A natureza jurídico-penal da extinção da punibilidade nos crimes tributários

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22/03/2017 às 23:09

Resumo:


  • O trabalho aborda a natureza jurídico-penal da extinção da punibilidade nos crimes tributários no Brasil, destacando a evolução histórica dos tributos e as implicações legais relacionadas aos crimes contra o erário.

  • Explora a relação entre a evolução do sistema tributário e o direito penal, citando legislações históricas como o Código Criminal do Império de 1830 e o impacto destas no tratamento dos crimes tributários, incluindo aspectos de humanização das penas e a introdução de mecanismos legais que visam a redução de tais crimes.

  • Discute a aplicação e as implicações das leis modernas, como a Lei 9.249/95 e a Lei 12.382/11, no contexto dos crimes tributários, analisando como essas leis influenciam a extinção da punibilidade mediante o pagamento de tributos devidos, e como isso se reflete nas decisões dos tribunais superiores como o STJ e o STF.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7. VÍCIOS DE CONSTITUCIONALIDADE INDIRETOS REFLEXOS DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

O instituto da extinção da punibilidade nos delitos tributários traz em sei seio, para não dizer um vício de constitucionalidade propriamente dito, no mínimo uma contradição constitucional implícita.

Contradição com a Carta Magna no sentido de que ao se suprimir tributos, violando diretamente o erário, viola-se também os direitos fundamentais, coletivos e difusos defesos na Lei Maior, e o legislador ao permitir que se extingua a pretensão estatal de chamar para si o ‘jus puniendi’ permite consequentemente a transgressão desses direitos, prejudicando não somente uma pessoa, ou até mesmo um grupo de pessoas, mas toda a sociedade que desses direitos fazem jus.

É defeso no artigo 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação21. Dessa forma, o mais importante para o tema no referido artigo é a afirmação que a saúde é garantida mediante políticas econômicas, políticas estas que ficam depreciadas quando ocorre a supressão de tributos.

Outro caso de especial atenção é o constante do artigo 201, que disciplina acerca da previdência social trazendo suas funções tais como, a título de exemplo, cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada, a proteção à maternidade, e a proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário, sendo de primordial importância para a coletividade.

Por fim, outro exemplo de primordial importância demonstrar, é o caso do artigo 205 que prescreve que a educação, é direito de todos e dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Aqui, novamente se tem a função estatal em promover a educação, que senão a maior herança deixada por um país a seus nacionais, uma das maiores, produto de políticas econômicas e sociais que demandam de grande poderio monetário, dessa forma, burlando o fisco reduz-se gradativamente os investimentos nessa área.

Logo, a insconstitucionalidade do instituto alvo do presente não é declarada, investigada, ou sequer questionada, sendo o mesmo aplicado e validado pelas máximas cortes e tribunais pátrios, uma vez que o intuito da aplicação da extinção da punibilidade nos delitos tributários tem o fulcro de tentar receber em parte o que anteriormente fora suprimido.

Este vício aqui tratado é meramente indireto, podendo ser compreendido por meio da violação indireta de inúmeros direitos garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, ocorridos diretamente quando da ocorrência do delito, podendo vir, ou não, a ser reparado posteriormente, a longo prazo.


​ 8. O ATUAL POSICIONAMENTO DO STJ E STF

Tanto o STF quanto o STJ, até a entrada em vigor da atual lei em vigência, qual seja 12.382/11, mantinha grande divergência quanto ao entendimento de que para ocorrer a extinção da punibilidade nos crimes tributários tinha de se haver o pagamento dos tributos suprimidos, ou estar incluído nos programas de parcelamento do governo, quais sejam REFIS e PAES, respectivamente as leis 9.964/00 e 10.684/03, antes ou depois do recebimento da denúncia criminal.

Prova disto se faz pelas jurisprudências colacionadas, mostrando a divergência entre a 5ª Turma e a 6ª.

PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – DESCAMINHO – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – PAGAMENTO DO TRIBUTO ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA – APLICAÇÃO DO ART 34 DA LEI Nº 9.249/95 – Ubi Eadem Ratio Ibi Idem Ius. 1. Não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral. 2. Diante do pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, de rigor o reconhecimento da extinção da punibilidade. 3. Ordem concedida.” (STJ – HC 48.805 – 6ª Turma – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJU 19.11.2007) (grifos não constantes no original)

“HABEAS CORPUS – PENAL – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – ART 1º, INCISO II, DA LEI Nº 8.137/90 PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO – APLICAÇÃO DO ART 9º, § 2º, DA LEI Nº 10.684/2003 – EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE – 1- O pagamento integral dos débitos tributários, ainda que posterior ao recebimento da denúncia ou da sentença condenatória não transitada em julgado, extingue a punibilidade dos crimes tipificados nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90, por força do art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/03, de eficácia retroativa por força do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal. 2- Ordem concedida.” (STJ – HC 120.024 - (2008/0246148-8) – 5ª Turma – Rel. Minª Laurita Vaz – DJe 11.05.2009) (grifos não constantes no original)

O STF até a vigência da Lei 12.382/11 seguia a mesma linha do STJ havendo divergência de entendimento entre suas Turma no âmbito temporal do pagamento.

Atualmente, costuma-se seguir o entendimento da lei acima citada, em vigor, entretanto, observa-se um crescente ativismo judicial, onde os Juízes, Desembargadores e, principalmente, os Ministros, vêm compreendendo certas legislações como “letra morta”, fazendo-se valer de seu próprio entendimento face a lei vigente.

Exemplo disto é o Acódão abaixo selecionado, onde o r. Ministro Dias Toffoli entendeu por bem permitir a validade da extinção da punibilidade dos delitos tributários para os casos de pagamento integral do débito nos moldes da Lei 10.684/03, ou seja, a qualquer tempo, afirmando para tanto que a Lei 12.382/11 não discrimina disposição em contrário, deixando de aplicar o disposto em seu Art. 6º.

“Art. 6º O art. 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1º a 5º, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6º:

"Art. 83.....

§ 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

Vejamos o entendimento do ilustre Ministro:

“HABEAS CORPUS – CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – TESE NÃO ANALISADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO PELA SUPREMA CORTE – INADMISSÍVEL SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA – PRECEDENTES – NÃO CONHECIMENTO DO WRIT – Requerimento incidental de extinção da punibilidade do paciente pelo pagamento integral do débito tributário constituído. Possibilidade. Precedente. Ordem concedida de ofício. 1- Não tendo sido analisada pelo Superior Tribunal de Justiça defesa fundada no princípio da insignificância, é inviável a análise originária desse pedido pela Suprema Corte, sob pena de supressão de instância, em afronta às normas constitucionais de competência. 2- Não se conhece do habeas corpus. 3- O pagamento integral de débito - Devidamente comprovado nos autos - Empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado da condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade, conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente. 4- Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em 9/5/13, da AP nº 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº 12.382/11, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito, a qualquer tempo. 5- Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente. (STF – HC 116.828 – Rel. Min. Dias Toffoli – DJe 17.10.2013 – p. 50)”. (grifos não constantes no original)

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Dessa monta, resta claro que o entendimento é pela aplicação da Lei 12.382/11 aos delitos tributários que visam a extinção da punibilidade estatal, entretando, com o crescente ativismo judiciário não se pode garantir a aplicação estrita da letra da lei, restando assim grande insegurança jurídica.


9. CONCLUSÃO

Ante todo exposto, ao longo do presente trabalho, comprovou-se toda a origem dos tributos, bem como, consequentemente, a origem dos delitos tributários deles oriundos, desde o início da colonização portuguesa aqui ocorrida a partir de 1500.

Destacando-se a importância da Teoria Finalista de Welzel para o presente tema, uma vez que aquele que busca burlar o erário o faz visando atingir um fim já pre estabelecido, qual seja, o aumento de seu patrimônio, ou lucro pessoal em detrimento do fisco. De fundamental importância a delimitação do tema também encontra-se a Teoria do Domínio do Fato de Claus Roxin, uma vez que não se deve punir unicamente o Autor imediato do evento delitivo, punindo-se igualmente aquele que possui o domínio do fato delitivo, mesmo que não seja o Autor direto da fato típico, igualando-se para os fins da pena também os Autores e Co-Autores.

Restou claro, igualmente, que o ´jus puniendi´ estatal só é válido nos delitos tributários com a responsabilização subjetiva do autor do evendo delitivo, uma vez que esses delitos são realizados unicamente com dolo, ou seja, o agente que pretende burlar o erário obrigatoriamente o faz com dolo. Ele conduz sua conduta de forma apta a haver a subsunção típica à norma.

Já se tratando do âmbito legal contemporâneo, vê-se uma enorme divergência legislativa, bem como jurisprudencial, onde a enorme produção de normas traz um certo discrédito, uma crescente dúvida sobre o mito da segurança jurídica, havendo pequenas mudanças de uma lei em relação a outra, alterando-se porém o critério temporal para a efetivação do pagamento.

As maiores mudanças podem ser ditas com o advento da Lei 9.964/00 – ‘REFIS’ e da Lei 10.684/03 – ‘PAES’ que instituíram respectivamente os programas de recuperação fiscal do governo, destinados primeiramente as Pessoas Jurídicas, posteriormente estendido as Pessoas Físicas.

Explanou-se, também, sobre um possível vício de constitucionalidade advindo do instituto da extinção da punibilidade para os crimes aqui discorridos, inconstitucionalidade esta meramente acadêmica, implícita, oriunda das consequências da supressão tributária no âmbito social. Sendo considerado plenamente constitucional e legitimado pelos Tribunais Superiores.

Se falou também da enorme discricionariedade dos Tribunais quando da aplicação da legislação vigente, sendo esta, muitas vezes, transformada em ‘letra morta’ devido ao crescente ativismo judicial, comprovado claramente pelas jurisprudências desses.

O tema em questão, indubitalvelmente, é, e sempre será, gerador de divergências e instabilidades, tanto na doutrina, quanto na prática, variando e se inovando continuamente com os avanços contemporâneos, fazendo uma conjugação entre direito penal, tributário e as relações sociais e comerciais modernas.

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Sobre o autor
Lucas Mendonça Trevisan

Sou formando em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto para finalidade acadêmica.

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