A Constituição Federal, por meio do art. 153, III, trouxe ao ordenamento jurídico atual a figura do imposto de renda e proventos de qualquer natureza, na forma que a seguir se destaca:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
(...)
III - renda e proventos de qualquer natureza;
Em adição ao conceito que acima se colaciona, o Código Tributário Nacional, por meio do seu art. 43, dispõe como a renda tributável:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
Apesar da dialética ostensiva que comporta o assunto, entendemos que, para a maior compreensão do tema abordado, faz-se necessário nos atermos ao conceito de acréscimo de renda oriundo do aumento do capital.
Entende-se da expressão “capital” como os bens econômicos, utilizados na produção de outros bens ou serviços. Podemos auferir, então, que do investimento realizado com um bem de patrimônio do contribuinte (capital), tudo aquilo que vier acrescer no seu patrimônio e advir deste será considerado como acréscimo de renda produto do capital, ou “ganho de capital”.
Nessa toada, podemos afirmar que, no caso do contribuinte pessoa física, quando este realizar a venda de um bem imóvel integrante do seu patrimônio, caso desta se origine um aumento na sua renda/riqueza, diz-se então que houve um ganho de capital.
Especialmente sobre esse exemplo que gira o cerne deste trabalho, uma vez que há hipóteses em que a legislação tributária desautoriza a cobrança do IRPF sobre o ganho de capital nas vendas de bens imóveis.
A título exemplificativo, e por amor a argumentação, trazemos ao presente trabalho o art. 23 da Lei 9.250/95, o qual abarca a isenção no ganho de capital auferido na venda de bem imóvel realizada por contribuinte, respeitados os requisitos legais para o gozo desta benesse (ser o único bem imóvel do contribuinte + respeitar o valor da alienação + não ter realizado outra alienação no quinquênio legal):
Art. 23. Fica isento do imposto de renda o ganho de capital auferido na alienação do único imóvel que o titular possua, cujo valor de alienação seja de até R$ 440.000,00 (quatrocentos e quarenta mil reais), desde que não tenha sido realizada qualquer outra alienação nos últimos cinco anos.
Apesar da relevância prática do artigo ao norte colacionado, no presente momento faz-se importante debruçarmo-nos em outra hipótese de isenção, a saber, aquela prevista no art. 39 da Lei 11.196/05. In verbis:
Art. 39. Fica isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição de imóveis residenciais localizados no País.
§ 1o No caso de venda de mais de 1 (um) imóvel, o prazo referido neste artigo será contado a partir da data de celebração do contrato relativo à 1a (primeira) operação.
§ 2o A aplicação parcial do produto da venda implicará tributação do ganho proporcionalmente ao valor da parcela não aplicada.
§ 3o No caso de aquisição de mais de um imóvel, a isenção de que trata este artigo aplicar-se-á ao ganho de capital correspondente apenas à parcela empregada na aquisição de imóveis residenciais.
§ 4o A inobservância das condições estabelecidas neste artigo importará em exigência do imposto com base no ganho de capital, acrescido de:
I - juros de mora, calculados a partir do 2o (segundo) mês subseqüente ao do recebimento do valor ou de parcela do valor do imóvel vendido; e
II - multa, de mora ou de ofício, calculada a partir do 2o (segundo) mês seguinte ao do recebimento do valor ou de parcela do valor do imóvel vendido, se o imposto não for pago até 30 (trinta) dias após o prazo de que trata o caput deste artigo.
§ 5o O contribuinte somente poderá usufruir do benefício de que trata este artigo 1 (uma) vez a cada 5 (cinco) anos.
Veja que, apesar do benefício trazido pela legislação em comento, para usufruir totalmente o contribuinte deve atentar para uma série de previsões legais, as quais, caso não sejam observadas, importarão tributação de ganho auferido (ou parcela deste).
Como se não fosse o bastante, no exercício do seu poder de regulação, a Secretaria da Receita Federal instituiu a Instrução Normativa n.º 599/05, a qual dispõe sobre o artigo alhures. Especificamente, o art. 2º da norma regula a isenção trazida pelo art. 39 da Lei 11.196/05, não obstante, o seu alcance vai além da norma “maior”, razão pela qual guarda sérias ilicitudes, passiveis de revisão pelo Poder Judiciário.
Conforme consta no parágrafo 11 do art. 2º da Instrução Normativa, a SRF não reconhece a isenção em tela quando o produto da venda do bem imóvel for utilizado para quitação de imóvel já adquirido pelo contribuinte.
Art. 2º Fica isento do imposto de renda o ganho auferido por pessoa física residente no País na venda de imóveis residenciais, desde que o alienante, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contado da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição, em seu nome, de imóveis residenciais localizados no País.
(...)
§ 11. O disposto neste artigo não se aplica, dentre outros:
I - à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante;
Noutras palavras, aos olhos da Receita Federal, se o contribuinte comprar um imóvel na “planta”, e, ao final, antes da entrega deste, utilizar o produto da venda do imóvel de sua propriedade, no qual tem residência, esta parcela seria tributável. Assim, para que seja alcançada a isenção, o contribuinte teria que, primeiramente alienar o seu imóvel utilizado como residência, para então procurar outro lar para morar, podendo inclusive ficar tempos sem ter onde residir e então, tão somente quando assim conseguisse, poderia se valer do benefício legal. E mais, tudo isso no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, conforme o caput do artigo.
Desde já, há de fazer a seguinte ressalva: a administração tributária inovou o ordenamento jurídico por meio desta Instrução Normativa, visto que jamais ouve tal previsão na legislação.
Frente a tal ilicitude, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, por meio do REsp 1.469.478/SC entendeu por bem afastar a previsão do §11 do art. 2º da IN 599/05 – SRF. Segue o teor da ementa:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. GANHO DE CAPITAL NA ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL RESIDENCIAL. IN/SRF Nº 599/2005 E ART. 39 DA LEI Nº 11.196/2005.
1. A isenção do Imposto de Renda sobre o ganho de capital nas operações de alienação de imóvel prevista no art. 39, da Lei 11.196/2005 se aplica à hipótese de venda de imóvel residencial com o objetivo de quitar, total ou parcialmente, débito remanescente de aquisição a prazo ou à prestação de imóvel residencial já possuído pelo alienante.
2. É ilegal a restrição estabelecida no art. 2º, §11, I, da Instrução Normativa-SRF n. 599/2005.
3. NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.
(REsp 1469478/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe19/12/2016)
Nesta oportunidade, o Voto-Vista do Min. Mauro Campbell que direcionou o julgamento. Ao analisar a fundamentação do voto, fica fácil o entendimento tomado pelo Ministro.
“O caso é que a restrição da lei isentiva feita mediante instrução normativa da Receita Federal torna a aplicação da norma quase que impossível. Com efeito, é de sabença geral que a grande maioria das aquisições imobiliárias das pessoas físicas é feita mediante contratos de financiamento de longo prazo (até trinta anos). Isto porque a regra é que a pessoa física não tenha liquidez para adquirir um imóvel residencial à vista. Outro ponto de relevo é que a pessoa física geralmente adquire o 'segundo imóvel’ ainda ‘na planta’ (em construção), o que dificulta a alienação anterior do ‘primeiro imóvel’, já que é necessário ter onde morar. A regra então é que a aquisição do ‘segundo imóvel’ se dê antes da alienação do ‘primeiro imóvel’.
Sendo assim, a finalidade da norma expressa na citada exposição de motivos é mais bem alcançada quando se permite que o produto da venda do imóvel residencial anterior seja empregado, dentro do prazo de 180 (cento e oitenta dias), na aquisição de outro imóvel residencial, compreendendo dentro deste conceito de aquisição também a quitação do débito remanescente do imóvel já adquirido ou de parcelas do financiamento em curso firmado anteriormente.”
Veja que o Ministro foi perfeito ao aplicar a norma no caso em análise, visto que respeitou o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, não obstante guardou ao contribuinte o direito de se valer da isenção mesmo quando alienação do imóvel ocorrer em momento posterior a aquisição da futura residência.
A presente decisão mostra-se perfeita pelos seus próprios fundamentos, inclusive pelo fato de que, por força do art. 111 do CTN, a interpretação da norma tributária que trata da isenção deve ser realizada de forma literal. Dessa forma, não existindo qualquer previsão legal no art. 39 da Lei 11.196/05 que comporte tal divagação, não pode a Receita Federal, mediante ato infralegal, alargar o entendimento mediante interpretações equivocadas.
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
(...)
II - outorga de isenção;(...)
Dessa feita, seguindo o entendimento do STJ, o qual entendemos ser o mais acertado, frisamos pela total ilicitude na pratica pela Receita Federal, quando da aplicação do art. 2º, §11 da IN 599/09.