4. Da lei integrativa de eficácia
Acima ficou dito que os institutos do plebiscito e do referendo foram introduzidos por meio de normas de eficácia limitada declaratórias de princípios institutivos, pelo que os seus efeito jurídicos essenciais ficaram dependentes de legislação integrativa posterior.
Alguns doutrinadores[14] defendem que tal norma deveria ser lei complementar. Contudo, tal corrente não parece ser a mais correta à luz do direito pátrio, uma vez que o critério adotado pelo legislador constituinte foi o de considerar objeto de lei complementar apenas aqueles casos explicitamente determinados no texto constitucional, através do uso da expressão lei complementar.
Essa controvérsia tem origem no debate acerca do que seria tema de lei complementar e o que seria tema de lei ordinária, entendendo alguns que só seria objeto de lei complementar questões que constituíssem objeto material da Constituição, desde que, logicamente, não tivessem sido nela totalmente disciplinadas (e.g. questões acerca da repartição dos poderes, ou dos direitos e garantias individuais). Outros defendem que seria objeto de lei complementar aquilo que constasse de forma explícita no texto constitucional como tendo sido deixado à regulamentação por meio de lei complementar, ou seja, haveria uma reserva formal de assuntos deixados à lei complementar, devido a uma repartição de competências.
No direito brasileiro prevalece a segunda corrente. E como a CF não exigiu explicitamente lei complementar para os casos de regulamentação do plebiscito e do referendo, percebe-se caber à lei ordinária tal desiderato, tarefa cumprida pelo legislador ordinário com a edição da Lei Federal nº 9.709/98, anteriormente já abordada.
Portanto, hoje em dia os institutos do referendo, plebiscito e iniciativa popular - que apesar de ter sido instituído por norma de eficácia plena, no âmbito nacional, teve artigos a seu respeito insertos na referida lei, mas apenas reiterando os termos da Constituição, no seu art. 61, § 2º - encontram-se totalmente regulamentados, de forma que têm eficácia plena, podendo incidir e produzir os efeitos para os quais foram criados, realizando de forma prática o princípio fundamental da soberania popular, aproximando o povo do exercício do poder de forma a legitimar as decisões do Estado.
Outrossim, advirta-se que o art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Tansitórias estabeleceu regramento diferenciador dos institutos do plebiscito e do referendo, ao possibilitar a realização, no ano de 1993, portanto, antes da existência de legislação regulamentadora, de consulta plebiscitária referente à forma e ao sistema de governo adotados pelo Brasil. Mas ainda assim, esse próprio artigo, em seu parágrafo segundo, estabeleceu que essa consulta ficaria dependente de regulamentação posterior por parte do Tribunal Superior Eleitoral, pelo que se percebe não existir plebiscito dotado de eficácia plena no texto constitucional de 1988.
5.Conclusões
Conclui-se no sentido de que:
Cabe ao Congresso Nacional, mediante Decreto Legislativo, a competência privativa para convocar plebiscito e/ou referendo.
O Decreto Legislativo é espécie legislativa prevista no inciso VI do art. 59 da CF, e além de abarcar as matérias elencadas no art. 49 da CF, também veicula a disciplina das relações jurídicas decorrentes de medida provisória não convertida em lei, conforme redação do § 3º do art. 62 da CF. Nesses termos, os Decretos Legislativos são atos destinados a regular matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, cujos efeitos são externos a ele, e diante da inexistência de norma expressa em sentido contrário, incide na espécie o regramento do art. 47 da CF, segundo o qual “Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros”.
Assim, aplica-se ao Decreto Legislativo o rito adotado para leis ordinárias – com a diferença de ser promulgado pelo Presidente do Congresso Nacional, já que não vai à sanção presidencial -, donde poder ser iniciado por membro ou comissão do Congresso, além de dever ser discutido e votado tanto no Senado, como na Câmara dos Deputados.
Ressalte-se apenas que a Lei nº 9.709/98 determinou a suspensão do projeto de lei ou medida administrativa cuja matéria esteja sendo objeto de plebiscito, até a obtenção do resultado da consulta, e estabeleceu que o referendo pode ser convocado no prazo de trinta dias a partir da promulgação da lei ou adoção da medida administrativa (art. 9º e 11º, respectivamente).
Cabe à Justiça Eleitoral - TSE, TRE, ou juiz de direito, conforme a consulta seja de âmbito nacional, estadual ou municipal - a condução dos respectivos processos, desde o momento de fixação da data, até a quantificação do resultado, passando pela divisão paritária do tempo de propaganda gratuita nos meios de comunicação de massa e fixação de instruções para tanto.
A maioria simples (cinquenta por cento mais um dos votos válidos) é o critério de aferição da aprovação ou não da proposta, nos termos do estabelecido no art. 10, caput, da Lei Federal nº 9.709/98.
As normas constitucionais instituidoras da iniciativa popular podem ser classificadas como de eficácia plena e aplicabilidade imediata, enquanto àquelas referentes a plebiscito e referendo são de eficácia limitada declaratória de princípio institutivo, mas já tiveram a sua eficácia complementada pela edição da Lei Federal nº 9.709/98, de forma a se encontrarem aptas a incidir de forma plena.
Ao se aprofundarem os contornos jurídicos destes institutos tentou-se alcançar dupla finalidade, por um lado e principalmente, estabelecer, ainda que de forma sucinta, um manancial de informações jurídicas válido a todos que desejem se utilizar e tirar dúvidas de direito acerca de plebiscito, referendo e iniciativa popular, e, por outro lado, contribuir com a divulgação de tão importantes mecanismos possibilitadores da participação popular.
1 MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: conceituação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3699, 17 ago. 2013. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/25140. Acesso em: 18 nov. 2016.
2 MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues de. Conteúdo dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3780, 6 nov. 2013. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/25704. Acesso em: 18 nov. 2016.
3 MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: conceituação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3699, 17 ago. 2013. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/25140. Acesso em: 18 nov. 2016.
4 CALMON, Pedro. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. São Paulo: Freitas Bastos, 1947, p. 159, Apud, Almino Affonso, AFFONSO, Almino. Democracia Participativa: plebiscito, referendo e iniciativa popular. Revista de Informações Legislativas. Brasília: Senado, nº 132: 11-27, out./dez. 1996, p. 19.
5 BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A Cidadania Ativa: Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular. São Paulo: Ática, 1998, p. 38.
6 MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues de. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: conceituação. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3699, 17 ago. 2013. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/25140. Acesso em: 18 nov. 2016.
7 BRASIL. Lei Federal nº 9.709/98. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 15 abr. 2006.
8 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967 (com a Emenda nº 1, de 1969), 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987,Tomo III, p. 142.
9 MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues de. Conteúdo dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3780, 6 nov. 2013. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/25704. Acesso em: 18 nov. 2016.
10 SILVA. José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.
11 Idem, Ibidem, p. 101.
12 Idem, Ibidem, p. 116.
13 Idem, Ibidem, p. 126.
14 Cf. BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A Cidadania Ativa: Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular. São Paulo: Ática, 1998, p. 139.