RESUMO: A proposta do presente artigo é discutir e analisar a influência da internet nos dias atuais sobre os relacionamentos virtuais, tendo como consequência a infidelidade virtual, onde o Direito de Família depara-se com essa nova questão, que vem provocando muitos debates, desde a sua influência na vida matrimonial até as hipóteses de inadimplemento dos suas obrigações e suas implicações para o mundo jurídico.
1. introdução
O enfoque da infidelidade virtual está direcionado com a vinda das redes sociais no seio familiar, é desenvolvida num contexto social, em que as pessoas usam a internet para se relacionarem com outras pessoas para perfazer a insatisfação da vida real.
Nesta situação, a violação aos deveres entre os cônjuges / companheiros/ conviventes deverá restar provado pela a vítima da “traição virtual”.
Por meio das apurações dos fatos e provas, chegar a um responsável o qual violou os preceitos fundamentais do Direito de Família, poderá ou não responder por eventuais danos, como moral e/ou material causado ao seu cônjuge /companheiro (a).
A infidelidade atinge a Constituição Federal, como o princípio da dignidade da pessoa humana e a inadmissibilidade de provas ilícitas.
Entretanto, considerando que essa modalidade de traição em nossa legislação possui poucos posicionamentos doutrinários e julgamentos, alguns doutrinadores começaram a dedicar-se sobre o tema.
Portanto, as lacunas e controvérsias no mundo jurídico, principalmente para caracterizar e responsabilizar alguém por essa violação ao seu parceiro são muitas, contudo, o aumento de casos reais proporcionado pela a infidelidade virtual fará brotar cada vez mais posicionamentos teóricos que complemente esse assunto.
2. o que é infidelidade virtual?
A infidelidade virtual é um instituto moderno, que traz ao ordenamento jurídico indagações e controvérsias quanto à sua aplicação, haja vista estar o Direito de Família em constante mudanças de costumes e de entendimentos sobre certos acontecimentos.
A infidelidade virtual tem como característica relacionamento virtual praticado por pessoa comprometida, seja pelo casamento ou pela união estável, o qual passa a experimentar diferentes experiências afetivas e/ou sexuais com pessoa estranha à relação conjugal ou relação estável.
O romance virtual é uma imitação quase perfeita do romance da vida real. O amante virtual como não tem rosto nem identidade, é virtualmente perfeito, pois depende da imaginação de cada um. Mas se o relacionamento pela internet traz menos riscos, a vida real é mais difícil de ser encarada. Quando surge o desinteresse pelo parceiro, na vida real, é difícil romper. Na internet, quando surge o desinteresse, é só deletar o parceiro.
3. POSICIONAMENTO DA DOUTRINA SOBRE A INFIDELIDADE VIRTUAL
MARIA HELENA DINIZ (2010), diz a respeito:
“Os problemas do dia-a-dia podem deteriorar o relacionamento conjugal, passando, em certos casos, o espaço virtual a ser uma válvula de escape por possibilitar ao cônjuge insatisfeito a comunicação com outra pessoa, cuja figura idealizada não enfrenta o desgaste da convivência. Tal laço erótico-afetivo, platônico com pessoa sem rosto e identidade, visto que o internauta pode fraudar dados pessoais, por exemplo, usando apelidos e mostrar caracteres diferentes do seu real comportamento, pode ser mais forte do que o relacionamento real, violando a obrigação de respeito e consideração que se deve ter em relação ao consorte.
Para GUILHERME CALMON DA GAMA (2001, p. 194):
“A fidelidade envolve o dever entre os partícipes, sob aspectos físico e moral, no sentido de abster-se de manter relações sexuais com terceira pessoa, e mesmo de praticar condutas que indiquem esse propósito ainda que não consume a traição. Envolve, portanto, tanto a infidelidade material quanto a moral”.
As obrigações no casamento, disposto no art. 1.566 do Código Civil, apresentou no inciso I o dever de ambos os cônjuges a fidelidade recíproca, onde a violação do dever de respeito pode chegar a gerar condenação.
A Constituição Federal em seu artigo 226, §3º, compara a União Estável e o casamento em diversos aspectos, como o dever de fidelidade.
O descumprimento do dever de fidelidade ocorre através da conjunção carnal de um dos cônjuges ou companheiro com um terceiro ou de atos que demonstram a intenção de um comprometimento amoroso fora da sociedade conjugal, caracterizando a infidelidade virtual.
Nesse sentido, há o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça:
“Viola o dever de fidelidade, não só o cônjuge que mantém relações sexuais com terceiro, mas também aquele que convive amorosamente com outra pessoa ou a ela se liga sentimentalmente (infidelidade moral)”.
Deste modo, estes são motivos suficientes para requerer indenização por danos morais, onde cópias de mensagens gravadas e disponíveis em um computador que seja de uso comum da família tornam-se provas da existência da infidelidade virtual, não havendo o que falar em infração ao direito de sigilo ou invasão de privacidade.
Quando há, por exemplo, violação à correspondência, gravação de telefonemas e abertura de e-mails do cônjuge sem seu consentimento, os meios de provas serão inválidos, haja vista que, sob o aspecto da legislação brasileira, trata-se de prova ilícita.
Nesse contexto, o cônjuge ou companheiro traído poderá pleitear indenização por danos morais a fim de obter a reparação e compensação de tal dano causado pela infidelidade de seu parceiro, fato este sustentado por doutrinadores que defendem a possibilidade de sanção resultante do comportamento infiel, conforme menciona a ilustre jurista Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos (1999, p. 184):
“A prática de ato ilícito pelo cônjuge que descumpre dever conjugal e acarreta dano ao consorte, ensejando a dissolução culposa da sociedade conjugal, gera a responsabilidade civil e impõe a reparação dos prejuízos, com o caráter ressarcitório ou compensatório, consoante o dano seja de ordem material ou moral”
Assim, a lesão no tocante ao direito de família ataca a intimidade, os sentimentos afetivos e a organização na entidade familiar, devendo se observar a configuração do dano, que exige, entre outros, o nexo causal e a culpa resultante de dolo, correspondendo nestes casos, à violação do dever de fidelidade recíproca.
Deste modo, além de restar identificado a capacidade de reparar o dano com a necessidade da vítima, deve-se levar em consideração os aspectos citados anteriormente, a fim de que, uma vez comprovados, reduzem a dor e o sofrimento a que se submeteu o cônjuge traído, conforme menciona CAVALIERI FILHO (2009, p.70):
“Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. ”
Há certa discussão acerca do tema e a doutrina, nem jurisprudência ainda se posicionaram majoritariamente. Defendem os contrários à existência do dano moral, em caso de infidelidade, quer ela virtual ou real, que para a cessação da união basta que se acabe o que efetivamente fez o casal se unir: o amor; sem necessidade da interferência do Estado, numa decisão que é exclusivamente pessoal, sem culpados ou responsáveis, já que como se trata de uma relação interpessoal cada qual a seu modo, contribuiu para o exaurimento do elo amoroso.
A não identificação de um culpado na separação esbarra na seara da psicologia, já que as consequências emocionais ao cônjuge traído podem ser superiores as suas limitações físicas e sociais.
Neste sentido é que defendemos que, o dano moral deve ser aplicado da forma mais ampla possível, nas questões que envolvem o direito de família, inclusive visualizando o aspecto processual, já que a reparação dos danos morais não precisa necessariamente estar cumulado na ação de divórcio ou dissolução, mas a qualquer momento, desde que respeitada a prescrição; o direito pode ser exercido por aquele cônjuge que foi vítima da conduta desrespeitosa do outro.
Portanto, resta clarividente que a infidelidade virtual desvendada caracteriza o rompimento do dever de fidelidade, tendo como consequência a infringência à dignidade da pessoa humana, fundamento este, trazido pela Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III.
5. CASO REAL DE INFIDELIDADE VIRTUAL E JURISPRUDÊNCIA
“TJDF DIREITO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONJUGAIS – INFIDELIDADE – SEXO VIRTUAL (INTERNET) – COMENTÁRIOS DIFAMATÓRIOS – OFENSA À HONRA SUBJETIVA DO CONJUGE TRAÍDO – DEVER DE INDENIZAR – EXEGESE DOS ARTS. 186 E 1566 DO código civil de 2002 – PEDIDO JULGADO PRECEDENTE.
[...] Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante, afirma a sentença. As provas foram colhidas pela própria esposa enganada, que descobriu os e-mails arquivados no computador da família. Ela entrou na Justiça com pedido de reparação por danos morais, alegando ofensa à sua honra subjetiva e violação de seu direito à privacidade. Acrescenta que precisou passar por tratamento psicológico, pois acreditava que o marido havia abandonado a família devido a uma crise existencial. Diz que jamais desconfiou da traição, só comprovada depois que ele deixou o lar conjugal. Em sua defesa, o ex-marido alegou invasão de privacidade e pediu a desconsideração dos e-mails como prova da infidelidade. Afirma que não difamou a ex-esposa e que ela mesma denegria sua imagem ao mostrar as correspondências às outras pessoas. Ao analisar a questão, o magistrado desconsiderou a alegação de quebra de sigilo. Para ele, não houve invasão de privacidade porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a ex-esposa tinha acesso à senha do acusado. Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências, conclui. (Proc. Nº 2005.01.1.118170-3 TJ-DFT TJDF, Sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida)
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A infidelidade virtual insulta diretamente os deveres de fidelidade, lealdade e respeito entre os cônjuges, significando a destruição da relação. No entanto, a infidelidade deixou de ter consequências, como por exemplo, a limitação ao recebimento de alimentos.
Nesse sentido, a principal consequência que restou foi a possibilidade de requerer indenização pelos danos morais, prevista na Constituição Federal, levando-se em consideração as consequências restantes da conduta infiel.
Diversos são os entendimentos doutrinários, onde muitos defendem a possibilidade de ser a internet causadora do fim dos relacionamentos, constituindo violação ao dever de fidelidade. Outros, salienta que a traição por si só causa abalo ao cônjuge traído, além de ofender a dignidade.
De acordo com a classificação doutrinária já exposta, pode-se concluir que o rompimento da relação proporciona mais que abalo sentimental, havendo a necessidade de grande repercussão nos atributos da personalidade. Assim, surge a ideia de que a infidelidade não gera, via de regra, causa de indenizar, configurando o dano moral apenas quando se tratar de grave humilhação e exposição do outro cônjuge.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Adultério virtual/Infidelidade virtual, disponível em HTTP://www.ibdfam.com.br/. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2008-mai-24/justica_aceita_troca_mensagens_prova_traicao>
CÓDIGO CIVIL Comentado: doutrina e jurisprudência: lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o código civil de 1916/ coordenador Cezar Peluso, 2 ed. ver. e atual. Barueri: São Paulo, Manole, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 6 ed. ver; atual., São Paulo: Saraiva, 2014
ZANONI, Gabriela. O rompimento dos deveres conjugais como forma ensejadora de danos morais. Disponível em< http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3157>. Extraído em 15 de mar. 2017