, ao tempo do crime, encontra-se privado de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com este entendimento. Neste sistema, despiciendo que a incapacidade de entender ou querer derive de uma causa mental preexistente.

Finalmente, o critério biopsicológico, adotado pela legislação brasileira no art. 26 do Código Penal, combina os dois anteriores. Por ele, deve verificar-se, em primeiro lugar, se o agente é doente mental ou tem desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Em caso negativo, não é inimputável. Caso afirmativo, averigua-se se ele era capaz de entender o caráter ilícito do fato; será inimputável se não tiver essa capacidade. Tendo aptidão de entendimento, apura-se se o agente era capaz de determinar-se de acordo com essa consciência. Inexistente a capacidade de determinação, o agente é também inimputável.

De acordo com o Código Penal, excluem a imputabilidade a doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado; a menoridade, caso de desenvolvimento mental incompleto presumido (art. 27) e a embriaguez fortuita completa.

Celso Delmanto e outros (2002) entendem que este último critério é o melhor e mais aceito, pois o menor de 18 anos não tem personalidade já formada, ainda não alcançou a maturidade de caráter.

A Constituição Federal, repetindo os dizeres do art. 27 do Código Penal, dispõe em seu art. 228 que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Sendo assim, como foi dito anteriormente, para os menores de 18 anos vige a regra da maturidade, em que a incapacidade de autodeterminar-se é uma presunção absoluta.

Trata-se, porém, de mera ficção, pois nenhum critério, por melhor que seja, poderá demarcar qual o exato momento em que se dará o pleno desenvolvimento da personalidade moral.

  1. A Menoridade e o Estatuto da Criança e do Adolescente

A lei 8.069, de 13 de fevereiro de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, significou uma profunda transformação na forma legal de se lidar com os jovens: regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal, além de se pautar nos princípios constitucionais para garantir a proteção das crianças e dos adolescentes.

A terminologia “menor”, do antigo Código de Menores de 1979, foi substituída por “criança e adolescente”, sendo estes todos aqueles com menos de dezoito anos.

Mais especificadamente, no artigo 2º do ECA, criança é todo aquele com idade até doze anos incompletos, enquanto que, adolescente , é o jovem com idade entre doze e dezoito anos incompletos. Sua nova visão permitiu que todos com idade abaixo de dezoito anos fossem considerados sujeitos com direitos e obrigações.

Houve uma mudança de paradigma passando a criança de mero objeto de medidas judiciais e assistenciais para ser um “sujeito de direitos”. É claro que essa condição de igualdade com o maior de idade veio com muitas peculiaridades, já que as crianças e adolescentes, pelo estado natural de pessoa em desenvolvimento, gozam de cuidados e medidas especiais, entre elas o princípio da prioridade absoluta.

Estabelecer a garantia de direitos a partir de uma condição especial de um sujeito – no caso, a criança e o adolescente – foi uma das principais conquistas do direito infantojuvenil. Essa especial condição, para Antônio Carlos Gomes da Costa (1992, p. 25) significa que:

Eles, além de todos os direitos de que desfrutavam os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade, têm ainda, direitos especiais decorrentes do fato de que: a criança e o adolescente ainda não tem acesso ao conhecimento pleno de seus direitos, frente às omissões e transgressões capazes de violá-los, não contam com meios próprios, para arcar com a satisfação de suas necessidades básicas; por se tratar de seres em pleno desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sócio-cultural, a criança e o adolescente não podem responder pelo cumprimento das leis e demais deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que os adultos.


Essa modificação ainda trouxe alterações que atingiram outros parâmetros do antigo Código de Menores. O assistencialismo que havia presente acabou substituído por uma nova proposta de trabalho sócio-educativo.

Medidas de proteção e medidas sócio-educativas reafirmaram o novo ideário de recuperação do menor. Não se visou mais punir, mas sim, reeducar, trazendo o jovem de volta a sociedade com os valores renovados.

Embora muito bem intencionado, o ECA, no que se refere à reeducação e resgate dos menores em situação contrária à lei penal, não alcançou, nem de longe, a eficiência que se almejava. E não por acaso.

É que a presunção absoluta de inimputabilidade confere tratamento díspar a pessoas que já possuem a consciência do caráter ilícito de seus atos e a capacidade de autodeterminar-se a partir dessa cognição, a despeito de não terem, ainda, atingido a maioridade penal.

Neste aspecto, não se trata de proteger a pessoa em formação – por se tratar de jovem com personalidade plenamente constituída. Tampouco de fazer valer o poder repressor do Código Pena, porque intangível a menores de dezoito anos. É o que se pode chamar de limbo infracional.

  1. A redução da menoridade como política de adequação social

Da época da positivação da inimputabilidade absoluta do menor, Mirabete (1996) lembra que o artigo 33 do Código Penal de 1969 contemplava um critério biopsicológico e positivava a imposição da pena ao menor dentre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos que revelasse ter suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento.

Segundo o mesmo autor, o Decreto-lei n.º 1.004 não chegou a entrar em vigor em nosso país, pois eram graves as dificuldades para se aferir, mediante perícia sofisticada e de difícil praticabilidade, fazendo com que o legislador, através da Lei n.º 6.016, de 12 de dezembro de 1973, elevasse novamente o limite para 18 (dezoito) anos, que já tinha sido adotado pelo Código Penal, (Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940).

Assim, a inimputabilidade absoluta do menor de dezoito anos já vigora em nosso país por longos setenta anos, desconectado da evolução que a sociedade teve neste longo período, visto que é notável o amadurecimento dos jovens, hoje, tão independentes e informados.

Como o próprio Mirabete (1996, p. 215) afirma, mesmo entendendo que o ECA prevê instrumentos para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por pessoas com menos de dezoito anos, “ninguém pode negar que o jovem de 16 (dezesseis) a 17 (dezessete) anos, de qualquer meio social, tem amplo conhecimento do mundo e condições de discernimento sobre a ilicitude de seus atos”.

Não é preciso ser doutor em História para contextualizar o ano de promulgação do Decreto-lei 2.848, nosso atual Código Penal. Em 1940, sequer existia a televisão no Brasil, que somente teve sua primeira transmissão dez anos após, em 1950 e internet, fenômeno novíssimo, que não conta no Brasil nem vinte anos de popularidade.

Os valores morais eram observados com maior ênfase, a obediência aos pais era regra, a educação nas escolas rígida, a maioria absoluta da população vivia no meio rural. As chamadas drogas ilícitas, hoje responsáveis por grande parte da criminalidade entre jovens, para não dizer que é a maior responsável, sequer eram conhecidas pela esmagadora maioria da população.

Não é possível qualquer comparação entre o início da década de 1940 com os dias atuais, o mundo é outro, os valores são outros, o acesso à informação e ao conhecimento é totalmente diferente. Manter absoluta inimputabilidade do adolescente para todo e qualquer crime cometido sob o argumento de que o jovem, nos dias atuais, não entende o caráter ilícito de um fato criminoso é fechar os olhos para a realidade.

É notória a evolução por que passaram as comunicações. O mundo está conectado à internet, a divulgação dos fatos e acontecimentos no mundo é instantânea, o acesso às informações é, hoje, praticamente ilimitado. A comunicação, via satélite, permite às redes de TV munir de informações instantâneas os seus telespectadores, com fatos ocorridos em qualquer parte do planeta.

Mesmo os que eventualmente não tenham acesso à internet, as informações chegam a eles de qualquer forma. Neste contexto, repetimos, não é crível alguém imaginar que um jovem de 16 ou 17 anos não entenda o caráter ilícito do ato de cometer um homicídio doloso, por exemplo, ou seja, matar propositadamente outro ser humano.

Sobre a natural evolução da sociedade e da capacidade de desenvolvimento dos jovens nos dias atuais com os jovens do passado, cabe transcrever posicionamento do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo (RT 734/680):

[...] a menoridade, é certo, figura como atenuante em nosso direito desde o Código de 1830. No entanto, não há como se comparar o desenvolvimento mental, no sentido do certo e do errado, do bem e do mal, que têm os jovens da atualidade, com aqueles que tinham a mesma faixa de idade há mais de 100 anos. Dessa forma, se o Estado não tem condições de ressocializar aqueles que cometem crimes ou mesmo, no caso dos adolescentes, atos infracionais, que estabeleça outros critérios para o combate a criminalidade, notadamente entre os adolescentes; pois, continuar normatizando a inimputabilidade absoluta do menor de 18 anos para toda e qualquer modalidade de crime, notadamente o homicídio doloso, quando é extinta a vida, sob o argumento de que o jovem, ainda nos dias atuais, não tem capacidade de discernimento sobre o caráter de ilicitude do crime de homicídio doloso, é remar contra uma verdade incontestável, é negar todo o direito à segurança da sociedade em prol de uma proteção exacerbada ao menor.

Com efeito, a redução da menoridade penal mostra-se necessária, não como panacéia da segurança pública ou solução mágica contra o avanço da violência, mas como meio de adequação social em razão da evolução natural do ser humano, em razão do atual estágio cognitivo do jovem a partir dos dezesseis anos.

Desprezar essa realidade seria o mesmo que incentivar a delinquência juvenil, a partir da reconhecida ineficiência do protecionismo menorista e da sensação de impunidade fecundada por ela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história e os acontecimentos atuais deixam claro sobre a necessidade de se ampliar o compromisso do Estado com a segurança pública, a par de uma especial atenção à criança e ao adolescente como pessoa em formação e desenvolvimento.

A violência juvenil é uma realidade triste e, diante da possibilidade jurídica da redução da maioridade penal, esta medida é necessária não como solução ou panaceia para os problemas de segurança pública, mas como meio de adequação social ao amadurecimento biopsicológico do indivíduo.

Isto porque, a despeito da tenra idade, adolescentes a partir dos 16 anos tem plena condição de compreender o caráter ilícito dos atos que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão regular da vida.

Assim, no delicado desafio de restabelecer a paz social e combater a criminalidade descomedida, essencial que o Estado vislumbre no menor infrator, a partir dos 16 anos, uma pessoa com plena capacidade de compreender a gravidade e as consequências dos próprios atos tipificados como crime, sujeito, portanto, à aplicação da lei penal.

Neste aspecto, a possibilidade hipotética de aplicação de pena, per si, pode exercer imprescindível papel de prevenção criminal pela intimidação coletiva, desmistificando a crença remota de impunidade juvenil e garantindo a liberdade de toda a sociedade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1.940. Rio de Janeiro, RJ, Presidência da República, 1940.

SHECARIA, Sérgio Salomão. Sistema de Garantias e o Direito Penal Juvenil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral – Volume I. 16ª ed. Rio de Janeiro-RJ, 2014.

______, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial – Volume III. 16ª ed. Rio de Janeiro-RJ, 2014.

JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal: 1º Volume – Parte Geral. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

______, Damásio Evangelista. Direito Penal: 2º Volume – Parte Especial. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MASSON, Cléber. Direito Penal: Volume 1 – Parte Geral. 6ª ed. São Paulo: Método, 2014.

______, Cléber. Direito Penal: Volume 2 – Parte Especial. 6ª ed. São Paulo: Método, 2014.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: 1º Volume – Parte Geral. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

________, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: 2º Volume – Parte Especial. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2014.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª ed. 8ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2010.

1 JORGE, Éder. Redução da maioridade penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3374>. Acesso em: 28 abr. 2015.

2PINTO, Bárbara. O Menor e a Menoridade sob a Ótica do Direito Criminal Brasileiro na Década de 1880: as Idéias de Tobias Barreto e João Vieira de Araújo. Revista Justiça & História. v. 2, n. 3, ISSN 1676-5834. Disponível em: www.tj.rs.gov.br/institu/memorial. Acesso em: 15 de setembro de 2014.

3BRASIL. Congresso. Senado. Parecer n.º 478/2007. Sobre a Proposta de Emenda à Constituição nº 20, de 1999, que altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo para dezesseis anos de idade para imputabilidade penal. Publicado no Diário do Senado Federal nº 086, ano LXII, p. 19019, 12 de junho de 2007. Disponível em: www.senado.gov.br. Acesso em: 15 de setembro de 20

4http://luizflaviogomes.com/reducao-da-maioridade-penal/

5 Branco, P. (2010). Juízo de Ponderação na Jurisdição Constitucional (1ª ed., pag 103.). São Paulo, Saraiva

6 Capez, F. (2010). Curso de Direito Penal, Parte Geral (15ª ed., p. 103.). São Paulo, Saraiva

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