Artigo Destaque dos editores

Caudas, rabilongos e o princípio da pureza ou exclusividade da lei orçamentária

Exibindo página 2 de 2
02/09/2004 às 00:00
Leia nesta página:

8. MATÉRIAS PASSÍVEIS DE INCLUSÃO NA LEI ORÇAMENTÁRIA SEM FERIR SUA PUREZA

A lei orçamentária pode e deve conter dispositivos que com ela tenham afinidade, pertinência ou conexão, nos precisos termos da Lei Complementar nº 95, de 1998. A concessão de tal faculdade ao legislador prescinde de alteração constitucional, pois, a nosso ver, "previsão da receita e fixação da despesa" envolve conceitos amplos, a partir de uma interpretação progressiva, como já o faz a doutrina, que não estão restritos a quantitativos das dotações orçamentárias. A interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva, se faz adaptando a lei às necessidades e concepções do presente. O intérprete não pode ficar alheio às transformações sociais, científicas e jurídicas. A lei vive e se desenvolve em ambiente que muda evolui e, uma vez que não queiramos reformá-la freqüentemente, é mister adaptar a norma às novas necessidades.

Não é objetivo desta sucinta exposição elencar rol exaustivo de temas compatíveis com a lei orçamentária e passíveis de inclusão em seu texto, sem conspurcar o princípio da pureza orçamentária. Entretanto, como já exposto, a doutrina entende que nossas leis orçamentárias podem conter disposições que não exclusivamente se refiram ao montante autorizado para a despesa ou a valores estimados para as receitas, mas que com eles mantenham um grau de pertinência que justifiquem sua inclusão no texto legal.

Assim, premissa maior, o preceito para ser aceito deve relacionar-se diretamente com os créditos orçamentários e suas respectivas dotações, como constantes dos Anexos da lei orçamentária. Na programação de trabalho das unidades orçamentárias é que se dá concretude ao dispositivo constitucional de "fixação da despesa", especificando a ação e seu custo para a sociedade.

Ademais, não pode o dispositivo a ser incluído conter mandamento de caráter permanente, que venha a possuir ultratividade em relação à própria lei orçamentária, já que essa, por sua natureza, é temporária.

Exemplos de dispositivos que se coadunam com a lei orçamentária seriam a exigência de relatórios sobre a execução da receita ou despesa ou a fixação de condicionantes à execução dos créditos como a suspensão das dotações destinadas a obras com gestão irregular até seu saneamento.

As Leis de diretrizes orçamentárias apresentam-se como o instrumento constitucionalmente adequado à regulação da matéria, nos termos do art. 165, § 2º.

Destaque-se que elas já contém artigo próprio discriminando o conteúdo da lei orçamentária, sem, entretanto, dispor sobre o universo passível de alteração no texto da lei orçamentária. 7

Assim, de lege ferenda, poderiam as LDO conter dispositivo vedando qualquer preceito na lei orçamentária que não diretamente relacionado às matérias afetas à fixação da despesa e à previsão da receita, excetuadas aquelas que possuam afinidade, pertinência ou conexão no âmbito do direito financeiro e que, cumulativamente, regulem especificamente os créditos contidos na respectiva lei orçamentária, seus efeitos sejam adstritos ao exercício financeiro à respectiva lei orçamentária e não criem para o Estado qualquer obrigação adicional de cunho financeiro.


9. CONCLUSÕES

Os fatos e documentos aqui apresentados demonstram que o contexto histórico em que se deu a positivação em nosso ordenamento constitucional do princípio da pureza ou exclusividade orçamentária não mais condizem com as necessidades da sociedade de uma gestão eficaz e oportuna dos recursos públicos. Os motivos que determinaram a inserção no texto constitucional do princípio da exclusividade - impossibilidade de veto parcial – não mais se fazem presentes. O fenômeno da inserção de "impurezas" na legislação, como demonstrado, não é adstrito ao processo orçamentário, ainda que no passado nele tenha sido exacerbado.

Assim, a lei orçamentária pode e deve conter dispositivos que com ela tenham afinidade, pertinência ou conexão, nos precisos termos da Lei Complementar nº 95, de 1998. A concessão de tal faculdade ao legislador prescinde de alteração constitucional, pois, a nosso ver, os termos "previsão da receita e fixação da despesa" envolve conceitos amplos que, dependendo de interpretação progressiva, consentânea com as necessidades atuais, não restringe-se a quantitativos de dotações orçamentárias.

Entretanto, tal amplitude conceitual exige a fixação de parâmetros precisos quanto ao que macula ou não o princípio da exclusividade orçamentária. Deixar-se ao alvedrio do Poder Executivo tal julgamento tem redundado em decisões vacilantes, contraditórias e sujeitas a interesses imediatos da Administração, não sendo esses necessariamente aqueles que melhor expressam um gestão fiscalmente responsável.

As leis de diretrizes orçamentárias apresentam-se como instrumento constitucionalmente adequado à regulação da matéria, nos termos do art. 165, § 2º. Assim, de lege ferenda, poderiam conter dispositivo vedando qualquer preceito na lei orçamentária que não diretamente relacionado às matérias afetas à fixação da despesa e à previsão da receita, excetuadas aquelas que possuam afinidade, pertinência ou conexão no âmbito do direito financeiro e que, cumulativamente, regulem especificamente os créditos contidos na respectiva lei orçamentária, seus efeitos restrinjam-se ao exercício financeiro regido pela lei orçamentária correspondente, e não criem para o Estado qualquer obrigação adicional de cunho financeiro.


Bibliografia

Franco Neto, J.M.B. " Sistema orçamentário", in Transferência de técnicas orçamentárias para a América latina. Brasília, Comissão De Coordenação E Implementação De Técnicas Financeiras- COCITEF, anais do IV Seminário Nacional sobre Orçamento Público, 1978

Viana, Arizio de. Orçamento Brasileiro, Rio de Janeiro, edições financeiras, 1950, p. 43, apud GIACOMONI, J.Orçamento Público, São Paulo , Atlas , 1986

EPITÁCIO PESSÔA, apud CASTRO, Araújo. A Reforma Constitucional , Rio de Janeiro, Livraria Ed.Leite Ribeiro. 1924

BALEEIRO, Aliomar. A Constituição de 1981. Brasília. Centro de Ensino a Distância. 1987.

BASTOS, Marcelo Lessa. ARCELO LESSA. Considerações sobre o veto presidencial aos projetos de leis. (on line) disponível em : < http:/www.fdc.br/artigos/vetos.htm#-ftn.15> acesso em : 13.02.2003.

FERREIRA FILHO, Manoel apud MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo. Ed. Atlas. 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constituicional Positivo, São Paulo. Malheiros. 2000.

SILVA, Sebastião Sant`anna. Os princípios Orçamentários. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1964.

SANCHES. Oswaldo M. Dicionário de Orçamentos, Planejamentos e aréas afins. Brasília: Prisma, 1997.

GIACOMONI, James. Orçamento Público. São Paulo, Ed. Atlas, 1996.

COFF/ CD E CONOF/SF. Nota técnica conjunta n° 001 de 2003- Análise dos vetos à lei n° 10.640 de 14.01. 2003- LOA/ 2003. Disponível em http://intranet/ internet/ orçament/principal/notas%20conjuntos/NTC%2001% 20%202003%20-20Vetos á %20LOA%202003.pdf. acessado em 13.02.2003


Notas

1. Art. 164, § 7°- aplicam-se aos objetos mencionados neste artigo, no que não contrariar o disposto nesta seção, as demais normas relativas ao processo legislativo.

2. Art. 5° O projeto de lei orçamentária anual, elaborada de forma compatível com o plano plurianual, com a lei de diretrizes orçamentárias e com as normas desta Lei complementar:

I- conterá ,em anexo, demonstrativos da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas constantes do documento de que se trata o § 1° do art.4°;

II- será acompanhado do documentos a que se refere o § 6° do art. 165 da Constituição, bem como das medidas de compensação a renúncias de receita e ao aumento de despesas obrigatória de caráter continuado;

III- conterá reserva de contigência, cuja forma de utilização e montante, defenido por base na receita corrente líquida, serão estebelecidos na lei de diretrizes orçamentária, destinada ao:

Vetado

b- atendimento de passivos contigentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

3. O poder executivo fará organizar a consolidação de todas as disposições de caracter permanente, incertas em lei anuais de orçamento, que, não tendo sido revogada, digam respeito ao interesse público da União Federal; serão excluidas todas as que contenham autorização, não realizada, para a reforma da Legislação Fiscal ou de repartições e serviços, assim como augmento de vencimentos ou outras remunerações, igualmente excluidas as que tenham caracter individual e as que directa ou indirectamente e com ou sem condições, autorizem a concessão de quaisquer privilégios, favores ou vantagens. " FAZENDA, Ministério da. Consolidação das disposições orçamentárias de caracter permanente . Rio de Janeiro. Imprensa Nacional, 1923, p.3

4. " Art. 34...... §1° As leis de orçamento não podem conter disposições estranhas à previsão da receita e à despesas fixadas para os serviços anteriores criados.Não se incluem nesta proibição: a- a autorização para abertura de créditos suplementares e para operações de crédito como antecipação de receita ; b- a determinação do destino a dar ao saldo do exercício ou do modo de cobrir o deficit."

5.Art.13. As restrições impostas pelo art.86, caput, da LDO/2003, relativas a obras e serviços com indícios de irregularidades graves, constantes no quadro VII desta lei, abrangem todos os programas de trabalho de orçamento fiscal, de seguridade social e investimento, inclusive as alterações ocorridas ao longo do exercicio por meio de créditos adicionais, e a execução financeira, em 2003, das respectivas despesas inscritas em resto a pagar , no exercício de 2002 e anteriores, bem como qualquer forma de autorização para execução fisica da obra ou do serviço inadequado.

Parágrafo único. É vedada a execução orçamentária, financeira e fisica integral dos créditos relativos aos subtítulos incluídos no Quadro VII nos quais conste indicação de indícios de irregularidades graves em todo empreendimento."

6. § 1° do art.169. – A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, emprego e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades administrativas direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder público, só poderão ser feitas: I- Se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela corrente; II- Se houver autorização especifíca na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia.

7. " Lei n° 10.524, de 25.07.02- LDO/2003 art.10. O projeto de lei orçamentária que o poder executivo encaminhará ao Congresso Nacional e a repectiva lei serão constituídos de:..."

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Eber Zoehler Santa Helena

consultor de orçamento e fiscalização financeira da Câmara dos Deputados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HELENA, Eber Zoehler Santa. Caudas, rabilongos e o princípio da pureza ou exclusividade da lei orçamentária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 422, 2 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5643. Acesso em: 25 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos