SISTEMA DE PENAS NO DIREITO BRASILEIRO

BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA

05/04/2017 às 14:08

Resumo:


  • O sistema de penas no Direito Brasileiro teve uma evolução histórica desde as Ordenações Filipinas, marcadas por penas cruéis e desproporcionais, até a promulgação do Código Penal de 1940.

  • O Código Criminal de 1830 represent

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo indica as principais características das penas previstas no sistema brasileiro, desde a época imperial, até a vigência da atual Parte Geral do Código Penal

SISTEMA DE PENAS NO DIREITO BRASILEIRO:

BREVE EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Antonio Carlos Santoro Filho

1.Livro V das Ordenações Filipinas

Embora tenham sido aplicadas ao Brasil também as Ordenações Alfonsinas e Manuelinas, foram as Filipinas, publicadas em 11 de janeiro de 1603, e recepcionadas por D. João IV em 29 de janeiro de 1643, que maior incidência tiveram em nosso território para disciplinar a ordem jurídica1.

As Ordenações Filipinas constituíram exemplo típico de legislação penal com finalidade vingativa, de expiação e suplício do condenado pela infração ao poder do Monarca e, em conseqüência, à própria Divindade.

Neste contexto, criou-se diploma de terror, com completa desproporcionalidade entre conduta e sanção, penas difamantes e cruéis, além da extensão dos efeitos da pena aos descendentes do condenado.

Galdino Siqueira bem sintetiza as características do “Código” Filipino: “Expressão exata das idéias e sentimentos que predominavam na época em que foram promulgadas (1603), semelhante legislação penal, além de confundir o direito com a moral e a religião, erigindo em crimes o pecado e o vício, de sancionar a desigualdade perante a lei, de desconhecer o princípio da personalidade da responsabilidade criminal, fazendo recair a infâmia do crime na pessoa dos descendentes do delinqüente, de dar predomínio ao arbítrio judicial, não resguardando a liberdade individual dos abusos, consagrava um sistema de penalidade que, inspirado nas idéias de expiação e de intimidação, se distinguia pela crueldade, prodigalizando-se as penas infamantes e de morte, requintada a crueza na sua execução e no emprego da tortura para obtenção de confissões”2.

Como pena mais grave nas Ordenações Filipinas foi estabelecida a morte cruel, que importava o suplício do condenado e era aplicada, por exemplo, ao crime de lesa-majestade – Título VI.

À morte cruel somavam-se as penas corporais de morte em fogueira – Título XVII “Dos que dormem com suas parentes e afins” -, pela qual o indivíduo deveria ser queimado, até ser feito em pó3, a morte natural – Título XIX “O homem que casa com duas mulheres, e da mulher que casa com dois maridos” -, a decepação de membros – Título XXXV “Dos que Matão, ou ferem ou tirão com arcabuz, ou besta – e o açoite – Título II “Dos que arrenegão, ou blasfemão de Deos ou dos Santos”.

Largamente utilizada, também, além das penas corporais em sentido de castigo físico, era a sanção de desterro para a África, que podia ser por prazo determinado ou perpétuo.

Esta pena era utilizada, por exemplo, àqueles que levavam escritos ou recados de desafio, por qualquer meio que fosse – Título XLIII.

Por último, estabeleciam as Ordenações Filipinas, ainda, penas pecuniárias, como o confisco total ou parcial de bens e a imposição de multa. Estas penas podiam tanto ser aplicadas isolada, ou cumulativamente com as penas corporais.

Este, em brevíssima síntese, o panorama das penas no direito brasileiro até a proclamação da independência4, quando então se iniciou movimento para a promulgação de legislação própria, que culminou com a edição do Código Criminal do Império.

2.Código Criminal de 1830

            O Código Criminal de 1830, o primeiro do Brasil independente, representou uma profunda modernização do direito penal nacional.

               Com o novo diploma foram abolidas as penas cruéis e a arbitrariedade do julgador, conferindo-se maior segurança jurídica aos cidadãos.

               Instituiu o Código Criminal do Império, mediante o seu artigo 33, o princípio da legalidade das penas, ao dispor que: “Nenhum crime será punido com penas que não estejão estabelecidas nas leis, nem com mais ou menos daquellas que estiverem decretadas para punir o crime no gráo máximo, médio ou mínimo, salvo o caso em que aos juízes se permitir o arbítrio”.

               É certo que tal abolição não foi completa, pois, em relação aos escravos, manteve-se a previsão e aplicação da pena de açoitamento – art. 60 -, que, evidentemente, contraria a dignidade da pessoa humana.

               Tal exceção, todavia, não prejudicou o espírito liberal do novo Código, pois os escravos, até a abolição, não eram considerados cidadãos, e nem ao menos sujeitos – plenos – de direitos.

               Além do açoute para escravos, o novo Código estabeleceu outras nove espécies de sanções.

               A pena mais grave consistia na condenação à morte na forca, que somente poderia ser executada após tornada irrevogável a sentença – artigos 38 e 39. Esta pena era prevista, por exemplo, para os delitos de insurreição – art. 113: reunião de vinte ou mais escravos para haverem a liberdade por meio de força – e de homicídio agravado – art. 192.

               As outras penas corporais cominadas eram as de galés, de prisão com trabalhos, a prisão simples, o banimento, o degredo e o desterro.

               A pena de galés – art. 44 – sujeitava o condenado a andar com corrente de ferro nos pés e a empregar-se nos trabalhos públicos da província na qual havia praticado o delito, à disposição do governo. A aplicação desta pena era vedada às mulheres, aos menores de vinte e um anos e aos maiores de sessenta.

               Delitos como a pirataria – art. 82 – o homicídio simples – art. 193 – e o roubo – art. 269 – implicavam aos seus autores a condenação ao cumprimento desta sanção penal.

               A pena de prisão com trabalho obrigava o condenado a ocupar-se diariamente nos trabalhos que lhe fossem destinados, dentro das prisões – art. 46 -, e era aplicável a crimes contra a Constituição do Império e Forma de Governo – artigos 85 e 86 -, de resistência – art. 116 -, de facilitação de fuga – art. 125 – e de falsidade – art. 167 – , entre muitos outros.

               A prisão simples – art. 47 – acarretava ao sentenciado o dever de estar recluso em prisões públicas pelo tempo determinado em sentença, e era cominada à maioria dos delitos.

               O banimento – art. 50 – o degredo e o desterro constituíam penas privativas da liberdade de locomoção pelo território.

               A primeira, mais grave, representava a privação perpétua ao réu dos direitos de cidadão brasileiro – políticos – e de habitar o território nacional.

               O degredo obrigava o condenado a residir no local indicado na sentença, enquanto o desterro acarretava a proibição de permanência nos locais do delito, de sua residência e da vítima, por tempo determinado.

               Além das penas corporais, o Código Criminal do Império previa, ainda, as penas de multa, de suspensão e de perda do emprego.

               Restou estabelecido o sistema de dia-multa, segundo o qual a pena pecuniária – art. 55 – implicava ao condenado o pagamento de quantia aos cofres das câmaras municipais, quantum que deveria ser regulado pelo que pudesse haver o réu em um dia de trabalho.

               A suspensão de emprego privava os condenados do exercício de seus cargos durante o tempo determinado em sentença, período no qual não poderiam ser empregados em outros, salvo se decorrentes de eleição popular – art. 58.

               Já a perda do emprego importava também a de todos os serviços que o réu nele tivesse prestado, mas não vedava a possibilidade de nova nomeação, salvo se houvesse declaração expressa de inabilidade a respeito – art. 59.

               Este sistema de penas vigorou no Brasil durante todo o período imperial, por quase sessenta anos, tendo sofrido alterações substanciais apenas com a promulgação do primeiro Código Penal da República.

3.O Código Penal de 1890

              Com a proclamação da República em 1989 apresentou-se a necessidade de elaboração de um novo Código Penal, missão que foi atribuída a Batista Pereira pelo então Ministro da Justiça, Campos Sales.

               Os trabalhos desenvolveram-se rapidamente e, em 11 de outubro de 1890, mediante o Decreto n. 847, editou-se o “Código Penal Brasileiro”.

               A emergência na formulação do Código acarretou uma série de imperfeições técnicas, tendo sido o novo diploma objeto de severas críticas por parte dos doutrinadores e operadores de direito da época5.

               Os defeitos ostentados pelo conjunto de normas penais, entretanto, não excluiu os avanços conquistados com a nova legislação, entre os quais poderíamos citar, como principais: (a) a eliminação da pena de morte para crimes comuns; (b) a limitação do tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade (artigos 44 e 66,§ 4º); (c) a adoção de um incipiente sistema progressivo de penas (artigos 50 a 52), inclusive com a previsão do livramento condicional.

               Estabelecia o Código Penal republicano penas principais e acessórias.

               Entre as primeiras incluíam-se a prisão celular, o banimento, a reclusão, a prisão com trabalho obrigatório, a prisão disciplinar, a suspensão e perda do emprego público e a multa.

               Além destas, o artigo 55 do diploma instituiu a pena de interdicção, aplicável ao condenado à pena de prisão celular superior a seis anos, e que produzia a suspensão de todos os direitos políticos, de ofício eletivo, temporário ou vitalício, ou emprego público da Nação ou Estados, e das respectivas vantagens e vencimentos, bem como de todas as dignidades e condecorações honoríficas ou múnus públicos.

               A prisão celular (artigo 45), a mais grave entre as penas cominadas no Código, era cumprida em estabelecimento especial, com isolamento celular e trabalho obrigatório. No primeiro período do cumprimento operava-se o isolamento celular6 e, nos seguintes, trabalhos em comum, com segregação noturna e silêncio diurno.

               A condenação ao banimento (artigo 46) privava o sentenciado dos direitos de cidadão brasileiro – políticos – e de habitar no território nacional enquanto perdurassem os efeitos da pena.

               A reclusão constituía também pena de prisão, porém menos grave e rigorosa que a celular. Devia ser cumprida em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares (artigo 47).

               A prisão com trabalhos incluía-se entre as penas privativas de liberdade, com menor grau de rigidez no seu cumprimento e se dava em prisões agrícolas ou estabelecimentos militares (artigo 48).

               Em virtude de sua menor gravidade, era permitida a transferência – progressão – a este regime aos condenados a prisão celular superior a seis anos, desde que cumprissem ao menos metade da pena e demonstrassem bom comportamento (artigo 50).

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               A prisão disciplinar, por seu turno, consistia no recolhimento em estabelecimentos industriais especiais dos menores de vinte e um anos (artigo 49).

               A pena de perda de emprego importava a de todos os serviços e vantagens do condenado, e a de suspensão do emprego privava o sentenciado de todos os seus empregos durante o tempo de suspensão, vedando a sua nomeação para outros, salvo de eleição popular (artigos 56 e 57).       

               Por último, no tocante à pena de multa (artigo 58), manteve-se praticamente o mesmo sistema do Código Criminal de 1830. Consistia a sanção pecuniária no pagamento ao Tesouro Federal, de quantia que era regulada pelo quantum o condenado podia ganhar em cada dia por seus bens, emprego, indústria ou trabalho.

               Conforme já anotado, o Código Penal de 1890 provocou, logo após a sua edição, um sem número de críticas, que levaram rapidamente a propostas de reforma da legislação.

               As tentativas de reformulação do diploma legal, contudo, não lograram êxito, o que implicou a edição de várias alterações isoladas, as quais foram compiladas em 1932, pelo Decreto n. 22.213 de 14 de dezembro, de Getúlio Vargas, que adotou o trabalho do Desembargador Vicente Piragibe, da Corte de Apelação do Distrito Federal, e que recebeu a denominação de Consolidação das Leis Penais.

               Entre as relevantes modificações operadas em matéria de penas, podem ser citadas a eliminação da sanção de banimento (Lei n. 1.062, de 29 de setembro de 1903); a instituição da pena de prisão correcional (Decreto n. 145, de 11 de junho de 1893 e Decreto n. 6.994 de 19 de junho de 1908); a instituição do sursis7.

               Os movimentos de reforma, no entanto, permaneceram ativos, e com a instituição do Estado-Novo, em 1937, o novo Governo providenciou o reinício dos estudos, que afluíram para a edição do Decreto-lei n. 2.848 de 07 de dezembro de 1940, o Código Penal de 1940.

4.Código Penal de 1940

               Ao contrário do Código Penal de 1890, o de 1940 foi muito bem recebido pela doutrina pátria, e representou avanço técnico expressivo na dogmática penal brasileira.

               Elaborado com base no projeto do Professor Alcântara Machado e aperfeiçoado pela Comissão revisora, integrada, entre outros, por Nelson Hungria e Roberto Lira, o novo diploma, conforme restou consignado na sua exposição de motivos, da lavra do então Ministro da Justiça, Francisco Campos: “não reza em cartilhas ortodoxas, nem assume compromissos irretratáveis ou incondicionais com qualquer das escolas ou das correntes doutrinárias que se disputam o acerto na solução dos problemas penais. Ao invés de adotar uma política extremada em matéria penal, inclina-se para uma política de transação ou de conciliação. Nele, os postulados clássicos fazem causa comum com os princípios da Escola Positiva”.

               Com efeito, a grande inovação trazida pelo Código Penal de 1940 foi a introdução, no direito brasileiro, das medidas de segurança para os inimputáveis e “semi-imputáveis”, em relação aos quais até então não havia conseqüências no âmbito do direito penal, e a previsão da incidência de medida de segurança após o cumprimento da pena para os indivíduos considerados perigosos para o convívio social – sistema do duplo binário.

               No que concerne ao sistema de penas, também o Código do Estado Novo, assim como seu antecessor, estabeleceu sanções principais e acessórias.

               Constituíam penas principais a reclusão e a detenção, ambas de cumprimento em penitenciárias, e a multa – art. 28.

               As diferenças entre as duas penas privativas de liberdade referiam-se às questões do isolamento e do trabalho do preso, da separação dos sentenciados às duas espécies de sanções detentivas e à possibilidade de concessão de sursis.

               Com efeito, para a pena de reclusão não se admitia a suspensão condicional, salvo se se tratasse de pena não superior a dois anos, aplicada a menor de vinte e um ou maior de setenta anos.

               Em regra ficava o condenado a esta pena, pelo período inicial não superior a três meses, sujeito ao isolamento diurno – art 30, caput.

               Após esse prazo inicial, passava o recluso a trabalhar em comum, no ofício que lhe fosse atribuído, dentro do estabelecimento ou, em serviços públicos, fora dele – art. 30, § 1º.

               O condenado à detenção, por outro lado, podia obter a suspensão condicional, desde que condenado a pena não excedente a dois anos.

               O condenado a esta sanção não estava sujeito ao período inicial de isolamento – art. 31, caput – e o trabalho a ser exercido, necessariamente de cunho educativo, poderia ser escolhido pelo próprio detento, na conformidade de suas aptidões ou ocupações anteriores – art. 31, parágrafo único.

               Quanto à pena pecuniária, aboliu-se o sistema de dia-multa, tendo restado estabelecido que esta sanção consistia no pagamento, em selo penitenciário, de quantia fixada em sentença – art. 35 -, entre os limites mínimos e máximos previstos na parte especial para cada delito, de acordo com a capacidade econômica do sentenciado.

               Ao lado das penas principais, como já asseverado, foram previstas três penas acessórias – art. 67: (a) de perda da função pública, eletiva ou de nomeação; (b) as interdições de direitos; (c) a publicação da sentença.

               Decretava-se a perda da função pública em relação aos condenados à pena privativa de liberdade por crime cometido com abuso de poder ou violação de dever inerente à função pública, bem como aos condenados à pena de reclusão superior a dois anos, ou de detenção superior a quatro.

               As interdições de direitos podiam constituir, primeiro, a incapacidade temporária para a investidura em função pública – art. 69, inciso II -, reservada aos condenados a pena de reclusão superior a dois anos e aos causadores de prejuízos materiais ou morais à Administração Pública.

               Os incisos II e III, do art. 69, previam a incapacidade permanente ou temporária para o exercício da autoridade marital ou do pátrio poder, de tutela ou curatela para os condenados por crimes que revelassem manifesta incompatibilidade com o exercício desses poderes ou abuso, bem como aos sentenciados a pena de reclusão superior a dois anos.

               Outra espécie de interdição de direitos consistia na incapacidade temporária para exercício de profissão ou atividade dependente de habilitação especial, licença ou autorização do poder público – art. 69, inciso III -, aplicável aos condenados por crimes cometidos com abuso de profissão ou atividade, ou com infração a dever a ela inerente.

               A quinta pena de interdição de direito tratava-se da suspensão dos direitos políticos – art. 69, inciso V – dos condenados a pena privativa de liberdade – pelo prazo da execução da pena -, da aplicação da medida de segurança ou da incapacidade temporária para a investidura em função pública.

               A última espécie de pena acessória, qual seja, a publicação de sentença, consistia na publicação, em resumo, da decisão judicial em jornal de grande circulação, à custa do condenado, por exigência do interesse público – art. 73.

               Além das penas o Código Penal disciplinava, em seus artigos 88 e seguintes, as medidas de segurança, aplicáveis aos autores considerados perigosos de fatos previstos como crimes.

               Dividiam-se em patrimoniais, cujas espécies eram a interdição de estabelecimento, de sociedade ou associação e o confisco, e as pessoais, detentivas ou não detentivas. 

               A internação em manicômio judiciário, a internação em casa de custódia e tratamento e a internação em colônia agrícola ou em instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional formavam as possibilidades de medidas pessoais detentivas.

               As não-detentivas eram caracterizadas pela liberdade vigiada por órgão especial ou pela Autoridade Policial, pela proibição de freqüentar determinados lugares e pelo exílio local. Esta última espécie representava a proibição de residir ou permanecer o condenado, durante pelo menos um ano, na localidade, município ou comarca em que tivesse sido praticado o crime.

               Este, em síntese, o panorama das medidas penais do Código Penal de 1940, que somente sofreu modificação total com a reforma da Parte Geral levada a efeito em 1984, em vigor até esta data – com modificações pontuais.

              

5.Código Penal de 1969

               O Código Penal de 1969, que não chegou sequer a entrar em vigor, estabeleceu penas principais e acessórias e medidas de segurança, como o seu antecessor.

               Em apertado resumo, a seguir, nos dedicaremos à exposição do quadro do sistema punitivo desta legislação penal.

               As penas principais eram detentivas, consistentes em reclusão e detenção, e não-detentiva, a pena de multa.

               As penas privativas de liberdade não sofreram modificações radicais em relação ao Código Penal de 1940. Excluiu-se a previsão do período inicial de isolamento – art. 38, § 2º - e estabeleceu-se a obrigatoriedade do trabalho, de acordo com as forças e aptidões do sentenciado.

               A reclusão era reservada aos delitos de maior gravidade, mas podia ser substituída pela detenção, desde que não superior a dois anos – art. 37, § 3º.

               O máximo das penas privativas de liberdade permaneceu estabelecido em trinta anos – art. 37, § 1º -, mas para os criminosos habituais ou por tendência o diploma reservou a possibilidade de aplicação de pena indeterminada, não superior a dez anos após o cumprimento da pena fixada na sentença – art. 64 e parágrafos.

               Quanto aos estabelecimentos penais, podiam ser de duas espécies: (a) fechados, de segurança máxima, reservados aos condenados a penas superiores a seis anos de reclusão ou oito de detenção – art. 38, § 1º -, ou aos de alta periculosidade; (b) abertos, dirigidos aos sentenciados de pouca ou nenhuma periculosidade, e que implicava o cumprimento da pena em regime de semiliberdade – art. 38, § 3º.

               Os sentenciados de escassa ou nenhuma periculosidade podiam beneficiar-se, ainda, da suspensão condicional da pena, desde que condenados a pena não superior a dois anos – art. 70.

               A colocação em estabelecimento penal aberto podia também representar fase da execução, progressão ao condenado, cuja periculosidade tivesse cessado ou diminuído.

               Na esteira da progressividade da execução, previu-se a possibilidade, ainda, de livramento condicional aos condenados que tivessem cumprido metade da pena, se primários, e dois terços, se reincidentes – art. 74 e seguintes.

               No que tange à pena pecuniária, retornou-se ao sistema de dia-multa.

               A pena devia ser fixada entre um e trezentos dias-multa, cada qual com valor entre um trigésimo e um terço do salário mínimo.

               A multa podia também servir como medida substitutiva à pena privativa de liberdade, desde que esta não superasse seis meses de detenção, e que o condenado tivesse reparado o dano, salvo justificada impossibilidade de fazê-lo – art. 48.

               As alterações em relação às penas acessórias também não foram sensíveis.

               O art. 82 do Código Penal de 1969 adotou como espécies destas penas: (a) a perda da função pública, ainda que eletiva; (b) a inabilitação para o exercício da função pública; (c) a inabilitação para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela; (d) a suspensão dos direitos políticos; (e) a publicação da sentença.

               Permaneceram como espécies de medidas de segurança as patrimoniais e as pessoais – art. 91.

               As primeiras podiam consistir na interdição de estabelecimento industrial ou comercial ou sede de sociedade ou associação – art. 91, § 2º, inciso I -, ou ainda o confisco – inciso II, do mesmo artigo.

               As medidas pessoais previstas tinham natureza detentiva, podendo consistir em internação em manicômio judiciário e internação em estabelecimento psiquiátrico anexo ao manicômio judiciário ou ao estabelecimento penal; não-detentivas, isto é, a cassação de licença para direção de veículos, o exílio local, a proibição de freqüentar determinados lugares e a interdição do exercício de profissão.

               A medida de segurança de internação restou reservada aos inimputáveis e, excepcionalmente, aos “semi-imputáveis” – detentores de culpabilidade diminuída.

6.Reforma da Parte Geral de 1984 – Aspectos Gerais

              Com a não entrada em vigor do Código Penal de 1969, permaneceu a necessidade de adequação da legislação penal, face às rápidas e radicais transformações ocorridas nas relações sociais.

               Nestas circunstâncias, foi editada a Nova Parte Geral do Código Penal, elaborada a partir do Projeto da Comissão presidida pelo eminente Professor Francisco de Assis Toledo.  

               A nova Parte Geral trouxe inúmeras inovações, e colocou, com técnica apurada, a nossa legislação penal entre as mais modernas do mundo.

               Entre as mais relevantes novidades podem ser destacadas a fixação de limites e hipóteses restritas para a responsabilidade penal por omissão; a introdução da figura do arrependimento posterior como causa de diminuição de pena; a substituição da dicotomia entre erro de fato e de direito por outra mais adequada, entre erro de tipo e de proibição; a distinção do tratamento penal aos autores e partícipes no concurso de agentes.

               Também em matéria de sanções penais muitas foram as inovações, complementadas e guarnecidas de institutos para a formação do sistema de penas pela Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84.

               A nova Parte Geral estabeleceu apenas três espécies de penas: (a) privativas de liberdade; (b) pecuniária – multa; (c) restritivas de direitos, representando estas uma alternativa à pena de prisão.

               As penas acessórias foram abolidas. Algumas delas foram transformadas em restritivas de direitos, como as proibições de exercício de função e cargo público, a de exercício de profissão que dependa de licença do poder público e a suspensão da habilitação para dirigir veículos – art. 47. Outras foram convertidas em simples efeitos da condenação, como a perda de cargo ou função pública, a incapacidade para o exercício do pátrio poder – poder familiar -, tutela ou curatela, a inabilitação para dirigir veículo – art. 92 – e a suspensão dos direitos políticos pelo tempo que durar o cumprimento da pena.

               Outra importante modificação foi a eliminação do sistema do duplo binário e a sua substituição pelo sistema vicariante, mediante o qual se vedou a aplicação de medidas de segurança aos imputáveis e se conferiu ao Juiz a discricionariedade regrada de optar, para os “semi-imputáveis”, pela aplicação de pena ou de medida de segurança.

               Ainda com relação às medidas de segurança, foram abolidas as patrimoniais e as não-detentivas, previstas pelo regime anterior, estabelecendo-se apenas duas espécies: uma detentiva, ou seja, a internação, e o tratamento ambulatorial, de natureza restritiva.

              

                


1 José Henrique Pierangelli, Códigos Penais do Brasil. Bauru: Jalovi, 1980, p. 07. De se observar que, no direito civil, tal diploma legal permaneceu em vigor até a vigência do Código Civil de 1916.

2 Tratado de Direito Penal, 2ª ed., Parte Geral, tomo I. Rio de Janeiro: José Konfino, 1950, p. 67.

3 “Qualquer homem, que dormir com sua filha ou com qualquer outra descendente, ou com sua mãi, ou com sua ascendente, sejão queimados, e ella também, e ambos feitos em pó”.

4 A crueldade, ao menos em relação aos presos provisórios, foi abolida em nosso país ainda antes da independência, mediante Decreto expedido por D. Pedro, então Príncipe Regente, em 23 de maio de 1821. Estabeleceu-se então a proibição de reclusão em masmorra estreita, escura ou infecta, bem como a abolição do uso de correntes, algemas e grilhões e outros ferros inventados para martirizar homens ainda não julgados a sofrer qualquer pena aflitiva por sentença final.

5 Assim, João Monteiro qualificou-o como o “pior de todos os Códigos conhecidos”. Plínio Barreto, por sua vez, asseverou: “em face da cultura jurídica da era em que foi redigido, coloca o legislador republicano em posição vexatória, tal a soma exorbitante de erros absurdos que encerra, entremeados de disposições adiantadas, cujo alcance não pôde ou não soube medir” (Frederico Marques, Tratado de Direito Penal, 1ª ed. atualizada. Campinas: Bookseller, 1997, p. 124).

6 Com tal providência pretendia-se que o condenado refletisse sobre a sua conduta, formasse culpa interior e arrependimento pela prática do delito.

7 A pena de prisão correcional era destinada aos mendigos, vadios, capoeiras e desordeiros, cumprida em colônias fundadas pela União ou pelos Estados, e visava a reabilitação, pelo trabalho ou instrução.

Quanto à suspensão condicional – sursis -, era prevista para a hipótese de primeira condenação às penas de multa conversível em prisão, ou de prisão de qualquer natureza, pelo prazo máximo de um ano. Deveria o condenado, sob pena de revogação, realizar as indenizações ou restituições devidas, salvo o caso de insolvência, e pagar as custas do processo

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Sobre o autor
Antonio Carlos Santoro Filho

Juiz de Direito em São Paulo (SP). Pós-graduado em Direito Penal. Autor de livros de Direito Penal, Processo Penal e Filosofia.

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