Considerações sobre aspectos inadequados da regulamentação
VI- Ao que parece o presente decreto apresenta-se demasiado complexo, com obrigações burocráticas minuciosas a serem cumpridas e multas pesadas para um setor que nunca suportou regulamentações severas nesta atividade peculiar e criativa.
Padece ainda dos mesmos defeitos que ocorreram no Decreto nº 2894/98, que na época institui o selo de controle e foi revogado devido à pletora de liminares obtidas na Justiça contra seus dispositivos.
Entre esses defeitos, o presente decreto, trata igualmente os desiguais, já que as empresas de audiovisuais, principalmente as pequenas distribuidoras não terão meios de cumprir estas disposições decretadas e as grandes, não é difícil prever, oferecerão resistências legais às regras fiscalizatórias, que como todas no país, oferecem dificuldades burocráticas de árduo cumprimento e ineficaz retorno e, com sanções espinhosas caso desobedecidas as normas estipuladas.
Por outro lado ao delegar competência a Receita Federal para se imiscuir no sistema de fiscalização e, principalmente no que concerne a aprovação de modelo da marca indelével e irremovível do suporte da obra, desvirtua a finalidade de controle operacional da atividade, colocando o interesse tributário acima do objetivo de regular as matérias referentes ao desenvolvimento na área, tanto nas questões autorais como na qualidade dos produtos e serviços oferecidos.
. Sem dúvida nenhuma, o objetivo de controlar e fiscalizar a atividade cinematográfica e videofonográfica e os direitos autorais concernentes, fatalmente serão distorcidos em prol dos interesses fiscalizadores e de arrecadação de tributos, principal meta da Receita Federal, ficando os alvos de desenvolvimento das empresas cinematográficas e videofonográficas em segundo plano, como soe acontecer.
Não é difícil prever que a insatisfação continuará e será traduzida em pleitos judiciais.
VII-Por outro aspecto, incrível, continua a completa ignorância do governo, quanto às obras intelectuais com respeito à incidência do "domínio público", que vai se tornar cada vez mais interessante com os anos que virão.
Estampa o decreto no inciso III- do artigo 14, considerando infração administrativa leve o fato de "exibir ou comercializar obras cinematográficas e videofonográficas sem a marca indelével e irremovível no suporte material da cópia, contendo todas as informações que identifiquem o detentor do direito autoral no Brasil, conforme modelo provado pela Ancine e pela Secretaria da Fazenda". Já o inciso II do artigo 16 constitui infração gravíssima "comercializar, exibir ou veicular, em qualquer segmento do mercado brasileiro, obras cinematográficas videofonográficas, sem prévia informação à Ancine da contratação de direitos de exploração comercial, licenciamento da produção, co-produção, exibição, distribuição, comercialização, importação e exportação, bem como do pagamento da Condecine."
Ora, em obras audiovisuais que já ultrapassaram o prazo previsto de proteção, tanto na legislação nacional como em convenções sobre direitos autorais, como será indicado o detentor do direito autoral, uma vez que decadente esse direito? Será que bastará uma declaração da idade da obra, data da produção e autores originais que constam na claquete do audiovisual?
Como ter certificação de direitos autorais para se obter contratações de direitos de exploração comercial e licenciamento de obras que já adentraram ao domínio público?
Qual o critério que será usado para se determinar com exatidão qual norma se aplicar a cada caso para determinar o uso comum do audiovisual?
Será o nacional conforme o artigo 44 da Lei 9.610/98- Lei de direitos autorais:
"O prazo de proteção aos direitos patrimoniais sobre as obras audiovisuais e fotográficas será de setenta anos, a contar de 1º de janeiro do ano subseqüente ao de sua divulgação"
O artigo 45 estipula:
"Além das obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais, pertencem ao domínio público: I-as de autores falecidos que não tenham deixado sucessores; II- as de autor desconhecido, ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.
Será o da Convenção de Berna (Diário Oficial, de 09/05/75 Seção I - Página 250 DECRETO N° 75.699, DE 06 DE MAIO DE 1975 Promulga a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas) que determina:
"Artigo 7 -1) A duração da proteção concedida pela presente convenção compreende a vida do autor e cinqüenta anos depois da sua morte.
2) Entretanto, quanto às obras cinematográficas, os países da União têm a faculdade de dispor que o prazo da proteção expira cinqüenta anos depois que a obra tiver se tornado acessível ao público com o consentimento do autor, ou que, se tal acontecimento não ocorrer nos cinqüenta anos a contar da realização de tal obra, a duração da proteção expira cinqüenta anos depois da referida realização."
....................
6) Os países da União têm a faculdade de conceder uma duração de proteção superior àquelas previstas nos parágrafos precedentes.
....................
8) Em quaisquer casos, a duração será regulada pela lei do país em que a proteção for reclamada; entretanto, a menos que a legislação deste último país resolva de outra maneira, a referida proteção não excederá a duração fixada no país de origem da obra.
Como serão interpretadas todas essas disposições, não se esquecendo que as regras autorais e de Copyright de vários países originários de obras audiovisuais tendem cada vez mais a torná-las inacessíveis em termos de uso liberado pela derrogatória do domínio público, haja vista, as atualmente em vigor nos Estados Unidos (em determinados casos dando proteção centenária a obras intelectuais inclusive filmes) e, também, as da União Européia, francamente inaceitáveis em qualquer rincão deste planeta.
De fato, mesmo desprezando eventuais polêmicas sobre a aplicação da Convenção de Berna, se os prazos são mínimos ou máximos naquele tratado, a legislação autoral brasileira que determina setenta anos para a proteção atualmente e anteriormente sessenta anos, já colocaram e vão colocar inúmeras obras cinematográficas interessantes em domínio público.
Em uso comum, consoante a lei nacional os direitos autorais de filmes que despertam inusitado interesse em cinéfilos, feitos entre 1930 e 1934, já no início do sonoro. Alguns filmes como "O Sinal da Cruz" de De Mille; os filmes de gangsteres como "Scarface", inúmeros filmes de terror da época e, assim sucessivamente com o correr dos anos estarão em livre uso.
Lembre-se que o ano de 1939 foi pródigo de grandes realizações como os filmes "O Vento Levou" e "O Mágico de Oz".
Evidentemente os filmes anteriores a 1934, inclusive todos os filmes mudos de todas as nacionalidades já estão em domínio público pelo critério da lei atual (independentemente de qualquer polêmica), se considerarmos a lei anterior para quem adentrou no direito adquirido por ter lançado antigos filmes a interpretação pode ser elastecida para filmes de até 1944. Considerando a Convenção de Berna da forma entendida por vários doutrinadores, em vista do prazo de cinqüenta anos da sua disponibilidade ao público ou da sua realização, então audiovisuais produzidos em 1954 já estão adentrando em domínio público.
Alguns desenhos animados como de personagens da Disney remontam ao ano de 1928. Esses personagens possuem proteção de marcas e patentes que não se confunde com proteção autoral (copyright) que envolve a produção intelectual artística.
Com isso o conflito está instalado. O cenário do campo de batalha armado e os protagonistas com as lanças em riste para se digladiarem.
A decisão a ser tomada será política e urge.
No Judiciário a questão ainda não chegou não havendo decisões jurisprudenciais a respeito sendo que a matéria deverá ser estudada com carinho.
Ninguém vai querer largar o osso instalando-se combates renhidos na arena.
O renitente árbitro da peleja será o governo, sujeito a pressões internacionais e de interesses especializados (lobbys) em propriedade intelectual tanto dentro como fora do país.
VIII-Como o Brasil irá enfrentar as colocações do governo norte-americano sobre a situação da pirataria aqui no país e eventuais sanções comerciais em decorrência disso.
Para os EUA tanto faz a reprodução inautorizada de um filme como "O Grande Roubo do Trem" de 1906 como a do filme "Tróia" ora lançado em 2004. Tudo é pirataria na concepção pantagruélica que se instaurou na legislação (copyright) daquela grande nação !
Então, o país pode ser colocado arbitrariamente pela força do poderoso sistema internacional dominado pelos EUA, mais uma vez, na lista negra da pirataria com retaliações, que infelizmente transbordarão, expandindo para outras áreas inclusive prejudicando exportações de outros produtos (de agrícolas a têxteis e até maquinas e aviões). Inclusive poderá ser revisto todo o sistema geral de preferências das exportações brasileiras para os EUA, que envolve mais de US$-2 bilhões.
Portanto, o sistema governamental nacional deverá agir firmemente na questão, aceitando os pleitos justos de outros países e repudiando as imposições que não estejam dentro dos princípios da razoabilidade.
Ainda, exigindo o cumprimento dos tratados internacionais sobre a propriedade intelectual e emitindo normas da forma que entende o conteúdo das disposições neles constantes, assunto em branco por parte do governo que ainda não se deu conta da gravidade das questões que serão levantadas na seara dos direitos autorais (copyright).
A imprensa não deixa de comentar o assunto, mas não está havendo a devida repercussão governamental a respeito da seara da propriedade intelectual artística nacional e estrangeira explorada no território nacional.
Caso contrário, a governança nesse setor de ponta, extremamente necessária para o desenvolvimento do país, será um caminho de espinhos com todo mundo cutucando o pé na árdua trilha sem ter nenhuma orientação legal válida.
Valerá opiniões interesseiras que nunca são boas conselheiras. Opiniões dos grandes escritórios administradores de direitos autorais e de propriedade intelectual, defensores dos interesses das multinacionais; de lobbys particulares de grandes empresas, de orientadores da opinião pública com segundas intenções. Além de restrições sem lastro legal, nisso lá se vão indevidos royalties. Quanto aos avanços culturais o país que se lixe! Patentemente, não dá para aceitar isso.
Agora mesmo, dá para sentir disputas isoladas por títulos de filmes antigos da era do mudo que foram restaurados por conceitos particulares de empresas e familiares de geniais autores do passado mítico do cinema.
No entanto, somente a restauração de obras não implementa proteção patrimonial autoral. Várias obras antigas circulam no país há muito tempo de forma livre, disponíveis em todos os meios de distribuição e até em quiosques e bancas de jornal.
Por ai, dá para prever os embates que advirão. Vai ser o salve-se quem puder!
(observação no texto do decreto disponível no site da Presidência da República no artigo 21 inciso II, reporta-se ao inciso VI do artigo 16 do decreto que não existe no texto, uma vez que o artigo 16 termina no inciso V)