2 AGÊNCIAS REGULADORAS
O Jurista Alexandre Santos Aragão cita em sua obra L. Baudin que declara: o Direito é uma cristalização da economia [83]. Em outras palavras, o Direito deve adaptar-se às constantes mudanças pelas quais passam a sociedade econômica.
2.1 Formas de Concessão do Poder Estatal
É primordial entendermos as formas pelas quais o Estado pode conceder aos entes privados a exploração de determinado serviço ou atividade. Uma das principais atribuições das agências reguladoras em geral, são o seu poder de concessão dos serviços públicos, pois estas têm o fito de fiscalizar os entes concessionários.
A concessão de serviços públicos "enquadra-se em uma das formas de privatização do serviço público" [84], como salienta Di Pietro. Dentre as formas de diminuição do tamanho do Estado, podemos compreender, fundamentalmente:
a)a desregulação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico);
b)a desmonopolização de atividades econômicas;
c) a venda de ações de empresas estatais ao setor privado (desnacionalização ou desestatização);
d) a concessão de serviços públicos (com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo;
e)os contracting out (como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo-se mencionar, como exemplos, os convênios e os contratos de obras e prestação de serviços); é nesta última forma que entra o instituto da terceirização [85].
O conceito dado por Di Pietro é retirado de Francisco Villar Rojas, que entende a privatização "como a redução da atividade pública na produção e distribuição de bens e serviços, mediante a passagem (por vezes devolução) dessa função para a iniciativa privada" [86].
Podemos encontrar os dispositivos para a concessão dos serviços públicos no artigo 21, incisos XI e XI, 25, § 2º, (alterados pela Emenda Constitucional n º 8), 175 e 223 da Constituição Federal, dando ao Poder Público a possibilidade de repassar a prestação de determinados serviços públicos, que serão analisados em item especifico adiante.
2.1.1 Concessão de serviço público
Questão importante para o presente trabalho é estudar o instituto da concessão de serviços públicos. Este é o meio pelo qual o Estado procura fornecer os serviços públicos que a Constituição Federal determina através do artigo 175 caput e incisos. Prevê tal artigo:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. (...) Parágrafo único. A lei disporá sobre: (...) I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; (...) II - os direitos dos usuários; (...)III - política tarifária; (...) V - a obrigação de manter serviço adequado.
A constituição procura estabelecer os parâmetros pelas quais deverão ser fornecidos, fiscalizados e cobrados os serviços públicos, como no caso o serviço de telefonia.
Como coloca Di Pietro, "a concessão de serviços públicos tem seu nome constantemente ligado à idéia de privatização. E como tal pode ser considerada, desde que se tenha presente a idéia de privatização em seu sentido amplo" [87].
Ainda com a mesma autora, podemos entender que "a privatização é um dos instrumentos para diminuir o tamanho do Estado" [88], ao se transferir para a iniciativa privada as atribuições da prestação de serviços públicos.
2.1.2 Legislação
A legislação brasileira trata sobre o instituto da concessão de serviços públicos nos artigos 21, XI, XII, § 2º, 175, e 223 de nossa Carta Magna. Há também em âmbito infraconstitucional a lei 8.987/95 que trata especificamente sobre este assunto.
O primeiro artigo constitucional citado trata de quais serviços públicos deverão ser explorados pela união através da iniciativa privada:
Art. 21. Compete à União: (...) XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;"
Este artigo determina também a criação de órgão regulador para controlar este serviço público, qual seja, a ANATEL. O artigo 25 trará da competência para a concessão de serviços de gás canalizado. Salienta Di Pietro que este artigo "indica os serviços que a União pode prestar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, aí incluindo os serviços de telecomunicações". [89]
O artigo 175, preleciona que "incumbe ao Poder Público, na forma da Lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". O parágrafo único prevê lei que disponha sobre: I - regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições e caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III - política tarifária; IV - a obrigação de manter o serviço adequado. (90)
Valemo-nos do artigo 2 º da Lei nº 9.075/95, que determina as normas para outorga e prorrogação das concessões e permissões. Tal artigo veda:
À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem serviços públicos, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios observadas em qualquer caso, os termos da lei 8.987/95.
Já o artigo 175 da Constituição Federal, já citado em linhas anteriores, alude sobre as formas que se darão às concessões públicas. Por fim, o artigo 223 da Constituição Federal dispõe sobre a concessão de serviços de radiodifusão sonora de sons e imagens.
2.1.3 Conceito de concessão de serviços públicos
Juarez Freitas pode nos conceder um conceito de concessão pública:
A concessão pode ser definida como delegação da prestação de serviço público - encetada pela entidade estatal (União, Estados, Distrito Federal ou Município) em cuja competência se encontre o aludido serviço, por meio de contrato administrativo, bilateral e oneroso, precedido de licitação na modalidade concorrência pública, à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas capazes de assumi-lo, por prazo determinado e por sua conta e risco, em harmonia com as exigências dos princípios regentes da Administração Pública, inclusive o da economicidade [91].
Conforme entende Ruth Helena Pimentel de Oliveira:
Na concessão de serviço Público a Administração Pública transfere a terceiros, por meio de contrato administrativo, a prestação de um serviço público, para que o executem por sua conta e risco, e sob sua responsabilidade, sendo remunerada mediante tarifa paga pelo usuário, ou outro meio decorrente da exploração do serviço [92].
Tiramos outra definição de concessão de serviço público do artigo 2º, inciso II da Lei nº 8.987/95:
A delegação de sua prestação, feita pelo Poder Concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
Esta definição só alcança os limites da própria lei, visto ser ela um tanto quanto limitada. Di Pietro, tem como conceito de concessão de serviços públicos:
Contrato administrativo pelo qual a Administração pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço [93].
Os conceitos dados as concessões de serviços públicos desta forma, abrangem em sua maioria a execução de tal serviço por conta e risco da empresa concessionária, o pagamento de tarifa pelo usuário e o prazo para a exploração por este ente do serviço público.
Para fins didáticos, será adotado o conceito dado por Di Pietro citado acima.
Ponto importante é quanto ao caráter duplo das concessões, pois há de um lado o serviço público que deve funcionar levando-se em conta o interesse dos usuários e da Administração e de outro a questão de que a exploração se dá por uma empresa capitalista, voltada para o lucro. Desta ambigüidade resulta como chama Di Pietro em um "regime jurídico híbrido" [94], ou seja, a empresa atua segundo as normas do direito privado, quanto a sua organização, estrutura e suas relações com os terceiros, como determina o artigo 25 § 1º da Lei 8987/95. De outro ponto, a relação da concessionária como Poder Público se dá por um contrato tipicamente administrativo, o que acarreta a submissão a todos os princípios inerentes a administração pública.
2.1.4 Princípios básicos inerentes às concessões de serviços públicos
Quanto aos princípios inerentes a prestação de serviços públicos os concessionários ficam sujeitos aos da continuidade, mutabilidade do regime jurídico e igualdade dos usuários.
O princípio da continuidade sinteticamente consiste em que é impossível a interrupção do serviço público, a não ser em hipóteses estritas em lei e no contrato, como determina o artigo 6 º da lei 8987/95.
O princípio da mutabilidade resumidamente é a possibilidade de alteração contratual das clausulas de concessão pela Administração para o atendimento dos interesses públicos.
Há ainda o princípio da igualdade entre usuários, derivado do principio constitucional de que todos são iguais perante a lei, determinando que todos os usuários que satisfaçam às condições legais façam jus à prestação do serviço.
Como vemos, a concessão é uma forma que o Poder Público tem de melhor prestar os serviços a que tem obrigação de disponibilizar ao usuário. O conceito dado por esta autora, será adotado para os fins a que se destina a presente pesquisa monográfica.
Há que se diferenciar a concessão de duas outras formas de destinação dos serviços públicos ao setor privado, quais sejam, a permissão e a autorização.
2.1.5 Diferenças entre concessão, permissão e autorização
2.1.5.1 Permissão
A palavra "permissão", segundo Di Pietro, possui um sentido amplo, que designa "o ato administrativo unilateral, discricionário, precário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta ao particular a execução do serviço público ou a utilização privativa de bem público por terceiros" [95].
A autora diferencia a permissão da autorização no que concerne à sua natureza:
Enquanto a concessão é contrato e, portanto, instituto que assegura maior estabilidade ao concessionário, em função do estabelecimento de direitos e deveres recíprocos, especialmente decorrentes do estabelecimento de um prazo, a permissão é ato unilateral, discricionário e precário, não envolvendo, por isso mesmo, qualquer direito do particular contra a Administração Pública [96].
Com isso, a permissão é uma forma do Estado permitir a exploração de determinado serviço público, sem precisar este constituir o particular em diretos contra ele, mas apenas contra terceiros.
2.1.5.2 Autorização
Conceitua Di Pietro a autorização dos serviços públicos pelo Poder Público:
Ato unilateral e discricionário pelo qual a Administração faculta ao particular o desempenho de atividade material ou a sua prática, ato que, sem esse consentimento, seria legalmente proibido. Trata-se de autorização como ato praticado no exercício do poder de polícia [97].
Com isto, todas as hipóteses em que a prática ou atividade do ato é vedada por lei, como a radiodifusão sonora ou de imagens, os serviços de energia elétrica, a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária, entre outros, por razões de interesse público no que diz respeito ao bem comum, caberá a autorização destes serviços ao setor privado.
A diferença básica da autorização é que ela é dada no interesse exclusivo do particular. Não há necessidade de que lhe sejam delegadas prerrogativas públicas, diferentemente da concessão e da permissão, onde o mesmo Poder Público delega a particular uma atividade que vai atender a necessidades coletivas, definidas pela lei como serviço público e, por isso, deve ser prestada sob o regime jurídico parcialmente público, à medida que o concessionário e o permissionário estarão sujeitos aos princípios inerentes à prestação do serviço público (continuidade, mutabilidade, igualdade entre os usuários) e exercerão as prerrogativas públicas que lhe forem conferidas pela lei e pelo contrato, ao contrário do que ocorre na autorização, a qual não se aplicam nem os princípios referidos nem as prerrogativas públicas.
2.2.2.3 Concessão dos serviços de telecomunicações
Ponto importante a salientar é aquele quanto à forma de concessão dos serviços de telecomunicações. Segundo o artigo 131 da Lei nº 9.472/97, "a exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia autorização da agência, que acarretará direito de uso das radiofreqüências necessárias". Pelo §1º do mesmo artigo, a "autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias". Esta lei cuidou também da classificação quanto ao regime da prestação em seu artigo 63. Desta forma, dividiu-a em dois tipos: o público e o privado. Naquele ‘os serviços são prestados em regime de concessão ou permissão (art 63, parágrafo único), enquanto o regime privado é prestado mediante autorização (art 131)" [98].
Fica, assim, esclarecido o que vem a ser a concessão, a permissão e a autorização de Serviços Públicos, já que esta diferenciação é muito pertinente à compreensão da atividade fiscalizadora das agências reguladoras.
2.2 Origens Históricas das Agências Reguladoras
2.2.1 Origens históricas
Existem três fases distintas da evolução da intervenção do Estado na economia. A primeira fase se passa no fim do século XIX e começo do Século XX, em que o Estado se apresentava como um ente que prestaria a segurança, a justiça e os serviços públicos, galgado nas teorias liberalistas, de intervenção mínima.
Na segunda fase, o Estado molda-se de forma a suprir as necessidades do mercado, decorrentes das grandes guerras, da quebra de bolsas e falências de grandes empresas. Esse novo modelo adotado passou a se chamar welfare state, ou seja, estado de bem-estar, em que o Estado deveria intervir na economia, como meio de desenvolvimento social.
Por fim, Barroso, explica o que ele chama de terceira fase, que ocorreu nos últimos 25 anos, em que "o modelo vigente, de um Estado interventor, cai por terra, criticado por sua morosidade, burocracia e desperdício de recursos" [99].
Verifica-se a evolução do intervencionismo Estatal na sociedade desde a primeira fase, mesmo quando se vislumbrava um modelo pouco intervencionista, sem que o Estado interferisse na ordem econômica.
O Estado se tornou o ente responsável por uma política distributiva de renda ao intervir e participar no processo de produção de bens de consumo, em que se propôs a ser um mediador, no sentido de regular a atividade econômica/social, embora nem sempre de forma incisiva.
Com o intuito de melhor servir à sociedade, o Estado começou a interferir nas atividades econômicas, através de instrumentos ágeis e independentes, que não sofressem ingerências político/econômicas, mas que da mesma forma exercessem certo controle perante o poder do mercado [100].
No entendimento de Márcio Chalegre Coimbra "o surgimento das agências reguladoras tem vínculo direto com o processo de retirada do Estado da economia" [101]., Para o autor, "as agências foram criadas com o escopo de estabelecer normas para os setores dos serviços públicos, buscando um equilíbrio entre o Estado, usuários e delegatários" [102]. Na Alemanha, esta nova forma de ver a intervenção econômica do Estado é denominada "economia social de mercado", onde deve haver a liberdade econômica como princípio do desenvolvimento social, sem, contudo, esquecer-se do aspecto social, que o próprio sistema capitalista acaba por sufocar. Nesta esteira, é que o Estado deve intervir no plano econômico, fazendo-se presente nos assuntos que interfiram no bem comum.
As chamadas agências surgiram com o fito de melhor regular a atividade econômica a que elas se destinam, salvaguardando o interesse público e com isso, proporcionando mais dinamismo da atuação estatal na economia.
2.3 Surgimento das Agências Reguladoras no Quadro Jurídico Brasileiro
As agências reguladoras têm relação direta com as próprias mudanças no modelo de intervenção estatal do Brasil.
Houve três fases do desenvolvimento da ordem jurídico-econômica nacional no último século, que se complementam, sem, contudo, se confundirem:
Na primeira fase, verifica-se que as mudanças ocorridas na legislação brasileira visavam buscar uma maior liberdade econômica, por exemplo, no caso da extinção de restrições ao capital estrangeiro, trazendo com isto maiores investimentos e conseqüentemente maior desenvolvimento econômico pátrio.
A segunda fase foi caracterizada pela quebra dos monopólios estatais em vários setores econômicos, que possibilitaram a exploração de determinada atividade econômica não só pelos entes estatais, mais também pela iniciativa privada:
A segunda linha de reformas que modificaram a feição da ordem econômica brasileira foi a chamada flexibilização dos monopólios estatais. A Emenda Constitucional nº 5, de 15.08.95, alterou a redação do § 2º do art. 25, abrindo a possibilidade de os Estados-membros concederem às empresas privadas a exploração dos serviços públicos locais de distribuição de gás canalizado, que, anteriormente, só podiam ser delegadas às empresas sob controle acionário estatal. O mesmo se passou com relação aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. É que a Emenda Constitucional n º 8, de 15.08.95, modificou o texto dos incisos XI e XII, que só admitiam a concessão à empresa estatal. E, na área do petróleo, a Emenda Constitucional n º 9, de 09.11.95, rompeu, igualmente, com o monopólio estatal, facultando à União Federal a contratação com empresas privadas de atividades relativas à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação, exportação e transporte dos produtos e derivados básicos de petróleo (outrora vedados pela CF, art. 177 e § 1 º, e pela Lei n º 2.004/51) [103].
Concluindo, o Jurista trata do importante Programa Nacional de Privatização, realizado pelo Governo Federal Brasileiro com o fito de transferir à iniciativa privada à exploração econômica de determinados serviços, como por exemplo, os serviços telefônicos:
A terceira transformação econômica de relevo – a denominada privatização – operou-se sem alteração do texto constitucional, com a edição da Lei 8.031, de 12.04.90, que instituiu o Programa Nacional de Privatização, depois substituída pela Lei 9.491, de 9.09.97. Entre os objetivos fundamentais do programa incluíram-se, nos termos do art. 1º, incisos I e IV: (I) reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; (II) contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia.(...) Acrescente-se, em desfecho do levantamento aqui empreendido, que, além das Emendas Constitucionais nos 5, 6, 7, 8 e 9, assim como da Lei 8.031/90, os últimos anos foram marcados por uma fecunda produção legislativa em temas econômicos, que inclui diferentes setores, como: energia (Lei 9.247, de 26.12.96), telecomunicações (Lei 9.472, de 16.07.97) e petróleo (Lei 9.478, de 6.08.97), com a criação das respectivas agências reguladoras; modernização dos portos (Lei 8.630, de 25.02.93) e defesa da concorrência (Lei 8.884, de 11.06.94); concessões e permissões (Leis 8.987, de 13.02.95 e 9.074, de 7.07.95), para citar alguns exemplos [104]. (grifou-se)
É importante ressaltar que apesar da diminuição da intervenção estatal na economia, o mesmo não pode ser considerado como um Estado mínimo, visto que exerce influência econômica, ao regular as atividades que anteriormente eram de sua responsabilidade. Pelo contrário, ao estabelecer regras e formas de intervenção econômica, verifica-se que este deslocou a atuação estatal do campo empresarial, através das empresas públicas, para o campo da disciplina jurídica, ao ampliar o seu papel na regulação e fiscalização dos serviços públicos e atividades econômicas.
Com isto, o Estado não deixou de ser um fator decisivo. Verifica-se este fato, pela enorme quantidade de textos normativos editados nos últimos anos. Realmente, na década de 90 houve a flexibilização dos monopólios públicos e a conseqüente abertura de setores ao capital estrangeiro. Foi também nesse período que se introduziu no país uma política específica de proteção ao meio ambiente, limitativa da ação dos agentes econômicos, e se estruturou um sistema de defesa e manutenção das condições de livre concorrência que, embora longe do ideal, constituiu um considerável avanço em relação ao modelo anterior. Nesse ambiente, "é que despontaram as agências reguladoras como instrumento da atuação estatal" [105].
2.4 Conceito, Natureza Jurídica, Características e Princípios das Agências Reguladoras
2.4.1 Conceito
Para Alexandre Santos Aragão, "todo conceito é sempre a tentativa de apreensão de uma realidade-sempre fluida e imprecisa" [106].
Para o mesmo autor, pode-se conceituar as Agências Reguladoras como:
Autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigidas por colegiados cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após previa aprovação pelo Senado Federal, vedada à exoneração ad nutum [107].
Desta forma, adotaremos na presente pesquisa bibliográfica este conceito, por ser mais abrangente, atendendo as necessidades do presente trabalho.
Valemo-nos, neste momento, de Ruth Helena de Oliveira, que entende como finalidade das Agências reguladoras:
As Agências Reguladoras tem como missão primordial estabelecer as metas, traçar os objetivos, enfim, tudo que for necessário para garantir o funcionamento dos serviços públicos prestados pela iniciativa privada, dentro dos princípios inerentes à própria atividade, o da continuidade, o da mutabilidade do regime jurídico, o da generalidade, o da modicidade e o da eficiência [108].
As agências reguladoras são, entes destinados a dar garantia do funcionamento dos serviços por elas regulados.
Rodrigo dos Santos Neves tem o seguinte conceito para agências reguladoras:
(...) as agências reguladoras podem ser conceituadas como autarquias em regime especial, isto é, órgãos administrativos dotados de personalidade jurídica própria, autonomia administrativa e financeira, não sendo subordinadas hierarquicamente à Administração central, isto é, suas decisões não sofrem, ou não deveriam sofrer, influência do chefe do Executivo ou do Ministro de Estado, já que suas decisões são técnicas e não políticas. Como pessoas jurídicas de direito público, são sujeitos de direitos e obrigações, devendo ser consideradas pessoas diversas da do Estado [109].
As agências, desta forma, são instrumentos autônomos, mas subordinados à Administração central, não tendo as suas decisões caráter político, mas sim técnico.
2.4.2 Natureza jurídica
A natureza jurídica das agências reguladoras é de autarquia em regime especial. Essa designação é proveniente de Lei, como a que criou a ANATEL. O art. 1º do Decreto nº 2.338, de 7 de outubro de 1997, dispõe:
A Agência Nacional de Telecomunicações, criada pela Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, é entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida ao regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com função de órgão regulador das telecomunicações. (grifou-se)
A Autarquia em regime especial possui determinadas características que a diferencia das demais autarquias comuns.
A Autarquia é conceituada pelo Decreto-Lei nº 200, de 1967 que a define como "o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica própria, patrimônio e receita próprias, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada".
A Autarquia em regime especial é aquela em que a própria Lei, instituidora do órgão, lhe confere poderes especiais, como no caso da ANATEL:
Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Publica Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com função de órgão regulador das telecomunicações, com sede em Brasília, podendo estabelecer unidades regionais (Lei 9.472, de 16/07/1997).
Ruth Helena Pimentel de Oliveira ressalta que, "apesar do regime especial, característico das Agências Reguladoras, estas estão comprometidas com os princípios básicos da administração pública, quais sejam, legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência" [110].
2.4.3 Classificação das agências reguladoras
Existem diversos meios para classificarmos os tipos de agências reguladoras. Dentre os tipos de classificação podemos enquadrar as agências quanto à sua esfera federativa, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Lei nº 9.427/96), a Agência Nacional de Petróleo e Gás (Lei nº 9.478/97), a Agência Nacional de Águas (Lei nº 9.984/2000), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei nº 9.782/1999), a Agência Nacional de Transportes Terrestres e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Lei nº 10.233/2001), a Agência Nacional de Cinema (MP nº 2.219/01) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (Lei nº 9.961/2000).
Há também agências de competência estadual, como por exemplo, a Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transporte e Comunicações da Bahia (Lei Estadual nº 7.314/98), a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Lei Estadual nº 10.931/97) e a Agência Catarinense de Regulação e Controle (Lei Estadual nº 11.355/2000).
Na mesma linha de classificação, há as agências reguladoras municipais como a Agência Municipal de regulação dos Serviços de Saneamento de Cachoeiro do Itapemerim - AGERSA (Lei nº 4.798/99).
Quanto ao seu caráter legal, as agências reguladoras podem ser de "caráter constitucional, como no caso da ANATEL e a ANP, ou de caráter exclusivamente legal, criadas por lei infraconstitucional, incluindo aqui, todas as demais agências" · (111), segundo o entendimento de Alexandre Santos Aragão.
A classificação e que será adotada na presente pesquisa monográfica, é a que se dá segundo a atividade regulada pela Agência. Assim, teríamos as agências reguladoras de serviços públicos (agências reguladoras estaduais e a ANATEL), as agências reguladoras da exploração de monopólios públicos (ANP), as agências reguladoras da exploração de bens públicos (ANA) e as agências reguladoras de atividade econômicas privadas (ANVISA e ANS).
Alexandre Santos Aragão lembra que "este enquadramento específico de cada categoria leva em consideração as suas atribuições mais relevantes" [112]. Cita o autor o exemplo da ANP, que, "além de regular a exploração privada das jazidas públicas - o que constitui atividade monopolizada da União, também regula a venda a varejo de combustíveis, atividade econômica privada" [113].
2.4.4 Características e princípios das agências reguladoras
Caio Tácito define as seguintes características das agências reguladoras:
"É constituída como autarquia especial, afastando-se da estrutura hierárquica dos ministérios e da direta influência política do governo, com acentuado grau de independência; (...) É dotada de autonomia financeira, administrativa e, especialmente, de poderes normativos complementares à legislação própria do setor; (...) Possui poderes amplos de fiscalização, operando como instância administrativa final nos litígios sobre matéria de sua competência; (...) Responde pelo controle de metas de desempenho fixadas para atividades dos prestadores de serviço, segundo as diretrizes do governo e em defesa da coletividade [114]".
Tais características são complementadas por Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
Possui direção colegiada, e os membros são nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal; (...) os dirigentes possuem mandato com prazo de duração determinado; (...) após cumprido o mandato, os dirigentes ficam impedidos, por um prazo determinado, de atuarem no setor atribuído a agência, sob pena de incidirem no crime de advocacia administrativa [115].
Ruth Helena Pimentel de Oliveira, ensina que, "como autarquia com regime especial, as agências reguladoras possuem autonomia administrativa, que lhes permite contratar, adquirir direitos e contrair, assim, obrigações em nome próprio, dentro das normas do ordenamento jurídico brasileiro" [116].
Destaca ainda que, por terem maior autonomia, "as agências possuem estrutura funcional própria, de acordo com as normas legais e regulamentares em vigor, lembrando que esta autonomia advém da lei criadora da agência, podendo ter maior ou menor grau" [117].
Luís Roberto Barroso entende que, "o dirigente (da agência reguladora) deve ter garantia de permanência no cargo, a fim de que lhe seja assegurada à independência" [118], pois caso contrário, estaria à lei possibilitando que interferências externas prejudicassem a atuação da agência, na área de sua função. O autor ressalta que, "após o período de exercício do mandato, o dirigente não poderá exercer atividade em alta direção em uma empresa privada que atue na área de regulação da agência, por um período de 12 meses, conforme manda a Lei nº 9472/97" [119].
2.5 Meios de Intervenção das Agências Reguladoras
As agências reguladoras mostram-se mais dinâmicas e independentes, não sofrendo ingerências político-partidárias pois, caso contrário, tais ingerências prejudicariam a sua atuação.
No entanto, segundo Luiz Roberto Barroso, "como são autarquias, integrantes da administração indireta, acham-se submetidas ao poder de supervisão e tutela exercido pelo órgão da administração ao qual estão vinculados" [120].
Para o autor, a Agência "não escapa dos controles administrativos e da tutela exercida pelo Ministério [121] ao qual encontra-se vinculada, nem mesmo à direção superior da administração federal, conforme preceitua o artigo 84, inciso II, da Constituição Federal" [122]. Tanto é verdade que, segundo o inciso XXIX do artigo 19, da Lei nº 9.472/97, a Anatel tem obrigação de enviar anualmente o relatório de suas atividades ao Ministério das Comunicações e, por intermédio do Presidente da República, ao Congresso Nacional.
Ruth Helena de Oliveira ressalta que, "mesmo com estas obrigações, o Poder Executivo não pode rever ou alterar atos emanados da agência reguladora, não cabendo recurso hierárquico impróprio, pelo qual a decisão da agência reguladora possa ser revista ou alterada pelo agente político do departamento a que estiver vinculada, como por exemplo, os Ministérios" [123].
Vale destacar que as agências reguladoras não escapam do controle que o Poder Judiciário exerce, em razão do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, como preceitua o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Para Ruth Helena de Oliveira, "qualquer ato praticado pela agência pode ser submetido à apreciação do Judiciário, e esse poder poderá examinar os atos da agência sempre sob o aspecto da legalidade e da moralidade e, em tese, jamais poderá invadir os aspectos reservados à apreciação subjetiva (oportunidade e conveniência)" [124]. Contudo, segundo a mesma autora, "o Poder Judiciário não poderá interferir nos assuntos que digam respeito à atividade técnica da agência, quando estes não ferirem os princípios da Administração Pública" [125].
Lembra esta autora que as agências reguladoras, da mesma forma, não escapam também do controle exercido pelo Poder Legislativo, pois, "segundo o artigo 49 da Constituição Federal, a agência reguladora está sujeita ao controle exercido pelo Congresso Nacional" [126]. Da mesma forma, prossegue a autora, "os atos dessas agências não podem escapar do controle exercido pelo Tribunal de Contas, uma vez que gerenciam verbas públicas" [127].
Destacamos que, por ser uma autarquia, esta se mantém por recursos próprios, como no caso da Anatel, por uma taxa de fiscalização instituída em sua lei criadora, o que não significa que a entidade possa realizar despesas não previstas na lei orçamentária, ou que não se submete às normas de execução financeira. Para Ruth Helena de Oliveira, "pode ser aplicado às agências reguladoras o que dispõem os artigos 163 e 165, da Constituição Federal, como também os mandamentos dos artigos 167 e 169 da Lei Federal nº 4.320/64, que dispõe sobre normas de execução orçamentária e financeira e a Lei complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)" [128].
Para Ruth Helena de Oliveira, a autonomia econômico-financeira dessas agências "é assegurada pela existência de receitas próprias, arrecadadas diretamente em seu favor, geralmente provenientes da taxa de fiscalização ou taxa de regulação, além da fixação do orçamento anual da agência, que integra a Lei Orçamentária da União" [129].
Luis Roberto Barroso posiciona-se da mesma maneira que os autores anteriormente citados, ressaltando que "se procura dar à agência outros meios de renda, como as taxas de fiscalização" [130].
Verifica-se, desta forma, que apesar de serem independentes, as agências reguladoras, como a ANATEL, possuem uma independência diferenciada, sem, contudo distanciar-se dos órgãos a que estão relacionados, como o Ministério das Comunicações.
2.6 Funções das Agências Reguladoras
As funções das agências reguladoras são traçadas na forma da Lei que as institui. No caso da ANATEL, estas funções são regidas pelo artigo 19 da Lei nº 9.472/97, que determina o âmbito de sua competência.
As atribuições dadas às agências reguladoras são amplas e abrangentes: regular determinado setor, organizando o funcionamento do respectivo serviço público, fiscalizar a prestação da atividade pelo concessionário, arbitrando conflitos entre as partes envolvidas na relação jurídica (Poder Concedente, concessionários e usuários).
Para Di Pietro são atribuições das agências reguladoras:
(...) regulamentar os serviços que constituem objeto da delegação (...) realizar o procedimento licitatório para escolha do concessionário, permissionário ou autorizatário; (...) celebrar o contrato de concessão ou permissão, ou praticar ato unilateral de outorga de autorização; (...) definir o valor da tarifa, de sua revisão ou reajuste; (...) controlar e execução dos serviços, podendo aplicar sanções, encampar, decretar a caducidade, intervir, fazer rescisão amigável, providenciar a reversão dos bens ao término da concessão; (...) exercer o papel de ouvidor de denúncias e reclamações dos usuários [131].
Para Alexandre Santos Aragão, são quatro as funções das agências reguladoras, quais sejam, "a de estabelecer normas, de fiscalizar, de aplicar sanções e de compor conflitos" [132].
Para o presente trabalho, será adotado o sistema deste autor, que define de forma clara e sintética as funções das agências reguladoras.
2.6.1 Função Reguladora ou Regulamentadora?
Dentre as funções desempenhadas pelas agências, a normativa é uma das que traz maior debate entre os juristas, não havendo até o presente momento um entendimento pacífico.
Para Di Pietro, o vocábulo regular significa "estabelecer regras, independentemente de quem as dite, seja o Legislativo ou o Executivo, ainda que por meio de órgãos da Administração direta ou entidades da Administração indireta. Trata-se de vocábulo de sentido amplo, que abrange, inclusive, a regulamentação, que tem um sentido mais estrito" [133].
Da mesma forma, coloca a autora, "regulamentar significa também ditar regras jurídicas, porém, no direito brasileiro, como competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo (artigo 84, IV), não sendo incluído, o parágrafo único do mesmo dispositivo, entre as competências delegáveis" [134].
Segundo ela:
Da mesma forma que os ministérios, outros órgãos administrativos de nível inferior também têm reconhecidamente o poder de praticar atos normativos, como portarias, resoluções, circulares, instruções, porém nenhum deles podendo ter caráter regulamentar, à vista da competência indelegável do Chefe do Poder Executivo para editá-los [135].
Di Pietro sustenta que, "no direito brasileiro, o exercício do poder regulamentar é exclusivo do Chefe do Poder Executivo (artigo 84, inciso IV, da CF)". Desta forma, os Ministérios e outros órgãos administrativos de nível inferior tem reconhecidamente o poder de praticar os seguintes atos normativos: portarias, resoluções, circulares, instruções. Nenhum deles, porém, possui caráter regulamentar.
Para a mesma autora, em relação aos órgãos da Administração Indireta, aqui incluídas as agências reguladoras:
Por isso mesmo, esses atos normativos somente são válidos se dispuserem de aspectos exclusivamente técnicos, muitas vezes fora do alcance do legislador e sem conteúdo inovador, ou se limitarem seus efeitos ao âmbito internacional da Administração, como forma de instruir os subordinados sobre a forma de cumprir as leis e regulamentos. Eles não podem estabelecer normas inovadoras na ordem jurídica, criando direitos, obrigações, punições, proibições, porque isso é privativo do legislador, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade previsto nos artigos 5º e 37, caput, da Constituição; além disso, o Congresso Nacional é titular exclusivo da competência para "dispor sobre todas as matérias de competência da União", nos termos do art 49 da Constituição. Referidos órgãos administrativos também não podem regulamentar leis, porque isso é competência privativa do chefe do Poder Executivo [136].
Conforme escrito nas linhas acima, somente aquelas entidades que encontrem previsão constitucional como órgão regulador é que poderão exercer a função reguladora sem, obstante, inovar a ordem jurídica, ficando essa regulação restrita aos respectivos contratos de concessão ou permissão, observados os parâmetros legais.
Quanto às outras agências reguladoras, que não tenham previsão expressa na Carta Magna, estas não podem regular qualquer matéria nem regulamentar lei, por que essa competência é privativa do Chefe do Poder Executivo. A delegação da função regulamentar não poderia ser feita por lei, mas somente pela autoridade que detém o poder regulamentar.
Para Tércio Sampaio Ferraz Junior, citado por Ruth Helena de Oliveira, que afirma que:
(...) a criação de agências com atribuições técnicas, de suposta neutralidade política, mais voltada para a eficiência das regulações e necessariamente independente, esbarram em conhecidos óbices constitucionais, a começar pelo disposto no artigo 25 do ADCT e, para a expedição de regulamentos, o que resta é apenas a competência privativa do Presidente da República [137].
Ruth Helena Pimentel cita a Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei nº 9.472/97 (lei de criação da ANATEL), julgada pelo STF ao apreciar pedido de liminar em que deixou consignado que:
Quanto aos incisos IV e X, do artigo 19, sem redução de teto, dar-lhes interpretação conforme a Constituição Federal, com o objetivo de fixar exegeses segundo a qual a competência da Agência Nacional de Telecomunicações para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos sérvios de telecomunicações no regime público e no regime privado.
Para a mesma autora:
O fato é que a função reguladora vem assumindo, cada vez mais, papel relevante no processo de delegação da prestação dos serviços públicos ao setor privado - no regime de concessão e permissão -, no qual tem como seu principal objetivo fazer com que a transferência da prestação do serviço público seja interessante para as partes envolvidas: Poder público, prestador particular do Serviço Público (concessionário e permissionário) e usuário [138].
Pelo entendimento dos autores, verificamos que o poder normativo dado às agências reguladoras é assunto polêmico.
No que pertine ao presente trabalho, a ANATEL, possui capacidade normativa, naquilo que concerne às atividades a que se destina, pois possui previsão constitucional, como explicado neste item anteriormente.
2.6.2 Função fiscalizadora
Alexandre Santos Aragão diz que seja qual for a classificação da agência reguladora quanto à atividade desempenhada, todas as leis que as instituíram prevêem o desempenho por parte delas de competências fiscalizatórias sobre os agentes econômicos que se encontram no seu âmbito de atuação [139].
A Lei nº 8.987, segundo Di Pietro, prevê todas as formas de controle da Administração Pública. Ainda que de forma genérica, a lei estipula:
a-previsão genérica de fiscalização pelo poder concedente, com a cooperação dos usuários (artigo 3º);
b-competência do poder concedente para fiscalizar permanentemente a prestação o serviço (artigo 29, I);
c-competência do poder concedente para cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as clausulas contratuais e zelar pela boa qualidade do serviço (artigo 29, V e VII)
d-direito de acesso aos dados relativos a administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária (artigo 30)
e-direito de acesso, em qualquer hora, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como aos seus registros contábeis (artigo 31, V) [140].
Contudo, ressalta a mesma autora, "esse poder-dever, não deve retirar da própria concessionária o poder de gestão. A administração fiscaliza; ela não administra a execução do serviço" [141]. Dessa forma, a Administração pode exercer seu controle através de mecanismos que ela própria cria, mas sem, contudo, retirar das concessionárias a capacidade de autodeterminação na atividade regulada.
Ruth Helena de Oliveira entende que:
(...) a agência reguladora exercerá o controle e a fiscalização da execução do contrato de concessão ou permissão, com todos os poderes daí decorrentes, cabendo-lhes aplicar as sanções previstas no instrumento contratual, promover a intervenção quando esta for necessária, e adotar as medidas indispensáveis à encampação, caducidade, quando for o caso, e à reversão dos bens ao final da delegação [142].
Lembra Alexandre Santos Aragão, que "a atividade fiscalizatória não é exclusividade das Agências Reguladoras, estando também presente em diversos setores da Administração Pública em geral, especialmente naqueles que lidam com economia, o meio ambiente ou o urbanismo" [143].
2.6.3 Função sancionatória
Destaca Alexandre dos Santos Aragão que:
Como decorrência da competência fiscalizatória, as agências reguladoras também aplicam as sanções decorrentes do descumprimento de preceitos legais, regulamentares ou contratuais pelos agentes econômicos regulados. E de fato, com exceção da ANA, todas as Agências reguladoras tem em suas leis de criação alguma previsão expressa das suas atribuições de aplicar sanções (ex: artigo. 3º, X da Lei 9427/96) [144].
Ruth Helena de Oliveira sobre o mesmo assunto ressalta:
Às agências reguladoras tem sido atribuída a função de receber as denúncias e as reclamações dos usuários e, para tanto, está prevista em suas leis instituidoras a existência de um órgão ouvidor. Dentro dessa atribuição, a agência pode dirimir os conflitos existentes entre os prestadores de serviços públicos controlados pela agência e entre esses o usuário. (...). A Lei 9472/97 em seu artigo 19, inciso XVII, atribui à ANATEL a competência para compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviços de telecomunicações.
Conclui Alexandre dos Santos Aragão, sendo que este entendimento servirá de base para o presente trabalho:
Entendemos que a aplicação de sanções deve estar apoiada em algum dispositivo legal, ainda que genérico, ficando a graduação e a especificação, as penalidades a serem normatizadas pela agência.
A Lei nº 8.987 não indica as penalidades cabíveis, apenas determinando, em seu artigo 38, que "a inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do Poder Concedente, na declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do artigo 27, e as normas convencionadas entre as partes [145]".
Após termos abordado os principais pontos sobre as agências reguladoras, desde a origem da própria capacidade estatal de permitir que um ente privado explore tal atividade, passando pelas origens daquelas agências, conceituando e determinado suas funções básicas, podemos ter idéia de quão importante é este mecanismo estatal para a proteção dos interesses dos usuários, como também para a regulação deste setor, vital para a própria soberania do Brasil.
As agências reguladoras, apesar de terem sido concebidas com a idéia primordial de proteger e regular a área das telecomunicações brasileiras carecem de maior tempo de funcionamento, pois, até agora, não demonstraram a eficiência a que foram destinadas em sua criação, já que a cada dia verificamos os aumentos das tarifas dos serviços por elas regulados, em um momento econômico de difícil situação para o usuário comum dos mesmos. O atual governo federal, a que as agências reguladoras estão vinculadas, tem o propósito de diminuir a atuação das mesmas, aumentando desta forma as prerrogativas do Ministério das Comunicações [146].
Ficamos um tanto receosos, quanto ao fato de este ser o caminho certo, já que as agências mostram uma evolução, apesar de seus problemas, ao modelo até então encontrado.
No entanto, entendemos que dar maiores poderes aos Ministérios ou órgãos da Administração Pública a que estão vinculados, não é a melhor saída para a regulação deste setor, visto que estes órgãos estão dentro da trama política, envolvendo os mais diversos interesses, e que muitas vezes, não são os mais acertados para os usuários destes serviços públicos.
Desta forma, analisada os princípios, conceitos e demais características das agências reguladoras, passaremos a abordar o terceiro capítulo tema da presente pesquisa monográfica, que é o da responsabilidade civil das agências reguladoras e das concessionárias prestadoras de serviços de telefonia.