Primeiramente, impende-se situar a obrigação médica. Segundo as lições de Miguel Kfouri Neto [1]:
"A obrigação contraída pelo médico é espécie do gênero obrigação de fazer, em regra infungível, que pressupõe atividade do devedor, energia de trabalho, material ou intelectual, em favor do paciente (credor). Implica diagnóstico, prognóstico e tratamento: examinar, prescrever, intervir, aconselhar. A prestação devida pelo médico é sua própria atividade, consciente, cuidadosa, valendo-se dos conhecimentos científicos consagrados – em busca da cura. O caráter intuiu personae muitas vezes é relativizado pela urgência".
Passemos agora a distinguir obrigações de meio e obrigações de resultado. A obrigação de meios é aquela em que o profissional não se obriga a um objetivo específico e determinado. O que o contrato impõe ao devedor é apenas a realização de certa atividade, rumo a um fim, mas sem o compromisso de atingi-lo. O contratado se obriga a emprestar atenção, cuidado, diligência, lisura, dedicação e toda a técnica disponível sem garantir êxito. Nesta modalidade o objeto do contrato é a própria atividade do devedor, cabendo a este enveredar todos os esforços possíveis, bem como o uso diligente de todo seu conhecimento técnico para realizar o objeto do contrato, mas não estaria inserido aí assegurar um resultado que pode estar alheio ou além do alcance de seus esforços. Em se tratando de obrigação de meios, independente de ser a responsabilidade de origem delitual ou contratual, incumbe ao credor provar a culpa do devedor.
Na obrigação de resultado há o compromisso do contratado com um resultado específico, que é o cerne da própria obrigação, sem qual não haverá o cumprimento desta. O contratado compromete-se a atingir objetivo determinado, de forma que quando o fim almejado não é alcançado ou é alcançado de forma parcial, tem-se a inexecução da obrigação. Nas obrigações de resultado há a presunção de culpa, com inversão do ônus da prova, cabendo ao acusado provar a inverdade do que lhe é imputado. Segundo o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior [2]:
"Sendo a obrigação de resultado, basta ao lesado demonstrar, além da existência do contrato, a não obtenção do objetivo prometido, pois isso basta para caracterizar o descumprimento do contrato, independente das suas razões, cabendo ao devedor provar o caso fortuito ou força maior, quando se exonerará da responsabilidade".
Para o estudo do tema é fundamental a correta distinção entre a cirurgia plástica estética propriamente dita e a cirurgia plástica reparadora. A primeira tem seu objetivo limitado ao resultado puramente estético, visando unicamente aperfeiçoar o aspecto externo de uma parte do corpo. Neste tipo de cirurgia o paciente busca o cirurgião sem apresenta qualquer patologia, visa, apenas, o puro embelezamento. Já na cirurgia plástica reparadora, a intervenção cirúrgica, ainda que promova melhoria estética, não tem neste seu objetivo principal, mas sim a resolução de problemas de natureza médica, como a correção de defeitos congênitos e outros traumas decorrentes de acidentes de qualquer natureza.
A cirurgia estética pode ser classificada como cirurgia estética reparadora e cirurgia estética propriamente dita. Quanto à primeira não pairam dúvidas de que a obrigação contraída pelo médico é uma obrigação de meios, mesmo porque o objetivo da intervenção cirúrgica é corrigir cicatrizes deixadas por acidentes, queimaduras, defeitos congênitos, como foi explicitado no começo do capítulo.
Já quanto à cirurgia estética propriamente dita ou puramente estética, tem-se uma divergência doutrinária e aos poucos, inovações jurisprudenciais.
A corrente liderada basicamente pelos Ministros Rui Rosado Aguiar e Carlos Alberto Menezes Direito consideram a obrigação de meio para a cirurgia puramente estética. Argumentam que a cirurgia plástica é um ramo da cirurgia geral, estando sujeita aos mesmos imprevistos e insucessos daquela, de modo não ser possível punir mais severamente o cirurgião plástico do que o cirurgião geral, haja vista pertencerem à mesma álea. Afirmam que o corpo humano possui características diferenciadas para cada tipo de pessoa, não sendo possível ao médico comprometer-se a resultados diante da diversidade de organismos, reações e complexidade da fisiologia humana. Condenam até mesmo os médicos que prometem resultados aos pacientes, uma vez que não poderiam ser responsabilizados por estes, porque não podem garantir elasticidade da pele, cicatrização, fatores hereditários, repouso, alimentação, pós-operatório, etc. Aduzem ainda que o que é diferente na cirurgia estética stritu sensu é o dever de informação que deve ser exaustivo e o consentimento informado do paciente que deve ser claramente manifestado.
Sobre o tema assim se posiciona o Ministro Rui Rosado Aguiar [3]:
"O acerto está, no entanto, com os que atribuem ao cirurgião estético uma obrigação de meios, embora se diga que os cirurgiões plásticos prometam corrigir, sem o que ninguém se submeteria, sendo são, a uma intervenção cirúrgica, pelo que assumiriam eles a obrigação de alcançar o resultado prometido, a verdade é que a álea está presente em toda intervenção cirurgia, e imprevisíveis as reações de cada organismo à agressão de ato cirúrgico. Pode acontecer que algum cirurgião plástico, ou muitos deles assegurem a obtenção de um certo resultado, mas isso não define a natureza da obrigação, não altera a sua categoria jurídica, que continua sendo sempre a obrigação de prestar um serviço que traz consigo o risco. É bem verdade que se pode examinar com maior rigor o elemento culpa, pois mais facilmente se constata a imprudência na conduta do cirurgião que se aventura à prática da cirurgia estética, que tinha chances reais, tanto que ocorrente de fracasso. A falta de uma informação precisa sobre o risco e a não-obtenção de consentimento plenamente esclarecido conduzirão eventualmente à responsabilidade do cirurgião, mas por descumprimento culposo da obrigação de meios.
Na cirurgia estética, o dano pode consistir em não alcançar o resultado embelezador pretendido, com frustração da expectativa, ou em agravar os defeitos piorando as condições do paciente. As duas situações devem ser resolvidas à luz dos princípios que regem a obrigação de meios, mas no segundo fica mais visível a imprudência ou a imperícia do médico que prova a deformidade. O insucesso da operação, nesse último caso, caracteriza indicio sério da culpa do profissional,a quem incumbe a contraprova de atuação correta".
Entretanto como afirma o próprio Ministro Rui Rosado: "No Brasil, porém, a maioria da doutrina e da jurisprudência defende a tese de que se trata de uma obrigação de resultado. Assim os ensinamentos de Aguiar Dias e Caio Mário, para citar apenas dois de nossos mais ilustres juristas" [4].
De fato a teoria dominante entre nós hoje é a da obrigação de resultado para o cirurgião plástico na cirurgia meramente embelezadora. Embasa-se no fato de que o paciente que procura um cirurgião plástico não se encontra doente, mas apenas deseja melhorar um aspecto estético, interessando-lhe tão somente o resultado a ser alcançado.
Rui Stoco afirma que [5]:
"O que impende considerar é que o profissional na área de cirurgia plástica, nos dias atuais, promete um determinado resultado (aliás, essa é a sua atividade-fim), prevendo, inclusive com detalhes, esse novo resultado estético procurado. Alguns utilizam-se mesmo de programas de computador que projeta a nova imagem (nariz, boca, olhos, seios, nádegas, etc.), através de montagem, escolhida na tela do computador ou na impressora, para que o cliente decida. Estabelece-se, sem dúvida, entre médico e paciente, relação contratual de resultado que deve ser honrada. Portanto, pacta sund servanda."
Miguel Kfouri Neto leciona que [6]:
"a) a cirurgia de caráter estritamente estético, na qual o paciente visa a tornar seu nariz, por exemplo – que de modo algum destoa da harmonia de suas feições -, ainda mais formoso, considerando, por vezes, um modelo ideal de beleza estética. Neste caso, onde se expõe o paciente a riscos de certa gravidade, o médico se obriga a um resultado determinado e se submete à presunção de culpa correspondente e ao ônus da prova para eximir-se da responsabilidade pelo dano eventualmente decorrente da intervenção (a jurisprudência alienígena registra caso de cirurgião que, no propósito de corrigir a linha do nariz, terminou por amputar parte do órgão)".
Tereza Ancona Lopez de Magalhães pondera [7]:
"Na verdade, quando alguém, que está muito bem de saúde procura um médico somente para melhorar algum aspecto seu, que considera desagradável, quer exatamente esse resultado, não apenas que aquele profissional desempenhe seu trabalho com diligência e conhecimento científico, caso contrário, não adiantaria arriscar-se e gastar dinheiro por nada. Em outras palavras, ninguém se submete a uma operação plástica se não for para obter um determinado resultado, isto é, a melhoria de uma situação que pode ser, até aquele momento, motivo de tristeza".
Tecendo considerações sobre a questão o professor Caio Mário faz duas considerações a respeito da cirurgia plástica estética. A primeira de que o médico como técnico está subordinado aos princípios gerais da responsabilidade civil médica, quais sejam: dever de aconselhar apontando os riscos do tratamento e da cirurgia, inclusive os decorrentes das condições pessoais do cliente, dever de assistência pré e pós-operatória, cuidados com a intervenção, etc. A segunda consideração é de que a cirurgia estética enseja obrigação de resultado e não de meio [8].
Nas palavras do jurista [9]:
"Com a cirurgia estética, o cliente tem em vista corrigir uma imperfeição ou melhorar a aparência. Ele não é um doente, que procura tratamento, e o médico não se engaja na sua cura. O profissional está empenhado em proporcionar-lhe o resultado pretendido, e se não tem condições de consegui-lo não deve efetuar a intervenção. Em conseqüência recrudesce o dever de informação bem como a obrigação de vigilância, cumprindo, mesmo ao médico recusar seu serviço, se os riscos da cirurgia são desproporcionais às vantagens previsíveis".
Resta claro, portanto, que a obrigação do médico na cirurgia plástica meramente estética é de resultado, pois ninguém em sã consciência se submete aos riscos de uma cirurgia, nem se dispõe a fazer elevados gastos para ficar mais feio do que já era, ou com a mesma aparência.
Tal distinção se faz necessária na medida em que nas obrigações de resultado basta ao lesado demonstrar a existência do contrato e a não obtenção do resultado prometido para caracterizar a obrigação de indenizar, uma vez que há culpa presumida do cirurgião. Não se trata de responsabilidade objetiva, a responsabilidade do médico continua a ser subjetiva, invertendo-se somente o ônus da prova quanto à culpa. Deve ser lembrado que a execução defeituosa do contrato equivale à inexecução total. Cabe em tais casos, ao devedor provar a ocorrência de uma das excludentes do dever de indenizar como visto no Capítulo I. Impende ainda ressaltar que a violação do dever de informação exaustivo, bem como o de obtenção de consentimento devidamente informado constituem falta contra o humanismo médico pela qual o cirurgião também deve responder [10].
Sobre o tema passa-se a demonstrar o posicionamento majoritário da jurisprudência pátria, através da transcrição de ementas de julgados de vários tribunais pátrios, a começar pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conhecido no meio acadêmico por suas decisões inovadoras e que mantém o posicionamento de que a cirurgia plástica estética enseja uma obrigação de resultado para o cirurgião, senão vejamos:
" Ementa: Responsabilidade civil - medico. Dano moral. Cirurgia plástica de natureza estética não caracteriza obrigação de meio, mas verte obrigação de resultado. A prestação do serviço medico, livremente pactuado, deve corresponder ao resultado prometido, mediante o pagamento do preço estipulado. Nexo de causalidade entre os danos estéticos e a conduta do medico comprovado. Imperfeições no corpo da paciente, que não possuía antes da cirurgia estética, acarreta, sem duvida, a vexação moral, a revolta, o incomodo excepcional, ensejadores de dano moral. sentença confirmada. [11]
Ementa: civil. Responsabilidade civil. Cirurgia plástica. Obrigação de resultado. 1. É de resultado, e não de meio, a obrigação do cirurgião plástico, que realiza cirurgia eletiva. Falta de obtenção do resultado, e necessidade de corrigir o estado atual da paciente, que sofreu lesões estética e física, através de outra cirurgia. Dano moral devido. 2. Apelação provida. [12]
Por fim, o posicionamento que tem prevalecido no Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"Civil. Cirurgia estética. Obrigação de resultado. Indenização. Dano material e dano moral. Contratada a realização de cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da mesma obrigação, tanto pelo dano material quanto pelo moral, decorrente de deformidade estética, salvo prova de força maior ou caso fortuito [13].
Responsabilidade civil. Cirurgia estética. Não ofende a lei o acórdão que atribui ao médico a responsabilidade pelos danos causados à paciente, por ter assumido o risco de realizar operação de resultado absolutamente inconfiável. Recurso não conhecido. [14]"
Atualmente há um verdadeiro "comércio" no ramo da cirurgia plástica, com o aumento desordenado da procura por corpos perfeitos e oferta de cirurgias por profissionais nem sempre habilitados. É preciso, a meu sentir, ver com mais rigor tal modalidade de intervenção cirúrgica.
O paciente que procura hoje um cirurgião plástico está tomado por uma expectativa, e não mede esforços financeiros e pessoais para investir em um procedimento cirúrgico, que por vezes, não alcança o resultado prometido e esperado. O médico, consciente da grande expectativa que envolve sua especialidade, compromete-se a deixar um nariz mais "arrebitado", pálpebras sem bolsões, barrigas sem gordura, pernas mais bem torneadas, seios mais volumosos. Sem sobra de dúvida, o paciente, que é leigo, confia plenamente no resultado prometido pelo médico. É esperando a concretização deste resultado, que o paciente se submete a uma intervenção cirúrgica por vezes perigosa, e sempre dolorosa e cara.
Ninguém em sã consciência se submeteria aos riscos de uma intervenção cirúrgica de tal natureza se não acreditasse no resultado prometido pelo cirurgião. Ninguém aceitaria ir a um consultório, ver a foto de seu nariz um pouco mais ‘afilado’ no computador, pagar no mínimo R$ 2.000,00 (dois mil reais), tomar anestesia geral, ficar 03 (três) dias sem comer com sangramento intranasal, 20 (vinte) dias com gesso na face, para depois ouvir do médico que não deu certo, não ficou como o prometido, o nariz na verdade ficou mais achatado, mas ele não pode ser responsável porque agiu com toda prudência. Com certeza, esse paciente não se submeteria a tantos transtornos se soubesse que o resultado não poderia ou não seria alcançado. A cirurgia plástica é eletiva, escolhe-se como, quando e com quem fazer, mas a decisão do paciente sempre leva em conta o que foi prometido pelo cirurgião. Deve-se ter em mente que só existem tantas cirurgias plásticas estéticas sendo realizadas, porque existe um resultado a ser alcançado. Sem o resultado, não há razão de existir a cirurgia estética.
Querer neste momento, colocar a cirurgia estética no campo das obrigações de meio parece-me um pouco preocupante. Estamos diante de uma área singular da medicina, com aspectos próprios, com uma instrução probatória extremamente difícil, tanto em razão de suas peculiaridades – contratos verbais, promessas não documentadas, sintomas não aparentes – quanto em razão do corporativismo médico e do grande interesse econômico em questão. Com a prova devendo ser feita pelo paciente é quase impossível se provar o que efetivamente aconteceu.
Entendo que a cirurgia plástica meramente estética enseja uma obrigação de resultado para o cirurgião, devendo ser apreciada de acordo com as regras da responsabilidade subjetiva, com a peculiaridade da inversão do ônus da prova para o médico, que deve demonstrar a ocorrência de uma das excludentes do dever de indenizar para eximir-se da responsabilização civil.
Notas
1 KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 226.
2 AGUIAR, Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil do Médico, RT 718/33, p. 35.
3 AGUIAR, Rui Rosado. Responsabilidade civil dos médicos. RT 718/33, pp. 39/40.
4Idem.
5 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação judicial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 298.
6 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil dos médicos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 175.
7Op. cit., p. 62.
8 PEREIRA, Caio Mário da. Responsabilidade Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 169.
9Idem.
10 GOMES, Orlando. Questões de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 453.
11 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. 5ª Câmara Cível. Apelação Cível n° 70000159616. Relator: Clarindo Favreto. Data de julgamento: 10/06/2000.
12 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. 4ª Câmara Cível. Apelação Cível n° 598005403. Relator: Araken de Assis. Data de julgamento: 25/02/1998.
13 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 3ª Turma. RESP. n° 10536. Relator: Dias Trindade. Data de julgamento: 21/06/1991. DJ de 19.08.1991, p. 10993.
14 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 4ª Turma. RESP. n° 10536. Relator: Ruy Rosado Aguiar. Data de julgamento: 28/08/2001. DJ de 29.10.2001, p. 212.