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A alterabilidade do nome dos filhos pelo descumprimento do poder familiar mútuo

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7. Necessidade de preservação do núcleo familiar.

Prega a Constituição Federal, no artigo 226: "A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado." Neste passo, tudo o que for possível para a preservação da família, deve ser feito.

Segundo Sérgio Rezende de Barros [35] o afeto é o que conjuga:

"Cônjuges são, como o próprio nome diz, os que se sentem conjugados por uma origem ou destino de vida em comum. Nessa conjugação de vidas, atua o afeto. O que define a família é uma espécie de afeto que - enquanto existe - conjuga intimamente duas ou mais pessoas para uma vida em comum. É o afeto que define a entidade familiar. Mas não um afeto qualquer. Se fosse qualquer afeto, uma simples amizade seria família, ainda que sem convívio. O conceito de família seria estendido com inadmissível elasticidade.

Na realidade, o que identifica a família é um afeto especial, com o qual se constitui a diferença específica que define a entidade familiar. É o sentimento entre duas ou mais pessoas que se afeiçoam pelo convívio diuturno, em virtude de uma origem comum ou em razão de um destino comum, que conjuga suas vidas tão intimamente, que as torna cônjuges quanto aos meios e aos fins de sua afeição, até mesmo gerando efeitos patrimoniais, seja de patrimônio moral, seja de patrimônio econômico. Este é o afeto que define a família: é o afeto conjugal. Mais conveniente seria chamá-lo afeto familiar, uma vez que está arraigada nas línguas neolatinas a significação que, desde o latim, restringe o termo cônjuge ao binômio marido e mulher, impedindo ou desaconselhando estendê-lo para além disso."

Desta complexa lição extrai-se que o afeto familiar é o que, deveras, conjuga a união. Pois bem, convivência significa harmonia, coordenação.

Como se viu, a aposição do nome apenas pelo pai causou um grave transtorno no seio da família. O relacionamento, que dantes cordial, agora resulta extremamente conturbado. A mãe, inclusive, está atravessando tratamento psicológico por conta disto, conforme farta documentação acostada.

Deveras, essa situação gerou um grave transtorno no seio familiar. A esposa se sente traída, diminuída. Há manifesta infração ao artigo 1566, do Código Civil, que dentre tantos efeitos pessoais que impõem aos cônjuges, alista com ênfase o respeito e consideração mútuos.

Os direitos e deveres pessoais entre os parceiros heterossexuais servem como sustentáculo familiar, e seu descumprimento gera uma situação antijurídica, sendo sabido que a violação dos ditos deveres podem levar à separação e, igualmente, ao divórcio, com a ruptura do vínculo matrimonial. [36]

Deste modo, o respeito aos deveres matrimoniais, incluídos indubitavelmente a lealdade, é imperativo legal, cujo descumprimento pode ocasionar, inclusive a ruptura da entidade familiar.

A fim de preservar esse núcleo familiar, restabelecendo-se a concórdia, impõe-se a modificação do nome da filha do casal para Cláudia.

Há, deste modo, evidente interesse individual e manifesta vantagem social para a alteração do nome, mitigando-se, por conseguinte, o princípio da inalterabilidade do registro.


8. À guisa de conclusões:

a)os cônjuges haviam estabelecido que o nome de sua filha seria CLÁUDIA, e não ANA CLÁUDIA;

b)ao registrá-la como Ana Cláudia, o marido feriu o poder familiar cabível à esposa, e também maculou o princípio da igualdade dos esposos;

c)a esposa está em tratamento psicoterapêutico por conta do ocorrido;

d)a vida conjugal se desestabilizou depois dos fatos;

e)a imutabilidade do prenome é relativa, podendo, em casos tais, ser revista;

f)ademais, trata-se de mero nome composto, que passará a ser simples. Não implica maiores complicações ou complexidades;

g)a menor conta com menos de 01 (um) ano. Logo, não há intuito fraudulento, nem prejuízo para terceiros;

h)todos chamam a menor apenas como CLÁUDIA. Alterar-lhe o nome apenas e tão-somente declarará situação fática já em curso;

i)Tem-se, por irrefutável, a necessidade da autorização da modificação do prenome.


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Notas

1 Embora se trata de um caso real, os nomes foram alterados a fim de se preservar os verdadeiros envolvidos.

2 "Nome é aquilo que é dado a cada pessoa e que serve para designa-la por um termo próprio e preciso".

3 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil, 3ª. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1971, p. 139.

4 COELHO, Fábio Ulho. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 1, p. 184.

5Curso de direito civil. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1995, v. I, p. 102

6Curso de direito civil. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 100.

7Loc. cit.

8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, Vol. I., p. 242.

9 FRANÇA, R. Limongi. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 30.

10 Algumas vezes, tem-se ainda o agnome, sinal distintivo que se acrescenta ao nome completo (Filho, Júnior etc)

11Loc. Cit.

12Tratado de direito privado, V. I, p. 115.

13 SANTOS NETO apud SILVA, R. B. T. Novo Código Civil Comentado. São Paulo. Ed. Saraiva. 2002.

14 GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Direito Civil: Direito de Família. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, V. II.

15Direito civil. Direito de família. São Paulo: Atlas, 2003, p. 355.

16La patria potestad. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1960, p. 178

17Sobre o nome da pessoa humana. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, Cd-Ron nº 46. Produzido por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda.

18Op. Cit., p. 178

19Op. cit., p. 259.

20 Código Civil, art. 1631, par. único.

21Loc. cit.

22 Por mutação entenda-se a substituição ou acréscimo de expressões, posto que a simples retificação do nome, em razão de erro de grafia, é expressamente previsto na Lei de Registro Públicos, no artigo 110, que dispõe, in verbis: "A correção de erros de grafia poderá ser processada no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, mediante petição assinada pelo interessado, ou procurador, independentemente de pagamento de selos e taxas."

23Op. cit., p. 186

24Op. Cit., p. 105

25 Loc. Cit.

26In RT 532/86

27in RT 412/178

28in RT 517/105

29in RT 534/109

30O nome civil e seus problemas. Rio de Janeiro: José Bushatsky Editor, 1952, p. 109.

31In RT 107/208

32Op. Cit., p. 102

33 Esse exemplo, inclusive, é tirado de Washington de Barros Monteiro, op. Cit., p. 106.

34Op. Cit., p. 106

35A ideologia do afeto. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2004, Cd-Ron nº 46. Produzido por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda.

36 ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. As relações entre cônjuges e companheiros no novo código civil. Rio de Janeiro: Temas e Idéias Editora, 2004, p. 54.

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Sobre o autor
Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior

advogado sócio do escritório Zanoti e Almeida Advogados Associados; doutorando pela Universidade Del Museo Social, de Buenos Aires; mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; pós-graduado em Direito Contratual;pós-graduado em Direito das Relações Sociais; professor de Direito Civil e coordenador da pós-graduação da Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente/SP), professor da FEMA/IMESA (Assis/SP), do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL, da PUC/PR, da Escola Superior da Advocacia, da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. A alterabilidade do nome dos filhos pelo descumprimento do poder familiar mútuo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 415, 26 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5638. Acesso em: 25 abr. 2024.

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