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Caudas, rabilongos e o princípio da pureza ou exclusividade da lei orçamentária

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02/09/2004 às 00:00
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O princípio constitucional da exclusividade material da lei orçamentária, dita pureza orçamentária, tem sido considerado motivo para oposição de inúmeros vetos a dispositivos incluídos pelo Congresso nas últimas leis orçamentárias.

Sumário:1. O princípio da pureza ou exclusividade orçamentária. 2. Oportunidade e conveniência do tema. 3. A pureza orçamentária e os rabilongos – evolução histórica. 4. A inclusão de matérias estranhas em leis que não a orçamentária. 5. Os limites da pureza orçamentária – a doutrina. 6. A pureza orçamentária como motivação para vetos. 7. A lei orçamentária e a execução de seus créditos. 8. Matérias passíveis de inclusão na lei orçamentária sem ferir sua pureza. 9. Conclusões.


1. O PRINCÍPIO DA PUREZA OU EXCLUSIVIDADE ORÇAMENTÁRIA

O princípio constitucional da exclusividade material da lei orçamentária, dita pureza orçamentária, como insculpido no art. 165, § 8º, tem sido considerado motivo para oposição de inúmeros vetos presidenciais a dispositivos incluídos pelo Congresso Nacional nas últimas leis orçamentárias.

O § 8º do art. 165 da Constituição dispõe expressamente que: "A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. ".

A delimitação dos termos "estranho à previsão da receita e à fixação da despesa", ali contidos, tem sido motivo de interpretações divergentes entre o Congresso Nacional e o Poder Executivo nos últimos anos.

O exame dos limites impostos pelo constituinte de 1988 ao legislador deve ser lido à luz do novo regime de responsabilidade fiscal implantado a partir de 2000 e da evolução do controle e fiscalização da gestão dos recursos públicos pelos órgãos legislativos, associado à crescente dinâmica das finanças públicas, que exigem normas ágeis e consentâneas com as necessidades da sociedade em permanente mutação.


2. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DO TEMA

A conveniência e a oportunidade do presente trabalho pode ser deduzida da simples leitura de jornais ou revistas de circulação nacional, que cotidianamente veiculam críticas à dissociação existente entre a lei orçamentária e a realidade financeira dos entes públicos, à malversação dos recursos na sua execução, à demora ou à superficialidade no exame da proposta orçamentária pelo Poder Legislativo, ou, ao outrora reiterado uso pelo Poder Executivo do instrumento da edição de medidas provisórias para legislar sobre matéria orçamentária.

Essa última distorção veio a ser corrigida pela Emenda Constitucional nº 32, de 11.9.2001, que vedou expressamente a edição de medidas provisórias destinadas à regulação de matéria orçamentária.

A EC nº 32 incluiu o parágrafo único, I, "d", no art. 62, vedando a edição de medidas provisórias para matérias orçamentárias, especificamente a edição ou alteração de planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvados os créditos extraordinários previstos no art. 167, § 3º.

Mencione-se o flagrante equívoco terminológico no novo dispositivo ao equiparar o gênero, créditos adicionais, com uma de suas espécies, crédito suplementar.

A restrição constitucional deu maior relevância às prescrições contidas no texto da lei orçamentária ao aumentar seu grau de rigidez a alterações subseqüentes. Configurada a necessidade de alteração do contido no texto legal, só por projeto de lei específico.

Destaque-se possuírem as leis orçamentárias processo legislativo singular, como atesta o art. 166, §7º, da Constituição.1 Materialmente constitucional, intimamente vinculado às relações interpoderes, o constituinte de 1988 não se satisfez em dispor genericamente sobre o processo orçamentário, disciplinou-o exaustivamente, dispondo sobre sua iniciativa, elaboração, vedações e apreciação.

A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, Lei Complementar nº 101, de 2000, trouxe inúmeros aperfeiçoamentos ao processo de planejamento, orçamentação e execução de nossas finanças públicas, criando verdadeiro código de conduta para o gestor, instaurando o que muitos consideram a era da gestão responsável no trato dos recursos públicos nas três esferas da administração, desde a federal até a municipal. As alterações trazidas pelo novel códex tiveram incidência profunda sobre a lei orçamentária e seu conteúdo, implicando no acréscimo de inúmeras matérias ao rol de assuntos a serem tratados na lei orçamentária. 2


3. A PUREZA ORÇAMENTÁRIA E OS RABILONGOS – EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A introdução em nosso ordenamento do princípio da exclusividade, ou da pureza orçamentária, possui motivos históricos particulares que devem ser examinados à luz do contexto em que foram concebidos e positivados.

O princípio limita o conteúdo da lei orçamentária, restringindo o legislador, impedindo que nela se incluam normas pertencentes a outros campos jurídicos, como forma de se tirar proveito de um processo legislativo mais rápido.

Dispositivos contendo matérias estranhas ao conteúdo da lei orçamentária verificam-se também no direito comparado, as nossas "caudas orçamentárias" são os tackings para os ingleses, os riders para os norte-americanos, ou os Bepckung para os alemães, ou ainda os cavaliers budgetaires dos franceses.

O primeiro orçamento geral do Império Brasileiro somente seria aprovado oito anos após a Independência, pelo Decreto Legislativo de 15.12.1830, referente ao exercício 1831- 32. Este orçamento continha normas relativas à elaboração dos orçamentos futuros, aos balanços, à instituição de comissões parlamentares para o exame de qualquer repartição pública e à obrigatoriedade de os ministros de Estado apresentarem relatórios impressos sobre o estado dos negócios a cargo das respectivas pastas e a utilização das verbas sob sua responsabilidadei. Como pode se verificar, as matérias tinham relação com a gestão dos recursos públicos autorizados pelo ato legislativo. Entretanto, com o passar dos exercício financeiros, as caudas foram se avolumando e extrapolando os limites do razoável.

Prática essa denominada por Epitácio Pessoa em 1922 de "verdadeira calamidade nacional". No dizer de Ruy Barbosa, eram os "orçamentos rabilongos", que introduziram o registro de hipotecas no Brasil ou alteraram os procedimentos para a ação de desquite. Mas a imensa maioria das caudas diziam respeito a autorizações para o aumento do gasto na área de pessoal e custeio da administração, sem que contivessem créditos próprios, à época denominadas "verbas".

O processo chegou a tal ponto que em 1923 foi elaborada pelo Ministério da Fazenda documento denominado de "Consolidação das Disposições Orçamentárias de Caráter Permanente", editada por força do art. 64 da Lei nº 3644, de 31.12.1918.3

A Constituição republicana de 1891 introduziu alterações no processo orçamentário.A elaboração do orçamento passou à competência privativa do Congresso Nacional.

Embora a Câmara dos Deputados tenha assumido a responsabilidade pela elaboração do orçamento, observa ARIZIO DE VIANA (1986, p.45) que "a iniciativa sempre partiu do gabinete do ministro da Fazenda que, mediante entendimentos reservados e extra-oficiais, orientava a comissão parlamentar de finanças na confecção da lei orçamentária.

A experiência orçamentária da República Velha revelou-se inadequada. Os parlamentos, em toda parte, são mais sensíveis à criação de despesas do que ao controle do déficit. A celeridade do processo orçamentário e a certeza de sua aprovação, aliada à peculiaridade da Constituição de 1891 de não permitir o veto parcial, a exemplo da norteamericana, fizeram com que as leis orçamentárias se transformassem em veículo de matérias distintas ao tema orçamentário ou mesmo financeiro.

ARAÚJO CASTO menciona (1924, p. 64) o desabafo do Presidente Epitácio Pessoa em sua mensagem de 10 de março de 1922, que assim se pronunciou quanto às caudas orçamentárias: "Eu sou francamente pelo veto parcial. Julgo-o não só da mais alta e urgente conveniencia publica como perfeitamente admissivel no regimen da nossa Constituição. É o único meio de responder a essa fraude contumaz com que todos os anos, desde que se proclamou a Republica, e á semelhança do que se fez outr’ora na Inglaterra contra a Camara dos Lords e nos Estados Unidos contra o Presidente, procuramos nas caudas orçamentarias impôr ao Poder Executivo medidas as mais estranhas, contra as quais em projectos de outra natureza se revoltaria o seu zelo pelos principios constitucionaes ou pelos interesses da Nação."

A reforma Constitucional de 1926 tratou de eliminar as distorções observadas na lei orçamentária, reforma a qual ALIOMAR BALEEIRO (1987, p. 44) definiu como ''''o parto da montanha'''', pois de um projeto elaborado pelo governo Arthur Bernardes com 76 emendas dirigidas a 38 artigos dos 91 existentes na constituição de 1891 restaram 34, após a reação dos parlamentares que redundaram na retirada de 43 emendas. I Ao final, pouco foi reformado: o habeas corpus foi restringido à proteção do direito de ir, vir e permanecer, sem que se introduzisse outro remédio rápido e eficaz para defesa de outros direitos individuais e permitiu-se o veto parcial, já que nossa constituição de 1891, copiando a norte-americana, somente permitia o veto ao projeto de lei in totum. Logo veio o abuso presidencial com o veto a palavras, inclusive com a inversão total da vontade legislativa, caso do veto isolado ao termo "não", em inúmeras oportunidades, nos regimes constitucionais de 1934 a 1969.

Como afirma MARCELO LESSA BASTOS v: "Todavia, o veto parcial passou a ser utilizado na história política brasileira como instrumento de abuso do Poder Executivo, para, vetando palavras isoladas do texto legal, mudar-lhe completamente o sentido, acabando por desvirtuar o projeto de lei. E pior: para a derrubada do veto, era (como ainda é) exigido um quorum qualificado, o que dava ensejo à possibilidade de o Executivo legislar transversamente, através da desfiguração do projeto de lei, bastando que tivesse uma minoria que o apoiasse, impedindo a formação do quorum necessário à derrubada do veto e restauração do verdadeiro alcance do projeto desvirtuado. O veto parcial acabou sendo utilizado para fraudar a vontade do Poder Legislativo usurpada pelo Presidente da República."

Assim, com a reforma de 1926 promoveram-se duas alterações significativas em termos de orçamento: a proibição da concessão de créditos ilimitados e a introdução do princípio constitucional da exclusividade, ao inserir-se preceito prevendo expressamente o princípio. 4

Essa foi a primeira inserção da exclusividade em textos constitucionais brasileiros, já na sua formulação clássica, segundo a qual a lei orçamentária não deveria conter matéria estranha à previsão da receita e à fixação da despesa, ressalvadas: a autorização para abertura de créditos suplementares e para operações de crédito como antecipação de receita; e a determinação do destino a dar ao saldo do exercício ou do modo de cobrir o déficit. O conteúdo do artigo acima transcrito foi repetido, com pequenas alterações, em todas as constituições posteriores até a atual.

O princípio da exclusividade sofreu duas modificações na Constituição de 1988. Na primeira, não mais se autoriza a inclusão na lei orçamentária de normas sobre o destino a dar ao saldo do exercício, como o fazia a Constituição de 1967. Na segunda, podem ser autorizadas quaisquer operações de crédito, por antecipação de receita ou não. A mudança refletiu um aprimoramento da técnica orçamentária, com o advento principalmente da Lei 4.320, de 1964, que regulou a utilização dos saldos financeiros apurados no exercício anterior pelo Tesouro ou entidades autárquicas e classificou como receita do orçamento o produto das operações de crédito.


4. A INCLUSÃO DE MATÉRIAS ESTRANHAS EM LEIS QUE NÃO A ORÇAMENTÁRIA

A necessidade da pureza material das normas não é privativa da lei de meios, mas personifica o ideal da norma no ordenamento jurídico como um todo, deve ser geral e abstrata, destinada a regular situações hipotéticas. Portanto, cada lei deve tratar o assunto que lhe é peculiar, nos termos do art. 7º da Lei Complementar nº 95, de 1998. A lei complementar destina-se, por força do art. 59, parágrafo único. da Constituição, dispor sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Assim, ela prevê que os projetos de lei devem observar os seguintes princípios:

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"I - excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto;

II - a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;".

Fica a pergunta: então, por que só a lei orçamentária foi contemplada com restrição constitucional expressa e qual a amplitude de tal restrição.

A estratégia parlamentar de utilizar projetos de lei exógenos à matéria legislada, não é privilégio das leis orçamentárias ou do Poder Legislativo. Como menciona MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO (2002, p. 1158) , "...o veto parcial visa atender a uma necessidade universal, qual seja, fornecer ao Poder Executivo os meios necessários para expurgar dos textos legislativos as denominadas riders (causas legais "sic"), que constituem disposições que, sem conexão com a matéria principal tratada, eram enxertadas pelos parlamentares, forçando o Presidente da República a aceitá-las, sancionando-as, sob pena de fulminar todo o projeto com o veto total."

A tendência ao "aproveitamento" de projetos para matérias que lhe são estranhas não se circunscreve ao âmbito do Poder Legislativo, mas contamina igualmente o próprio Poder Executivo, sendo fenômeno tão freqüente a ponto da Lei Complementar nº 95, de 1998, determinar em seu art. 7º que os projetos de lei devem se restringir a um único objeto e não conter matéria estranha a esse objeto.

Da evolução histórica do princípio da exclusividade no foro constitucional, depreende-se que, após o advento do veto parcial e seu uso reiterado, aliado ao fato de não ser o fenômeno restrito à disciplina orçamentária, não se justifica a manutenção da restrição expressa nas constituições. A explicação de sua sobrevivência pode ser creditada à memória dos abusos cometidos e o temor de sua recidiva. Tem-se a perpetuação de regra reconhecida como útil, ainda que não mais imprescindível. Afinal, orçamento vincula-se umbilicalmente ao exercício do poder de gasto, ao poder da bolsa.


5. OS LIMITES DA PUREZA ORÇAMENTÁRIA - A DOUTRINA

A doutrina pátria ao comentar o princípio da exclusividade tem, em sua imensa maioria, se resignado a transcrever o dispositivo constitucional e asseverar sua origem nas distorções históricas já comentadas, reiterando a necessidade do princípio como forma de evitar abusos no trato da questão orçamentária. A seguir são retirados excertos das poucas análises encontradas sobre o tema.

JOSÉ AFONSO DA SILVA (2000, p. 717), ao discorrer sobre o princípio da exclusividade entende que: "O princípio deve ser entendido hoje como meio de evitar que se incluam na lei orçamentária normas relativas a outros campos jurídicos, tais como as que modificam ou ampliam, por exemplo, o Código Civil, o Código Comercial e a legislação de pessoal. Esse é o objetivo do princípio da exclusividade, que não pode significar impedimento de inclusão de conteúdo programático."

SEBASTIÃO DE SANT’ANNA E SILVA (1964, p.32), em análise percuciente sobre a exclusividade orçamentária, afirma : "Com a implantação dessa regra constitucional (reforma de 1926), parece que caímos no extremo oposto, notadamente em virtude da interpretação restritiva que lhe tem sido dada. A lei orçamentária torna propícia a adoção de medidas fiscais aconselhadas pela conjuntura econômica e financeira, tais como aumento ou redução de certos impostos, modificações da legislação tributária, medidas disciplinadoras da realização de certas despesas autorizadas, etc. Parece-nos que seria constitucional, mantido o princípio da exclusão do orçamento de tôda a matéria não financeira, incluir as medidas acima mencionadas e outras semelhantes na permissão contida nos itens I e II do artigo 73 da Constituição. Mais importante, em nossa opinião, será aplicar, rigorosamente, o que até agora não tem sido feito, a regra constitucional na parte em que proíbe a concessão de créditos para os serviços que não tenham sido criados antes da lei orçamentária. Na Inglaterra, na França e em outros países, a lei de finanças é considerada instrumento adequado para a introdução de reformas e de inovações de natureza fiscal, retirando-se assim do orçamento o aspecto de mero quadro de receitas e de gasto, para transformá-lo em verdadeiro plano financeiro. "

OSVALDO SANCHES (1997, p. 109) destaca a finalidade da vedação expressa à matérias estranhas nas leis orçamentárias como forma de evitar que se tire partido do processo legislativo relativo à tramitação dos projetos de natureza orçamentária, normalmente mais expedito do que os demais, para aprovar, de modo rápido, medida que pelo curso normal do processo legislativo dificilmente prosperariam.

JAMES GIACOMONI (1996, p. 78) reafirma a necessidade do distanciamento da matéria do tema orçamentário para ser considerado como violação ao princípio da exclusividade: " Esse princípio surgiu com o objetivo de impedir que a Lei Orçamentária, em função da natural celeridade de sua tramitação no legislativo, fosse utilizada como meio de aprovação de matérias outras que nada tinham que ver com questões financeiras."


6. A PUREZA ORÇAMENTÁRIA COMO MOTIVAÇÃO PARA VETOS

Nos últimos anos tem sido opostos vetos a inúmeros dispositivos do texto da lei orçamentária a título de ferirem o princípio da pureza orçamentária. A exemplo do que ocorreu em 2003 com os vetos incidindo sobre artigos que dispunham sobre relatórios de receita e despesa previstos nos anexos orçamentários e sobre a suspensão dos créditos destinados a obras com gestão irregular. 5

Na Nota Técnica Conjunta COFF/CD-CONOF/SF nº 1/2003 xi, ao analisar os vetos opostos à lei orçamentária para 2003, fundados no motivo de inconstitucionalidade por pretensamente ferirem o princípio da exclusividade, menciona-se: "Não pode ser tida como inconstitucional a veiculação na lei orçamentária de disposição que fornece uma interpretação autêntica do art. 86 da LDO/2003, diretamente relacionada à execução da despesa fixada no programa de trabalho aprovado. Ademais, vale recordar, em suporte à nossa argumentação, que desde 1997 as leis orçamentárias vêm dispondo sobre a matéria constante do ora vetado art.13, sem celeumas, contestações ou oposição de vetos. Como não houve alterações constitucionais que justificassem a mudança de posicionamento, a alegação de inconstitucionalidade nos parece ainda mais insubsistente, principalmente quando o mérito não foi contestado."

Verifica-se que os parâmetros para considerar qual matéria fere ou não a pureza orçamentária varia de ano a ano conforme as conveniências.

Ainda no sentido de demonstrar quão fluido é a interpretação atual da exclusividade orçamentária, tem-se o exemplo da autorização para aumento de gastos com pessoal prevista no art. 169, § 1º, II, da Constituição 6, que atribui a matéria à LDO e que as últimas LDO tem conferido a um demonstrativo anexo ao texto da lei orçamentária a tarefa a ela cominada. Contra a inclusão dessa matéria na lei orçamentária não foi argüida qualquer inconstitucionalidade por parte do Poder Executivo, até a presente data.


7. A LEI ORÇAMENTÁRIA E A EXECUÇÃO DE SEUS CRÉDITOS

O constituinte de 1988 não atribuiu expressamente na Lex Legum a qualquer diploma legal a competência de regular questões referentes à execução orçamentária dos créditos contidos na lei ânua. Para a lei complementar prevista no art. 165, § 9º, remeteu-se o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual; e estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos. Tão pouco foi designada a LDO para disciplinar execução orçamentária ou financeira. O fato de todas as LDO terem dispositivos sobre a execução e sua aceitação pacífica pela administração decorre exatamente desse hiato constitucional.

Sendo a execução do orçamento sua materialização, não há como entender-se que a própria lei que autoriza, não possa limitá-la ou condicioná-la. Para se descobrir se o dispositivo fere ou não a pureza orçamentária assegurada pela Lei Maior há de se perquirir ter ou não o dispositivo pertinência direta com os créditos orçamentários e suas respectivas dotações, como constantes dos Anexos da lei orçamentária. Na programação de trabalho das unidades orçamentárias é que se dá concretude ao dispositivo constitucional de "fixação da despesa", especificando a ação e seu custo para a sociedade.

Assim, se o dispositivo regula, limita ou condiciona a execução de crédito ali existente, não há como se negar a pertinência do dispositivo do texto legal com o demonstrativo do crédito orçamentário e seus valores.

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Sobre o autor
Eber Zoehler Santa Helena

consultor de orçamento e fiscalização financeira da Câmara dos Deputados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HELENA, Eber Zoehler Santa. Caudas, rabilongos e o princípio da pureza ou exclusividade da lei orçamentária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 422, 2 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5643. Acesso em: 18 abr. 2024.

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