Da inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 16 da Lei 10.826/03: ofensa aos princípios da proporcionalidade e da isonomia

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18/03/2017 às 10:14
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CONCLUSÃO

O presente trabalho, após explanar acerca da conceituação de norma penal incriminadora, a qual é composta pelo preceito primário e por aquele chamado secundário, apresentou os princípios da proporcionalidade e da isonomia, o que se fez necessário para alicerçar a teoria de inconstitucionalidade apresentada.

Assim, aqui, a finalidade principal foi demonstrar a congruência da tese de inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 16 da Lei 10.826/03, especificamente no que toca ao crime de posse de arma de uso restrito, por afronta aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da isonomia.

Para tanto, necessário se fez um breve estudo do Estatuto do Desarmamento, do qual são trazidos ao debate os tipos penais insculpidos nos artigos 12, 14, 16, 17 e 18, bem como a causa de aumento de pena prevista no artigo 19, todos da lei supramencionada.

As normas avocadas tratam, especificamente, dos crimes de posse de arma de uso permitido, porte de arma de uso permitido, posse e porte de arma de uso restrito, comercialização de armamento de fogo de uso permitido sem autorização e contrabando de armamento de fogo de uso permitido, sendo, por fim, o artigo 19, que trata do aumento de metade da pena se os crimes previstos nos artigos 17 e 18 abarcarem armamento de uso restrito.

Informados as normas acima, em confronto do mencionado artigo 16, especialmente no que toca ao crime de posse, ao qual é cominada a mesma reprimenda do porte de arma de uso restrito, eis que ambas as condutas (possuir e portar) estão alojadas no mesmo preceito primário, mesmo representando condutas diversas, uma com potencial de dano social maior do que a outra, se observa que o legislador não agiu com a mesma linha de raciocínio com que o fez quando da cominação das penas previstas aos demais crimes apresentados, os tendo feito com distinção em relação àqueles praticados com armamento de uso permitido daqueles de uso restrito, tudo em razão de representar o armamento de uso restrito um dano potencial maior à sociedade, eis que se trata de armamento de calibre restrito, capaz de gerar um dano maior, caso seja utilizado em desfavor de alguém ou de algo.

Nesse diapasão, os princípios da proporcionalidade, especificamente no que tange ao seu subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, bem como o princípio da isonomia se veem vilipendiados pela norma objeto de combate, o que é constatado pela análise detalhada dos fatos apresentados no parágrafo anterior, que mostrou a clara contradição de raciocínio por parte do legislador ordinário.

Assim, apresenta como solução que se busque a declaração de inconstitucionalidade da norma, nos termos apresentados acima, mediante controle difuso de inconstitucionalidade, para que, havendo o seu reconhecimento, em sendo cometido o crime, a sanção penal não seja aplicada, o que deverá ocorrer em razão da ausência de norma anterior que trate do crime de posse de arma de uso restrito, inexistindo, assim, o efeito repristinatório da norma, bem como da proibição de analogia in malam partem, a qual proíbe a aplicação de penalidade de outro fato típico análogo. Em tal hipótese, deverá a norma ser encaminhada ao legislador para que sane o vício declarado.

Assim sendo, clara se mostra a inconstitucionalidade do preceito secundário do artigo 16 da Lei 10.826/03, especificamente quando de sua aplicação ao primeiro verbo típico inserido no preceito primário (possuir), eis que patente a violação aos primados da proporcionalidade, e seu subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, bem como a isonomia constitucional.


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Notas

[1] GONZALES, Cuellar Serrano. O Princípio da Proporcionalidade e os Direitos Fundamentais no Processo Penal, Madri: Colex. 2000, p. 757 e 759.

[2] Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:

I – comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal;

II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;

III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.

[3]   Comércio ilegal de arma de fogo

Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.

Tráfico internacional de arma de fogo

Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:

Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

[4] Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.

[5] Des. Paulo Cézar Dias (RELATOR)

V O T O

Da arguição de inconstitucionalidade

Inicialmente, em sede de juízo de preliberação aprecio a arguição de inconstitucionalidade do preceito secundário contido no art. 16 da Lei 10.826/03, alegada pelo recorrente Eric Luiz Fernandes da Silva.

Extrai-se das razões de inconformismo, que o pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma supracitada possui fundamento no Princípio da Isonomia e no Princípio da Proporcionalidade em sentido estrito, vez que, segundo o recorrente, o legislador pátrio, quando da elaboração do art. 16 da Lei 10.826/03, não cuidou de separar os tipos penais como houvera feito nos artigos 12 e 14 do mesmo diploma legal. Fixando, ainda, penas mais gravosas para delitos de mesma natureza.

Ao tratar da posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito a Lei 10.826/03 em seu art. 16 estabelece que:

“Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

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II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

Conforme se depreende, a Lei 10.826/03, realmente, ao tratar do armamento de uso restrito, cuidou de todas as condutas em um mesmo artigo, prevendo pena idêntica para a conduta de portar ou possuir tais armas.

Acerca do Princípio da Isonomia, Alexandre de Moraes (2004, p. 66) leciona que:

“A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito”.

Já no que tange ao Princípio da Proporcionalidade, assevera Renato Brasileiro de Lima (2015, p. 87) que:

Em sede processual penal, o Poder Público não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. Daí a importância do princípio da proporcionalidade, que se qualifica, enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais, como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público. Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do due process of law.

No caso dos autos, em sede de juízo de mera admissibilidade, penso que a alegação merece ser acolhida uma vez que, aparentemente, ocorreu ofensa aos citados princípios, frente a disparidade das penas impostas, pois o Legislador no art. 16 da Lei 10.826/03 não fez distinção entre a posse e o porte de arma de uso restrito como fez nos art. 12 e art.14 referentes às armas de uso permitido, prevendo para ambas as condutas a mesma pena.

Ressalto que a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público somente poderá ser feita pela maioria absoluta dos membros do Tribunal ou de seu órgão especial.

Assim sendo, em obediência ao princípio da Cláusula de Reserva de Plenário descrita no art. 97 da CF/88, arguo o incidente de inconstitucionalidade do preceito secundário contido no art. 16 da Lei 10.826/03, submetendo a matéria ao Órgão Especial deste Egrégio Tribunal de Justiça.

Ante o exposto e com tais considerações, SUSCITO, perante o colendo Órgão Especial, o incidente de inconstitucionalidade do preceito secundário contido no art. 16 da Lei 10.826/03.

[6] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

(...)

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a)     contrariar dispositivo desta Constituição;

b)     declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c)      julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

d)     julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

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Sobre o autor
Fábio Piló

Advogado criminalista, professor universitário, especialista e mestre em direito, presidente da Comissão Estadual de Assuntos Carcerários da OAB/MG e presidente do Conselho da Comunidade de Belo Horizonte/MG e vice-presidente do Programa Direito na Escola – OAB/MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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